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A coisa julgada no mandado de segurança coletivo.

O problema do art. 22 da Lei nº 12.016/2009

23/12/2009 às 00:00
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A nova lei do mandado de segurança, promulgada em 10/08/2009, em seu art. 22, sem precedentes nas leis anteriores, assim dispôs: "No mandado de segurança coletivo, a sentença fará coisa julgada limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante" (grifo nosso).

Cumpre ressaltar que não se trata de verdadeira inovação legislativa, tendo em vista que a limitação da coisa julgada em relação aos direitos coletivos já fora objeto de normatização anterior, tendo como principal e mais acurado texto em vigência o art. 103 do Código de Defesa do Consumidor.

Na comparação entre o art. 22 da lei mandamental e o art. 103 da lei consumerista é que podemos vislumbrar a omissão do legislador ordinário, o qual, segundo Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. [01], não definiu a técnica de produção da coisa julgada no mandado de segurança coletivo.

Disso não discordamos, pois não há como chegar à outra conclusão ao ler o texto da norma. Entretanto, achamos que, no novo texto, o legislador não apenas omitiu-se quanto à técnica de produção da coisa julgada nos mandados de segurança coletivos – o que deverá ser sanado pelo intérprete constitucional – como acabou limitando subjetivamente a coisa julgada nas questões envolvendo direitos individuais homogêneos apenas ao grupo ou categoria ali substituídos.

Primeiramente, destaque-se que a lei consumerista, no parágrafo único do seu art. 81, prevê a proteção a três tipos de direitos coletivos, assim respectivamente descritos e nominados: direitos difusos (inciso I), direitos coletivos stricto sensu (inciso II) e direitos individuais homogêneos (inciso III). Além disso, para cada um deles antevê no art. 103 uma coisa julgada com específica eficácia subjetiva (nos casos dos direitos difusos e individuais homogêneos - efeitos erga omnes, para os direitos coletivos stricto sensu - a respectiva eficácia ultra partes).

De outra banda, a nova lei mandamental, no parágrafo único do art. 21, destoando dos posicionamentos de máxima proteção aos direitos coletivos sufragados pelo Supremo Tribunal Federal [02] nos mandado de segurança, limitou a proteção deste remédio constitucional somente aos direitos coletivos stricto sensu (inciso I) e individuais homogêneos (inciso II), restringindo a eficácia deste direito fundamental (art. 5º, LXIX e LXX da Constituição Federal), ao denegar proteção aos direitos difusos.

Em seguida, o legislador, sem fazer qualquer distinção entre direitos coletivos stricto sensu e individuais homogêneos, entabula a regra de que a coisa julgada terá eficácia subjetiva ultra partes e, ex abruptu, encerra o texto normativo, sem ao menos referir-se quanto à técnica de produção da coisa julgada, se pro et contra, secundum eventum litis ou secundum eventum probationis.

Inegavelmente, quanto à técnica de produção da coisa julgada, a proposta dos professores Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. [03] constitui-se na mais correta e concisa, senão vejamos:

Diante da lacuna, busca-se no microssistema [do Código de Defesa do Consumidor] a solução para o impasse. O modo de produção da coisa julgada no mandado de segurança coletivo é o mesmo previsto genericamente para as ações coletivas e está regulado no art. 103 do CDC: secundum eventum probationis, sem qualquer limitação quanto ao novo meio de prova que pode fundar a repropositura da demanda coletiva, e sua extensão subjetiva será secundum eventum litis, sem prejuízo das pretensões dos titulares de direitos individuais.

Porém, achamos que esta lacuna somente pode ser suprida pelo Supremo Tribunal Federal em imediato controle concentrado de constitucionalidade, utilizando-se de verdadeira interpretação conforme a Constituição, pois é temerário esperarmos que a matéria chegue a essa Corte através da cada vez mais estreita via incidental, principalmente tendo em consideração a relevância do instituto e dos interesses postos em jogo.

Frise-se que deve ser buscada pela Corte Constitucional a verdadeira intenção do legislador ordinário, limitando-se a não alterar o significado do texto normativo, no sentido de modificar radicalmente a sua concepção original [04].

No que concerne ao efeito ultra partes conferido à coisa julgada em mandando de segurança coletivo pelo art. 22, por mais que queiramos restringir o texto especificamente para os casos de direitos coletivos stricto sensu ou, então, interpretar a norma suprimindo a expressão "limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante", para colocarmos "nos termos do art. 103, incisos e parágrafos da Lei nº. 8.078/90", o próprio art. 21, parágrafo único, inciso II, restringe-nos ao conceituar os direitos individuais homogêneos não só como aqueles decorrentes de origem comum (geradora de diversas pretensões indenizatórias), mas também os "decorrentes da atividade ou situação específica da totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante". 

Ao estabelecer essa última parte, o dano (origem comum dos direitos individuais homogêneos) conduzirá a uma sentença condenatória genérica com eficácia subjetiva de coisa julgada apenas para os membros de grupo ou categoria. Consequentemente serão os únicos que poderão utilizar-se da liquidação e execução referidas no §3º do art. 103 da lei consumerista. Em outras palavras, somente aquele que fizer prova de pertencer ao grupo ou categoria vencedora do mandamus coletivo poderá fazer uso da sentença para promover a liquidação de seus danos individuais.

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Por mais que seja usado um elemento aditivo para unir as expressões "os decorrentes de origem comum" E "da atividade ou situação específica da totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante", no art. 21, parágrafo único, inciso II, caímos novamente na restrição imposta pelo texto do art. 22, onde está previsto, como acima reiterado, a limitação da coisa julgada aos membros do grupo ou categoria substituídos. A interpretação conjunta dos artigos referidos constitui-se em verdadeira "cama de gato" criada pelo legislador ordinário.

Feitas essas breves digressões, que de forma alguma pretendem encerrar a discussão do tema aqui proposto, esperamos que vozes mais ressonantes da doutrina especializada se debrucem sobre a matéria aqui exposta.


Notas

  1. DIDIER JR, Fredie; ZANETI JR, Hermes. Editorial nº. 70. Publicado em 17/09/2009. Disponível em http://www.frediedidier.com.br/main/noticias/detalhe.jsp?CId=341. Acesso em 28/09/2009.
  2. Segundo precedente colacionado por Hermes Zaneti Jr., em Mandando de Segurança Coletivo, Ações Constitucionais, org. Fredie Didier Jr., 3.ed., Salvador: Juspodivm, 2008, p. 164: "(...) expresso meu entendimento no sentido de que o mandado de segurança coletivo protege tanto os interesses coletivos e difusos, quanto os direitos subjetivos ." (RE 181.438-1/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, RT734/229).
  3. Didier Jr, Fredie, op. cit.
  4. MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 1257.
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Sobre o autor
Pietro Miorim

Advogado inscrito na OAB/RS. Graduado pela UNIFRA. Especializando em Processo Civil pela Faculdade IDC/RS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIORIM, Pietro. A coisa julgada no mandado de segurança coletivo.: O problema do art. 22 da Lei nº 12.016/2009. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2366, 23 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14068. Acesso em: 28 mar. 2024.

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