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Os regimes especiais no Sistema Financeiro Nacional

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27/10/2008 às 00:00
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5. Conclusão

A intervenção constitui medida administrativa de natureza cautelar, aplicável às instituições financeiras privadas e às públicas não federais, bem como às cooperativas de crédito, na hipótese de sofrerem prejuízos decorrentes de má administração, de reiteradas violações à lei ou em caso de comprovada insolvência. Pode ser decretada a pedido ou de ofício, pelo Banco Central, podendo ter duração de seis meses, prorrogáveis por igual período, tempo em que os administradores ficam com o mandato suspenso de forma a permitir a livre análise da situação social pelo interventor, na qual o Banco Central se baseará para permitir o restabelecimento das atividades normais, decretar a liquidação extrajudicial ou requerer diretamente a falência da instituição.

Entretanto, a experiência demonstrou que uma vez decretada a intervenção, dificilmente a sociedade conseguia se recuperar, até mesmo em virtude do efeito negativo da medida para a credibilidade da instituição perante o mercado e a sociedade. Por essa razão, foi criado o RAET, medida cuja duração é determinada no ato de sua decretação, prorrogável por período não superior ao primeiro, e que gera a perda do mandato dos administradores, que são substituídos por um Conselho Diretor, órgão colegiado com atribuições semelhantes às do interventor.

O RAET cria a possibilidade de utilização da reserva bancária na tentativa de recuperar financeiramente a instituição, objetivo que, se alcançado, encerrará o regime, o qual também pode ser extinto em virtude da aquisição do controle pela União, por alguma solução de mercado (transformação, cisão, fusão, incorporação ou transferência de controle) ou pela decretação da liquidação extrajudicial.

De maior gravidade é a liquidação extrajudicial, que só deve ser aplicada quando a intervenção ou o RAET não obtiveram êxito. Por ser semelhante à falência, a Lei nº 6.024/74 determinou a aplicação subsidiária da legislação falimentar e equiparou o liquidante ao síndico (administrador judicial) e o Banco Central ao juiz da falência.

Em última análise, a medida visa à realização do ativo da sociedade para o pagamento do seu passivo, mediante o levantamento e classificação dos créditos contra a instituição. Se o ativo não for suficiente para cobrir metade do valor dos créditos quirografários ou houver indícios de crime tipificado na Lei nº 11.101/05, o liquidante requererá diretamente a falência ao juízo. Além dessa hipótese, a liquidação encerrar-se-á se os interessados, mediante apresentação de garantias ao BC, desejarem prosseguir com a sociedade, se a liquidação converter-se de extrajudicial em ordinária ou quando aprovadas as contas do liquidante com o respectivo arquivamento na Junta Comercial.


Notas

  1. O artigo 17 da Lei nº 4.595/64 introduziu em nosso ordenamento o conceito de instituição financeira, nos seguintes termos: "Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros".
  2. A diferença entre a taxa de juros cobrada no empréstimo e a taxa de juros paga na captação constitui o spread bancário, que sempre foi, ao lado da receita com tarifas, uma das principais formas de remuneração das instituições financeiras.
  3. PAULIN, Luiz Alfredo. Conceito de Intervenção e Liquidação Extrajudicial. In: SADDI, Jairo (Org.). Intervenção e liquidação extrajudicial no sistema financeiro nacional: 25 anos da Lei 6.024/74. São Paulo: Textonovo, 1999, p. 125.
  4. REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, v. 2, p. 201.
  5. As cooperativas de crédito encontram-se reguladas pela Lei nº 5.764/71, que disciplina o cooperativismo em geral. Sua constituição e funcionamento dependem de prévia autorização do Banco Central por força do artigo 103 da lei cooperativista c/c os artigos 4º, incisos VI e VIII, e 55, da Lei nº 4.595/64. Aplicam-se-lhes ainda, no plano infra-legal, a Resolução nº 3.442/07, do Conselho Monetário Nacional (CMN), e a Circular nº 3.201/03, do BC.
  6. SIQUEIRA, Francisco José de. O Papel do Banco Central no Processo de Intervenção e Liquidação Extrajudicial. In: SADDI, Jairo (Org.). Op. Cit. p. 93-94.
  7. Essa hipótese foi ligeiramente esvaziada pelo artigo 18 do Regulamento Anexo à Resolução CMN nº 3.040/02, que, independentemente de prévia intervenção, prevê o cancelamento da autorização para funcionamento da instituição financeira quando constatada ao menos uma das seguintes situações: "I – inatividade operacional, sem justificativa aceitável; II – instituição não localizada no endereço informado ao Banco Central do Brasil; III – interrupção, por mais de quatro meses, sem justificativa aceitável, do envio de demonstrativos financeiros exigidos pela regulamentação em vigor, àquela Autarquia; IV – não-observância do prazo para início de atividades. Parágrafo único: O Banco Central do Brasil, previamente ao cancelamento pelos motivos referidos neste artigo, divulgará, por meio que julgar mais adequado, sua intenção de cancelar a autorização de que se trata, com vistas à eventual apresentação de objeções, por parte do público, no prazo de trinta dias." Norma semelhante é prevista para o segmento cooperativista no artigo 36 da Resolução CMN nº 3.442/07, tendo sido aplicada, exemplificativamente, no cancelamento da Cooperativa de Economia e Crédito Mútuo dos Empregados em Grupo Buaiz, decisão que foi publicada no D.O.U. de 19.04.2007, Seção 3, p. 41.
  8. O Decreto-Lei nº 7.661/45 foi revogado pela Lei nº 11.101/05. Embora o artigo 2º, inciso II, da Lei de Recuperação e Falências (LRF) disponha que essa lei não se aplica às instituições financeiras, o artigo 197 do mesmo diploma legal determina sua aplicação subsidiária ao regime previsto na Lei nº 6.024/74, enquanto não sobrevier lei específica. Dessa forma, há a possibilidade de decretação da falência de instituições financeiras, que somente poderá ser requerida pelo interventor ou pelo liquidante (artigos 12, alínea d, 19, alínea d, e 21, alínea b, da Lei nº 6.024/74). Uma vez decretada a falência, esta seguirá o procedimento previsto na LRF. Nesse sentido: CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: O novo regime da insolvência empresarial. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 26.
  9. O leading case para a aplicação da LRF às instituições financeiras é o Banco Santos S.A., cuja falência foi requerida pelo liquidante nomeado pelo Banco Central e decretada pelo Poder Judiciário do Estado de São Paulo em 20.09.2005. Nesse sentido: SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais. Processo nº 2005.065208. Autofalência. Falido: Banco Santos S.A. – Em Liquidação Extrajudicial – Massa Falida. Juiz: Caio Marcelo Mendes de Oliveira. São Paulo, 20.09.2005. Disponível em: <http://www.tj.sp.gov.br>. Acesso em: 26 set. 2008.
  10. BANCO CENTRAL DO BRASIL. Resolução CMN nº 3.040/02. Dispõe sobre os requisitos e procedimentos para a constituição, a autorização para funcionamento, a transferência de controle societário e a reorganização societária, bem como para o cancelamento da autorização para funcionamento das instituições que especifica. Resolução CMN nº 3.041/02. Estabelece condições para o exercício de cargos em órgãos estatutários de instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil. Resolução CMN nº 3.442/07. Dispõe sobre a constituição e o funcionamento de cooperativas de crédito. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/?LEGISLACAO>. Acesso em: 26 set. 2008.
  11. O Comitê de Supervisão Bancária da Basiléia (Basle Committee on Banking Supervision) congrega autoridades de supervisão bancária e foi estabelecido pelos Presidentes dos Bancos Centrais dos países do Grupo dos Dez (G-10), em 1975. Normalmente se reúne no Banco de Compensações Internacionais (Bank of International Settlements - BIS), na Basiléia, Suíça, onde se localiza sua Secretaria permanente. O BIS, que pode ser considerado um "Banco Central dos Bancos Centrais", tem atualmente como membros Bancos Centrais de 55 países, inclusive o Brasil. Disponível em: <http://www.bis.org>. Acesso em: 26 set. 2008.
  12. Tradução não oficial do documento Core Principles for Effective Banking Supervision. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/ftp/defis/basileia.pdf>. Acesso em: 29 out. 2007.
  13. Somente quanto às corretoras a ela associadas (art. 52, § 1º, da Lei nº 6.024/74).
  14. REQUIÃO, Rubens. Op. Cit. p. 222.
  15. Ibid. p. 224.
  16. "A intervenção distingue-se da liquidação extrajudicial pelo seu caráter de medida provisória, tendente a preservar a existência da empresa, com o seu saneamento administrativo e financeiro, evitando-se sua extinção pela falência ou liquidação extrajudicial. Trata-se, por conseguinte, de um minus em relação a esta, de uma operação cirúrgica in extremis, para se evitar um mal maior. É um sucedâneo da concordata preventiva, vedada por lei às instituições financeiras [...]" COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio e Pareceres de Direito Empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 437.
  17. A possibilidade de o interventor ser pessoa jurídica foi incluída pelo artigo 8º da Lei nº 9.447/97.
  18. MOODY´S reavalia rating de bancos. Folha on line, São Paulo, 8 dez. 2004. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u91488.shtml>. Acesso em: 26 set. 2008.
  19. SIQUEIRA, Francisco José. Op. Cit. p. 100.
  20. Há quem entenda, minoritariamente, que o Decreto-Lei nº 2.321/87 revogou a intervenção prevista na Lei nº 6.024/74. Nesse sentido: ABRÃO, Nelson. Direito Bancário. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 244.
  21. A possibilidade de aplicação do artigo 15 da Lei 6.024/74 foi incluída pelo artigo 4º da Lei nº 9.447/97.
  22. TZIRULNIK, Luiz. Intervenção e liquidação extrajudicial das instituições financeiras. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 48.
  23. São as chamadas "soluções de mercado".
  24. Hipótese incluída pelo Decreto-Lei nº 2.327/87.
  25. REQUIÃO, Rubens. Op. Cit. p. 232.
  26. A possibilidade de o liquidante ser pessoa jurídica foi incluída pelo art. 8º da Lei nº 9.447/97.
  27. Artigo 180 da Lei nº 11.101/05.
  28. ALCOFORADO, Haroldo Mavignier Guedes. Instrumentos de defesa do sistema financeiro nacional – intervenção nas instituições financeiras. 2006. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro, 2006, p. 45-46. Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.do?select_action=&co_autor=5833. Acesso em 26 set. 2008.
  29. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Terceira Turma. Recurso especial nº 177535/BA (1998/0041790-7). Recorrente: Banco Econômico S.A.. Recorrido: AN Consultoria e Projetos S/C Ltda. Relator: Ministro Nilson Naves. Brasília, 23 de março de 1999. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=177535&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1>. Acesso em: 26 set. 2008.
  30. SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Sexta Câmara Cível. Apelação Cível nº 195317-1. Apelantes: Massa falida do Banco da Lavoura de São Paulo – Sociedade Cooperativa de Responsabilidade Ltda. e Ministério Público. Apelados: Affonso Ligouri e espólio de Astrolindo Romeu Cerqueira e João Marino e Manoel Nemes e outros e Zulmiro Gonçalo de Sá Teixeira Durão e Alfredo Gereissati e outros, por Curador Especial. Relator: Desembargador Melo Colombi. São Paulo, 19 de agosto de 1993. RJTJSP vol. 150, p. 87. In: EIZIRIK, Nelson. Instituições financeiras e mercado de capitais: jurisprudência. Rio de Janeiro: Renovar, 1996, v. 2, p. 1304-1306.
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Sobre o autor
Luciano Balinski

Advogado. Bacharel em Direito (UFRJ). Especialista em Finanças e Comércio Internacional (UFF). Pós-graduando em Direito Privado (UGF). Analista do Banco Central do Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BALINSKI, Luciano. Os regimes especiais no Sistema Financeiro Nacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1944, 27 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11889. Acesso em: 28 mar. 2024.

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