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Dos incidentes da suspensão da prescrição e do processo (art. 366, CPP)

19/11/1997 às 00:00
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Em face do disposto em o art. 366 do C.P.P., com a redação da Lei 9.271/96, necessário se faz expender as seguintes considerações:




Da Suspensão da Prescrição - Limite:


1. Inicialmente, é preciso ter em mente que o legislador não fixou limitação à suspensão prescricional.

2. Reza o dispositivo legal em disceptação, "verbis":

"Se o acusado, citado por Edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e se for o caso, decretar a prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312". Grifei.

3. Referentemente à suspensão do prazo de prescrição, imperioso sublinharmos que a doutrina pátria entende que as hipóteses de imprescritibilidade estão enumeradas, taxativamente, na Carta da República (art. 5º, XLII e XLIV).

4. Esse abalizado entendimento originou , pelo menos, três distintas correntes: a primeira (René Ariel Dotti), afirma que à falta de limitação temporal deve-se ter em conta o limite máximo do prazo previsto no Código Penal, que é de vinte anos (art. 109, I); a segunda (Damásio E. de Jesus), tem que a solução está em se aplicar os módulos temporais previstos no art. 109, I / IX, do Estatuto Repressivo, correspondentes à pena máxima prevista para o ilícito perpetrado; a terceira corrente (Antônio Scarance Fernandes) afirma, com esteio em o art. do 75, do C.P., que o prazo de suspensão da prescrição não pode ultrapassar trinta anos de duração.

5. É sabido que ao direito penal contemporâneo repugna a idéia de penas imprescritíveis. Porém, tal concepção não deve conduzir à inferência de que a duração temporal da suspensão da prescrição deva ficar, obrigatoriamente, limitada e vinculada aos prazos estabelecidos exatamente para seu regular transcurso.

6. A novel redação determina a suspensão do curso do prazo de prescrição, unicamente, quando citado por edital, o defendente não comparecer nem constituir advogado. Não delimitou hipóteses de imprescritibilidade. Esta, só eclodiria, em tese, reflexamente.

7. Assim, à evidência, não se pode desfigurar o instituto da suspensão do transcurso do prazo prescricional, ensejada pela renovada redação adjetiva - mediante manejo de dispositivo absolutamente incompatível com a espécie travejada : o art. 109, do C.P.

8. Este artigo elenca prazos prescricionais, estabelecendo escalas de tempo suscetíveis de enquadramento com o máximo de pena sancionada (preceito secundário) nos tipos incriminadores.

9. Pois bem, se a norma engastada no art. 366, do CPP afirma, categoricamente, que tais prazos, verificado determinado fato, ficarão suspensos como utilizar-se, indagamos , sem despirmo-nos de necessária lógica, o fluir dos módulos temporais arrolados naquele dispositivo (109, C.P.), para fazer voltar correr a prescrição inicialmente suspensa pelo último, sem que tenha havido razão jurídica para tanto, ou seja , "v.g.", o comparecimento do acusado (art. 366, parágrafo 2º,CPP).

10. Tratar-se-ia , se nos parece, de interpretação "contralegem". Isto é, se a suspensão em destaque persegue obstacular a movimentação dos prazos encapsulados nos escaninhos do versículo 109, não é razoável manipular-se os mesmos prazos ao ensejo de vencer a barreira imposta pelo legislador.

11. Por outro giro, também não se pode olvidar que o preceito normatizado tem natureza dúplice : suspende o lapso prescricional (em detrimento do inculpado); mas o agracia, com a suspensão do processo, evitando , assim, que seja julgado à revelia ("paridade de armas").

12. Tal fato, indubitavelmente, equilibra a peculiar situação processual alvitrada pelo artigo em destaque e permite entender como razoável a intelecção esgrimada na última corrente (Antônio Scarance Fernandes).

13. Ante a impossibilidade constitucional (salvante as exceções antes nomeadas) de subsistirem penas imprescritíveis em nosso ordenamento, não é de se vislumbrar como contrário ao sistema da suspensão prescricional o estabelecer-se como limite máximo aquele previsto para o cumprimento das penas privativas de liberdade, ou seja, 30 (trinta) anos (art. 75, CP)(terceira corrente), na dimensão em que, ao menos, resguarda a finalidade do instituto em descortino.

14. E, o fato de se tratar de período assaz longo, não veicula razão suficiente para desautorizar essa analogia; na realidade, revela a razão de ser de sua adequação à matéria travejada.

15. Do contrário, a norma do art. 366, do CPP restaria esvaziada de conteúdo, mormente em delitos de pena exígua (máximo da pena inferior a um ano), pois, mantida a contumácia do réu fictamente citado, após o transcurso de, "e.g.", 02 (dois) anos ( art. 109,VI, CP) o tempo retornaria a correr implacavelmente a seu prol, enquanto o processo permaneceria em crise de hibernação legal.

16. A situação hipotetizada faz antever situação ainda mais detrimentosa para a sociedade - já exausta da ascendente espiral da impunidade - do que o modelo processual revogado vez que o processo, antes, ao menos, não dormitava suspenso... Agora existe o risco potencial do reinicio da contagem do prazo prescricional, sem que a instrução seja reagitada.

17. Curioso notar , que o impedimento da prescrição, em matéria penal, não é figura nova. Absolutamente. Basta uma vista no art. 116, do Estatuto Repressivo para se verificar que ali estão previstas duas distintas possibilidades de configuração, "verbis":

"Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre:

I - Enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime;

II - enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro."

18. De observar-se, que na versão do inciso "II", se a pena cumprida no estrangeiro pelo agente for de prisão perpétua (existente em inúmeros países) teríamos, teoricamente, desde há vários lustros, um evidente caso de imprescritibilidade indireta.




Da Suspensão do Processo - Audição de Testemunhas:


19. Apesar da existência de respeitabilíssima (o superlativo vale "in integrum") posição doutrinária divergente, tenho que a análise da suspensão do processo ensejada pelo renovado art. 366 do Cânon processual penal, em cotejo com analogia de dispositivos outros insertos no mesmo compêndio, levam, como procuraremos demonstrar, à inteligência de que predita suspensão não afasta a possibilidade da colheita antecipada da prova testemunhal elencada na peça vestibular.

20. Entendem avisados exegetas que provas urgentes se circunscrevem a "casos de necessidade de testemunha ausentar-se da comarca, velhice, doença, que inspirem ao Juiz receio de que não possam ser produzidas no futuro (CPP. art. 225). Não se trata pois, de antecipar-se a realização de qualquer prova, como , v.g. ,a testemunhal, sob a alegação de que é comum não se encontrar pessoas que devam depor em Juízo por razões de mudança de residência morte etc. Caso contrário , não teria sentido a qualificação ´urgentes´ empregada no texto". Gizei.

21. A nosso pensar, no entretanto, o ponto nodal no que respeita à suspensão processual está em que não se pode, na situação ensejada pelo art. 366 prorrogar , indefinidamente, a produção da prova testemunhal.

22. O conceito susotranscrito de urgência da prova pessoal se relativiza, torna-se verdadeiramente fluido quando se leva em consideração que a suspensão pode durar mais de 01 ano, ou mais de 02 anos, ou mesmo 10 anos, ou ainda mais...

23. Também, não possui o Ministério Público a menor condição de prognosticar se de hoje há 02 (dois) anos , por exemplo, a testemunha "X" terá condições mentais de depor ; nem se daqui há 05(cinco) anos, a testemunha, "M" estará viva; ou, ainda, se daqui há 08 anos a testemunha "Y", acaso encontrada, se recordará dos fatos presenciados. Muito menos , por óbvio, de acompanhar, par e passo, a evolução ou eclosão de tais fatos.

24. A idéia de que testemunhas reputadas urgentes são só, e somente só, aquelas que no tempo presente se encontram enfermas ou em vias de se ausentarem, é aceitável nos procedimentos simples: quando o "iter" não foi por qualquer razão suspenso em razão de qualquer incidente, incidindo então a dicção do art. 225, do C.P.P., "ad literam":

"Se qualquer testemunha houver de ausentar-se , ou , por enfermidade ou por velhice, inspirar receio de que ao tempo da instrução criminal já não exista, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes , tomar-lhe antecipadamente o depoimento."

25. Todavia, na espécie vazada em o art. 366 a exegese retrodestacada comporta verdadeira "álea" ; é dizer, risco potencial para o processo e virtual prejuízo para a acusação, logo , para o contraditório e para a ordem jurídica.

26. Compete divisar que a suspensão do processo não é incidente estranho à Lei Adjetiva Penal. Tome-se, à guisa de exemplo, o art. 92, versante sobre questões prejudiciais obrigatórias e que impõe o sobrestamento da ação penal - "até que no juízo cívil seja a controvérsia dirimida por sentença passada em julgado, sem prejuízo, entretanto, da inquirição das testemunhas e de outras provas de natureza urgente". Grifei.

27. Já o versículo 93, que trata da suspensão facultativa diz em sua quadra final: "(...) o juiz criminal poderá...suspender o curso do processo, após a inquirição das testemunhas e realização das outras provas de natureza urgente." Gizei.

28. Nesses casos, em face da suspensão do processo e não pelos motivos versados no aludido art. 225 - o qual volve-se, principalmente, a hipóteses em que o processo não sofre solução de continuidade - a inquirição de testemunhas ganha o timbre de urgência.

29. Por outro lado, consabido que o exame de sanidade mental , em regra , não durará mais do que 45 (quarenta e cinco) dias ; mesmo assim, apesar da estreita latitude deste prazo, o legislador cuidou de antecipar - mesmo que suspenso o processo e impossibilitado o réu de comparecer às audiências - a inquirição de testemunhas. É o que deflui do disposto no parágrafo 2º, do art. 152, do C.P.P. Confiram:

"O processo retomará o seu curso, desde que se restabeleça o acusado, ficando-lhe assegurada a faculdade de reinquirir as testemunhas que houverem prestado depoimento sem a sua presença". Grifo meu.

30. Desta forma ficou resguardado ao réu ausente não apenas o direito de reinquirir as testemunhas de acusação, evitando-se qualquer prejuízo a sua defesa; como também, sobremais, a possibilidade da oitiva de testemunhas em ações penais suspensas .

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31. De ressaltar-se, que em nenhum instante, nos exemplificados casos de incidentes de suspensão do processo cuidou o legislador de delimitar em qual circunstância poderia se considerar este ou aquele depoimento como urgente. Em verdade, em termos semânticos deixou claro, nas aludidas variantes, que todo depoimento testemunhal, em havendo suspensão processual é urgente, ao verberar: "(...)inquirição de testemunhas e de outros depoimentos considerados urgentes".

32. Referenciados dispositivos bem demonstram que ao Código de Processo Penal não repugna a idéia de que, "in genere", a prova pessoal pode ser reconhecida e recolhida como uma evidência, ontologicamente, de natureza urgente - mormente porque o ser humano não é imortal (o que é de se lamentar profundamente...) e possui memória limitada no tempo.

33. Apenas, de ressalvar-se, que em qualquer fase da instrução criminal (suspensa ou não) é obrigatório (poder-dever do magistrado) o depoimento antecipado das pessoas cujos relatos fáticos, em face de circunstâncias peculiares (elencadas no citado art. 225, do CPP) tenham de ser documentados de imediato, havendo, dessarte, urgência qualificada (urgentíssima).

34. De modo que a construção doutrinária e pretoriana quanto ao conceito de urgência no recolhimento de depoimentos pessoais, limitativa às situações elencadas no já citado artigo 225, do C.P.P., merece temperamentos (d.v.) e precisa ser ajustada ao "Incidente da Suspensão Processual por Tempo Indeterminado", emoldurado pelo art. 366, do C.P.P.

35. Em última análise , em nenhum momento lê-se do texto legal entalhado no dispositivo em digressão, que a prova testemunhal não é, em si, de natureza urgente. Não foi, outrossim, ressalvada a sua exclusão. Logo, expurgá-la importa operar interpretação restritiva em detrimento da acusação, ferindo o princípio do contraditório emblemado na Lei das Leis: esvaindo-se a igualdade das partes.

36. Como assim, indaga-se.

37. Digamos que em determinado processo, transcorridos 10 (dez) anos o réu seja preso. Em face de tal lapso temporal é de se presumir que o "Parquet" não consiga produzir em audiência o depoimento de nenhuma das testemunhas arroladas em priscas eras, porque morreram (presunção "juri et de jure", de que todos morrem), ausentaram-se (lugar incerto e não sabido) ou não se recordam de mais nada.

38. Bem, se o "parquet" não tem mais evidências a produzir - não existindo prova documental a ser demonstrada - pelo menos para a sociedade instrução processual não haverá...

39. Logo, passados os 10 (dez) anos (ou menos, ou mais), o réu será virtualmente absolvido por falta de provas, pois, há que se ter em mente o princípio do estado de inocência, no qual, segundo o mestre Mirabete "o réu não tem o dever de provar sua inocência; cabe ao acusador comprovar sua culpa; para condenar o acusado , o juiz dever ter a convicção de que é ele responsável pelo delito, bastando, para a absolvição, a dúvida a respeito da sua culpa (in dubio pro reo)" (In, Processo Penal - Ed. Atlas - 2ª Edição - 1993 - Pág. 43). Até para um juízo de pronúncia ("in dubio pro societate"), circunstancialmente, poderá surgir obstáculo.

40. A nosso sentir não colhe o argumento de que a prova produzida ao longo do Inquérito Policial é bastante para formar-se um juízo de convicção, pois, é pacífico que "a decisão condenatória baseada exclusivamente no Inquérito Policial contraria o princípio do contraditório" - S.T.F.

41. Em não havendo mais prova testemunhal arrolada na peça pórtico a ser produzida, inexistindo também outros elementos de convicção (situação deveras usual) caberá ao próprio Ministério Público pugnar pela absolvição do incriminado, pois, como fiscal da lei não lhe é dado acusar sem evidências, em homenagem ao princípio da verdade material e à própria responsabilidade profissional .

42. Em reforço a tudo que foi dito de acrescentar-se que vige no direito positivo o sistema acusatório presidido (sistema presidencial) por um Juiz de Direito (Juiz Natural) imparcial, sistema este distinto "in totum" do modelo inquisitório (do inquérito policial); portanto, não se pode vislumbrar prejuízos para o réu, principalmente quando observado o disposto no art. 366, parágrafo 1º , do CPP - ou seja, efetuada a nomeação de defensor dativo.

43. De remarcar-se, que o art. 225, do CPP, trata de urgência qualificada. Os demais casos (art.92, art. 93, art. 152, parágrafo único e, agora, principalmente, o art. 366 do C.P.P.) cingem o conceito de urgência - como não poderia deixar de ser - ao natural decurso do tempo.

44.Em apertada síntese: suspenso o processo (art. 92, 93, 152, p.único e 366) toda a prova testemunhal há de ser deduzida, independentemente da condição física dos depoentes, em função da própria suspensão ; não se operando esta, apenas nos casos versados no art. 225, é que se adiantará a audição da prova pessoal.

45. Assim, ao ensejo de garantir o princípio constitucional do contraditório, não comparecendo o réu, estando suspenso o processo, impostergável a oitiva das testemunhas arroladas na denúncia , nomeando-se ao incriminado DEFENSOR DATIVO.

46. No mais, vige no processo penal o princípio da "aquisição " da prova , segundo o qual "uma vez produzida se torna desnecessário indagar quem a produziu".

47. Aceitar-se a indefinição temporal relativamente à confecção da prova oral é permitir verdadeiro esvaimento da acusação - a ensejar via inércia processual, que razões de ordem puramente privada se sobreponham ao interesse da Justiça - tributário a um excessivo elastério do princípio da ampla defesa.

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Sobre o autor
Guilherme Costa Câmara

promotor de Justiça na Paraíba

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CÂMARA, Guilherme Costa. Dos incidentes da suspensão da prescrição e do processo (art. 366, CPP). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 21, 19 nov. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1082. Acesso em: 28 mar. 2024.

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