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O princípio da precaução como impedimento constitucional à produção de impactos ambientais

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01/03/2000 às 00:00
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3. FUNDAMENTO ÉTICO DA PROJEÇÃO DA POTENCIALIDADE
DO DANO E A CAUTELA AMBIENTAL.

Não poderíamos deixar de finalizar o presente estudo, ressaltando que antes da vinculação normativa do compromisso de defesa ambiental ínsito no exercício do princípio da precaução ou cautela ambiental, há um compromisso ético que orienta a relação antrópica homem e natureza, fundado no princípio da solidariedade(28), que indica a realização da interdependência dos Direitos Humanos; a vinculação indissociável entre homem e natureza como garantia do adequado exercício dos direitos de defesa ambientais.

Nesse contexto de desenvolvimento de um novo espaço público, merece destaque especial a proteção não estatal do patrimônio comum e a obrigação de todos os sujeitos políticos envolvidos nesse processo, como atores de proteção desse novo espaço decisório, proteção das ingerências perpetradas pelos agentes do sistema (Habermas), e principalmente do próprio Estado, reificando ainda hoje a concepção descrita por Ernst Meyer, do Estado contradição da liberdade(29), que fundamentou a consolidação dos direitos de defesa (Abwherrechte).

Urge a construção de um espaço pluralista democrático, fundado em um consenso normativamente assegurado, que prime pelo acesso irrestrito da diferença, e mais adequado à implementação e realização de novas pautas de compromissos comuns, entre eles, a anulação do dano ambiental.

Somente assim, fundados nos princípios do interesse público internacional, justiça social e patrimônio comum da humanidade, poderá ser possível a recuperação efetiva do espaço político da democracia e qualificá-la definitivamente como espaço público, espaço onde os compromissos políticos possam ser realizados com satisfatividade e legitimidade.


NOTAS

  1. Assim se encontra grafado o Princípio 13: "A fim de lograr um ordenamento mais racional dos recursos e, assim melhorar as condições ambientais, os Estados deveriam adotar um enfoque integrado e coordenado da planificação de seu desenvolvimento, com a necessidade de proteger e melhorar o meio ambiente humano, em benefício de sua população.
  2. A Declaração da ONU sobre o Meio Ambiente consigna em seu Princípio 17: "Como parte de sua contribuição ao desenvolvimento econômico e social, devem ser utilizadas a ciência e a tecnologia para descobrir, evitar e combater os riscos que ameaçam o meio ambiente, para solucionar os problemas ambientais e para o bem comum da humanidade".
  3. Sediada no Rio de Janeiro, no período de 3 a 21 de junho de 1992.
  4. É importante ressaltar que se trata de conceito chave para a construção da proteção ambiental internacional, que já não opera com o instituto da prevenção do dano, mas com a avaliação do risco de dano ambiental como fundamento para a instituição de medidas positivas ou negativas.
  5. Ratificada pelo Congresso Nacional pelo Decreto-legislativo nº 02, de 03 de fevereiro de 1994 e em vigor no Brasil, desde essa data, a teor da postura perfiliada pelo professor Antônio Augusto Cançado Trindade e pela professora Flávia Piovesan, que a exemplo da jurisprudência da CEDH e da CIDH, potencializam em nosso ordenamento jurídico, a eficácia do art. 5º, parágrafo 2º da C.R.B. Entretanto, convém registrar que não é essa a orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal.
  6. Preâmbulo.
  7. Ratificada pelo Congresso Nacional através do Decreto-legislativo nº 01, de 03 de fevereiro de 1994.
  8. A legislação ambiental francesa se utiliza do custo economicamente aceitável. O Reino Unido preferiu adotar a abordagem BAT (best available tecnology/ melhor tecnologia disponível), inspirando-se talvez, no Princípio 18 da Declaração de Estocolmo.
  9. Esclarecendo possível aporia, é vedado que se utilize da incapacidade econômica para que se postergue ou mesmo não se lance mão de medidas orientadas à prevenção da ameaça de agressividade ao patrimônio ambiental. É no custo ambiental da medida que será sim, indispensável, a vinculação à capacidade econômica estatal, que será obrigatoriamente discriminada e diferenciada em atenção à maior ou menor possibilidade do emprego de tecnologia adequada.
  10. A doutrina constitucional e o controle de constitucionalidade como garantia da cidadania. Declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade no Direito Brasileiro. In: RDA 191/42.
  11. Princípio 1: "O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas, em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, e é portador solene da obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente, para as gerações presentes e futuras".
  12. A Teoria Constitucional e o Direito Alternativo: (para uma dogmática constitucional emancipatória), pp. 35/53.
  13. Bonavides prefere qualificá-la de Constituição política ou Constituição material
  14. A origem etmológica do vocábulo de raízes gregas, refere-se "àquele que surge à porta do palácio".
  15. Trata-se da já clássica identificação das Constituições folha de papel, de que já falava Georg Jellinek.
  16. Teoria do Estado. 3ª ed., São Paulo: Malheiros. 1995. pp. 226-32.
  17. Título VIII da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
  18. STF - MS 22164/95 - Rel. Min. Celso de Mello - DJU 17.11.95 - p. 39.206).
  19. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Max Limonad. 1997.
  20. Terminologia utilizada pelo professor Paulo Bonavides (ob. cit., p.p. 364/371). Ao lado da lesão dos direitos à dignidade da pessoa humana e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, viola frontalmente o direito fundamental à informação ambiental (derivado mesmo do texto do caput do art. 37 da CRB, que faz referência ao princípio da publicidade, que pode ser c/c o texto do art. 225, inc. IV da carta política pátria), pressuposto de participação do homem nos processos de decisão política em matéria ambiental, de destacada importância quando sabemos que interessa imediatamente à política de organização do desenvolvimento de cada Estado Nacional, que em face da universalidade do princípio da precaução, deverão nortear-se em padrões transnacionais.
  21. Direito Ambiental. 2ª Ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris. 1998, p. 199.
  22. Direito Ambiental e princípio da precaução (extraído do site www.ccj.ufsc.br) Vide também Direito Ambiental Brasileiro. Nesse sentido, afirma poderiam ser inconstitucionais em face da redação do caput do art. 37 da CRB, a MP 1710/98 quando prevê a possibilidade de concessão da dilação de prazos sem a prévia motivação pela Administração Pública.
  23. Apud MENDES, Gilmar Ferreira., ob. cit., p. 41.
  24. Einführung in die Staatslehre, 2ª ed., 1981. apud MENDES, Gilmar Ferreira. A doutrina constitucional e o controle da constitucionalidade como garantia da cidadania. Declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade no Direito brasileiro. In: RDA 191/41.
  25. Mimeografado.
  26. Esclareceu que apesar de aparentemente contraditório, a medição negativa, ainda indica tecnicamente, a presença de água nos rios.
  27. É de se destacar a gravidade da agressão ao princípio da precaução quando a conivência com o impacto ambiental foi externada em pleno período de "Piracema" e violou frontalmente a vedação inscrita no art. 225, § 1º, inc. VII, colocando de uma vez só, em risco a conservação das funções ecológicas essenciais ao equilíbrio ambiental naquele ecossistema e submetendo animais a tratamento cruel (Vide a esse respeito, o acórdão e o voto condutor do Min. Francisco Rezek no RE 153.531). É de se ressaltar ainda a vedação presente na Convenção da Biodiversidade quando à práticas que impliquem perdas injustificadas de espécies por efeito da intervenção humana. Tão grave quanto os problemas apontados é a questão das queimadas no primeiro semestre deste ano, onde segundo dados obtidos junto à FEMA, chegou-se até outubro, a registrar-se 38.743 focos de queimadas predatórias sem que se verificasse qualquer iniciativa das instituições no sentido de anular tais práticas, que lamentavelmente, segundo a agência ambiental estadual, chegou já até 1997, degradar 71,10% da reserva indígena Jarudoré, implicando graves danos ambientais a esses grupos vulneráveis. De outra forma, o art. 54 da Lei 9.605/98 atribui pena de reclusão de um a quatro anos e multa àquele que "causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em anos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora. Mas é seu § 3º que merece atenção especial, quando atribui a mesma pena àquele que "deixar de adotar, quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível". Parece realmente que o Estado pratica ilícitos, como advertiu Peter Schneider.
  28. Vide nesse sentido, o magistral voto da relatoria do Min. Celso de Melo, exarado nos autos do MS 22.164/95.
  29. Apud Paulo Bonavides, ob. cit., p. 33.

BIBLIOGRAFIA

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Sobre o autor
Patryck de Araújo Ayala

bacharel em Direito pela UFMT

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AYALA, Patryck Araújo. O princípio da precaução como impedimento constitucional à produção de impactos ambientais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 40, 1 mar. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1689. Acesso em: 28 mar. 2024.

Mais informações

O presente texto logrou o 7º lugar no 1º Concurso Nacional de Monografias: "50 Anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos", tendo recebido menção honrosa com o trabalho "O Direito Internacional dos Direitos Humanos e o direito a ter direitos sob uma perspectiva de gênero" na cerimônia de abertura do Seminário Internacional "Sociedade Inclusiva", realizado em Belo Horizonte, na PUC-MG.

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