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O Ministério Público e a busca pela inclusão social.

Atuação no âmbito das políticas públicas

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18/04/2010 às 00:00
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SUMÁRIO: Introdução; 1. Políticas públicas: conceito; 2. Elaboração das políticas públicas: planejamento e previsão orçamentária; 3. Limites à implementação das políticas públicas: insuficiência de recursos financeiros e a teoria da reserva do possível; 4. Escolha adequada: a questão da discricionariedade administrativa no âmbito das políticas públicas; 5. O Ministério Público e as políticas públicas: estratégias de atuação em busca da inclusão social; Considerações finais.

RESUMO: As políticas públicas correspondem aos instrumentos destinados à concretização dos direitos sociais, sendo que, por meio delas, devem ser analisadas as prioridades de atuação do Estado, avaliando-se a disponibilidade orçamentária em busca de uma adequada estratégia de alocação dos recursos financeiros. Além das inafastáveis atuações dos Poderes Executivo e Legislativo, a temática das políticas públicas, dentro de uma concepção pluralista, deve abrir espaço para a participação da sociedade, representada pelos seus mais diversos segmentos, destacando-se a atuação dos Conselhos de Gestão como importantes organismos que devem atuar em conjunto com os Poderes do Estado no âmbito da elaboração, implementação e controle das políticas públicas, sempre na busca da superação dos limites impostos pela insuficiência de recursos financeiros, analisando-se de forma criteriosa os argumentos decorrentes da teoria da reserva do possível, buscando-se, ainda, uma nova forma de interpretar a amplitude da discricionariedade administrativa quando o tema em pauta for a concretização dos direitos sociais. As atribuições do Ministério Público no âmbito da tutela dos direitos sociais demandam uma atuação pró-ativa de seus representantes, buscando, em princípio, a mobilização social e dos Poderes do Estado na busca da implementação de políticas públicas que priorizem o atendimento das metas explicitadas no texto constitucional, tomando em conta, em um segundo momento, a possibilidade de ser utilizada a via jurisdicional, sobretudo por meio da ação civil pública, na busca da concretização dos direitos sociais negligenciados pelo Estado. Tal forma de atuação do Ministério Público exige um novo perfil de seus representantes, que devem se mostrar profundamente vocacionados e comprometidos com as causas institucionais, sempre buscando afastar a paralisia do Estado que compromete o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana.

ABSTRACT: The public policies correspond to the instruments destined to the social rights achievement, being that, through them, there must be analyzed the priorities of performance of the State, evaluating the budgetary availability in search of an adequate strategy of allocation of the financial resources. As well as the indispensable performances of the Executive and Legislative Powers, the thematic of the public policies, in a pluralist conception, must open space for the society participation, represented in their most different segments, pointing out the Management Councils performance like important organisms that must act with the State Powers in the scope of creation, implementation and control of the public policies, always in search of overcoming the imposed limits through the insufficiency of financial resources, analyzing in a thorough way the subsequent arguments of the reserve of the possible theory, looking for, yet, a new way of interpreting the extension of the administrative discretionarity when the subject in guideline is the achievement of the social rights. The prerogatives of the Public Prosecution Service in the scope of the social rights guardianship demand a pro-active performance of its representatives, searching, in principle, the social and the State Powers mobilization in search of the public policies implementation that prioritize the attendance of the presented goals, in the constitutional text, taking charge, in a second moment, the possibility of being used the jurisdictional ways, especially through the public civil action in search of the social rights achievement neglected by the State. Such way of performance of the Public Prosecution Service demands a new profile of its representatives that must show themselves deeply connected and committed to the institutional causes, always trying to move the State paralysis away that commits to the respect to the principle of the dignity of the person human being.

PALAVRAS-CHAVE: direitos sociais; políticas públicas; Ministério Público.

KEYWORDS: social rights; public policies; Public Prosecution Service.


Introdução

Perplexidade, indignação e esperança: estas são as palavras que explicitam os motivos determinantes deste artigo.

O abismo existente entre os mais ricos e os mais pobres gera a perplexidade, sendo esta a mola propulsora da indignação que, mesmo em um nível profundo, não se mostra capaz de fulminar, por completo, a esperança de que o Direito, enquanto instrumento de transformação social, resgate a dignidade daqueles que a perderam.

A temática pertinente à concretização dos direitos fundamentais, vista como tábua de salvação de referida esperança, é tratada neste trabalho pelo viés dos direitos sociais, sendo as políticas públicas compreendidas como instrumentos de concretização de tais direitos.

Após a apresentação do conceito de políticas públicas, procuramos tratar das etapas voltadas à sua implementação, desde as estratégias de planejamento até a previsão orçamentária.

Os limites concernentes à implementação das políticas públicas são alvo de nossa atenção, sobretudo no que diz respeito à insuficiência de recursos financeiros, com foco especial na análise da teoria da reserva do possível.

Também abordamos a questão da discricionariedade administrativa no que tange às escolhas que envolvem as políticas públicas.

Por fim, ressaltamos o papel do Ministério Público no que diz respeito à busca da concretização dos direitos fundamentais sociais por meio da implementação das políticas públicas.

A abordagem dos mencionados tópicos procura evidenciar a necessidade de que o Ministério Público, por meio do cumprimento irrestrito das prerrogativas institucionais que lhe foram outorgadas pela Constituição Federal de 1988, trilhe pelos caminhos que garantam a todos os indivíduos o direito à plena inclusão social, com amplo acesso aos serviços públicos capazes de garantir o mais completo respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, afastando dos homens e mulheres o estigma da pobreza e da miséria absoluta que os condena à infelicidade, contrariando o destino natural do ser humano.


1. Políticas públicas: conceito

Estamos inseridos em uma democracia formal há mais de duas décadas e, ao longo desse período, implementou-se, de forma gradativa, o debate em torno do conceito de "espaço público", bem como a respeito de que atores devem construir esse espaço e como formular e concretizar políticas capazes de estruturar um País efetivamente democrático, diverso e socialmente justo. (LANZONI, 2007, p. 31)

Os direitos fundamentais sociais, de índole prestacional, demandam a implementação de políticas públicas, expressão que "designa a atuação do Estado, desde a pressuposição de uma bem marcada separação entre Estado e sociedade". [01] (GRAU, 2008, p. 25)

O fundamento das políticas públicas está no reconhecimento dos direitos sociais, aqueles que se concretizam mediante prestações positivas do Estado. Enquanto os direitos individuais consistem em liberdades, os direitos sociais consistem em prestações. (BREUS, 2007, p. 219)

Por serem exigências de superação da inércia estatal, ou formas de se evitar o desvio da ação dos Poderes Públicos em favor das classes sociais ricas e poderosas, os direitos sociais têm por objeto políticas públicas ou programas de ação governamental que devem ser coordenados entre si. A elevação do nível da qualidade de vida das populações carentes supõe, no mínimo, um programa conjugado de medidas governamentais no campo do trabalho, saúde, da previdência social, da educação e da habitação popular. Tais objetivos sociais são interdependentes, de sorte que a não-realização de um deles compromete a realização de todos os outros. (COMPARATO, 2007, p. 338) Procurando esmiuçar essa abordagem, temos que:

[...] as políticas públicas são execuções das normas legais ou constitucionais, verdadeiros mecanismos de sua efetivação ou um "law enforcement" (reforço para execução da lei). Não são apenas atos meramente políticos ou de governo, os chamados atos de gestão.

As políticas públicas são os meios de planejamento para a execução dos serviços públicos. Em todas as áreas o Estado deve possuir políticas públicas de forma clara e precisa, na busca de melhor desempenho de suas atividades estatais. As principais políticas públicas são: política econômica, política educacional, política habitacional, política ambiental, política previdenciária, política de saúde e política de segurança pública. A fixação das políticas públicas ocorre por meio dos mecanismos estatais de planejamento das ações, estratégias e metas para atingir a finalidade pública de forma eficiente, na prestação de ações e serviços públicos. As políticas públicas correspondem ao planejamento e as obras e serviços públicos caracterizam a execução material da função.

Na sua atuação, o Estado desempenha inúmeras atividades, prestando serviços públicos essenciais e não essenciais, de relevância pública ou não. Para as várias áreas de atuação do Poder Público há necessidade de fixação de uma rota de atuação estatal, seja expressa ou implícita, as chamadas políticas públicas. A Constituição Federal é a base da fixação das políticas públicas, porque ao estabelecer princípios e programas normativos já fornece o caminho da atuação estatal no desenvolvimento das atividades públicas, as estradas a percorrer, obrigando o legislador infraconstitucional e o agente público ao seguimento do caminho previamente traçado ou direcionado. (SANTIN, 2004, p. 34-35)

Deve ser registrado, porém, que a exigência da atuação positiva, e não meramente absenteísta do Estado, realça a grande dificuldade para a efetivação das políticas públicas pertinentes aos direitos fundamentais de conteúdo econômico, social e cultural. [02] Neste sentido, uma política pública não se caracteriza como um ato isolado nem como a abstenção no que tange à prática de determinados atos. As políticas públicas estão, de acordo com a mais recente teoria jurídica, atreladas ao conceito de "atividade", sendo este compreendido como uma série de atos, do mais variado tipo, unificados por um mesmo objetivo e organizados num programa de longo prazo. A doutrina jurídica tradicional, tanto nos países de civil law quanto nos de common law, desde o direito romano, ocupou-se quase que exclusivamente de atos isolados: contratos, testamentos, matrimônio, adoção, nomeação e demissão de funcionários públicos, e assim por diante. "Foi só recentemente, em razão do desenvolvimento da economia de massa, que começaram a ser elaboradas regras jurídicas específicas sobre o desenvolvimento de atividades, como a organização do serviço público, ou a exploração empresarial". (COMPARATO, 2007, p. 339)

As políticas públicas podem ser compreendidas como instrumentos de execução de programas políticos baseados na intervenção estatal na sociedade com o escopo de garantir igualdade de oportunidades aos indivíduos e, assim, assegurar as condições materiais de uma existência digna a todos. [03] (APPIO, 2006, p. 136) O terreno das políticas públicas caracteriza-se como o espaço institucional para a explicitação dos "fatores reais de poder" [04] ativos na sociedade em determinado momento histórico, em relação a um objeto de interesse público. "Política aqui não conota, evidentemente, a política partidária, mas política num sentido amplo, como atividade de conhecimento e organização do poder". (BUCCI, 2006, p. 242)

Com base no que foi até aqui exposto, podemos dizer que as políticas públicas no Brasil se desenvolvem em duas frentes principais, a social e a econômica, ambas voltadas para o desenvolvimento do País. [05] (APPIO, 2006, p. 136) O desenvolvimento, portanto, pode ser apontado como a principal política pública, conformando e harmonizando todas as demais. O desenvolvimento econômico e social, com a eliminação das desigualdades, pode ser considerado como a síntese dos objetivos históricos nacionais. (BERCOVICI, 2006, p. 144)

Dentro desta concepção, é preciso ressaltar que as políticas públicas, sobretudo aquelas voltadas para a concretização dos direitos fundamentais sociais, estão diretamente ligadas à concepção de desenvolvimento. Para explicitarmos essa ideia:

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O desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos. A despeito de aumentos sem precedentes na opulência global, o mundo atual nega liberdades elementares a um grande número de pessoas – talvez até mesmo à maioria. Às vezes a ausência de liberdades substantivas relaciona-se diretamente com a pobreza econômica, que rouba das pessoas a liberdade de saciar a fome, de obter uma nutrição satisfatória ou remédios para doenças tratáveis, a oportunidade de vestir-se ou morar de modo apropriado, de ter acesso a água tratada ou saneamento básico. Em outros casos, a privação de liberdade vincula-se estreitamente à carência de serviços públicos e assistência social, como por exemplo a ausência de programas epidemiológicos, de um sistema bem planejado de assistência médica e educação ou de instituições eficazes para a manutenção da paz e da ordem locais. Em outros casos, a violação da liberdade resulta diretamente de uma negação de liberdades políticas e civis por regimes autoritários e de restrições impostas à liberdade de participar da vida social, política e econômica da comunidade. (SEN, 2000, p. 18)

Na busca de uma sistematização, podemos apontar que as políticas públicas agrupam-se em gêneros diversos: a) políticas sociais relacionadas à prestação de serviços essenciais (saúde, educação, segurança, justiça, etc.); b) políticas sociais compensatórias (previdência e assistência social, seguro desemprego, etc.); c) políticas de fomento (créditos, incentivos, preços mínimos, desenvolvimento industrial, tecnológico, agrícola, etc.); d) as reformas de base (reforma urbana, agrária, etc.); e) políticas de estabilização monetária; além de outras mais específicas ou genéricas. (LOPES, 2005, p. 133)

As políticas públicas constituem temática oriunda da Ciência Política e da Ciência da Administração Pública, sendo que ingressam no foco de interesse do Direito na medida em que o universo jurídico se alarga, abraçando a concepção por meio da qual os direitos sociais deixam de ser meras declarações retóricas e passam a ser direitos positivados em busca de concretização. (BUCCI, 2006, p. 241)

Trazer o conceito de políticas públicas para o campo do Direito significa aceitar um grau maior de interpenetração entre as esferas jurídica e política ou, em outras palavras, assumir a comunicação que há entre os dois subsistemas, reconhecendo e tornando públicos os processos dessa comunicação na estrutura burocrática do Poder, Estado e Administração Pública. (BUCCI, 2006, p. 241-242)

A interpenetração dos universos jurídico e político, dentro do nosso objeto de estudo, mostra-se ainda mais evidente se lembrarmos que as normas constitucionais definidoras de direitos sociais são caracterizadas, invariavelmente, como normas programáticas, de cunho principiológico, dependentes da atuação posterior das diversas faces do Poder Público, mediante a elaboração de programas voltados para a concretização de tal modalidade de direitos.

A elaboração e cumprimento de tais programas envolvem atividades a serem desenvolvidas tanto pelo Poder Executivo quanto pelo Poder Legislativo, passando pela contribuição decisiva da própria sociedade civil organizada.

Dentro dessa linha de entendimento, mostra-se necessário destacar que a análise das políticas públicas está diretamente relacionada ao "atual estágio de desenvolvimento da atuação do Estado para a realização dos direitos fundamentais sociais, econômicos e culturais". (BREUS, 2007, p. 211)

Com efeito, o Estado, organização política da sociedade, possui sua existência focada na promoção e proteção dos direitos fundamentais, sendo que o desenvolvimento de um Estado será tanto maior quanto maior for a rede de proteção de tais direitos, por meio de políticas públicas eficazes. (AITH, 2006, p. 219)

Vale destacar, aqui, que a Constituição Federal de 1988 caracteriza-se como estatuto marcadamente voltado, tanto do ponto de vista político quanto do jurídico, para a concretização dos direitos fundamentais sociais, apontando para as políticas públicas como instrumentos de ação do Estado contemporâneo brasileiro voltados para tal finalidade.


2. Elaboração das políticas públicas: planejamento e previsão orçamentária

A elaboração de uma política pública guarda um evidente paralelo com a atividade de planejamento, sendo esta voltada para a realização do bem comum, permitindo a elevação do nível de racionalidade das decisões que comandam complexos processos sociais. (BUCCI, 2006, p. 259-260)

A análise da estrutura de um planejamento voltado para a elaboração e implementação das políticas públicas demanda a sua decomposição em três elementos fundamentais: programa; ação-coordenação; e processo.

O "programa" tem como finalidade individualizar as unidades de ação administrativa relacionadas aos resultados que se pretende alcançar. Em outras palavras, o programa nos remete ao conteúdo propriamente dito de uma política pública, à sua dimensão material, sendo que nele são especificados os objetivos a atingir e os meios correspondentes. Por outro lado, considerando que a característica primordial de uma política pública é a de buscar a concretização de um objetivo por meio da observância de um determinado programa, mostra-se evidente que este deve ser concebido como um programa de "ação coordenada". Agir coordenadamente permite que o Estado consiga obter os resultados almejados no programa. Por último, quanto ao "processo", tem-se que um programa de ações coordenadas, para efetivar-se, depende da conjugação do procedimento (enquanto conjunto de atos direcionados a um fim) e do contraditório (na medida em que exige a participação ativa e dinâmica dos interessados). (BUCCI, 2006-A, p. 40-44)

A noção de planejamento, com seus três elementos fundamentais (programa, ação-coordenação e processo), que permeia as políticas públicas enquanto programas destinados à implementação de direitos sociais, leva ao entendimento de que a atividade estatal, neste campo, verifica-se por meio de ciclos, abrangendo as fases da formação, execução, controle e avaliação. Neste sentido:

A política pública é tida, pelo senso comum, como procedimento linear em que fases perfeitamente distintas sucedem-se, de modo a se partir da formação, passando pela implementação, finalizando com a avaliação. É necessário ao jurista o conhecimento do ciclo da política pública para tornar possível o controle jurídico de seu processo e de seus resultados.

Desde logo, é preciso ter claro que a política pública dá-se por ciclos, não sendo possível discernir de forma definitiva suas fases, por se verificar um processo de retroalimentação, onde a avaliação não é feita ao final, mas no curso da execução. Isto introduz novos elementos no quadro inicialmente proposto, modificando-o, de forma a adequá-lo à realização do objetivo. (MASSA-ARZABE, 2006, p. 70)

A formação de uma política pública envolve: a) o processo de identificação dos problemas a serem tratados; b) o estabelecimento de uma agenda e propositura de soluções, abrangendo a realização dos estudos multidisciplinares necessários; c) a especificação dos objetivos que se pretende alcançar; d) por fim, a indicação dos melhores modos de condução da ação pública, tratando-se, desta maneira, da formulação da política. (MASSA-ARZABE, 2006, p. 70) Ampliando esta abordagem:

As definições das políticas públicas relacionam-se com o perfil institucional que cada Estado desenha para si, através de seu ordenamento, e esta questão exerce influência significativa nos resultados substanciais do processo político, pois, conforme as regras definidas, haverá vantagens ou desvantagens para os diversos participantes do processo. Quem toma decisões políticas deve estar investido de autoridade formal para tais atos, já que terá, em conseqüência, autoridade para comprometer os recursos estatais. Cada país estabelece, em sua Constituição, as competências para a definição das escolhas das políticas públicas. Nos Estados democráticos, as decisões surgem da avaliação de, pelo menos, dois poderes, o Legislativo e o Executivo. As decisões políticas costumam ocorrer nos cenários institucionais, onde se reúnem os cidadãos representantes das populações para participar do processo político. Os objetivos desses participantes, todavia, podem não coincidir, pois alguns se orientam pela moral pública, outros, pelos próprios interesses. (DAL BOSCO, 2008, p. 248)

De forma geral, o próprio Poder Executivo, por meio do planejamento de suas estratégias de atuação, é quem elabora as políticas públicas. Sem prejuízo da previsão do plebiscito, do referendo e da iniciativa popular, o Brasil adota, de forma prioritária, a modalidade de democracia indireta ou representativa, com o que se transfere aos mandatários, eleitos pelo voto direto dos cidadãos, a legitimidade para a representação da vontade geral. (AGUIAR, 2009, p. 07)

O Poder Executivo, portanto, caracteriza-se como o responsável direto pela implementação de programas de governo que visem à realização do bem comum.

Atualmente, porém, o Poder Executivo tem se auxiliado das atividades dos chamados Conselhos de Gestão no que diz respeito à elaboração das políticas públicas, sobretudo nas áreas da saúde, crianças e adolescentes, educação e assistência social. Tais Conselhos, que contam com a participação de diversos segmentos da sociedade (Poder Público, entidades de classe, associações, clubes de serviço, etc.), contribuem para o diagnóstico das prioridades do ente público nas áreas correspondentes aos direitos sociais, formulando projetos, encaminhando sugestões e requerimentos ao Poder Executivo no sentido de que sejam implementados.

No Brasil, os Conselhos são resultantes do esforço de mobilização social e dos debates públicos que precederam a Constituição Federal de 1988, sendo que esta adotou o princípio da participação popular na elaboração das políticas públicas da saúde, da assistência social, educação e direitos da criança e do adolescente, buscando possibilitar que a sociedade compartilhe com o Estado a definição de prioridades e a formulação de políticas públicas como forma de exercício da cidadania e de controle social (arts. 29, XII; 194, parágrafo único, VII; 198, III; 204, II; 206, VI; e 227, § 1º.). A criação dos Conselhos de Políticas Públicas (conselhos setoriais) se dá por meio de lei com instituição de suas competências, tais como: planejamento, gestão, fiscalização e avaliação no tocante ao princípio da eficiência. (MARTINS, 2008, p. 116-117)

Ainda a respeito da importância do "sistema de Conselhos":

Não resta dúvida de que a forma democrática mais autêntica de participação, deliberação e controle é o "sistema de conselhos", disseminado nos diferentes níveis da esfera e do poder local (bairro, distrito e município). A estrutura geral dos conselhos, que pode também compreender "comitês de fábrica", "comissões mistas" de espécies distintas ou "juntas distritais", é, por excelência, a efetivação maior do arcabouço político de uma democracia pluralista descentralizada, assentada na "participação de base" e no poder da "autonomia local". O "sistema de conselhos" propicia mais facilmente a participação, a tomada de decisões e o controle popular no processo de socialização, não só na dinâmica do trabalho e da produção, como igualmente na distribuição e no uso social. Ademais, no âmbito do espaço público local, a ordenação político-democrática da estrutura piramidal dos conselhos (internamente composta por comitês de consulta, deliberação e execução) é constituída por uma rede de múltiplas forças sociais distribuídas desde uma escala maior (Conselho Comunitário, Municipal ou Distrital) até níveis menores (Conselho de Bairros, de Favelas, de Fábricas, de Entidades Públicas, de Sindicatos, de Associações Profissionais e Comerciais, dos Trabalhadores Urbanos e Rurais etc.).

Registra-se que, quando no governo dos Conselhos, o núcleo de poder reside no conjunto dos organismos de base: as decisões tomadas são passadas, asseguradas e executadas para a cúpula administrativa com delegação. Entretanto, quando o sistema está escalonado sob a forma de uma pirâmide de poderes difusos e interpostos, as bases deverão dispor de instrumentos eficazes para opinar, pressionar e controlar os núcleos de decisão e de poder mais acima. (WOLKMER, 2001, p. 258-259)

A sociedade civil organizada, em especial as instituições que atuam no chamado "Terceiro Setor" (Organizações não Governamentais – ONG’s), [06] também colaboram no encaminhamento de diversas questões inerentes aos direitos sociais, promovendo gestões a respeito do tema junto aos órgãos dos Poderes Executivo e Legislativo e demonstrando quais as prioridades a serem implementadas em suas respectivas áreas de atuação. "O Terceiro Setor, trabalhando sobre os valores comuns, reforça as condições culturais e subjetivas com as quais o Estado e o mercado devem funcionar, exercita a cidadania e estimula o cidadão a buscar a democracia". (WESCHENFELDER, 2007, p. 313)

A Administração Pública, na atualidade, passou a adotar novos métodos de atuação que se fundamentam na cultura do diálogo e na oitiva das divergências sociais, seguindo a tendência de não mais se afirmar contrapondo-se à atuação da sociedade. Assim, as relações entre a Administração Pública e a sociedade não mais se assemelham à tutela, sendo que isto ocorre porque a Administração depende da vitalidade das mediações sociais e do dinamismo de seus atores. Desta forma, ao lado de mecanismos tradicionais como a coerção, injunção e constrangimento, a Administração, no que tange à sua interface com a sociedade, deve utilizar, principalmente, a orientação, a persuasão e a ajuda. (PEREZ, 2006, p. 166)

É importante observar que a estrutura fundamental das políticas públicas encontra-se consolidada na Constituição Federal sendo que, dentro de uma concepção pluralista, os sujeitos chamados à interpretação das regras constitucionais pertinentes aos direitos sociais não se limitam àqueles inseridos na estrutura estatal, abrangendo todas as forças sociais interessadas. Neste sentido:

[...] a interpretação constitucional não é um ‘evento exclusivamente estatal’, seja do ponto de vista teórico, seja do ponto de vista prático. A esse processo tem acesso potencialmente todas as forças da comunidade política. [...] Até pouco tempo imperava a idéia de que o processo de interpretação constitucional estava reduzido aos órgãos estatais ou aos participantes diretos do processo. Tinha-se, pois, uma fixação da interpretação constitucional nos ‘órgãos oficiais’, naqueles órgãos que desempenham o complexo jogo jurídico-institucional das funções estatais. Isso não significa que se não reconheça a importância da atividade desenvolvida por esses entes. A interpretação constitucional é, todavia, uma ‘atividade’ que, potencialmente, diz respeito a todos. Os grupos [...] e o próprio indivíduo podem ser considerados intérpretes constitucionais indiretos ou a longo prazo. A conformação da realidade da Constituição torna-se também parte da interpretação das normas constitucionais pertinentes a essa realidade. (HÄBERLE, 2002, p. 23-24)

Mostra-se relevante, neste ponto, destacarmos o papel do Poder Legislativo no momento da formulação das políticas públicas destinadas à implementação dos direitos sociais, sobretudo quando a atividade legiferante volta-se para o campo dos instrumentos pertinentes ao direito econômico e financeiro (leis de cunho orçamentário).

Grande parte dos dispositivos constitucionais pertinentes aos direitos fundamentais de segunda dimensão é lançada sob o modelo de norma programática, de natureza eminentemente principiológica.

Não obstante a constatação de que a norma programática goza de plena eficácia e efetividade na exata medida de sua densidade normativa, não é menos certa a ideia de que referida modalidade legal realiza melhor suas potencialidades quando desenvolvida por outras normas jurídicas (leis complementares e leis ordinárias, por exemplo). (ROTHENBURG, 2003, p. 82)

As questões inerentes aos direitos sociais, enquanto direitos subjetivos e tomando em conta sua dimensão jurídico-objetiva, devem ser postas em dois planos: o subjetivo e o objetivo. No plano subjetivo, os direitos sociais devem ser considerados como inseridos no espaço existencial do cidadão, independentemente da possibilidade da sua exequibilidade imediata. Já no plano objetivo, as normas consagradoras dos direitos sociais estabelecem imposições legiferantes, no sentido de que o legislador deve atuar positivamente, criando as condições materiais e institucionais para o exercício desses direitos. (CANOTILHO, 2001, p. 367-368)

Assim, inegável a profunda relevância do Poder Legislativo no âmbito da formulação das políticas públicas, sobretudo porque é na esfera do parlamento que as diversas forças sociais colocam-se em debate, apresentando, por intermédio de representantes eleitos pelo povo, seus melhores argumentos, objetivando a construção de pontes destinadas a transpor as profundas desigualdades entre os indivíduos – desigualdades estas que provocam o esgarçamento do tecido social e conduzem, sobretudo os mais humildes, ao sofrimento, distanciando o homem de seu indelével destino: a felicidade.

Outra face imprescindível das políticas públicas diz respeito à necessidade de sua previsão orçamentária. Todos os envolvidos na elaboração e cumprimento das políticas públicas devem ter conhecimento da forma pela qual o planejamento dos gastos públicos é elaborado e executado. Para tanto, mostra-se de extrema importância compreender o papel do Plano Plurianual (PPA), da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Lei Orçamentária Anual (LOA), uma vez que desempenham função relevante na definição e priorização das ações governamentais.

O planejamento e a implementação das políticas públicas dependem, inequivocamente, da disponibilização de recursos. (BREUS, 2007, p. 231) Assim, é possível afirmar que sem os planos e orçamentos nada de política pública pode ser implementado, sendo que para a adequada compreensão das políticas públicas é essencial que se tenha um adequado conhecimento acerca do regime das finanças da Administração Pública. (LOPES, 2005, p. 132-133)

Todos os envolvidos na elaboração e cumprimento das políticas públicas devem ter conhecimento da forma pela qual o planejamento dos gastos públicos é elaborado e executado. Para tanto, mostra-se de extrema importância compreender o papel do Plano Plurianual (PPA), da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Lei Orçamentária Anual (LOA), uma vez que desempenham função relevante na definição e priorização das ações governamentais.

De acordo com o art. 174 [07] da Constituição Federal de 1988, o planejamento é obrigatório para o setor público e indicativo para o setor privado. Em que pese estar inserido entre os dispositivos que tratam da ordem econômica e financeira, referido artigo aplica-se às normas constitucionais orçamentárias, dando ensejo à formação do que se pode denominar "planejamento orçamentário tridimensional", tendo por instrumentos o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). (SILVA, 2007, p. 127-128)

A imprescindibilidade de referidos instrumentos legais no campo dos orçamentos públicos decorre da previsão constitucional do princípio da programação, que estabelece uma certa hierarquia ou certo efeito subordinante entre as leis de cunho orçamentário, viabilizando a concretização dos direitos sociais. (SILVA, 2007, p. 127-128)

Necessário destacar, ainda, uma ferramenta que o País conhece, desde o final dos anos 1980, desenvolvida apenas em nível municipal, qual seja: o orçamento participativo. Entre os Municípios que adotaram tal forma de participação popular no âmbito do planejamento orçamentário podem ser citados os de Porto Alegre, Recife e São Paulo. (DAL BOSCO, 2008, p. 295)

O orçamento participativo deve ser encarado como instrumento voltado para a implementação das políticas públicas que têm como alvo a inclusão social e, dentro desta linha de entendimento, afigura-se como autêntica estratégia na busca da efetividade dos direitos fundamentais de segunda dimensão.

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Sobre o autor
Leonardo Augusto Gonçalves

Graduado e Pós-Graduado (Mestrado em Ciência Jurídica) pela Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro (Jacarezinho-PR), instituição onde também atua como Professor Voluntário, participando da orientação e co-orientação de monografias produzidas pelos alunos da Graduação (Trabalhos de Conclusão de Curso). Promotor de Justiça no Estado de São Paulo desde 2000, sendo títular do cargo da Promotoria de Maracaí (entrância inicial) desde 2003. Tem experiência acadêmica e profissional na área da tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, com ênfase nos direitos fundamentais sociais e no controle jurisdicional das políticas públicas. Dedica-se à pesquisa na linha da Função Política do Direito, abrangendo temas relacionados ao Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Financeiro e Sociologia do Direito. Autor de artigos apresentados em Congressos de âmbito nacional, com publicações nos respectivos anais, bem como de artigos publicados em revistas e periódicos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES, Leonardo Augusto. O Ministério Público e a busca pela inclusão social.: Atuação no âmbito das políticas públicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2482, 18 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14579. Acesso em: 28 mar. 2024.

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