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Emendas à Constituição e a ausência de previsão da República como cláusula pétrea

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6. Breve análise da monarquia no mundo atual e do governo da Espanha

A palavra monarquia vem do grego monarchía, que significa governo de uma só pessoa. As características essenciais comuns a todas as monarquias são a hereditariedade e a vitaliciedade, ou seja, o monarca governa enquanto viver, sendo que seu poder é transmitido dentro da linha sucessória. Maquiavel diferencia a monarquia da república, dizendo que se o governo renova-se através de eleições periódicas, estamos diante da forma republicana; se o governo é hereditário e vitalício, está caracterizada a monarquia. [29]

Em linhas gerais, a doutrina nacional diz que os conceitos de monarquia e república estão bastante esvaziados. Manoel Gonçalves Ferreira Filho observa que "república, no fundo, significa apenas a oposição a uma monarquia". [30]

Hoje, no entanto, o conceito de republica perdeu muito de seu conteúdo. Isto se deu na medida em que as monarquias foram cedendo parcelas de seus poderes até – contemporaneamente – encontrarem-se quase que totalmente destituídas de qualquer prerrogativa de mando efetivo. As monarquias da Europa ocidental em nada diferenciam-se de suas vizinhas Repúblicas, à exceção da figura decorativa do monarca que nominalmente exerce as funções de chefe de Estado. Assim, em termos de regimes políticos, os conceitos de monarquia e república estão bastante esvaziados. [31]

Não obstante as críticas feitas, as monarquias se dividem, basicamente, em absolutas e constitucionais. Nas monarquias absolutas o monarca tem poderes sobre todos os aspectos do Estado, de forma ilimitada e sem qualquer controle. Restam poucas monarquias absolutas na atualidade, em alguns Reinos Árabes como Arábia Saudita, Kuwait, Qatar, Oman, Bahrein, no Nepal, todos na Ásia, em Tonga e na Suazilândia, na África, e no Estado Papal da Cidade do Vaticano, em Roma.

Nas monarquias constitucionais o monarca exerce apenas o Poder Executivo, ao lado dos poderes legislativo e judiciário, delimitados por uma constituição nacional. Reino Unido, Japão, Espanha, Suécia, Noruega, Dinamarca, Mônaco, Luxemburgo, Tailândia, Austrália e Nova Zelândia são alguns exemplos de monarquias constitucionais.

Historicamente as monarquias não assumem a Federação como forma de Estado, mas sim se apresentam como Estados unitários. O Estado unitário possui organização política singular, cujo exercício ocorre de forma centralizada. Por sua vez, Federação é a união de vários Estados politicamente autônomos, permitindo a coexistência de fontes diversas de direito público.

O Reino Unido, uma das mais tradicionais monarquias, assume a forma de monarquia constitucionalista, onde praticamente todo o poder político fica centralizado no Parlamento de Westminster, em Londres. O Japão também é uma monarquia constitucionalista baseada no sistema britânico, não sendo divido em Estados, mas sim em Prefeituras, sem assumir forma de Federação. E o mesmo se dá na Suécia, na Noruega, na Dinamarca, e nos demais exemplos de monarquias constitucionais.

No entanto, há no mundo um exemplo marcante de monarquia constitucional federativa. No Reino da Espanha ocorre o chamado Estado de Autonomias, formalmente unitário, mas que funciona como uma federação de comunidades autônomas. A distribuição de competências é feita de forma distinta para cada Comunidade Autônoma.

Algumas possuem regime especial, com poderes e leis distintos do governo central, e as que possuem maior autonomia têm seus próprios Presidente e Parlamento, sua própria força policial, distinta da do governo central e ainda idioma local distinto do espanhol ou castelhano, língua oficial da Espanha.

Um dos problemas acarretados pela adoção da uma monarquia federalista na Espanha, e possível de ocorrer em qualquer outro País, é que alguns governos autônomos buscam uma maior separação em relação ao governo central, enquanto este busca restringir o excesso de autonomia de algumas das comunidades autônomas.

Essa autonomia das Comunidades Autônomas foi conquistada por tratar-se de nacionalidades históricas, com cultura e idiomas diferenciados. O que se observa é um grande risco de emancipação gradual dessas unidades federadas, com o objetivo de atendimento aos seus interesses peculiares e à satisfação de suas necessidades locais, ambos distintos daqueles buscados pelo governo central.

O federalismo espanhol é tão descaracterizado em razão de sua coexistência com a monarquia, que alguns doutrinadores chegam inclusive a negá-lo. [32] Manoel Gonçalves Ferreira Filho afirma que a federação no Brasil não poderá ser suprimida, estabelecendo em seu lugar um estado unitário como havia à época do Império, ou firmando uma organização de estado regional, como a da Espanha da presente Constituição, de 1978. [33]


7. O regime monárquico no Brasil

No passado brasileiro, a forma monárquica de governo apresentou-se insustentável ante a necessidade de uma formação estatal republicana e federativa. Durante o Brasil-Império – período que vai de 1822, quando o Brasil declarou sua independência de Portugal, até 1889, quando é proclamada a República – consagrou-se, através da Constituição de 1824, a forma unitária de Estado. Foi o período da monarquia brasileira, hereditária, constitucional e representativa.

Sobre a tentativa de instalação de uma monarquia federativa no Brasil, lembra Sahid Maluf que:

Em 1822, antes mesmo do rompimento dos liames que prendiam o Brasil a Portugal, D. Pedro I, por sugestão de José Bonifácio, convocou a Assembléia Constituinte, que deveria elaborar o código político do novo Estado americano, o qual deveria nascer sob a forma de Monarquia constitucional. Instalada a 3 de maio de 1823, trabalhou a Constituinte até 12 de novembro do mesmo ano, quando foi violentamente dissolvida pela Imperador. [34]

No decorrer do século XIX, constatou-se uma enorme necessidade de descentralização do governo, devido aos imperativos geográficos que o Brasil apresentava. "O Brasil, pelas suas próprias condições geográficas, tem vocação histórica para o federalismo. A diversidade de suas condições naturais obriga naturalmente a uma descentralização, que está à base do regime federativo". [35]

A constatação da exigência de unidades autônomas no Brasil, entretanto, é muito anterior ao século XIX. Desde o descobrimento, durante a colonização, Portugal, percebendo a vasta extensão do território de sua colônia, já adotara o sistema das Capitanias Hereditárias, conforme suas tradições municipalistas e o sistema feudal germânico. Dividiu-se então o território nacional em doze capitanias, que criaram centros sócio-econômicos diferenciados nas várias regiões da colônia. Essa permanente necessidade de descentralização acarretaria, posteriormente, a criação do regime provincial.

Dividindo o território em Províncias, o Brasil deu um grande passo em direção ao federalismo, que viria a ser criado por desagregação, com a união de Estados independentes para a formação de um Estado único, ao contrário do ocorrido nos Estados Unidos da América, onde o federalismo se deu por agregação. Aqui, "a forma federativa foi um fato natural, suscitado por condições histórico-geográficas indeclináveis". [36] E com o decorrer do tempo, maiores ficaram as exigências por uma descentralização política, que culminassem no fim da monarquia com a instauração de uma república federativa.

Sobre o tema, Paulo Bonavides afirma que:

Cumpre, todavia, analisar o grau político de descentralização a que se elevou o Império, com a consagração e o influxo das teses federalistas, cujos efeitos redundam em importantes alterações institucionais, consubstanciadas no Ato Adicional. O enxerto federativo mais considerável do Ato Adicional se deu com a criação das Assembléias Legislativas provinciais. O Poder Legislativo das províncias foi o que mais aproximou o Império de uma versão incipiente de organização federativa e conduziu mais longe a descentralização institucional na Monarquia. [37]

No entanto, essa autonomia era apenas ilusória, como afirma Paulo Bonavides. Isso porque nas Assembléias provinciais os projetos de lei, após o seu trâmite, ficavam submetidos ao crivo da Assembléia Geral, não passando, assim, de meras descentralizações desta. E isso era insuficiente para configurar a presença de um Poder Legislativo em bases federativas. [38] Mas era suficiente para demonstrar as intenções federalistas pelas quais o Império estava sendo submetido.

O fim da monarquia e a instauração do federalismo republicano eram inevitáveis. A forte oposição dos federalistas e republicanos ao excesso de centralização de poder nas mãos do monarca seria um fator determinante à mudança na forma de governo. A centralização de poder era insustentável face à exigência de descentralização de governo.

A insatisfação pode ser notada no seguinte trecho do manifesto dos republicanos, publicado pelo jornal A República, em 1870:

A centralização, tal qual existe, representa o despotismo, dá força ao poder pessoal que avassala, estraga e corrompe os caracteres, perverte e anarquiza os espíritos, comprime a liberdade, constrange o cidadão, subordina o direito de todos ao arbítrio de um só poder, nulifica de fato a soberania nacional, mata o estímulo do progresso local, suga a riqueza peculiar das províncias, constituindo-as satélites obrigadas da Corte – centro absorvente e compressor que tudo corrompe e tudo concentre em si (...). [39]

Com a proclamação da República em 1889, o Brasil passava a assumir, efetivamente, a forma de Estado federal. E a Federação e a República foram mantidas em todas as constituições posteriores. Apesar das previsões expressas, a Constituição de 1937 estabelecia em seu artigo 73 que o Presidente da República, autoridade suprema do Estado, coordena a atividade dos órgãos representativos, de grau superior, dirige a política interna e externa, promove ou orienta a política legislativa de interesse nacional, e superintende a administração do País.

Ainda, o federalismo da Constituição de 1967 e de sua Emenda 01/69 também foi apenas nominal porque, "a despeito do Texto Constitucional afirmar a existência de três Poderes, no fundo existia um só, que era o Executivo, visto que a situação reinante tornava por demais mesquinhas as competências tanto do Legislativo quanto do Judiciário". [40] Apesar dessas duas situações, a República sempre foi mantida no texto constitucional, tendo sido elevada à condição de cláusula pétrea.

De fato, não é possível aceitar a existência de uma monarquia sob a forma federativa de Estado, pois para isso seria necessário conciliar duas características a princípio inconciliáveis: o poder político centralizado das Monarquias, e a descentralização político-administrativa das formas federativas de Estado.

Uma das características essenciais do Estado federal é a descentralização política, com a possibilidade de as unidades federadas escolherem seus próprios representantes. Há uma distribuição do Poder Executivo, ficando uma parte no plano federal ou central, e outra parte nas unidades federativas, possibilitando a convivência harmônica de diferentes esferas de governo.

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Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho, o federalismo é chamado de cooperativo na medida em que visa assegurar "a coordenação entre as duas esferas de governamentais (Poder Central x Poderes periféricos), sob a evidente batuta da União".

O oposto a isso é o que ocorre nas monarquias, onde o poder de governo está concentrado em praticamente uma só esfera de governo, a central. Não há distribuição do poder de governo, mas sim concentração deste na pessoa do monarca. A monarquia tem como característica essencial exatamente o diverso do que ocorre no federalismo, e daí a incompatibilidade entre ambos.

Tal como fixado o regime republicano, entre nós, a federação é uma forma necessária de sua realização: a autonomia dos Estados surge, já em 1891, como forma de expressão das exigências republicanas, entre nós. Como postulado pela mais lúcida doutrina, tudo o que puder ser feito pelos escalões intermediários, haverá de ser de sua competência; tudo o que o povo fazer por si mesmo, a ele próprio incumbe. Aí está a demonstração de íntima relação entre República e Federação. [41]

A incompatibilidade da centralização monárquica com o federalismo adotado no Brasil pode ser notada no ensinamento de José Afonso da Silva: "Este poder [lembra Oliveira Vianna] não se limita a agir através desses órgãos locais: opulenta-se com atribuições, que lhe dão meios de influir sobre os próprios órgãos da autonomia local. Ele pode anular as eleições de vereadores municipais e juízes de paz. Ele pode reintegrar o funcionário municipal demitido pela Câmara. Ele pode suspender mesmo as resoluções das Assembléias provinciais". [42]

Ainda sob a Constituição de 1967, Geraldo Ataliba, partindo em defesa da relação entre república e federação, afirmava que "parece de clara evidência e fácil aceitação que a extensão territorial dos Estados há de requerer, com maior ou menos intensidade, um tipo de regime político que melhor assegure a proximidade entre governantes e governados". [43]

Tendo em vista a extensão territorial do Brasil, e em respeito às amplas diversidades sociais, políticas e culturais, a forma de Estado a ser adotada só pode ser a federativa, uma vez que nela as unidades autônomas, ao menos em princípio, preservam suas particularidades. E uma federação é muito mais viável dentro de um Estado que adote a forma republicana de governo do que numa monarquia clássica, onde o que se busca é a máxima centralização do poder.

Concluindo, "a federação é, assim, uma decorrência necessária, no sistema brasileiro, do próprio regime republicano". [44]


8. Impossibilidade de alteração da forma de governo por via de emenda à Constituição, em face do plebiscito e da revisão constitucional ocorridos em 1993. A República como limite implícito ao poder reformador

Apesar da incompatibilidade entre a forma federativa de Estado no Brasil e a forma monárquica de governo, há ainda outros aspectos de que justificam a impossibilidade da alteração da forma de governo no Brasil. Destaca-se que o momento único para tal alteração teria sido o plebiscito realizado em 1993, com sua revisão constitucional conseqüente.

Como visto, os artigos 2º e 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias trouxeram, respectivamente, o plebiscito para definição da forma e sistema de governo, e a revisão constitucional. A doutrina nacional diverge sobre haver correlação estrita entre os referidos artigos, ou se o que existe entre eles é mera posição de continuidade.

De fato, o primeiro dos citados artigos traz o plebiscito no qual o eleitorado optaria a forma e o sistema de governo a vigorar no País. O segundo estabeleceu a revisão constitucional a ser realizada após cinco anos da data de promulgação da Constituição. Com procedimento simplificado, a revisão se daria através do voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral.

Sustentar-se que não há correlação entre os dois artigos significa sustentar que o legislador constituinte, por razões desconhecidas, resolveu criar duas espécies de manifestações do poder derivado reformador pelo Congresso Nacional, uma chamada de emenda à Constituição e outra denominada revisão constitucional, ambas com o mesmo objeto – modificar a Constituição Federal – mas com procedimentos completamente distintos.

Assim teríamos duas manifestações para uma mesma finalidade, mas uma com iniciativa livre, outra com iniciativa restrita; uma com sessão de votação unicameral, outra com sessão de votação bicameral; numa os votos de Deputados e Senadores teriam o mesmo peso, noutra teriam pesos distintos; numa o quorum de aprovação seria de maioria absoluta, noutra seria de maioria qualificada de três quintos. Diante de tamanhas diferenças, parece que a justificativa é porque as emendas à Constituição e a revisão constitucional tiveram finalidades distintas.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho sustenta que "a razão determinante da ‘revisão’ prevista foi a tomada de consciência de que o texto da Constituição era insatisfatório, inadequado, prolixo, de modo que rapidamente seria necessário refazê-lo (ou revisá-lo) por inteiro". [45] Sustenta o autor que a relação entre os artigos é meramente de contigüidade, nada mais, não havendo relação outra qualquer entre eles como querem alguns. O que há é a total desvinculação entre a proposta de plebiscito e a de revisão constitucional, não havendo, portanto, qualquer inconstitucionalidade nas emendas de revisão. [46]

No mesmo sentido, Clèmerson Merlin Clève destaca que durante o procedimento legislativo constitucional, as emendas apresentadas aos dois artigos tiverem origem de parlamentares distintos: "O art. 3º (revisão) não é dependente do art. 2º (plebiscito) do ADCT. Os dispositivos apontados, além de tratarem de matérias distintas, possuem origem distinta, pois decorrentes de emendas apresentadas por diferentes parlamentares-constituintes". [47] O artigo 2º decorreu de proposta do deputado Cunha Bueno, enquanto o artigo 3º teve sua origem no modelo português, que facultou ampla revisão da Constituição de 1976 cinco anos após sua promulgação. [48]

No entanto, Paulo Bonavides ensina que "se o quorum da revisão foi atenuado, isto ocorreu em razão tão-somente de ela incidir sobre matéria já legitimada pela manifestação soberana da vontade popular, exarada nos termos do art. 2º, a que o art. 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias inarredavelmente se prende. Tudo em harmonia com a memória constitucional brasileira do Império e da República". [49]

Se no constitucionalismo monárquico e, em seguida, no constitucionalismo republicano a revisão sempre entrou na parte permanente da Constituição para matérias basicamente constitucionais, e sempre regida por um quorum de importância capital e decisiva, como admitir que em 1987-1988 fosse o nosso constituinte apartar-se dessa linha de precedente histórico, compatível de todo com a nossa tradição constitucional de legitimidade, para erigir a figura da revisão fora do processo legislativo regular, colocando-a no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e, além do mais, provida de um quorum simplificado de maioria absoluta dos seus pontos – salvo, é óbvio, a matéria intangível do § 4º do art. 60 –, a menos que o seu propósito fosse, como efetivamente o é, e não poderia deixar de ser, o de vinculá-la ao art. 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias? [50]

E, ainda, conclui o autor:

Em suma, pelo ângulo estritamente jurídico, só caberá, do nosso ponto de vista, uma revisão constitucional se o povo responder de maneira afirmativa à adoção já do parlamentarismo, já da monarquia constitucional. Se a resposta plebiscitária for, porém, negativa, não deverá ocorrer revisão da Constituição, visto que a figura revisional do art. 3º só existe em função do conteúdo material do artigo antecedente, conforme acabamos de reiteradamente escrever. [51]

Apesar da argumentação de Paulo Bonavides, decidiu o Supremo Tribunal Federal em sentido contrário no julgamento da ADI 981/ MC, junto com a doutrina amplamente minoritária, afirmando ser competente para o julgamento da constitucionalidade dos artigos do Texto Transitório, afirmando o respeito da revisão às cláusulas pétreas, e que o resultado do plebiscito não tornou sem objeto a revisão constitucional.

Nesses termos, o relator Ministro Néri da Silveira:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. RESOLUÇÃO N. 1 - RCF, DO CONGRESSO NACIONAL, DE 18.11.1993, QUE DISPÕE SOBRE O FUNCIONAMENTO DOS TRABALHOS DE REVISÃO CONSTITUCIONAL E ESTABELECE NORMAS COMPLEMENTARES ESPECIFICAS. AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE AJUIZADA PELO GOVERNADOR DO ESTADO DO PARANÁ. Alegações de ofensa ao parágrafo 4º do art. 60 da Constituição federal, eis que o Congresso Nacional, pelo ato impugnado, "manifesta o solene desígnio de modificar o Texto Constitucional", mediante "quorum de mera maioria absoluta", "em turno único" e "votação unicameral". Sustenta-se, na inicial, além disso, que a revisão do art. 3º do ADCT da Carta Política de 1988 não tem mais cabimento, porque estaria intimamente vinculada aos resultados do plebiscito previsto no art. 2º do mesmo instrumento constitucional transitório. "Emenda" e "revisão" , na história constitucional brasileira. Emenda ou revisão, como processos de mudança na Constituição, são manifestações do Poder Constituinte Instituído e, por sua natureza, limitado. Está a "revisão" prevista no art. 3º do ADCT de 1988 sujeita aos limites estabelecidos no parágrafo 4º e seus incisos, do art. 60, da Constituição. O resultado do plebiscito de 21 de abril de 1993 não tornou sem objeto a revisão a que se refere o art. 3º do ADCT. Após 5 de outubro de 1993, cabia ao Congresso Nacional deliberar no sentido da oportunidade ou necessidade de proceder a aludida revisão constitucional, a ser feita "uma só vez". As mudanças na Constituição decorrentes da "revisão" do art. 3º do ADCT, estão sujeitas ao controle judicial, diante das "cláusulas pétreas" consignadas no art. 60, parágrafo 4º e seus incisos, da Lei Magna de 1988. Não se fazem, assim, configurados os pressupostos para concessão de medida liminar, suspendendo-se a eficácia da resolução nº 01, de 1993 – RCF, do Congresso Nacional, até o julgamento final da ação. Medida cautelar indeferida.

Fato é que a revisão constitucional, da forma que ocorreu, "foi um verdadeiro e retumbante fracasso". [52] Poucas foram as mudanças significativas a ponto de justificarem o procedimento simplificado previsto no ADCT para a reforma do texto da Constituição da forma que foi feita. Melhor teria sido fazer tais alterações através do procedimento previsto no art. 60 da Carta Magna.

Importante ainda é verificar que a revisão constitucional não consta do rol constitucional do processo legislativo estabelecido no artigo 59. Constam apenas os processos de emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções. "O texto constitucional propriamente dito ignora a revisão". [53]

O que interessa notar, ainda, é que a omissão da República como cláusula pétrea decorre da previsão do plebiscito do artigo 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Quis o legislador constitucional atribuir ao povo soberano escolher, diretamente, pela forma e sistema de governo que desejasse. Daí a não inclusão da República como cláusula pétrea, pois do contrário, estaria o próprio povo ferindo o núcleo imodificável constitucional, estabelecido pelo poder constituinte originário. Após o plebiscito, em sendo mantida a república como forma de governo, retorna a República como cláusula pétrea constitucional, de forma implícita.

Assim, durante a Constituição Federal de 1988, o momento único no qual seria possível a alteração da forma de governo para monarquia, foi o plebiscito, marcado para 7 de setembro de 1993, mas realizado em 21 de abril do mesmo ano, devido à Emenda Constitucional nº 02 de 1992. E a única forma dessa alteração ser regulamentada, seria através da revisão constitucional, que modificaria a Carta Magna nos moldes da opção feita pelo povo soberano.

Por isso, não há se falar em supressão da forma republicana de governo por via de emenda à Constituição, mesmo que o termo República não conste expressamente do rol das cláusulas pétreas do § 4º do artigo 60 da Constituição Federal.

Isso porque, como visto, tal somente seria possível através do plebiscito popular e sua conseqüente revisão constitucional. A palavra final sobre tão importante questão só pode ser conferida ao titular do poder constituinte, e não ao órgão incumbido do exercício do poder constituinte reformador.

Finalmente, José Afonso da Silva lembra que "Cármen Lúcia Antunes da Rocha (República e Federação no Brasil, Belo Horizonte, Del Rey, 1997, pp. 88 e 99) sustenta que ‘a República permanece como limite material implícito, obstativo da atuação do reformador constituinte derivado, após a definição do eleitorado em 21 de abril de 1995 [rectius: 21 de abril de 1993], ao contrário do que se poderia pensar à primeira e rápida leitura do texto constitucional’". [54]

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Sobre o autor
Diogo Fontes dos Reis Costa Pires de Campos

Procurador do Município de São José dos Campos.Especialista em Direito Processual Constitucional pela Universidade Católica de Santos - UNISANTOS.Especialista em Direito Processual Penal pela Universidade Católica de Santos - UNISANTOS. Especializando em Direito Tributário Empresarial pela Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP.Membro da Comissão de Incentivos Fiscais e do Grupo de Análise de Incentivos Fiscais da Prefeitura Municipal de São José dos Campos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMPOS, Diogo Fontes Reis Costa Pires. Emendas à Constituição e a ausência de previsão da República como cláusula pétrea. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2275, 23 set. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13558. Acesso em: 28 mar. 2024.

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