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A contratação direta de cursos de capacitação por inexigibilidade de licitação

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O Tribunal de Contas da União, chamado a se manifestar acerca do tema, assim se manifestou, na Decisão n. 439/1998, do Plenário, referente ao Processo nº TC 000.830/98-4:

O Tribunal Pleno, diante das razões expostas pelo Relator, decide:

1. considerar que as contratações de professores, conferencistas ou instrutores para ministrar cursos de treinamento ou aperfeiçoamento de pessoal, bem como a inscrição de servidores para participação de cursos abertos a terceiros, enquadram-se na hipótese de inexigibilidade de licitação prevista no inciso II do art. 25, combinado com o inciso VI do art. 13 da Lei nº 8.666/93;

2. retirar o sigilo dos autos e ordenar sua publicação em Ata; e

3. arquivar o presente processo.

Devido à sua clareza, pedimos vênia para transpor trechos da referida decisão, do Ministro Adhemar Paladini Ghisi, relator do Processo, que ensina:

É notoriamente sabido que na maioria das vezes, no caso concreto, é difícil estabelecer padrões adequados de competição para escolher isentamente entre diferentes professores ou cursos, tornando-se complicado comparar o talento e a capacidade didática dos diversos mestres (...) Aliás, essa realidade já foi reconhecida pela doutrina do direito administrativo. O mestre Ivan Barbosa Rigolin, ao discorrer sobre o enquadramento legal de natureza singular empregado pela legislação ao treinamento e aperfeiçoamento de pessoal, ainda quanto à aplicação do art. 23, inciso II, do Dec.-lei nº 2.300/86, defendia que:

"A metodologia empregada, o sistema pedagógico, o material e os recursos didáticos, os diferentes instrutores, o enfoque das matérias, a preocupação ideológica, assim como todas as demais questões fundamentais, relacionadas com a prestação final do serviço e com os seus resultados - que são o que afinal importa obter -, nada disso pode ser predeterminado ou adrede escolhido pela Administração contratante. Aí reside a marca inconfundível do autor dos serviços de natureza singular, que não executa projeto prévio e conhecido de todos mas desenvolve técnica apenas sua, que pode inclusive variar a cada novo trabalho, aperfeiçoando-se continuadamente.

Por todas essas razões, entendeu a lei de licitações de classificar na categoria de serviço técnico profissional especializado, o trabalho de treinamento e aperfeiçoamento de pessoal da Administração, por particulares (pessoas físicas ou jurídicas); sendo de natureza singular o serviço, será fatalmente diferente um treinamento de outro, ainda que sobre os mesmos temas, quando ministrado por particulares diversos. E, desse modo, sendo desiguais os produtos que os variados profissionais oferecem, torna-se inexigível a licitação por imperativo lógico que consta do art. 23, inciso II, do Dec.-lei nº 2.300/86." ( "Treinamento de Pessoal - Natureza da Contratação" "in" Boletim de Direito Administrativo - Março de 1993, págs. 176/79- grifo nosso) (...) Nessa mesma linha de raciocínio, destaco pensamento do administrativista Antônio Carlos Cintra do Amaral, que ao discorrer sobre a contratação de profissional para realização de treinamento de pessoal, assevera que:

"Treinamento e aperfeiçoamento de pessoal é serviço técnico profissional especializado, previsto no art. 13, VI, da mesma Lei nº 8.666/93. Em princípio, é de natureza singular, porque é conduzido por uma ou mais pessoas físicas, mesmo quando a contratada é pessoa jurídica. A singularidade reside em que dessa ou dessas pessoas físicas (instrutores ou docentes) requer-se: a) experiência;

b) domínio do assunto; c) didática;

d) experiência e habilidade na condução de grupos, freqüentemente heterogêneos inclusive no que se refere à formação profissional; e) capacidade de comunicação.

Como não se pode dissociar o treinamento do instrutor ou docente, essa singularidade subjetiva é também objetiva. Vale dizer: também o serviço por ele prestado é singular..." ( "Ato Administrativo, Licitações e Contratos Administrativos", Malheiros Editores, 1995, pág. 110) (...) A aplicação da lei deve ser compatível com a realidade em que está inserida, só assim o direito atinge seus fins de assegurar a justiça e a equidade social. Nesse sentido, defendo o posicionamento de que a inexigibilidade de licitação, na atual realidade brasileira, estende-se a todos os cursos de treinamento e aperfeiçoamento de pessoal, fato que pode e deve evoluir no ritmo das mudanças que certamente ocorrerão no mercado, com o aperfeiçoamento das técnicas de elaboração de manuais padronizados de ensino. Essa evolução deve ser acompanhada tanto pelos gestores como pelos órgãos de controle, no âmbito de suas atuações. Assim, desponta, a meu ver, com clareza que a inexigibilidade de licitação para contratação de treinamento e aperfeiçoamento de pessoal, na atualidade, é regra geral, sendo a licitação exceção que deve ser averiguada caso a caso pelo administrador.

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Entretanto, ainda que o Tribunal de Contas entenda ser permitida a inexigibilidade de licitação para contratação direta de professor para ministrar curso de aperfeiçoamento, devem ser feitas algumas ressalvas.

O artigo 25, II, da Lei de Licitações dispõe que a inexigibilidade de licitação deve estar restrita às hipóteses de prestação de serviço técnico, singular e realizado por profissionais de notória especialização.

Para Marçal Justen Filho [01], "a inexigibilidade apenas se configura diante da presença cumulativa dos três requisitos. Ou seja, não basta configurar-se um serviço técnico profissional especializado, mas a contratação direta dependerá de constatar-se a existência de objeto singular. Ademais disso, apenas poderá ser contratado um sujeito titular de notória especialização" [02].

No alusivo à notória especialização Hely Lopes Meirelles a conceitua da seguinte forma:

... é o reconhecimento público da alta capacidade profissional. Notoriedade profissional é algo mais que habilitação profissional. Esta é a autorização legal para o exercício da profissão; aquela é a proclamação da clientela e dos colegas sobre o indiscutível valor do profissional na sua especialidade [03].

Celso Antônio Bandeira de Mello observa que a notória especialização "diz respeito a trabalho marcado por características individualizadoras" [04]. Para Adilson Abreu Dallari tal notoriedade não se confunde com a popularidade, "não é necessário que o contratado seja tido como reconhecidamente capaz pelo povo, pela massa, pelo conjunto dos cidadãos, pela coletividade. Basta que isto aconteça no âmbito daquelas pessoas que operam na área correspondente ao objeto do contrato" [05].

Em relação à natureza singular do serviço, a doutrina a define de forma variada. Para Diógenes Gasparini deve se entender como "aquele que é portador de uma tal complexidade que o individualiza" [06]. Por sua vez, Celso Antônio Bandeira de Mello sustenta que "serviços singulares são os que se revestem de análogas características. De modo geral são singulares todas as produções intelectuais, realizadas isolada ou conjuntamente – por equipe – sempre que o trabalho a ser produzido se defina pela marca pessoal (ou coletiva), expressada em características científicas, técnicas e/ou artísticas." [07].

Devemos estabelecer, também, a diferença existente entre singularidade e especificidade, sendo aquela um adicional em relação à essa. O objeto singular, assim, importa em uma atividade complexa, que requer conhecimento e experiência específica e reputada fora do padrão. Implica situação que, fosse realizada licitação, provavelmente acarretaria a contratação de profissional não habilitado à execução do serviço. No entender de Justen Filho (in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 11ª ed., Dialética, 2.005, p. 282), a singularidade do objeto é caracterizada por se tratar de situação anômala, incomum, impossível de ser enfrentada satisfatoriamente por todo e qualquer profissional especializado, envolvendo casos que demandam mais do que simples especialização, pois apresentam complexidades que impedem obtenção de solução satisfatória a partir da contratação de qualquer profissional, ainda que especializado. E completa, informando que "a fórmula natureza singular destina-se a evitar a generalização da contratação direta para todos os casos enquadráveis no artigo 13" [08].

Rigolin assim se posiciona: "Natureza singular de um serviço, um trabalho, uma obra autoral, uma qualquer produção, é a característica de personalismo inconfundível que possua; é a qualidade autoral que a distingue de qualquer outra; é a sua feição própria, particular, peculiar, dada por uma e apenas uma pessoa – física ou jurídica -, impossível de substituição pelo serviço de outra pessoa. É o serviço assinalado pelo cunho ou a chancela pessoal de alguém, marcado pelo seu timbre inconfundível, dotado, por isso, de características que lhe emprestem natureza de singularidade, de inconfundibilidade com outro serviço de quem quer que seja." [09]

Carlos Ary, [10] fundado em Celso Antônio, diz que o serviço singular, para tornar inviável a licitação, deve, necessariamente, trazer a marca pessoal de seu executor. Celso Antônio também ensina a respeito dos serviços singulares, que para o referido autor são os que "se revestem de análogas características. De modo geral são singulares todas as produções intelectuais isolada ou conjuntamente – por equipe – sempre que o trabalho a ser produzido se defina pela marca pessoal (ou coletiva), expressada em características científicas, técnicas ou artísticas importantes para o preenchimento da necessidade administrativa a ser suportada." [11]

Para Jacoby [12], "é imperioso que o serviço a ser contratado apresente uma singularidade que inviabilize a competição entre os diversos profissionais técnicos especializados". Assim, percebe-se claramente que não é suficiente a especialização do serviço, que pode ser prestado por diversos profissionais da área, mas uma singularidade que inviabiliza completamente a competição.

O TCU, no TC-001.658/2001-6, definiu que:

Ocorre que não basta que determinada empresa seja fornecedora exclusiva de um bem ou serviço para que se dê guarida legal a sua contratação por inexigibilidade de licitação. É necessário mais que essa simples verificação. É imprescindível que o objeto a ser contratado seja o único a satisfazer as necessidades da Administração, bem como não haja no mercado nenhum outro de características similares, capaz de satisfazer as necessidades da Administração. Deve o objeto ter características que o tornem singular para a Administração, justificando dessa forma a exclusividade no fornecimento. Para a perfeita caracterização da razão de escolha do fornecedor, no caso da existência de bens ou serviços similares, é preciso que seja demonstrado no processo que tais similares não atendem às necessidades da Administração, sob pena de nulidade do processo.

Este o entendimento do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, no processo TC - 30.590/02/65, relativamente à singularidade do objeto:

Inexigibilidade de licitação. Notória especialização. Não evidenciada a singularidade dos serviços. Ainda que a contratada detenha conhecimentos técnicos necessários a caracterizá-la como notoriamente especializada, tal aspecto isoladamente não autoriza a celebração direta do ajuste, eis que a inexigibilidade licitatória só se justifica quando conjugado a este requisito: o da singularidade dos serviços. (Grifo nosso).

O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, em recurso de revisão contra decisão prolatada nos autos de N. 612.508, na sessão do dia 07/05/03, assim tratou acerca do tema:

Nesse sentido, a classificação de um serviço como sendo de natureza singular esbarra, sempre, nas especificações do caso concreto, demandando, assim, análise acurada do serviço de que se pretende contratar. No caso específico dos autos, creio, em face dos elementos até então coligidos, não há elementos suficientes que possam comprovar que a empresa contratada possuía notória especialidade que inviabilizasse a competição para a execução dos serviços (não há nos autos documentação relativa à empresa contratada), nem tampouco restaram comprovadas a necessidade e a singularidade dos serviços prestados.

Assim, não é a alegação de notória especialização, única e exclusivamente, capaz de autorizar a inexigibilidade de licitação. O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, na decisão citada, assim se manifestou:

Inicialmente, cumpre esclarecer que, para que se configure a hipótese de inexigibilidade de licitação prevista nos dispositivos sob comento, necessário se faz conjugar os elementos definitórios do serviço singularidade e notória especialização. Vale dizer, a Administração somente poderá justificar a contratação direta quando comprovar a capacidade notória do contratado e a necessidade dessa especialização. Não ocorrendo esse binômio, a licitação se impõe.

Cumpre ressaltar, a especialização em determinada área de conhecimento não permite por si só a inexigibilidade de licitação, devendo ser conjugada com outros requisitos, dentre os quais a demonstração de que as características particulares do profissional são as únicas que preenchem a necessidade da Administração.

Ponto também merecedor de menção é o atinente ao valor cobrado pelo profissional para a realização de cursos e palestras. É necessária a comprovação de que o valor pedido pela contratada encontra-se em consonância com os valores normalmente pedidos pela mesma para serviços similares em outras instituições públicas. Nesse sentido se manifestou o Tribunal de Contas da União, no Acórdão 819/2005 do Plenário:

Quando contratar a realização de cursos, palestras, apresentações, shows, espetáculos ou eventos similares, demonstre, a título de justificativa de preços, que o fornecedor cobra igual ou similar preço de outros com quem contrata para evento de mesmo porte, ou apresente as devidas justificativas, de forma a atender ao inc. III do parágrafo único do art. 26 da Lei 8.666/1993.

Portanto, não estando presentes os três requisitos, não há que se falar em inexigibilidade de licitação.


Notas

  1. FILHO, Marçal Justen. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 11.ed. São Paulo: Dialética, 2005.
  2. Art.25.É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: II-para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação
  3. MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e Contrato Administrativo. 11ª ed. São Paulo. Malheiros Editores. 1996. p. 50.
  4. MELLO, Celso Antônio Bandeira. Licitação. Editora RT. 1980. p. 19.
  5. DALLARI, Adilson Abreu. Aspectos Jurídicos da Licitação. São Paulo. Saraiva. 1992. 3º ed. P. 39.
  6. GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 1989. p. 223.
  7. DE MELLO, Celso Antônio Bandeira. Licitação. Editora RT. 1980. p.19.
  8. Art.13.Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a: VI-treinamento e aperfeiçoamento de pessoal.
  9. RIGOLIN, I.B. Manual prático das licitações: Lei n. 8.666/93, p. 120.
  10. SUNDFELD, C.A. Licitação e contrato administrativo de acordo com as leis 8.666/93 e 8.883/94, p. 44.
  11. MELLO, C.A.B. Curso de direito administrativo, p. 276.
  12. FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Vade-mécum de Licitações e contratos. 2.ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2005.
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Sobre o autor
André Pataro Myrrha de Paula e Silva

Analista Jurídico do Ministério Público de Minas Gerais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, André Pataro Myrrha Paula. A contratação direta de cursos de capacitação por inexigibilidade de licitação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1838, 13 jul. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11486. Acesso em: 29 mar. 2024.

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