Artigo Destaque dos editores

Mutação constitucional: uma nova perspectiva do STF em sede de controle difuso

Exibindo página 6 de 6
27/01/2010 às 00:00
Leia nesta página:

Notas

  1. Essa omissão e atrofia do Legislativo, que muitas vezes obriga o Judiciário a "legislar", não é somente uma questão do Brasil. Na Lituânia, foi debatido, no 14º Congresso da Conferência de Cortes Constitucionais Europeias, ocorrido em junho de 2008, o tema da omissão legislativa na jurisprudência constitucional, onde, "na ocasião, o ministro Gilmar Mendes proferiu uma palestra mostrando que a Constituição brasileira de 1988 permite ao Judiciário exercer funções legislativas em caso de omissão do Congresso Nacional, e fez um relato da experiência da Suprema Corte brasileira no julgamento de casos relativos ao tema", consoante a notícia publicada em abril de 2009, no portal eletrônico do STF.
  2. "Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe [...]".
  3. Cf. ALVES, Garibaldi. O Congresso na UTI. Veja, São Paulo, n. 2054, 2 abr. 2008. p. 11-15. Entrevista. O seguinte trecho dessa entrevista é revelador da situação atual do Congresso: "O Congresso deixou de votar, de legislar, de cumprir sua função. É uma agonia lenta que está chegando a um ponto culminante. Essa questão das medidas provisórias é emblemática da crise do Legislativo, que não é mais uma voz da sociedade, não é mais uma caixa de ressonância da opinião pública. Está meio sem função. O Congresso está na UTI, e ninguém do mundo político percebe que esse desapreço pelo Poder Legislativo é uma coisa que está minando as suas bases de sustentação e que a qualquer hora poderá haver um momento de maior tensão, de crise entre os poderes. À medida que o Legislativo abre mão de suas prerrogativas, o Executivo [e o Judiciário] invade espaços. Precisamos inverter essa tendência. [...] Essa leniência [agora referindo-se à corrupção que assola o Congresso] tira a autoridade do Legislativo". Essa situação é tão crítica que o Senador Cristóvão Buarque (PDT-DF) disse, de forma radical, que, no ritmo que se vai, logo alguém proporá a convocação de um plebiscito para decidir se não é o caso de o Brasil fechar o seu Congresso. Para evitar tal situação, o Deputado Federal Michel Temer (PMDB-SP), para quem "o Legislativo só é enaltecido quando o país está saindo de um regime autoritário", defende que "o Congresso, porém, precisa reagir e promover uma recuperação ética [...]". Cf. TEMER, Michel. É preciso reagir agora. Veja, São Paulo, n. 2109, 22 abr. 2009. p. 17-21. Entrevista.
  4. A Rcl. 4335-5/AC foi ajuizada pela Defensoria Pública do Estado do Acre e tem como objeto a concessão da progressão de regime aos interessados relacionados na Ação, em virtude da alegação de descumprimento da decisão do STF no HC 82.959 (Rel. Min. Marco Aurélio), pela qual a Corte afastou a vedação de progressão de regime aos condenados pela prática de crimes hediondo, ao considerar inconstitucional o art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos). O julgamento da referida Reclamação encontra-se no seguinte patamar, consoante o acompanhamento processual: "Após o voto-vista do Senhor Ministro Eros Grau, que julgava procedente a reclamação, acompanhando o Relator [Min. Gilmar Mendes]; do voto do Senhor Ministro Sepúlveda Pertence, julgando-a improcedente, mas concedendo habeas corpus de ofício para que o juiz examine os demais requisitos para deferimento da progressão, e do voto do Senhor Ministro Joaquim Barbosa, que não conhecia da reclamação, mas igualmente concedia o habeas corpus, pediu vista dos autos o Senhor Ministro Ricardo Lewandowski. Ausentes, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello e a Senhora Ministra Cármen Lúcia. Presidência da Senhora Ministra Ellen Gracie. Plenário, 19.04.2007."
  5. Refira-se, por oportuno, à Tese de Doutorado do professor Lucas Gonçalves da Silva, da Universidade Federal de Sergipe – UFS, cujo título foi obtido em 2009, com orientação de André Ramos Tavares: Mutação Constitucional pela Justiça Constitucional: Tipologia e Limites. O referido professor também fez estudos sobre a Hermenêutica e Interpretação Constitucional (mestrado em direito) e O papel do Supremo Tribunal Federal na garantia dos direitos fundamentais.
  6. Essa lei foi questionada por meio da ADI 4175, pois restringiria o acesso do cidadão ao STF, porém foi indeferida a inicial pelo Rel. Min. Carlos Britto, DJE 06/02/2009, por falta de pertinência temática quanto ao autor.
  7. Consoante noticiado em janeiro de 2009, no portal eletrônico do STJ, o Min. Luiz Fux defende que este Tribunal Superior adote também a Súmula Vinculante e a Repercussão Geral para selecionar as causas que irão a julgamento, o que demonstra a tendência atual em busca da efetividade e celeridade, enfim, da economia processual, pela qual se persegue, com ponderação, a obtenção de maior resultado com o menor uso de atividade jurisdicional.
  8. O I Pacto Republicano, assinado em 2004, gerou toda a modernização do sistema da Justiça e reformulação das leis. O II Pacto Republicano tem três objetivos principais: a proteção dos direitos humanos e fundamentais, a agilização e efetivação da prestação jurisdicional e a promoção de maior acesso à Justiça.
  9. Palestra proferida no XVII Simpósio Transnacional de Estudos Científicos (Constitucionalismo e Relações Internacionais – 06 a 10 de outubro de 2008, Universidade Federal de Sergipe – UFS), cujo tema apresentado em 06/10/2008 pelo professor Carlos Augusto Alcântara Machado foi A Constituição de 1988 como Obra Inacabada. Na oportunidade, falou que não concorda com o pensamento de Gilmar Mendes, pois, como propugnada, a mutação constitucional é, na verdade, mutação inconstitucional, apesar de admitir ser a tendência do STF. Afirmou, ainda, que "devemos observar o direito brasileiro de acordo com a realidade brasileira".
  10. E daí afirmar-se que "[...] o Direito Constitucional é muito mais do que apenas um ramo do direito público", sendo "[...] a matriz de toda a ordem jurídica de um específico Estado", o que representa a unidade do Direito (PAULO; ALEXANDRINO, 2009, p. 3).
  11. Isso porque se admite, evidentemente em alguns ordenamentos de tradição não romanística (que não é o caso do Brasil, cuja Constituição é rígida, ou como quer Alexandre de Moraes (2007, apud PAULO; ALEXANDRINO, 2009, p. 20), super-rígida, em virtude das cláusulas pétreas), a alteração de normas constitucionais por procedimento simples, semelhante àquele das demais leis do ordenamento, pelo que falamos aqui em Constituição flexível ou, ainda, semirrígida.
  12. Alguns constitucionalistas, conforme observação de Tercio Sampaio Ferraz Jr. (2003, p. 230), invertem o conteúdo da distinção entre Constituição no sentido formal e material, porém nada que altere substancialmente a formulação de Kelsen.
  13. Cf. SILVA, 2000, p. 237: "o princípio da constitucionalidade [...] exprime, em primeiro lugar, que o Estado se funda na legitimidade de uma Constituição rígida, emanada da vontade popular, que, dotada de supremacia, vincule os podres e os atos deles provenientes, com as garantias de atuação livre, e regras da jurisdição constitucional".
  14. Os atos de reforma constitucional, consoante lembra Carlos Britto (1999, p. 194), fazem parte da unidade materializada na Constituição em si.
  15. Marcelo Novelino, citando José Afonso da Silva, aponta os seguintes limites: os princípios sensíveis (art. 34, VII, CF/88), extensíveis (expressos nos arts. 28 e 75 da CF/88 e implícitos – arts. 59 e seguintes e art. 58, § 3º, CF/88) e estabelecidos (expressos nos arts. 19 e 37 da CF/88, implícitos nos arts. 22 e 30 e decorrentes do sistema constitucional adotado).
  16. Espécies normativas assaz utilizadas pela hermenêutica e que serve de fundamento à Teoria da Mutação Constitucional.
  17. Tal denominação – superprincípios constitucionais – é encontrada na obra de Wellington Márcio Kublisckas (2009, p. 234), o qual divide aqueles em dois: o princípio do Estado Democrático de Direito (art. 1º, II, V, e parágrafo único) e o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, II, III e IV). Esboça o tema da seguinte forma: "Os superprincípios constitucionais são, portanto, as normas constitucionais dotadas (i) de importância nuclear no sistema constitucional, o que pode ser comprovado pela freqüência com que são utilizados na interpretação das demais normas constitucionais e infraconstitucionais; e (ii) do mais alto nível de abstração e flexibilidade, podendo ser invocados inclusive para a defesa de interesses contrapostos e ter o seu conteúdo definido/alterado com base no contexto social e nas situações concretas" (KUBLISCKAS, 2009, p. 235).
  18. A teoria da nulidade da lei inconstitucional é sustentada nos Estados Unidos através do stare decisis e na Alemanha, através da Gesetzeskraft ("força de lei").
  19. Cf., para maiores detalhes, toda uma argumentação equilibrada feita por Gilmar Ferreira Mendes em voto proferido na Rcl. 4.335-5/AC, citada no capítulo 4, subcapítulo 4.2. Cf. também MENDES; COELHO; BRANCO, 2009c, p. 1134/1136, onde ele aloca os mesmos argumentos.
  20. Cf., com maiores detalhes, o tópico referente à Mutação Constitucional, no capítulo 4, subcapítulo 4.2.
  21. Cf. MENDES, 2009a, p. 28. Cf. também DIDIER JR., 2006, p. 122, apud GERMANO, 2009.
  22. Cf. MARTINS; MENDES, 2005. Refira-se que tal linha foi seguida no julgamento do RE 376.852, de 27/03/2003, quando o próprio Ministro reafirmou a necessidade de transformação do Recurso Extraordinário em remédio de controle abstrato de constitucionalidade. No julgamento do AI 375.011, constante do informativo 365 do STF, a Ministra Ellen Gracie segue tal entendimento, dispensando o prequestionamento para estender os precedentes aos casos concretos. O Ministro Sepúlveda Pertence, no julgamento do RE 298.694, publicado no DJ de 23/04/2004, flexibilizou o requisito do prequestionamento e consagrou a tese de que o Recurso Extraordinário transcende ao interesse das partes e se amolda como instrumento para controle abstrato da constitucionalidade. Cf. LIMA, 2007.
  23. Cf. MENDES, 1997. Disponível em www.gilmarmendes.com.br.
  24. Cf. ADI 3682, na qual "o Tribunal julgou procedente ação para reconhecer a mora do Congresso Nacional, e, por maioria, estabeleceu o prazo de 18 (dezoito) meses para que este adote todas as providências legislativas ao cumprimento da norma constitucional imposta pelo artigo 18, § 4º, da Constituição Federal, nos termos do voto do Relator [...]", porém esclarecendo que "não se trata de impor um prazo para a atuação legislativa do Congresso Nacional, mas apenas da fixação de um parâmetro temporal razoável, tendo em vista o prazo de 24 meses determinado pelo Tribunal nas ADI nºs. 2.240, 3.316, 3.489 e 3.689 para que as leis estaduais que criam municípios ou alteram seus limites territoriais continuem vigendo, até que a lei complementar federal seja promulgada contemplando as realidades desses municípios".
  25. Como o Senado é órgão federal e órgão nacional, composto por representantes dos Estados, é-lhe permitido suspender lei federal, estadual ou municipal, sem ferir o princípio federativo.
  26. Regimento Interno do STF (RISTF): "Art. 178. Declarada, incidentalmente, a inconstitucionalidade, na forma prevista nos arts. 176 e 177, far-se-á comunicação, logo após a decisão, à autoridade ou órgão interessado, bem como, depois do trânsito em julgado, ao Senado Federal, para os efeitos do art. 42, VII [atual dispositivo da CF/88: art. 52, X], da Constituição."
  27. Decreto nº 2.346/97: "Art. 1º As decisões do Supremo Tribunal Federal que fixem, de forma inequívoca e definitiva, interpretação do texto constitucional deverão ser uniformemente observadas pela Administração Pública Federal direta e indireta, obedecidos aos procedimentos estabelecidos neste Decreto. 
  28. § 1º Transitada em julgado decisão do Supremo Tribunal Federal que declare a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, em ação direta, a decisão, dotada de eficácia ex tunc, produzirá efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional, salvo se o ato praticado com base na lei ou ato normativo inconstitucional não mais for suscetível de revisão administrativa ou judicial.

    § 2º O disposto no parágrafo anterior aplica-se, igualmente, à lei ou ao ato normativo que tenha sua inconstitucionalidade proferida, incidentalmente, pelo Supremo Tribunal Federal, após a suspensão de sua execução pelo Senado Federal."

  29. Cf. também MENDES; COELHO; BRANCO, 2009c, p. 1131/1150.
  30. A mesma pergunta eloquente é feita por Dirley da Cunha Júnior (2008, p. 152).
  31. Cf. RE 190.728, Rel. Ilmar Galvão, DJ 30/05/1997; AI-AgRg 168.149, Rel. Marco Aurélio, DJ 04/08/1995; AI-AgRg 167.444, Rel. Carlos Velloso, DJ 15/09/1995; RE 191.898, Rel. Sepúlveda Pertence, DJ 22/08/1997.
  32. Ação Civil Pública contra lei municipal que fixa o número de Vereadores, cujo relator foi o Min. Maurício Corrêa, DJ 31/03/2004.
  33. Não deixa de ser instigante a conclusão a que chegaram os articulistas Guido Nazareth Júnior e Thiago Vieira Barbosa (2009, p. 5) de que "é preciso regular de maneira adequada pois se o intuito é o de igualar os efeitos ao do controle direto de constitucionalidade deve-se alinhar também os procedimentos pois temos importantes partícipes no controle concentrado que dão uma maior segurança ao resultado obtido no controle de constitucionalidade (Advogado Geral da União, Procurador Geral da República, amicus curiae) que não tem participação no controle difuso. Ora, se vamos igualar os efeitos, por conseguinte devemos ter similaritude nos procedimentos".
  34. Cf., também, voto proferido pelo Ministro Gilmar Mendes na Rcl. 4.335, colacionado no capítulo 4, subcapítulo 4.2.
  35. "[...] a lei geralmente transmuda-se naquilo que os juízes dizem sê-la. As decisões da Corte Suprema dos Estados Unidos, por exemplo, são especialmente importantes nesse sentido. Aquela Corte tem o poder de anular ainda que sejam as mais deliberadas e populares decisões de outros órgãos do governo se acreditar que elas são contrárias à Constituição [...]" [tradução nossa].
  36. Esse diálogo ou interlocução entre os modelos difuso e abstrato não se restringe, por certo, ao caso objeto deste estudo, mas também está presente na discussão acerca da ação civil pública como instrumento de controle de constitucionalidade e no caso da limitação de efeitos em sede de controle incidental, ao aplicar o art. 27 da Lei 9.868/99. Cf., nesse sentido, MENDES; COELHO; BRANCO, 2009c, p. 1141/1150.
  37. Não se pode negar que essa imagem da "janela quebrada" adveio ao texto partindo da teoria das janelas quebradas (Broken Windows Theory), própria da criminologia, embora com ela não se confunda, obviamente.
  38. Cf., por exemplo, o art. 557, caput e § 1º-A do CPC, onde o relator negará seguimento ou dará provimento a recurso a depender, respectivamente, se tal recurso está em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior ou se a decisão recorrida está em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.
  39. Cf. MORAIS, Jose Luis Bolzan de; AGRA, Walber de Moura. A jurisprudencialização da Constituição e a densificação da legitimidade da jurisdição constitucional. In: (Neo)Constitucionalismo – ontem, os códigos; hoje, as constituições. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, 2004, p. 217-242.
  40. Esse princípio significa, conforme visto anteriormente, que os direitos fundamentais conquistados pela sociedade e que sejam objeto de consenso não podem retroceder.
  41. Conforme análise de Luís Roberto Barroso (2009, p. 6), judicialização não se confunde com ativismo judicial, embora sejam primos: "A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política. Em todos os casos referidos acima, o Judiciário decidiu porque era o que lhe cabia fazer, sem alternativa. Se uma norma constitucional permite que dela se deduza uma pretensão, subjetiva ou objetiva, ao juiz cabe dela conhecer, decidindo a matéria. Já o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva."
  42. Esse jogo de palavras já foi mencionado por Carlos Britto, conforme disse o professor Carlos Augusto Alcântara Machado em palestra proferida no XVII Simpósio Transnacional de Estudos Científicos (Constitucionalismo e Relações Internacionais – 06 a 10 de outubro de 2008, Universidade Federal de Sergipe – UFS), cujo tema apresentado em 06/10/2008 foi A Constituição de 1988 como Obra Inacabada.
  43. Cf., para maiores detalhes, a introdução deste trabalho.
  44. Cf., para maiores detalhes, capítulo 1, subtópico 1.3.
  45. Cf., nesse sentido, MAZZILLI, Hugo Nigro. As Súmulas Vinculantes. O Estado de São Paulo. 21 out. 1997, p. A-4, apud TAVARES, 1998, p. 150.
  46. Anota Humberto Ávila (2009, p. 174, grifo nosso) que "é importante encontrar critérios que aumentem e que restrinjam o controle material a ser exercido pelo Poder Judiciário". Dessa forma, colaciona os seguintes fatores e critérios, salientando, porém, que em qualquer caso caberá ao Judiciário verificar a avaliação do legislador, seja de forma preventiva ou posterior, não representando isso afronta ao princípio da separação dos Poderes: "De um lado, o âmbito de controle pelo Poder Judiciário e a exigência de justificação da restrição a um direito fundamental deverá ser tanto maior quanto maior for: (1) a condição para que o Poder Judiciário construa um juízo seguro a respeito da matéria tratada pelo Poder Legislativo; (2) a evidência de equívoco da premissa escolhida pelo Poder Legislativo como justificativa para a restrição do direito fundamental; (3) a restrição ao bem jurídico constitucionalmente protegido; (4) a importância do bem jurídico constitucionalmente protegido, a ser aferida pelo seu caráter fundante ou função de suporte relativamente a outros bens (por exemplo, vida e igualdade) e pela sua hierarquia sintática no ordenamento constitucional (por exemplo, princípios fundamentais). Presentes esses fatores, maior deverá ser o controle exercido pelo Poder Judiciário, notadamente quando a premissa utilizada pelo Poder Legislativo for evidentemente errônea. [...] De outro lado, o âmbito de controle pelo Poder Judiciário e a exigência de justificação da restrição a um direito fundamental deverá ser tanto menor, quanto mais: (1) duvidoso for o efeito futuro da lei; (2) difícil e técnico for o juízo exigido para o tratamento da matéria; (3) aberta for a prerrogativa de ponderação atribuída ao Poder Legislativo pela Constituição. Presentes esses fatores, menor deverá ser o controle exercido pelo Poder Judiciário, já que se torna mais difícil uma decisão autônoma desse Poder" (ÁVILA, 2009, p. 174/175, grifo nosso e do autor).
  47. Lembre-se nesse ponto que, para ser legítimo o Poder Constituinte Originário, deve haver uma congruência entre a vontade do povo (material) e a vontade da Assembleia Constituinte (formal).
  48. Perelman (2000, p. 185, apud SILVA, 2005, p. 99, grifo nosso) já havia notado essa tendência de aproximação dos dois sistemas, conforme observou Celso de Albuquerque Silva (2005): "Faz algumas décadas que assistimos a uma reação que, sem chegar a ser um retorno ao direito natural, ao modo próprio dos séculos XVII e XVIII, ainda assim confia ao juiz a missão de buscar, para cada litígio particular, uma solução equitativa e razoável, pedindo-lhe ao mesmo tempo que permaneça, para consegui-lo, dentro dos limites autorizados por seu sistema de direito. Mas é-lhe permitido para realizar a síntese buscada entre a equidade e a lei tornar esta mais flexível graças à intervenção crescente das regras de direito não escritas, representadas pelos princípios gerais de direito e pelo fato de se levar em consideração os tópicos jurídicos. Esta nova concepção acresce a importância do direito pretoriano, fazendo o juiz o auxiliar e o complemento indispensável do legislador: inevitavelmente ela aproxima a concepção continental do direito da concepção anglo-saxã, regida pela tradição da common law".
  49. Na verdade, a perda de sentido da dicotomia entre os modelos referidos vem sendo sentida desde o segundo pós-guerra.
  50. Representam relevante desenvolvimento constitucional os Estados Unidos da América, a Alemanha, a Áustria e a Suíça. Cf. ALBERTON, 2002, p. 13/16.
  51. "Neste passo é de toda pertinência explicitar o que aqui se entende por crise, sob pena de comprometer-se as conclusões do estudo. Para tanto, invoca-se o magistério de CASTANHEIRA NEVES, ‘Entre o ‘legislador’, a ‘sociedade’ e o ‘juiz’ ou entre‘sistema’, ‘função e problema’ - os modelos atualmente alternativos de realização jurisdicional do direito’. In: Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, v. LXXXIV. [Separata], p. 2, para quem o vocábulo ‘não traduz apenas o negativo substancial, a quebra anómica que se sofre e lamenta, mas sobretudo a consumação histórico cultural de um sistema, a perda contextual de sentido das referências até então regulativas - o paradigma que vigorava esgotou-se, um novo paradigma se exige.’ " [Nota e grifo do autor]
  52. A ideia de Constituição aberta remete para a abordagem do direito constitucional como "um sistema aberto de regras e princípios que, através de processos judiciais, procedimentos legislativos e administrativos, iniciativas dos cidadãos, passa de uma ‘law in the books" para uma "law in action", para uma "living constitution’ ". (CANOTILHO, 2000, apud KUBLISCKAS, 2009, p. 25)
  53. "Sobre o assunto, discorre GARCÍA: ‘Frente a la idea de Constitución reducida a un conjunto de normas, y entendida como un dato estático, surgirá la idea de Constitución abierta, como algo no concluso y acabado. La Constitución perderá entonces su carácter de norma fija e inmutable para aparecer como um proceso de realización en el tiempo, sujeto a alteraciones y modificaciones continuas. Además, porque sus contenidos normaticos son con frecuencia vagos, incompletos, indeterminados y confusos, no susceptibles para fundamentar una doctrina de la aplicación y ejecución directa de los mismos (Hesse, Grundzuge, págs. 12 y s.), se hará necesario establecer una adecuada teoría de la interpretación’ ( p. 50/51)." [nota da autora]
  54. Cf., para maiores detalhes sobre o tema, Anna Cândida da Cunha Ferraz, 1986, p. 217/233.
  55. Cf. também o trabalho de BEZERRA, Paulo César Santos. Mutação constitucional: processos mutacionais como mecanismos de acesso à justiça. Disponível em: <http://www.sefaz.pe.gov.br/flexplub/versao1/filesdirectory/sessi ons579.pdf> Acesso em: 02 dez. 2009.
  56. Outros nomes da doutrina tradicional podem ser citados além de Laband, como G. Jellinek, Hsü-Dau-Lin, Heller e Konrad Hesse.
  57. José Afonso da Silva (2000) utiliza-se das lições de Pedro de Vega (1991, p. 189, apud SILVA, 2000, p. 288), para quem são capazes de produzir mutações constitucionais: a) os atos normativos; b) os costumes, que, em verdade, ele não aceita como forma de mutação constitucional válida, senão como um modo de destruir os fundamentos da organização constitucional; c) convenções constitucionais.
  58. Vale, contudo, a ressalva de Canotilho (2000, p. 1192/1193, apud KUBLISCKAS, 2009, p. 154/155): "Algumas concepções que defendem a idéia de constituição como concentrado de princípios, concretizados e desenvolvidos na legislação infraconstitucional, apontam para a necessidade da interpretação da constituição de acordo com as leis, a fim de encontrar um mecanismo constitucional capaz de salvar a constituição face a pressão sobre ela exercida pelas complexas e incessantemente mutáveis questões económicos-sociais [sic]. Esta leitura da constituição de baixo para cima, justificadora de uma nova compreensão da constituição a partir das leis infraconstitucionais, pode conduzir à derrocada interna da constituição por obra do legislador e de outros órgãos concretizadores, e à formação de uma constituição legal paralela, pretensamente mais próxima dos momentos ‘metajurídicos’ (sociológicos e políticos)".
  59. Cf. o trecho do voto do Juiz Marshall citado no capítulo 1, subcapítulo 1.3.
  60. Aduz Wellington Márcio Kublisckas (2009, p. 154/155), trazendo lições de Canotilho (2000, p. 1192/1193, apud KUBLISCKAS, 2009, p. 154/155): "Conforme salienta J. J. Gomes Canotilho, a mutação constitucional deve considerar-se admissível quando se reconduz a um problema normativo-endogenético, mas não quando ela é resultado de uma evolução normativamente exogenética. Nesse sentido, ‘problema mais complicado é o que se levanta quando existe uma radical mudança de sentido das normas constitucionais [...]. Perspectiva diferente se deve adoptar [sic] quanto às tentativas de legitimação de uma interpretação constitucional criadora que, com base na força normativa dos fatos, pretenda ‘constitucionalizar’ uma alteração constitucional em inequívoca contradição com a constitutio scripta. [...] Reconhece-se, porém que entre uma mutação constitucional obtida por via interpretativa de desenvolvimento do direito constitucional e uma mutação constitucional inconstitucional há, por vezes, diferenças quase imperceptíveis, sobretudo quando se tiver em conta o primado do legislador para a evolução constitucional e a impossibilidade de, através de qualquer teoria, captar as tensões entre a constituição e a realidade constitucional".
  61. Lembre-se que todas as decisões judiciais devem ser públicas e fundamentadas, sob pena de nulidade (art. 93, IX, CF/88).
  62. Essa é a concepção mais adequada aos propósitos deste trabalho à medida que dissolve uma das críticas feitas à nova perspectiva do STF em controle difuso, qual seja, a de que pretende-se mudar o texto da Constituição, o que pretensamente revelar-se-ia como mutação inconstitucional.
  63. Não se pode deixar de notar que o mesmo Konrad Hesse serviu de fundamento tanto para as concepções de José Afonso da Silva (2000) quanto para as de Uadi Lammêgo Bulos (1997).
  64. Palestra proferida no XVII Simpósio Transnacional de Estudos Científicos (Constitucionalismo e Relações Internacionais – 06 a 10 de outubro de 2008, Universidade Federal de Sergipe – UFS), cujo tema apresentado em 06/10/2008 pelo professor Carlos Augusto Alcântara Machado foi A Constituição de 1988 como Obra Inacabada. Cf. nota da introdução.
  65. Poder-se-ia pensar em outras soluções nesse mesmo sentido, como atribuir a competência tanto para o STF quanto para o Senado Federal para suspender a lei declarada inconstitucional, de forma que não transformasse aquele em mero chancelador das decisões deste, embora tivesse que publicar a manifestação do Supremo quando este agisse suspendendo a lei inconstitucional. No entanto, na prática dá no mesmo, pois o que se está visando aqui é a aplicação da teoria da nulidade e, com ela, o STF teria como dar efeitos gerais, retroativos e vinculantes mesmo sem disposição do Senado.
  66. Cf. análise do tema feita por Gilmar Mendes no capítulo 1, subcapítulo 1.3.
  67. "Não vamos discutir, aqui, o problema da relação entre o papel do Senado (art. 52,X,CF) e a questão da ‘repercussão geral’ introduzida pela EC 45/04, regulamentada no art. 543-B do CPC. Observe-se a complexidade do problema: além do poder que o Supremo Tribunal Federal terá a partir da equiparação do controle difuso ao controle concentrado, tem-se que aquela Corte pode, agora, determinar a interpretação de uma norma constitucional e impô-la a todos os processos em sede de controle difuso. Podem ser anuladas, inclusive, as decisões já proferidas pelas diversas instâncias do Poder Judiciário. Portanto, como bem alerta Fernando Faccury SCAFF (Novas Dimensões do Controle de Constitucionalidade no Brasil: Prevalência do Concentrado e Ocaso do Difuso. In: Revista Dialética do Direito Processual n. 50, São Paulo, 2007, pp. 20 e segs), isto é mais do que uma súmula vinculante: é uma decisão única, tomada por seis ministros (maioria absoluta), que pode desfazer as decisões adotadas pelos Tribunais de todo o País. A exigência de quorum qualificado (oito votos) é apenas para o juízo de admissibilidade e não para a votação do mérito. É um poder jamais visto no Brasil nas mãos do STF’ (id. ib.)." [nota e grifo dos autores]
  68. "O que não significa dizer em concreto, quando direitos subjetivos não estão em questão, ou seja, no sentido esse em que o termo é comumente emprestado por doutrina e jurisprudência do controle da constitucionalidade." [nota e grifo dos autores]
  69. Cf. também STRECK, 2006, p. 115 e ss.
  70. Cf. também STRECK, 2004, p. 479 e ss.
  71. A menos, é claro, que a decisão que declare a nulidade da lei module seus efeitos, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social.
  72. Cf. MENDES; COELHO; BRANCO, 2009c, p. 1134/1136. Cf. também o voto de Gilmar Mendes proferido na Rcl. 4.335-5/AC, colacionado no próximo tópico.
  73. Cf. capítulo 2, subcapítulo 2.3.
  74. "MENDES, Gilmar Ferreira. ‘A eficácia das decisões de inconstitucionalidade – 15 anos de experiência’ in: SAMPAIO, José Adércio Leite. !5 anos de Constituição. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 207." [nota dos autores]
  75. "Sabe-se que na época em que foram escritas as obras de Lin e Smend, não havia Tribunais Constitucionais nos moldes construídos posteriormente. A tese da mutação não significa que não tenha sido dado valor fundamental às práticas políticas no parlamento ou no governo. A conseqüência das teses ‘mutacionistas’ em tempos de ‘cortes constitucionais’ poderia ser diferente." [nota dos autores]
  76. "CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Devido processo legislativo: Uma justificação democrática do controle jurisdicional de constitucionalidade das leis e do processo legislativo. 2.ª ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2006. Também CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Poder Constituinte e Patriotismo Constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2006." [nota dos autores]
  77. Cf., para maiores detalhes, voto do Ministro Eros Grau no tópico posterior.
  78. "Cf. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. 2ª ed. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2007." [nota dos autores]
  79. "Por todos, veja a ‘mutação constitucional’ feita recentemente pelo STJ no art. 514 do Código de Processo Penal. Com efeito, considerando ultrapassada a garantia da defesa prévia de quinze dias que o CPP concedia ao funcionário público quando processado, o STJ editou a Súmula 330, alterando, não a norma do art. 514, mas o texto...!" [nota dos autores]
Assuntos relacionados
Sobre o autor
Ricardo Diego Nunes Pereira

Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Sergipe. Pós-graduado em Direito do Estado (Constitucional, Administrativo e Tributário). Foi secretário-geral da Comissão de Combate ao Aviltamento de Honorários Advocatícios da OAB/SE. Autor de artigos e livros de interesse jurídico. Autor do livro “Direito Judicial Criativo: ativismo constitucional e justiça instituinte”, com menção no Library of Congress, nos EUA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Ricardo Diego Nunes. Mutação constitucional: uma nova perspectiva do STF em sede de controle difuso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2401, 27 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14259. Acesso em: 29 mar. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos