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Lavagem de dinheiro, organizações criminosas e o conceito da Convenção de Palermo

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02/12/2009 às 00:00
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5. Conclusões

Reconhecemos as grandes dificuldades doutrinárias de definir o que vem a ser crime organizado. De um lado, tem-se uma perspectiva teórica de que se trata de uma das manifestações do direito penal do inimigo, ou uma faceta do movimento "law and order". Por outro lado, não se pode ignorar a influência das organizações criminosas na economia global. O fato é que o poderio dos grupos criminosos organizados que atuam no mundo tende a crescer cada vez mais. Seus lucros astronômicos não prescindem de esquemas de legitimação, por meio da reciclagem de ativos. Expressivas cotas desse estrondoso resultado econômico são destinadas à corrupção de funcionários públicos, o que contribui para facilitar novas práticas ilícitas. As disputas "comerciais" nesse grande submundo criminoso são resolvidas com base na violência, o que acentua a lesividade social de tais esquemas delinquentes.

O Brasil ainda se ressente da falta de um tipo penal de associação em organização criminosa. Tramita no Senado o PLS 150/2006, que tem em mira tipificar esse delito e regular as técnicas especiais de investigação criminal. Certo é, porém, que a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, integrada ao ordenamento jurídico brasileiro em 2004, com força de lei federal ordinária, já fornece um conceito normativo de "organização criminosa". Longe de ser uma encarnação do direito penal do inimigo, a utilização do conceito de Palermo, para a complementação de várias normas penais e processuais penais (normas em branco) faz mercê a uma perspectiva garantista, na medida em reduz o arbítrio estatal na investigação e no processo penal, restringindo as ações da Polícia, do Ministério Público e do Poder Judiciário a uma moldura normativa produto de consenso universal e acolhida pelas Nações Unidas.

Dito assim, percebe-se quão útil é o conceito de "organização criminosa", do art. 2º da Convenção de Palermo para ampliar a efetividade da ação protetiva dos órgãos de persecução criminal e trazer mais segurança jurídica para o investigado, o acusado e também para o sentenciado nos casos de:

a) fixação da competência das varas criminais federais especializadas em lavagem de dinheiro e crime organizado, à luz das resoluções do Conselho da Justiça Federal e dos Tribunais Regionais Federais;

b) aplicação de alguns dos institutos da Lei 9.034/95 (Lei do Crime Organizado), como, por exemplo, aferir a necessidade de identificação criminal obrigatória e a fixação do regime inicial fechado para início da execução;

c) quebra de sigilo bancário, que poderá ser determinada quando o crime sob investigação houver sido praticado por organização criminosa;

d) imputação do crime de lavagem de dinheiro, previsto no art. 1º, inciso VII, da Lei 9.613/98, o que somente poderá ser feito em relação a quem tiver obtido ativos ilícitos em decorrência de delitos praticados por organizações criminosas;

e) aplicação da causa especial de aumento de penal, prevista no art. 1º, §4º, da Lei de Lavagem de Dinheiro, o que só ocorrerá se o agente praticar o próprio crime de lavagem de dinheiro por meio de organização criminosa;

f) aplicação de causa especial de diminuição de pena a réus primários que não integrem organizações criminosas, na forma do art. 33, §4º, da Lei Antidrogas; ou

g) sujeição de presos provisórios ou condenados ao Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), nos termos do art. 52 da LEP.

Enfim, na sua dimensão político-jurídica e na sua vertente econômica, há controvérsias sobre a criminalidade organizada, suas origens, suas causas e seu tratamento penal. É imperioso, porém, que reconheçamos sua realidade concreta, na medida em que são organizações criminosas que, diuturnamente, e por todo o globo traficam toneladas de entorpecentes; movimentam ilegalmente dezenas de milhares de migrantes; exploram de forma vil o trabalho humano e a prostituição; dedicam-se a atividades que infringem direitos de autor; transportam animais silvestres para comercialização clandestina, contribuindo para sua extinção; e transacionam com armas de fogo de elevado poder de destruição. Porque os bens jurídicos em jogo estão listados entre os de maior relevo penal, cabe aos Estados, sem prejuízo das garantias individuais, fazer frente a essa ameaça e combatê-la, sempre que forem atingidos os direitos de outros cidadãos e os direitos da coletividade.


Notas

  1. SILVA, Eduardo Araújo da. Crime organizado: procedimento probatório. São Paulo: Atlas, 2003.
  2. CASTALDO, Andrea. La naturaleza econômica de la criminalidad organizada, p. 274. In: YACOBUCCI, Guillermo J. (coord.). El crimen organizado: desafíos y perspectivas en el marco de la globalización. Buenos Aires: Ábaco de Rodolfo de Palma, 2005.
  3. Salvo no caso de tratados de direitos humanos, aprovados pelo Congresso, em dois turnos de votação, mediante o voto de 3/5 de seus membros (art. 5º, §3º, da Constituição). Estes tratados têm estatura constitucional.
  4. "Será de 3 (três) a 6 (seis) anos de reclusão a pena prevista no art. 288 do Código Penal, quando se tratar de crimes hediondos, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo"
  5. No mesmo sentido: BONFIM, Márcia Monassi Mougenot Bonfim; GARCIA, Gilberto Leme Marcos; LEMOS JUNIOR, Artur Pinto de. Doutrina e tratado definem organização criminosa. Disponível em: www.conjur.com.br/2009-nov-26/conceito-organizacao-criminosa-definido-tipificar-lavagem. Acesso em 26.nov.2009.
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Sobre o autor
Vladimir Aras

Professor Assistente de Processo Penal da UFBA. Mestre em Direito Público (UFPE). Professor da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU). Procurador da República na Bahia (MPF). Membro Fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (IBADPP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAS, Vladimir. Lavagem de dinheiro, organizações criminosas e o conceito da Convenção de Palermo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2345, 2 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13948. Acesso em: 28 mar. 2024.

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