Artigo Destaque dos editores

Biodiversidade e desenvolvimento sustentável.

Aspectos teóricos da proteção legal brasileira ao patrimônio genético

Exibindo página 2 de 3
01/08/2000 às 00:00
Leia nesta página:

4. OS ORGANISMOS TRANSGÊNICOS: CONCEITOS, RISCOS E BENEFÍCIOS.
A QUESTÃO DA ROTULAGEM EM FACE DO DIREITO DO CONSUMIDOR

4.1. CONCEITO DE "TRANSGÊNICOS"

Vivemos hoje uma revolução no mercado consumidor, principalmente de carnes e grãos, devido à eficácia de métodos biogenéticos, perfazendo pequenas alterações, com resultados fantásticos, em organismos vivos como a soja, o trigo, as aves, o gado, etc... São os chamados Organismos Geneticamente Modificados (OGM), definidos pelo art. 3º, IV, da Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995, como o "organismo cujo material genético (ADN/ARN) tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia genética". A própria lei exclui da classificação de transgênicos (ou OGM) aqueles organismos "resultantes de técnicas que impliquem a introdução direta, num organismo, de material hereditário, desde que não envolvam a utilização de moléculas de ADN/ARN recombinante ou OGM, tais como: fecundação in vitro, conjugação, transdução, transformação, indução poliplóide e qualquer outro processo natural".

De forma bastante simples, mas elucidativa, a Profª Drª Lenise Aparecida Martins Garcia12, do Departamento de Biologia Celular da Universidade de Brasília, definiu os transgênicos:

"Chamamos transgênicos (ou OGMs – organismos geneticamente modificados) aqueles organismos que adquiriram, pelo uso de técnicas modernas de Engenharia Genética, características de um outro organismo, algumas vezes bastante distante do ponto de vista evolutivo. Assim, o organismo transgênico apresenta modificações impossíveis de serem obtidas com técnicas de cruzamento tradicionais, como uma planta com gene de vaga-lume ou uma bactéria produtora de insulina humana".

          4.2. OS RISCOS E BENEFÍCIOS DOS TRANSGÊNICOS E A QUESTÃO DA ROTULAGEM: INTERPENETRAÇÃO DO DIREITO AMBIENTAL COM AS GARANTIAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

Muito se comenta acerca dos riscos dos transgênicos, talvez devido à insegurança gerada pela falta de pesquisa suficiente para esclarecer quais as verdadeiras conseqüências trazidas pela sua introdução tanto no mercado consumidor, como na própria biota.

Há de se verificar, com bastante serenidade, o que de real existe em toda esta especulação, para que não caiamos na vala comum e sejamos envoltos pelo romantismo inerente, principalmente, aos políticos, que, por trás de falsos argumentos científicos, na verdade, escondem um inegável desejo de favorecer os grupos econômicos que os apóiam, interessados que são neste imenso mercado consumidor, e celeiro do mundo, que é o Brasil.

O presidente da Fundação Oswaldo Cruz, Eloi Garcia, em matéria publicada no Correio Braziliense, de 9 de junho de 1999, assim colocou o seu posicionamento acerca dos riscos trazidos pelos transgênicos:

"A questão é tão importante que não podemos deixar também de discutir os riscos dessa tecnologia. Será que o processo transgênico não pode ser também tóxico e provocar reações alérgicas? Não serão os transgênicos ‘poluidores genéticos’ que espalham genes estranhos por transferência horizontal planta-planta, planta-microorganismo e planta-animal, ou marcadores genéticos de resistência a antibióticos? A resistência aos herbicidas e pesticidas não aumentará o consumo desses compostos que também poluem plantas, animais, solo e água?"

O relatório da British Medical Association13 (1999) afirmou que a introdução de alimentos transgênicos na Inglaterra é prematura, devido à falta de dados suficientes que evidenciem a segurança do processo de produção.

A Profª Drª Lenise A. M. Garcia (Ob. cit.)coloca que "um dos principais problemas com o risco relacionado aos transgênicos é exatamente a incerteza sobre quais são. Os que se colocam desfavoráveis à sua disseminação usam, como um dos principais argumentos, o fato de que não conhecemos todas as características dos organismos que estamos produzindo, e, portanto, o seu possível efeito sobre a saúde humana e/ou o ambiente".

Curiosamente, segundo noticiário do Notimex Brasil14 ,a incidência de câncer de mama nos Estados Unidos aumentou ao mesmo tempo em que foi iniciada a comercialização, naquele país, de carne e leite de vaca produzidos a partir de animais geneticamente modificados. A União Européia iniciou os embargos a tais produtos (pois adota, diferentemente dos E.U.A, Argentina e Canadá – maiores produtores de OGM – o princípio da precaução), tendo, contudo, cedido ante a fortíssima pressão da Organização Mundial de Comércio (OMC).

Quanto ao risco de perturbação ecológica, com o descarte de OGM na natureza e a possibilidade de poluição genética, Sérvio Pontes Ribeiro e Rogério Parentoni Martins15, Professores de Ecologia da UFMG, assim discorreram:

"Mas, as transgênicas não trariam o mesmo risco que quaisquer outras plantas introduzidas? A resposta talvez seja não, em parte porque não existem dados, e este é um dos grandes perigos. O controle e teste de quaisquer espécies devem ser feitos com muito cuidado, investimento e fiscalização para gerar dados confiáveis. Nesse ponto, ecólogos e biotecnólogos até concordam. O que é amplamente desconsiderado pelos últimos é o aspecto evolutivo. As plantas modificadas, ao contrário das domesticadas, podem não Ter inimigos naturais. Simultaneamente ao processo de domesticação de uma planta oriunda da natureza, evoluem parasitas, doenças e competidores. Como uma planta transgênica vem de um laboratório, no caso de se tornar uma praga, seria mais difícil seu controle biológico, restando assim os tradicionais produtos químicos".

A soja RR (Roundup Ready), manipulada pela Monsanto Internacional, primeira a ser utilizada no Brasil para plantio e consumo, foi alterada em seus cromossomos para, com a introdução de um gene de bactéria, tornar-se resistente ao herbicida Roundup (glifosato), identicamente produzido pela Monsanto. Por meio de parecer técnico do CTNBio – Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (D.O.U de 1 de outubro de 1998), foi a semente liberada para cultivo e consumo. Foi, contudo, pela insuficiência de dados considerados no parecer, contestado o resultado entregue pela CTNBio, principalmente pela Drª Glacy Zancan (vide nota 12) , vice-presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), configurando-se, de acordo com as palavras desta, a atitude da comissão, uma afronta ao Princípio Ambiental da Precaução:

"A rapidez da liberação das plantas transgênicas, nos Estados Unidos, chamou a atenção de que não estavam sendo considerados os riscos a longo prazo e que os testes e protocolos experimentais necessários à definição da segurança para o meio ambiente, para a saúde humana e animal, não estavam convenientemente detalhados. As dúvidas levantadas sobre cada caso têm aparecido permanentemente na literatura pertinente, apontando para a necessidade de maiores estudos sobre as implicações do cultivo em larga escala de plantas alteradas geneticamente, via biotecnologia. É o problema de insetos resistentes a proteína tóxica do Bacillus thuringensis (toxina Bt) incorporada no algodão seletivamente na folha. É a transferência de gene de resistência a um herbicida da canola para Brassica comprestis, uma planta selvagem da mesma família (...). Em nosso país, além das dúvidas gerais, se acrescem aquelas decorrentes do desconhecimento da biodiversidade florística dos diferentes ecossistemas que compõem o país... . Com relação ao meio ambiente, um dos problemas levantados é a destruição da biodiversidade de insetos, com a quebra da cadeia alimentar de outros animais. É bom lembrar, que só a floresta da Tijuca, no Rio, tem mais espécies de insetos do que os Estados Unidos".

M. A. Hermitte e C. Noiville, citados pelo jurista Paulo Affonso Leme Machado (Ob. cit., p. 782), colocam, ainda, como riscos da engenharia genética, "o aparecimento de traços patógenos para humanos, animais e plantas; perturbação para os ecossistemas; transferência de novos traços genéticos para outras espécies, com efeitos ‘indesejáveis’; dependência excessiva face às espécies, com ausência de variação genética".

Não pretende-se, com tais assertivas colocadas no corpo do trabalho, tomar-se uma posição alarmista e inconseqüente da questão, e, sim, abrir espaço para novas discussões acerca do tema, vez que tão próximo de nossa realidade de consumo. Além disso, diante do quadro de evolução biotecnológica que ora apresenta-se, boas novas também existem, tais como: a criação de organismos capazes de produzir a insulina humana, altamente utilizada pela medicina; a produção do fator VIII de coagulação sangüínea, com bactérias geneticamente modificadas, evitando a obtenção a partir de sangue humano, escusando-se, assim, a contaminação de hemofílicos pelo vírus da AIDS, entre outras citáveis.

Diante de tantas controvérsias, é de se perguntar: enquanto a conclusão em torno dos malefícios e benefícios dos transgênicos não sai, como ficam os consumidores finais dos produtos que já se encontram à disposição no mercado? Deve haver rotulação? A exigência é pertinente?

Quanto à rotulagem dos transgênicos, ocorre uma situação interessante, de pôr-se mesmo em dúvida a lisura do processo de desmistificação do consumo de alimentos transgênicos. O fato é que os produtores de transgênicos, as grandes empresas de biotecnologia, utilizam-se de dois pesos e duas medidas quando da abordagem propagandística para com os agricultores e consumidores. Explica-se: para o segmento de grãos (mercado comum), a fim de assegurar o consumo por parte da população em geral, procuram os produtores de transgênicos misturá-los aos demais produtos similares, com o argumento de que são idênticos (por exemplo, a soja RR e a soja comum); já para os agricultores (setor de sementes), o marketing é utilizado para diferenciar o transgênico, como elemento de superprodução, imune a agrotóxicos e pestes. É uma lógica nefasta, sem cabimento, e que apenas serve de engodo mercadológico.

Conforme explicita Alberto Nobuoki Momma16, "do ponto de vista do genoma, da análise do DNA, uma planta natural e outra modificada são intrinsecamente distintas pelo fato de uma conter o gene de resistência ao herbicida, além do marcador molecular que o ‘identifica’ como planta transgênica de propriedade, por exemplo, da Monsanto" - grifamos. Portanto, se, do ponto de vista científico, um alimento é diferente do outro, e sendo ambos postos em comércio para consumo, há de ser observada a rotulação, como meio de garantir a legítima liberdade de escolha do consumidor.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Assim, a Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, dispõe, no art. 6º, III, ser direito básico do consumidor, a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.

No mesmo sentido, e ampliando as responsabilidades dos empresários, o disposto no art. 8º do CDC: "Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito".

É medida importantíssima, impondo-se que seja tomada por todos os fornecedores, pois, senão, apenas para argumentar, como ficariam os consumidores que são vegetarianos, se um gene animal fosse incluído em um determinado vegetal? Não teria o consumidor que tomar ciência desta alteração?

Diante de todas estas problemáticas, e outras mais que se apresentam, há o Direito de proteger o patrimônio genético de maneira contundente, a propiciar o desenvolvimento sustentável, para, assim, garantir a sobrevivência das gerações futuras. O que se quer não é evitar os avanços da ciência, conforme já ocorrido ao longo da história, até porque os benefícios também estão à mostra de todos, conforme se observa nos noticiários; o que deve imperar, contudo, é a ética e a correta aplicação, por pessoas bem intencionadas, das diversas técnicas de biotecnologia que dia a dia vão surgindo, o que fica bastante difícil, ante a visão extremamente capitalista que hoje impera no mundo, bem como pelo poderio e capacidade de manipulação das grandes multinacionais, influenciadoras que são de países pobres de líderes políticos, como é o caso de nosso Brasil.


5. ASPECTOS DAS LEIS NºS 8.974/95 E 9.605/98

5.1. NOÇÕES GERAIS ACERCA DA LEI DE BIOSSEGURANÇA (8.974/95)

O patrimônio genético nacional, com o advento da Carta Magna de 1988, veio a ser tutelado por meio do art. 225, § 1º, II, cabendo ao Poder Público, para garantir a defesa do meio ambiente, "preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético". Sendo ainda incubência do Estado, dentro do que dispõe o mesmo artigo, em seu inciso V, "controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente".

Com a chegada da Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995, altamente inspirada nos princípios ambientais acima elencados, e que veio para regulamentar exatamente os incisos II e V do § 1º do art. 225 da Constituição Federal, ficaram estabelecidos, de acordo com o disposto no art. 1º da lei, "normas de segurança e mecanismos de fiscalização no uso das técnicas de engenharia genética na construção, cultivo, manipulação, transporte, comercialização, consumo, liberação e descarte de organismos geneticamente modificados (OGM), visando a proteger a vida e a saúde do homem, dos animais e das plantas, bem como o meio ambiente".

Erigiu o legislador ordinário, assim, ao mesmo patamar de importância, de acordo com o final da redação deste artigo 1º da Lei 8.974/95, a saúde humana, vegetal e animal, valorizando-se, assim, o ecossistema, pondo por terra, afinal, a velha visão antropocêntrica que antes reinava em nossa legislação.

Previu, a lei sob comento, a proibição de manipulação genética de células germinais humanas (art. 8º, II), elevando esta conduta ao status de crime (art. 13, I), com pena de reclusão de 6 a 20 anos em caso de resultado morte, afastando assim, nossa legislação, ao menos em tese, o perigo de termos verdadeiros monstros de laboratório, ou mesmo a tentativa de prática de eugenia em nosso país, objetivo este buscado em certo período da história alemã, sob os auspícios do nazista Adolph Hitler.

A utilização de técnicas da biotecnologia fica reservada para a exceção que a própria lei põe para tanto: a intervenção em material genético humano in vivo, para tratamento de defeitos próprios genéticos, com ressalva para a observância de princípios éticos, tais como o princípio da autonomia e o princípio de beneficiência (arts. 8º, III e 13, II).

O Princípio bioético da Autonomia informa que a pessoa é livre para determinar sua vontade relativamente à intervenção médica, pontuando-se, contudo, que nem todas as pessoas possuem esta vontade livre e consciente, devido à interferência de distúrbios mentais ou doenças que não permitam a manifestação do querer; tais pessoas não possuem a capacidade de se autodeterminar.

O outro princípio, o da Beneficiência, é resultado de um postulado proposto ainda em 430 a.C., por Hipócrates (§ 12, 1º Livro da obra Epidemia): "Pratique duas coisas ao lidar com as doenças; auxilie ou não prejudique o paciente". É o princípio que informa a obrigação do profissional médico de atuar no sentido de não prejudicar aquele que necessita dos seus cuidados.

A importância desta lei se deve, principalmente, ao controle da atividade biogenética por meio de um sistema, que, ao menos teoricamente, é quase ideal, por impor sanções de ordem administrativa, penal e civil.

          5.2. DA INCONSTITUCIONALIDADE DA VEDAÇÃO DO EXERCÍCIO DE ATIVIDADES BIOGENÉTICAS ÀS PESSOAS FÍSICAS

É importante frisar a imposição que a Lei nº 8.974/95 colocou de somente poderem atuar na área da engenharia genética pessoas jurídicas:

Art. 2º, § 2º: "As atividades e projetos de que trata este artigo são vedados a pessoas físicas enquanto agentes autônomos independentes, mesmo que mantenham vínculo empregatício ou qualquer outro com pessoas jurídicas" – grifamos.

Este artigo é contestado por grande parte dos juristas, entre eles Paulo Affonso Leme Machado (Ob. cit., p. 786), por contrariar o disposto no arts. 5º, XIII e 170 da Constituição Federal, transcritos a seguir, na ordem respectiva:

"Art. 5º, XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer".

"Art. 170, parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei".

Louvável a intenção do legislador ordinário ao não querer, por certo, a proliferação de clínicas ou laboratórios biogenéticos em toda a extensão do território nacional, o que dificultaria a fiscalização. Contudo, o espírito da norma não é o de dificultar o trabalho de profissionais sérios existentes, mas que, de acordo com o dispositivo ordinário supracitado, têm que estar empregados a alguma pessoa jurídica para, assim, poderem trabalhar. Até mesmo pela leitura dos objetivos da lei percebemos claramente que este artigo encontra-se um tanto quanto destoante. O Estado existe para exercer o seu Poder de Polícia, e não para, por comodidade, vedar o acesso ao trabalho, por suposta facilitação da fiscalização, sendo, por estas razões, inconstitucional o § 2º, do art. 2º, da Lei nº 8.974/95.

          5.3. DA OBRIGATORIEDADE DE APRESENTAÇÃO DO ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL – EIA – À COMISSÃO TÉCNICA NACIONAL DE BIOSSEGURANÇA – CTNBio

Por intermédio da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981 (marco inaugural da 3ª fase da evolução histórica de nosso Direito Ambiental), em seu art. 9º, III, incluiu-se como meio de precaução ambiental (em atenção ao princípio de mesmo nome, acima estudado) e instrumento da política nacional do meio ambiente, a avaliação ou estudo de impacto ambiental (EIA), espelhado, segundo informes de Celso Antonio Pacheco Fiorillo e Marcelo Abelha Rodrigues, nos chamados "environmental impact assessment", do direito norte-americano (vide nota 8, p. 218), que, depois, veio a ser confirmado pela CF/88, no seu art. 225, IV, como incumbência do Poder Público:

"IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;" – grifamos.

Segundo Paulo de Bessa Antunes17, "...o EIA é conditio sine qua non para a concessão de qualquer licenciamento de obra ou empreendimento de impacto ambiental. Destarte, o licenciamento transmutou-se em ato administrativo complexo, cujo requisito básico é a apresentação e aprovação do RIMA, em seus aspectos técnicos e formais. Parece-me que, por força de caráter eminentemente público, assumido pelo EIA, os requisitos formais para sua elaboração assumem natureza imperativa, de essencialidade para a própria validade do ato. A formalidade administrativa é, aqui, um pressuposto capaz de garantir a coletividade a correta utilização do meio ambiente".

Mostra-se o EIA, portanto, instrumento preciosíssimo na luta contra a disseminação de OGM em nossa biosfera, principalmente porque as pesquisas nesta área tecnológica ainda são imprecisas, daí a razão do veto presidencial ao espúrio art. 6º da Lei de Biossegurança, que dispensava a apresentação do estudo prévio de impacto ambiental para as atividades envolvendo transgênicos. Com o veto, continua a ser exigido o EIA, que deve ser apresentado à CTNBio – Comissão Técnica Nacional de Biossegurança.

Esta Comissão, a CTNBio, criada pelo Decreto nº 1.752, de 20 de dezembro de 1995, é composta por 18 membros, sendo:

  1. oito especialistas em biotecnologia;
  2. um representante de cada um dos seguintes ministérios: Ciência e Tecnologia, Saúde, Meio Ambiente, Educação e Relações Exteriores;
  3. dois representantes do Ministério da Agricultura;
  4. um representante de órgão de defesa do consumidor;
  5. um representante do setor empresarial;
  6. um representante de órgão de proteção à saúde do trabalhador.

Trata-se de uma comissão, conforme visto, ao menos na teoria, bem formulada, aliando-se o vetores sociais e tecnológicos da sociedade, competente para analisar todos os processos enviados pelos Ministérios, relativos a projetos e atividades relacionados a OGM no território nacional (art. 7º, VII, Lei nº 8.974/95), contemplando no EIA todas as alternativas tecnológicas e de localização do projeto a ser implantado, identificando e avaliando sistematicamente os impactos ambientais gerados na implementação, definindo geograficamente a área a ser, direta ou indiretamente, atingida pelos impactos (art. 6º da resolução CONAMA nº 237/97), emitindo o Certificado de Qualidade em Biossegurança (art. 2º, § 3º, Lei nº 8.974/95), ofertando parecer técnico conclusivo sobre qualquer tipo de liberação ou comercialização de OGM, entre outras tarefas definidas por lei.

Outros instrumentos administrativos de controle do impacto ambiental são o RIMA – Relatório de Impacto Ambiental -, e o RAIAS – Relatório de Ausência de Impacto Ambiental. O primeiro, que quase sempre acompanha o EIA, serve, principalmente, sendo o estudo de impacto ambiental de cunho eminentemente técnico, para "transcrever" o resultado científico obtido, em linguagem clara e concisa para os leigos e a população em geral, em conformidade, portanto, com o princípio da informação. Já o RAIAS é decorrente de uma falha da CF/88, que em seu art. 225, IV, apenas mencionou que o EIA serviria para atividades potencialmente causadoras de impacto ambiental, sem defini-las. Desta feita, em presunção relativa de que a Constituição quis, assim, açambarcar todas as atividades relacionadas ao meio ambiente, deve o empreendedor apresentar o relatório de ausência de impacto ambiental, podendo este ser regulamentado em cada Estado do país.

Mostram-se o EIA, o RIMA, e o RAIAS, portanto, como meios importantíssimos de se avaliar as condições com que determinadas empresas atuarão no meio ambiente, podendo-se, conforme visto, não outorgar-se a licença ambiental, caso sejam os relatórios acima mencionados negativos.

Em consonância com o espírito destes relatórios, a Lei nº 8.974/95, em seu art. 8º, VI, § 1º, assim dispôs:

"Os produtos contendo OGM, destinados à comercialização ou industrialização, provenientes de outros países, só poderão ser introduzidos no Brasil após o parecer prévio conclusivo da CTNBio e a autorização do órgão de fiscalização competente, levando-se em consideração pareceres técnicos de outros países, quando disponíveis" – grifos não originais.

Trata-se de um plus elencado pela Lei nº 8.974/95, a que a empresa de biotecnologia terá que se submeter, apresentando o EIA/RIMA, e aguardando o parecer da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, configurando-se infração administrativa, penalizada com multa a partir de 16.110,80 UFIR, o ato daquele que liberar no meio ambiente qualquer OGM sem aguardar a sua prévia aprovação (Lei de Biossegurança, art. 12, III), configurando-se, ainda, esta atitude, fato típico criminoso, conforme o art. 13, V, da citada lei.

          5.4. DA RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA NOS CRIMES AMBIENTAIS – ART. 3º DA LEI Nº 9.605/98

Versa o art. 3º da Lei de Crimes Ambientais:

"As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativamente, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade" – grifamos.

Trata-se, inegavelmente, de responsabilização penal de pessoa jurídica, introduzida em nosso ordenamento jurídico pela CF/88, art. 225, § 3º, no caso específico dos delitos ambientais, e art. 173, § 5º, nos crimes contra a economia popular.

Diz o art. 225, § 3º:

"As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados" – grifo nosso.

Trata-se de verdadeira revolução no âmbito do direito pátrio, que sempre adotou a teoria da ficção da pessoa jurídica de Savigny, a qual nega possibilidade de incriminação da chamada "pessoa moral", filiando-se, neste ponto, à teoria da realidade objetiva de Gierke, que atribui vontade própria ao ente jurídico.

Muito se discute acerca da legitimidade de tal proposição, entre eles os Professores Eugenio Raúl Zaffaronni e José Henrique Pierangelli18:

"Não se pode falar de uma vontade em sentido psicológico no ato da pessoa jurídica, o que exclui qualquer possibilidade de admitir a existência de uma conduta humana. A pessoa jurídica não pode ser autora de delito, porque não tem capacidade de conduta humana no seu sentido ôntico-ontológico".

E, segundo David Santos Fonseca19, "seria suficiente a simples demonstração de incapacidade de conduta dos entes coletivos para demonstrar a incongruência de sua respectiva responsabilização. Afinal, a sociedade, pelo exposto, somente poderia delinqüir pela atuação individual de seus prepostos, os quais deveriam ser os únicos responsabilizados, mesmo que o delito fosse cometido em favor da coletividade".

Falta, portanto, à pessoa jurídica, um dos requisitos para se imputar uma conduta a alguém, ou seja a consciência da ilicitude do fato cometido. Apresenta-se falha esta corrente de pensamento, infelizmente adotada em parte pela nossa Constituição, pois impossibilita a realização de uma de suas funções, qual seja, a de prevenção especial, restando impossibilitadas a ressocialização e a reinserção social de uma empresa. É a negativa de todos os principais postulados de Direito Penal até hoje construídos com muitos esforços.

É importante frisar, concluindo este ponto, que o argumento apresentado pelos que adotam a teoria da realidade objetiva para a responsabilização dos entes jurídicos, pautando-se na defesa de que, assim, fica mais fácil de se aplicar multas mais robustas, de forma equivalente ao patrimônio das empresas, é falho, pois a pena não possui finalidade indenizatória, e, sim, de prevenção geral e especial, podendo o ressarcimento pelos danos causados ser buscado na esfera civil, por meio de ação adeqüada.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Felipe Luiz Machado Barros

assessor jurídico do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Felipe Luiz Machado. Biodiversidade e desenvolvimento sustentável.: Aspectos teóricos da proteção legal brasileira ao patrimônio genético. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 44, 1 ago. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1691. Acesso em: 28 mar. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos