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Quesitos sobre o elemento subjetivo do tipo

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A texto trata da formulação dos quesitos a serem apresentados ao conselho de sentença do tribunal do júri, mais especificamente sobre a necessidade de formular quesitos sobre o elemento subjetivo da conduta punível.

Sumário. 1 Introdução. 2 Quesitação do fato principal. 3 O elemento subjetivo da ação no fato principal. 4 quesito sobre a culpa stricto sensu. 5 Quesitos sobre as teses da defesa. 6 Do excesso culposo nas excludentes de ilicitude. 7 Formulação de quesito para o excesso culposo. 8 Prorrogação da competência do Conselho de Sentença. 9 Conclusões.


1 INTRODUÇÃO

Participar de uma coletânea de estudos em homenagem ao professor Ariosvaldo de Campos Pires para mim é uma honra singular. Também tive a honra de ser colega do professor no Departamento de Direito e Processo Penal, da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Em nosso curto convívio eu, provavelmente, não tenha tido uma oportunidade de expressar adequadamente a minha profunda admiração pelo brilhante professor, advogado que soube como poucos honrar e dignificar a profissão e pessoa humana especial que foi Ariosvaldo. Em singela homenagem, ofereço-lhe uma breve reflexão sobre tema afeto ao Tribunal do Júri. A escolha me parece pertinente, pois nos Tribunais do Júri de Belo Horizonte e Minas Gerais o dr. Ariosvaldo deixou lembranças inesquecíveis de seu talento.

A contribuição que pretendo oferecer diz respeito ao tema da formulação dos quesitos a serem apresentados ao Conselho de Sentença, mais especificamente sobre a necessidade de formular quesitos sobre o elemento subjetivo da conduta punível.

Muito embora a tarefa de formulação dos quesitos utilizados para os julgamentos no Tribunal do Júri seja bastante complexa e importante, não mereceu do legislador maior atenção. O Código de Processo Penal em vigor dedicou ao assunto apenas um artigo, o de número 484. Diante da grandiosidade do tema e das repercussões que os quesitos provocam no resultado dos julgamentos é forçoso reconhecer que a deficiência legislativa contribui de maneira significativa para o elevado número de anulações, em segundo grau de jurisdição, das decisões proferidas em julgamentos procedidos pelo Tribunal do Júri. [01]

Como se sabe, os quesitos são perguntas escritas, formuladas sobre o fato criminoso e as circunstâncias essenciais ao julgamento, por meio das quais os jurados decidem a causa. [02] Determina o inc. VI do art. 484 do CPP que os quesitos devem ser formulados em proposições simples e bem distintos, de maneira que cada um deles possa ser respondido com suficiente clareza. Com essas orientações, parece que o trabalho de formulação e apresentação dos quesitos ao Conselho de Sentença não apresenta maiores dificuldades. No entanto, não é isso que acontece e os erros na quesitação constituem o principal motivo para a reforma das decisões do órgão colegiado. Para melhor entender as dificuldades existentes no atual sistema de julgamento pelo Tribunal do Júri é necessário considerar as premissas que devem orientar a formulação dos quesitos a serem submetidos ao Conselho de Sentença.

Em primeiro lugar, cabe perceber que a resposta aos quesitos é a única forma de expressão dos jurados. O jurado somente poderá responder o que lhe for perguntado e a forma como se elabora a pergunta não pode inviabilizar opções de respostas. É claro que as respostas possíveis são apenas sim e não, mas a ausência de uma indagação necessária inviabiliza a plena manifestação do jurado.

Como o Tribunal do Júri é composto por jurados leigos, as indagações devem ser formuladas unicamente sobre matéria de fato, não podendo conter expressões ou termos cuja compreensão exija conhecimentos jurídicos. Reconhecidos no caso concreto os elementos fáticos necessários ao acolhimento das teses defendidas pelas partes, caberá ao juiz-presidente determinar as conseqüências jurídicas pertinentes. Essa regra, a primeira vista, não traz maiores dificuldades. Entretanto, como o art. 484 não traz disposição expressa nesse sentido, não raro são formulados quesitos relativos à licitude da conduta do acusado ou sobre a produção culposa do resultado.

Também é importante notar que a decisão do Conselho de Sentença não está vinculada à vontade das partes e essa é uma conseqüência natural da soberania dos veredictos. Assim, mesmo tendo o acusador sustentado hipótese de absolvição, poderá o Tribunal do Júri condenar. Diante de uma sustentação que pleiteia condenação por um crime, pode o Tribunal do Júri condenar por outro, mesmo que a defesa não tenha sustentado a desclassificação. Caso contrário, haveria um simulacro de julgamento, onde personagens não legitimados estariam decidindo a lide penal mediante restrições às manifestações que retratem o entendimento dos jurados.

Por fim, a quesitação somente deve submeter aos jurados questões de sua competência, ou seja, relativas aos crimes dolosos contra a vida e os que lhe forem conexos. Esta regra está expressa no art. 74 combinado com o art. 81, ambos do Código de Processo Penal.

Na prática, as dificuldades da quesitação habitualmente se verificam em três momentos distintos: na redação do quesito feita pelo juiz-presidente, que deve ser suficientemente clara e não englobar dois ou mais aspectos importantes em uma mesma indagação; na consideração do prejuízo aos quesitos posteriores, diante das respostas oferecidas aos quesitos anteriores; e, por fim, na compreensão do jurado aos quesitos formulados. Em decorrência do número de acusados, dos crimes cometidos e das teses de defesa apresentadas, a quesitação pode se apresentar muito extensa e a probabilidade de erros na formulação dos quesitos, condução do procedimento, e compreensão das indagações aumenta consideravelmente, transformando a quesitação numa verdadeira usina de nulidades.


2 QUESITAÇÃO DO FATO PRINCIPAL

A questão relativa ao desdobramento dos quesitos deve merecer redobrada atenção dos operadores do Direito que militam nos Tribunais do Júri. Na legislação processual em vigor, adotou-se o princípio da complexidade dos quesitos, que propugna necessária à formulação do questionário a ser apresentado aos jurados o seu desdobramento por várias indagações. A complexidade do questionário que reside em seus vários quesitos, na realidade, não significa complexidade do julgamento, já que os quesitos devem ser formulados em proposições simples e bem distintas, de maneira que cada um deles possa ser respondido com suficiente clareza. No entanto, o princípio da simplificação do questionário, que propugna pela elaboração do questionário com o mínimo possível de quesitos, é defendido por alguns doutrinadores. Resta saber, se a simplificação do questionário implica na simplificação do julgamento.

Um questionário com multiplicidade de quesitos proporciona maior facilidade para a correção do julgamento, na medida em que identifica com mais clareza as diversas teses sustentadas no Plenário, fazendo com que os jurados se manifestem especificamente sobre cada uma delas. A maneira como o juiz-presidente desdobra as idéias em quesitos e a ordem em que os apresenta aos jurados, contudo, tem sido causa de inúmeras nulidades.

O art. 484 do CPP, em seu primeiro inciso, dispõe que o primeiro quesito versará sobre o fato principal, de conformidade com o libelo. Por fato principal deve entender-se o fato criminoso [03], pois a acusação não se refere aos fatos penalmente irrelevantes. Mas, o primeiro quesito deve referir-se apenas a parte principal do fato criminoso, ou seja, à figura típica fundamental. [04]

A seguir, o segundo inciso determina que "se entender que alguma circunstância, exposta no libelo, não tem conexão com o fato ou é dele separável, de maneira que este possa existir ou subsistir sem ela, o juiz desdobrará o quesito em tantos quantos forem necessários".

Pode-se perceber que a redação do dispositivo legal não foi nada feliz ao esclarecer as hipóteses que autorizam o desdobramento dos quesitos relativos ao fato principal. É evidente que as circunstâncias que não tenham conexão com o fato criminoso não devem ser objeto de quesitação e, nesse caso, o dispositivo mais confunde do que esclarece. Ao se referir à circunstância que é separável do fato principal, de modo que este (fato principal) possa existir ou subsistir sem ela, o dispositivo parece indicar a necessidade do desdobramento quando se tratar de crime qualificado. Os demais incisos do art. 484, bem como de seu parágrafo único, não se referem às qualificadoras. Embora a redação do dispositivo utilize a expressão circunstância, que significa estar ao redor e não serve para definir o aspecto da conduta que integra como elemento essencial o tipo qualificado, consagrou-se a prática de que às qualificadoras devem corresponder quesitos distintos. Fazendo um quesito para o fato descrito no modelo de comportamento proibido fundamental e outro para cada elemento qualificador, o juiz-presidente possibilitará ao Conselho de Sentença decidir se o crime foi simples ou qualificado e, na última hipótese, quais qualificadoras devem ser reconhecidas.

Embora a questão não seja pacífica [05], a doutrina e jurisprudência majoritária entendem que os quesitos relativos às qualificadoras devem ser formulados após os quesitos relativos às teses da defesa. [06] O art. 484 não se refere expressamente às qualificadoras e, considerando que o crime qualificado importa em mudança qualitativa do fato-crime, parece mais correto entender que os quesitos desdobrados do fato principal devem tratar das qualificadoras. Note-se que existem qualificadoras no homicídio que dizem respeito ao meio de execução do fato principal, como o emprego de fogo, asfixia ou explosivo. Destarte, não é possível desconsiderar que o elemento qualificador diz respeito diretamente ao fato principal. Por outro lado, importa notar que o inc. IV do art. 484 do CPP não se refere às qualificadoras, mas sim às circunstâncias que determinam aumento de pena. A causa de aumento de pena não pode ser confundida com a qualificadora. Na causa de aumento, o fato-crime é o mesmo e a circunstância determina modificação da pena a ser aplicada, que ocorre no terceiro momento da dosimetria da reprimenda (art. 68 do Código Penal). Na hipótese de crime qualificado, a essência do fato-crime é outra e, por isso, outra é a cominação de pena que irá circunscrever a possibilidade de definição da pena-base.

O desdobramento em quesitos do fato principal é comumente utilizado para estabelecer a autoria e o nexo de causalidade existente entre a conduta e o resultado. [07] Dessa forma, convencionou-se identificar o primeiro quesito como sendo o relativo à autoria e o segundo à materialidade. Na hipótese de homicídio, a primeira pergunta diria respeito ao fato de ser o acusado o autor dos golpes desferidos contra a vítima. No segundo quesito é indagado aos jurados se as lesões produzidas foram a causa de sua morte. Diz-se que este último quesito é relativo ao nexo causal ou à letalidade das lesões. [08] Certamente, reconhecido o primeiro fato e não reconhecido o segundo, o Conselho de Sentença terá decidido no sentido de que causa superveniente, por si só, determinou o resultado.

Para que o agente responda por tentativa, nos moldes dos arts. 13, § 1º, e 14, inciso II, ambos do Código Penal, é necessário reconhecer no autor a intenção de matar a vítima. Esta sistemática de desdobramento não está prevista no art. 484 do CPP, pois, a caracterização do crime de homicídio pressupõe uma unidade que engloba tanto a conduta quanto o resultado material, sendo que ambos estão ligados pelo nexo de causalidade. Não poderão subsistir isoladamente como fatos puníveis, mas deverão ser indagados aos jurados em quesitos distintos. A solução encontrada não encontra previsão legal, mas o desdobramento dos quesitos atende ao fim prático de não cercear a decisão dos jurados.

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3 O ELEMENTO SUBJETIVO DA AÇÃO NO FATO PRINCIPAL

É importante lembrar que o quesito é o único meio pelo qual o Conselho de Sentença expressa seu entendimento e a formulação do quesito não pode cercear a manifestação dos jurados. Assim, o juiz-presidente não pode inviabilizar as opções dos jurados quanto ao exame da causa que lhe é submetida. Entretanto, este é um cuidado que não tem sido adequadamente observado.

Nesse sentido, cabe notar a necessidade de se fazer quesitos especialmente voltados ao o exame do elemento subjetivo do autor. [09] Mesmo não tendo a defesa levantado a tese da produção culposa do resultado, os jurados podem entender, e são soberanamente livres para tanto, que o agente não obrou com dolo. Por isso o juiz-presidente deve formular quesitos sobre o elemento subjetivo da conduta distintos dos que indagam sobre o movimento corpóreo e a produção do resultado lesivo. Perquirir sobre o animus necandi no homicídio, por exemplo.

Formulado após os quesitos relativos à autoria, à materialidade e à letalidade, os quesitos sobre o elemento subjetivo possibilitarão ao Conselho de Sentença manifestar-se por desclassificação até mesmo não pleiteada nos debates. Tratando-se de julgamento por fato único, se o Conselho de Sentença reconhecer que o acusado produziu as lesões corporais que causaram a morte da vítima sem a intenção de produzir esse resultado e sem assumir o risco de produzi-lo, o julgamento deverá ser transferido ao juiz-presidente que julgará se o fato caracteriza uma lesão corporal seguida de morte, havendo o necessário dolo de lesão; um homicídio culposo ou mesmo um fato penalmente irrelevante, diante da ausência de qualquer dos requisitos do fato culposo, como a previsibilidade do autor da conduta, por exemplo.

Não apresentar ao Conselho de Sentença quesitos sobre o elemento subjetivo implica em presunção de sua existência e cerceamento da livre manifestação dos jurados. A má formulação dos quesitos pode materializar presunção de dolo tanto nos casos de crime consumado como tentado.

No caso de tentativa, os modelos de quesitos formulados em alguns manuais apresentam fórmula peculiar que manifestamente estimula o desacerto dos operadores do Direito. Sugerem seja apresentado logo após o quesito referente letalidade da conduta um quesito formulado do seguinte modo:

Quesito: assim agindo, iniciou a execução de crime de homicídio somente não consumado por circunstâncias alheias à sua vontade?". [10]

A proposta de redação para o quesito contém pecados graves que trazem nulidade insuperável e não podem passar despercebidos. A primeira impropriedade manifesta diz respeito a indagar do jurado se o réu deu início a um crime de homicídio, pois implica atribuir ao juiz leigo a decisão sobre uma questão de Direito. Homicídio é conceito técnico que não deve ser apreciado pelo jurado. O correto é indagar se o réu tinha a intenção de matar a vítima. O fato de intencionalmente buscar a morte da vítima, admitido pelo Conselho de Sentença, deve ser interpretado juridicamente pelo juiz-presidente. Da mesma forma o reconhecimento de que o réu foi impedido de matar a vitima, quando sua conduta era direcionada a realizar tal objetivo.

Também importa observar que a indagação proposta é manifestamente inadequada por reunir duas questões importantes ao estabelecer vinculação entre a execução de um crime de homicídio e o impedimento de sua consumação. O autor do fato pode ter iniciado um crime de lesão corporal grave sendo que, interrompido em sua conduta, não conseguiu produzir o resultado lesivo desejado. Fica ao jurado a seguinte dúvida, constatada a interrupção da conduta delitiva, deve ser o quesito respondido com sim? mas, e se o jurado entender que o autor do fato não pretendia matar a vítima, deverá responder não?

A proposta para a redação do quesito acaba por presumir a existência do elemento subjetivo exigido para caracterizar o tipo de homicídio, dando maior ênfase ao aspecto da interrupção da conduta. Constando da parte final da redação do quesito, a indagação sobre a interrupção por circunstâncias alheias à vontade do réu ganha maior relevância do que a implícita afirmação sobre a existência de vontade compatível com a prática de um homicídio. Estas questões nunca poderiam ser submetidas ao Conselho de Sentença em um só quesito.

Outra impropriedade ainda se evidencia. A apuração sobre o elemento subjetivo não pode se realizar num único quesito. É que, segundo a legislação repressiva nacional, dolo é querer produzir o resultado ou assumir o risco de que tal resultado se produza. Assim, nos casos de homicídio doloso, devem ser formulados dois quesitos: o primeiro indagando se o réu tinha a intenção de matar a vítima e o segundo indagando se o réu assumiu o risco de matar a vítima. Reunir as duas questões em um único quesito é igualmente impróprio, pois é possível que a resposta sim que venha a formar a maioria necessária ao deslinde do julgamento decorra de entendimentos distintos.

No caso de consumação, a situação é a mesma: os modelos de questionário sugerem para o fato principal quesitar somente se o réu foi o autor das lesões corporais e se tais lesões foram a causa da morte da vítima.

Ora, um questionário que não apresente quesitos específicos sobre o elemento subjetivo do acusado acaba por presumir sua intenção. Se qualquer jurado entender que o réu foi o autor das lesões que causaram a morte da vítima, mas que sua conduta não foi dolosa, não terá como manifestar tal entendimento. Nenhum quesito que lhe tenha sido apresentado possibilita manifestar sua convicção.

Por outro lado, vale notar que no julgamento de crime único não é correto formular quesitos sobre a produção culposa do resultado. Como o Tribunal do Júri é competente apenas para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida e os que lhe são conexos, no julgamento de crime único a indagação deve restringir-se a existência do dolo. [11] Não havendo o elemento subjetivo caracterizador da competência do Tribunal Popular, conforme o art. 492, § 2º, do CPP, ao juiz de Direito caberá a análise do fato à luz dos critérios jurídicos estabelecidos para o julgamento monocrático. Assim, não reconhecido o dolo na conduta do agente, ao juiz de direito caberá julgar o fato e decidir se os critérios necessários à caracterização do crime culposo se apresentam. Indagar dos jurados sobre a produção culposa do resultado significa invadir competência privativa do juiz-presidente. A formulação de quesito sobre a culpa somente é possível nas hipóteses de conexão ou continência com um crime doloso contra a vida. Nos termos do art. 81 do Código de Processo Penal, julgado um crime doloso contra a vida (com a procedência ou improcedência da acusação) é possível ao Conselho de Sentença julgar crimes culposos que lhe são conexos.

Considerando que os quesitos sobre o fato principal devem ser formulados de conformidade com o libelo (art. 484, I, do CPP), é conveniente que o quesito sobre o elemento subjetivo da conduta seja articulado já na oportunidade do libelo.


4 QUESITO SOBRE A CULPA STRICTO SENSU

Por influência da obra de Welzel, que tratou do tipo subjetivo apenas na seção relativa ao injusto dos delitos dolosos [12], a doutrina não costuma considerar a culpa como elemento subjetivo do tipo. [13] É comum ensinar que a culpa é elemento normativo que não permite caracterizar um tipo subjetivo para o crime culposo. [14] Nesse sentido, Juarez Tavares entende não ser recomendável distinguir um tipo subjetivo nos crimes culposos, sustentando que a relevância da conduta decorre de puro juízo objetivo sobre a concreta violação do dever de cuidado e a voluntariedade da realização da conduta não guarda congruência com a produção do resultado lesivo. [15] No entanto, a lição não me parece correta.

Zaffaroni e Pierangeli esclarecem que "se a conduta não é concebida sem vontade, e não se concebe a vontade sem finalidade, a conduta que individualiza o tipo culposo terá uma finalidade, da mesma forma que a que individualiza o tipo doloso." [16] Isto significa que o tipo subjetivo abrange o dolo, a culpa e todos os aspectos subjetivos do comportamento que interessem à caracterização da conduta descrita no tipo. [17] Todo e qualquer o tipo incriminador pressupõe a realização de uma ação ou omissão voluntária, o que distingue o tipo doloso do culposo é que neste último o autor do fato não deseja o resultado lesivo – orienta sua conduta para não produzi-lo. Da mesma forma que o autor de conduta dolosa, o autor de conduta culposa orienta sua conduta por uma finalidade e tal finalidade é necessária para satisfazer as exigências do tipo culposo. Não há dúvida de que para a caracterização do tipo culposo é essencial constatar no autor do fato a intenção de não produzir o resultado lesivo. O elemento subjetivo que orienta a conduta no sentido de realizar determinado resultado lesivo tem a mesma natureza que o elemento que orienta a não produzir tal resultado. Portanto, não se pode dizer que o elemento subjetivo da conduta seja apenas a intenção de fazer algo. É também a intenção de não fazer algo.

A culpa, da mesma forma que o dolo, é conceito jurídico-penal que se presta a identificar a postura psíquica do causador da violação à norma jurídica. A culpa stricto sensu não existe na realidade natural, só no contexto normativo-valorativo do tipo penal. Como elemento do tipo, a culpa é elemento normativo que integra o tipo subjetivo. Nesse sentido, Jakobs [18] e Mir Puig [19] asseveram que a parte subjetiva do tipo é sempre constituída pela vontade individual que possibilita a caracterização tanto do dolo como da culpa.

A caracterização do fato culposo pressupõe a satisfação de elementos objetivos, que também devem ser objeto de quesitação. Assim, é necessário indagar aos jurados sobre a existência de determinado cuidado objetivo com capacidade para evitar o resultado lesivo e se o autor do fato tinha o dever de observá-lo.

No entanto, no crime culposo prepondera a marca peculiar do elemento intencional-subjetivo. Se, no dolo, o elemento intencional é dirigido à realização da conduta que viola a norma jurídica (produzindo o resultado naturalístico, quando for o caso), na culpa, a intenção do autor do fato não é produzir o resultado lesivo. Objetivamente, as condutas dolosas e culposas podem produzir as mesmas manifestações exteriores. Tratando-se de homicídio, em qualquer caso ocorrerá a morte da vítima. Mas é a intenção que orienta a conduta do infrator da norma que confere relevância jurídico-penal ao fato. Querer matar a vítima é mais grave do que querer praticar uma ação descuidada, sem a intenção de matar qualquer pessoa.

Assim, a conformação do tipo subjetivo em duas modalidades alternativas, tipo doloso e tipo culposo, presta-se a orientar a carga de reprovação jurídica dirigida ao fato punível. [20] Caracterizada a conformação do tipo doloso, a reprovação será mais grave. Por sua vez, satisfeitas as exigências do tipo culposo, a reprovação jurídica dar-se-á com menor intensidade do que a reservada ao fato doloso.

Como a competência do Tribunal do Júri é para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida e dos que lhe são conexos, a formulação de quesitos sobre a produção culposa do resultado lesivo somente tem lugar nos casos de crimes culposos conexos ao doloso. Uma hipótese comum em que ocorre um crime culposo conexo é o caso do erro de execução com duplo resultado lesivo, nos termos da parte final do art. 73 do Código Penal.

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Sobre o autor
Fernando Antonio Nogueira Galvão da Rocha

juiz civil do Tribunal de Justiça Militar, professor adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Fernando Antonio Nogueira Galvão. Quesitos sobre o elemento subjetivo do tipo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1462, 3 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10102. Acesso em: 28 mar. 2024.

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