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Eu e o computador

01/04/1999 às 00:00
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          Minha vida profissional pode ser dividida em duas partes: antes e depois do computador e da Internet.

          Oficiando em processos criminais como Promotor de Justiça, Procurador de justiça, escrevendo livros, teses e conferências sobre Direito Penal e Processo Penal e artigos para revistas e jornais, meu instrumento de trabalho, por longos anos, foi uma máquina datilográfica. Primeiro manual, depois elétrica.

          As dificuldades eram enormes. P. ex., terminado um trabalho, já pronto para ser remetido ao jornal, relendo-o, percebia um erro. Tinha que datilografá-lo por inteiro. E, às vezes, eram dezenas de páginas. Na elaboração de livros, se precisava ampliar um texto, restringi-lo, corrigir erros, mudar títulos, era obrigado a digitá-lo outra vez. Era um serviço moroso, extenuante e desagradável. Usava tesoura, papel e cola. Remendado, mandava xerocopiar a colcha de retalhos e o resultado era o original.

          Da velha máquina de datilografia para a elétrica foi um avanço. Mas ainda era infeliz sem saber.

          Tive uma fase pela qual todos passam: a da repulsa ao computador. Durante algum tempo, talvez dois anos, inventei todas as desculpas imagináveis para fugir ou retardar a troca da velha máquina de escrever pelo micro. Como defesa, atribuia a ele todos os defeitos que lhe podiam sem imputados: embota a criatividade, é muito complicado, tira as emoções da escrita, mecaniza a mente etc. Acomodado, era contrário a novidades, como muitos.

          Tive três grandes incentivadores: Hugo Nigro Mazzilli, Cláudio Ferraz de Alvarenga e Oswaldo Baio, este o mesmo que me trocou a máquina datilográfica manual pela elétrica. Hugo Mazzilli fez-me a primeira demonstração do uso do micro. Na Associação Paulista do Ministério Público, em São Paulo, abriu no computador minha ficha pessoal e lhe acrescentou o número do meu CIC. Salvou, saiu do sistema, voltou, carregou a ficha e lá estava o número. Fiquei impressionado, mas não o bastante para abandonar a minha máquina de escrever. A burrice é teimosa.

          Naquele tempo, idos de 1987, almoçava todas as semanas com Cláudio Ferraz de Alvarenga, então Assessor do Procurador-Geral de Justiça. E lá vinha ele todas as semanas perguntar se eu já havia ingressado na era da Informática. E minha resposta era sempre: "vou começar no próximo mês, no início do ano que vem, quando terminar o próximo livro...". Até que um dia ele me disse: "Damásio, me desculpe, mas isso é ignorância". Fiquei muito ofendido. Meu amigo dizendo uma coisa daquelas... Resolvi dar o troco: contratei um professor de Informática, o Mílton da Taisei de São Paulo, e durante quatro meses tive aulas semanais até ficar um craque. Ao mesmo tempo, comecei a ter duas aulas semanais de inglês, imprescindível para quem deseja, nos manuais e revistas estrangeiras, aprofundar-se no uso do computador (queria ficar melhor do que o Cláudio). Telefonei para Cláudio dando a grande notícia e recordei a ofensa. Ele explicou-me que aquela frase fora a única maneira que havia encontrado de me fazer entrar na era do micro.

          Hoje, tendo também informatizado o meu Curso Preparatório, trabalho com o que há de mais moderno em Informática e continuamente estou substituindo a aparelhagem pessoal por outra mais moderna. A parafernália é incrível: novos programas, notebooks, scanners manuais e de mesa, CD-ROM, impressoras a laser e coloridas. O micro também está acoplado a vários sistemas: fax, máquinas de emissão de cheques, TV, câmera fotográfica e filmadora. Pelo Modem, consigo, de Bauru, entrar nos programas dos meus computadores de São Paulo e vice-versa, transportando e recebendo documentos e informações; dos tribunais, consigo informações sobre processos em andamento. Em disquetes, recebo ementas de acórdãos e as transporto diretamente para os originais dos meus livros. Sem falar na Internet.

          Os avanços nesse campo são fantásticos. Irrecusáveis. É como realizar uma tarefa em meia hora e ser inventada maneira de fazê-la em dez minutos. Impossível não avançar. Há alguns anos, a antiga máquina de escrever já era decoração. Só a utilizava para preencher envelope. E quando era um só. Hoje, nem para isso. Quando são muitos uso o programa mala direta.

          A diferença entre a primeira e segunda fase, a anterior com a máquina de escrever e a atual, com o micro, é a mesma entre andar no lombo de um burro e voar num jato. Um abismo. Irreversível. Atualmente, a tarefa de escrever artigo, livro ou tese, emendá-los, ampliá-los, restringi-los, corrigir erros ou mudar títulos é realizada em muito menos tempo. Alguns trabalhos são feitos em minutos; as correções, emendas, supressões etc., em segundos. Terminado um trabalho, como se ele fosse uma estátua e eu o escultor, vou alterando, melhorando, substituindo palavras e frases. Dou-me ao luxo de procurar palavras repetidas no mesmo parágrafo ou na mesma página para substituí-las por sinônimos.

          Os originais da primeira edição do meu livro Prescrição penal, à moda antiga, foram escritos em dois anos na máquina datilográfica. Lei das Contravenções Penais anotada, o primeiro que escrevi no computador, com o mesmo número de páginas, levou apenas seis meses para ser elaborado.

          Acompanhar a legislação, no Brasil, é tarefa incessante. Mudam as leis todos os dias. Em meados do primeiro semestre de 1993, passei vinte dias no exterior. Quando voltei, haviam alterado vários dispositivos do Código Penal. Luiz Alberto Machado, membro da Comissão Revisora do Código Penal, passou o Primeiro de Ano em Roma. Em sua ausência, foi editada a Lei n. 9.777, de 29 de dezembro de 1998, alterando os arts. 132, 203 e 207 do estatuto penal. Na reunião de 11 de janeiro de 1999, quinze dias depois da última reunião da Comissão, teve que alterar os fundamentos de um voto escrito em face da alteração da legislação.

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          Agora mesmo estão sendo realizados estudos para mudanças na Parte Especial do Código Penal, Lei de Imprensa, Lei de Tóxicos, Lei dos Crimes Hediondos, prisão temporária, Código de Defesa do Consumidor, Lei de Falências etc. Sem falar na reforma penal pontual. Para quem milita no fórum, como juiz, promotor, advogado etc., ou é professor de Direito, manter-se atualizado na legislação é muito importante. Pode-se perder uma causa, prejudicar uma decisão ou cometer erro em aula com a citação de um dispositivo revogado. Hoje, com a facilidade da Internet, a atualização é simples e rápida.

          O computador tem algo de divino. Só Deus me permite, com um toque, operar milagres.

          E a Internet! Consulto bibliotecas; compro livros; transfiro e recebo documentos do outro lado do mundo.

          Mas não sou escravo de tudo isso. A vida não é só Direito Penal. Ainda tenho tempo para os meus flamingos...

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Sobre o autor
Damásio E. de Jesus

advogado em São Paulo, autor de diversas obras, presidente do Complexo Jurídico Damásio de Jesus

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JESUS, Damásio .. Eu e o computador. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 30, 1 abr. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1755. Acesso em: 28 mar. 2024.

Mais informações

Artigo escrito pelo autor em 1994 e publicado, originariamente, no livro Novíssimas Questões Criminais, São Paulo, Editora Saraiva, 1998. Revisto e ampliado.

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