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A resolução dos conflitos entre princípios constitucionais

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08/10/2010 às 17:06
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Capítulo IV – A Colisão Principiológica e sua Resolução

1. Generalidades

Vimos que numa sociedade pluralista como a nossa a eclosão de conflitos entre as normas principiológicas da Lei Fundamental é inevitável. Diante de tais conflitos, não pode o operador do direito lançar mão da interpretação jurídica tradicional, que se utiliza do método subsuntivo de aplicação do direito. Sobre esse método tradicional de aplicação do direito ensina BARROSO:

Um típico operador jurídico formado na tradição romano-germânica, como é o caso brasileiro, diante de um problema que lhe caiba resolver, adotará uma linha de raciocínio semelhante à que se descreve a seguir. Após examinar a situação de fato que lhe foi trazida, irá identificar no ordenamento positivo a norma que deverá reger aquela hipótese. Em seguida, procederá a um tipo de raciocínio lógico, de natureza silogística, no qual a norma será a premissa maior, os fatos serão a premissa menor e a conclusão será a conseqüência do enquadramento dos fatos à norma. Esse método tradicional de aplicação do direito, pelo qual se realiza a subsunção dos fatos à norma e pronuncia-se uma conclusão, denomina-se método subsuntivo. (BARROSO, 2001, p.25)

Esse modo de raciocínio jurídico utiliza como premissa de seu desenvolvimento a figura normativa da regra. As regras, conforme vimos, são normas que especificam a conduta a ser seguida por seus destinatários. Isto é, são mandados definitivos que exigem que algo seja feito dentro das condições fáticas e jurídicas dadas. Por conseguinte, se os fatos nela previstos ocorrerem, a regra deve incidir, de modo direto e automático, produzindo seus efeitos.

Segundo Alexy, o conflito entre regras pode ser resolvido de duas formas: ou se introduz uma cláusula de exceção dentro da regra, ou se declara uma regra como inválida.

Luís Afonso Heck dá exemplo do primeiro caso:

(...) o conflito de regras existente entre a proibição de abandonar o recinto antes do sinal sonoro e o mandamento de abandoná-lo no caso de alarme de fogo. Se o sinal sonoro ainda não tocou, mas foi dado alarme de fogo, essas regras apresentam um dever-ser concreto contraditório. O conflito disso resultante é solucionado pelo fato de, no caso de alarme de fogo, ser introduzida uma exceção na primeira regra. (HECK, 2000, p.75)

Se uma semelhante solução não for possível, pelo menos umas das regras deve ser declarada inválida, utilizando-se o intérprete dos métodos tradicionais de resolução das antinomias jurídicas, quais sejam: o cronológico, o hierárquico e o de especialidade.

Diferentemente é a solução que se deve atribuir ao conflito entre princípios. Estes não possuem mandados definitivos de realização de seus comandos normativos, mas mandados de otimização, que exigem a execução de seus comandos na maior medida possível, aferível no caso concreto, quando diante das condições fáticas e jurídicas presentes.

O conflito entre regras soluciona-se no plano da validez; o conflito entre princípios resolve-se na dimensão do peso. Lá aplica-se o tradicional método subsuntivo, aqui, a técnica da ponderação.

2. A Técnica da Ponderação de Interesses, Bens, Valores e Normas [02]

2.1. Introdução

Ponderar é pesar, apreciar, avaliar o peso. O conflito entre princípios se estabelece na dimensão do peso. Portanto, a ponderação de interesses consiste justamente no método utilizado para a resolução destes conflitos constitucionais.

Ora, os princípios são mandados de otimização. Eles expressam valores a serem preservados ou fins públicos a serem realizados. Designam, portanto, 'estados ideais', sem especificar a conduta a ser seguida. Em razão disso, podem ser cumpridos em diferentes graus, a depender das possibilidades fáticas e jurídicas do caso concreto.

É preciso compreender que "cumprir ou aplicar o direito, no Estado Democrático de Direito, não é cumprir ou aplicar todas as normas jurídicas contemporaneamente, mas apenas aquelas que são adequadas aos contornos fáticos [e jurídicos, acrescentaríamos nós] de uma situação". (GALUPPO, 2001, p.61)

Marcelo Galuppo (2001, p.61-62) afirma que no ato de aplicação de princípios constitucionais divergentes é necessário realizar um juízo de adequabilidade. A sensibilidade do juiz para as especificidades do caso concreto que tem diante de si é fundamental, portanto, para que possa encontrar a norma adequada a produzir justiça naquela situação específica. Os princípios jurídicos constitucionais são sempre válidos, mas nem sempre aplicáveis, porque não prevêem em sua própria extensão semântica as condições e circunstâncias de sua aplicação, que só podem ser fornecidas no caso concreto, dialogicamente, pelas partes envolvidas.

E é por intermédio da técnica da ponderação de interesses que se irá realizar, no caso concreto, esse juízo de adequabilidade entre princípios constitucionais conflitantes, descortinando-se as condições e as circunstâncias de aplicação de cada princípio.

2.2. A Identificação do Conflito Principilógico e sua Conceituação

Segundo Daniel Sarmento, "a ponderação só se torna necessária quando, de fato, estiver caracterizada a colisão entre pelo menos dois princípios constitucionais incidentes sobre um caso concreto". (SARMENTO, 2002, p.99)

Assim, a primeira tarefa que se impõe ao intérprete é a de proceder à interpretação dos cânones envolvidos a fim de verificar se eles efetivamente se confrontam na resolução do caso concreto.

Então, o que é que se entende por conflito entre princípios constitucionais, ou colisão de direitos fundamentais, ou tensão constitucional? [03]

Steinmetz (2001, p.139) assevera que "há colisão de direitos fundamentais quando, in concreto, o exercício de um direito fundamental por um titular obstaculiza, afeta ou restringe o exercício de um direito fundamental de um outro titular".

Eros Grau e Sérgio Cunha (2003, p.231) definem colisão de direitos fundamentais como sendo o "fenômeno que emerge quando o exercício de um direito fundamental por parte de um titular impede ou embaraça o exercício de outro direito fundamental por parte de outro titular, sendo irrelevante a coincidência entre os direitos envolvidos".

E para que o exercício de um direito fundamental por um titular possa obstaculizar ou impedir o exercício de um direito fundamental de um outro titular é necessário verificar se a hipótese está compreendida no âmbito de tutela de cada um dos direitos envolvidos.

É dizer, deve o intérprete buscar a demarcação do campo normativo de cada direito envolvido para verificar se a hipótese está realmente compreendida no âmbito de tutela de mais de um deles.

Esta demarcação do campo normativo dos direitos corresponde à identificação dos "limites imanentes" de cada direito. Segundo Steinmetz,

Tais limites são imanentes ao sistema dos diretos fundamentais e à Constituição como um todo, limites que derivam da conexão interna entre os diferentes direitos fundamentais e/ou bens constitucionais em razão de uma virtual ou potencial tensão por ocasião do exercício destes direitos por diferentes titulares. São limites que estão implícitos no sistema, basta explicitá-los ou concretizá-los. (STEINMETZ, 2001, p.43)

A fixação dos limites imanentes é anterior à resolução dos conflitos, e até necessária para identificá-los, pois só se caracterizará o conflito se a situação concreta se contiver no interior dos limites imanentes de mais um direito/princípio constitucional.

José Carlos Vieira de Andrade, citado por Daniel Sarmento, bem exemplifica o que se acabou de afirmar:

Por exemplo, poder-se-á invocar a liberdade religiosa para efectuar sacrifícios humanos ou para casar mais de uma vez? Ou invocar a liberdade artística para legitimar a morte de um actor no palco, para pintar no meio da rua, ou para furtar o material necessário à execução de um obra de arte? Ou invocar o direto de propriedade para não pagar impostos, ou o direito de sair do país para não cumprir o serviço militar, ou o direito de educar os filhos para os espancar violentamente? ... Nestes, como em muitos outros casos, não se deve falar propriamente de um conflito entre o direito invocado e outros direitos ou valores, por vezes expressos através de deveres fundamentais. É que se trata de algo a mais ou de algo a menos do que isso. É o próprio preceito constitucional que não protege essas formas de exercício do direito fundamental, é a própria Constituição que, ao enunciar os direitos, exclui da respectiva esfera normativa esse tipo de situação. (SARMENTO, 2002, p.101)

É certo que a estrutura aberta e flexível dos princípios, como mandados de otimização que são, não possuem um campo normativo (ou limites imanentes) rigidamente delimitado. Isso torna muito árdua, senão impossível, a tarefa de estabelecer a priori as fronteiras de seus âmbitos normativos com seus congêneres. Neste particular, a análise do caso concreto revela-se essencial.

No entanto, se da interpretação dos princípios envolvidos no caso concreto resultar a constatação de uma efetiva colisão, deve-se passar à ponderação entre os interesses em disputa.

2.3. A Ponderação de Interesses

2.3.1. Definição. Processo de Aplicação

A ponderação de interesses é uma técnica de aplicação do Direito aos denominados hard cases [04]. Nos dizeres de Barroso e Barcellos:

A ponderação consiste, portanto, em uma técnica de decisão jurídica aplicável a casos difíceis, em relação aos quais a subsunção se mostrou insuficiente, especialmente quando uma situação concreta dá ensejo à aplicação de normas de mesma hierarquia que indicam soluções diferenciadas. (BARROSO e BARCELLOS, 2004, p.483)

Ainda segundo os aludidos autores (2004, p.483), "a estrutura interna do raciocínio ponderativo ainda não é bem conhecida, embora esteja sempre associada às noções difusas de balanceamento e sopesamento de interesses, bens, valores ou normas".

Portanto, não há um consenso entre os doutrinadores ao descreverem o processo de aplicação da ponderação de interesses. Contudo, não há negar, e neste ponto existe consenso, que a ponderação está indissociavelmente ligada ao princípio da proporcionalidade. Dito de outro modo: a ponderação de interesses operacionaliza-se mediante a aplicação do princípio da proporcionalidade.

Logo, surge a seguinte questão: ponderação de interesses e princípio da proporcionalidade são coisas idênticas ou distintas?

Steinmetz tem a resposta:

Do ponto de vista prático, é possível que essa questão pouca relevância tenha. De fato, não há como separar a ponderação de bens do princípio da proporcionalidade. (...) Neste trabalho, alinhando-se à posição majoritária na literatura especializada, considera-se que a ponderação concreta de bens, na colisão de diretos fundamentais, realiza-se mediante o controle de proporcionalidade em sentido amplo, de modo especial ou propriamente dito por meio do princípio da proporcionalidade em sentido estrito, o terceiro subprincípio constitutivo do princípio da proporcionalidade em sentido amplo. Assim, o princípio da proporcionalidade em sentido amplo compreende a ponderação de bens. (STEINMETZ, 2001, p.144-145)

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Definição precisa do que seria a ponderação de interesses encontramos na obra desse mesmo autor (2001, p.140): "A ponderação de bens é o método que consiste em adotar uma decisão de preferência entre os direitos ou bens em conflito; o método que determinará qual o direito ou bem, e em que medida, prevalecerá, solucionando a colisão".

Sendo os direitos fundamentais relativos e limitados, e expressando-se por intermédio da figura normativa dos princípios, que são mandados de otimização que expressam valores ou fins públicos a serem realizados, sem especificar a conduta a ser seguida, quando entram em colisão, a realização ou otimização de um implica a afetação, a restrição ou até mesmo a não realização do outro.

Portanto, diante do caso concreto há de prevalecer, mediante a aplicação da técnica da ponderação, apenas um dentre os princípios conflitantes. Isto não implica em dizer que o princípio não acatado naquele determinado caso concreto é um princípio inválido. Decididamente, não.

Ora, os princípios não são mandados de otimização? Eles não comportam diferentes graus de cumprimento? Eles determinam que algo seja realizado dentro das possibilidades fáticas e jurídicas do caso concreto, e não que algo seja definitivamente feito.

Tendo em vista esta característica dos princípios é que ante uma colisão um deverá ser restringido, ou até mesmo não realizado, para que prevaleça o outro, diante das circunstâncias do caso concreto. Se as circunstâncias se modificarem, poderá ocorrer o inverso: a prevalência do segundo sobre o primeiro.

O fato é que o que determina a prevalência de um princípio sobre outro em caso de colisão é a busca da justiça para o caso concreto. A dificuldade surge quando se quer definir o que é justo ou não para um determinado caso concreto. E aqui se sedia a crítica mais ferrenha que se tem endereçado à técnica da ponderação de interesses, conforme enuncia Barroso e Barcellos:

É bem de ver que ... a ponderação, embora preveja a atribuição de pesos diversos aos fatores relevantes de uma determinada situação, não fornece referenciais materiais ou axiológicos para a valoração a ser feita. No seu limite máximo, presta-se ao papel de oferecer um rótulo para voluntarismos e soluções ad hoc, tanto as bem-inspiradas como as nem tanto. (BARROSO e BARCELLOS, 2004, p.486)

Sobre as críticas à ponderação e como superá-las nos pronunciaremos em momento oportuno.

O fato é que o operador do direito, diante de uma colisão entre princípios constitucionais, há de adotar um decisão de preferência entre os interesses em conflito.

Como, então, proceder a essa decisão de preferência? Daniel Sarmento assevera que em primeiro lugar o intérprete deve comparar o peso genérico que a ordem constitucional confere, em tese, a cada um dos direitos envolvidos. Para esse mister, ele deve adotar como norte a táboa de valores subjacentes à Constituição.

Não se está a afirmar que exista uma hierarquia entre as normas constitucionais. Ocorre que a Lei Fundamental não empresta a mesma relevância a todos os interesses que se abrigam sob o seu pálio. Exemplifica Sarmento:

(...) no direito brasileiro parece induvidoso, por exemplo, que a liberdade individual ostenta, sob o prisma constitucional, um peso genérico superior ao da segurança pública, o que se evidencia diante da leitura dos princípios fundamentais inscritos no art. 1º do texto magno. (SARMENTO, 2002, p.103-104)

E continua o citado autor:

Isto, no entanto, não significa que em toda e qualquer ponderação entre estes dois interesses [liberdade individual e segurança pública], a liberdade deve sempre prevalecer. Pelo contrário, em certas hipóteses em que grau de comprometimento da segurança da coletividade for bastante elevado, esta poderá se impor em face da liberdade individual, mediante uma ponderação de interesses. (SARMENTO, 2002, p.103-104)

Ou seja, após determinar o peso genérico dos interesses em conflito, o operador jurídico fixará, em face do problema a ser solucionado, o peso específico de cada um. Se existe o peso específico de cada princípio no caso concreto, por que não aferi-lo diretamente, sem passar pela fixação do peso genérico? É que o peso genérico é indiciário do peso específico de cada princípio, isto é, a determinação prévia do peso específico de cada princípio ajuda na delimitação de seu peso específico.

Porém, frise-se: o peso genérico de um princípio é apenas indiciário de seu peso específico, que deve necessariamente ser aquilatado diante do caso concreto a ser solucionado.

A atribuição de pesos específicos aos princípios colidentes no caso concreto implica na restrição de um em favor da aplicação de outro, segundo a lógica seguinte, conforme lição de Daniel Sarmento:

(...) o nível de restrição de cada interesse será inversamente proporcional ao peso específico que se emprestar, no caso, ao princípio do qual ele se deduziu, e diretamente proporcional ao peso que se atribuir ao princípio protetor do bem jurídico concorrente. (SARMENTO, 2002, p.104)

Equivale dizer: quanto maior é o peso específico que se atribui a um princípio em colisão com outro, tanto menor será a limitação ou diminuição do âmbito material de incidência desse princípio; logo, a tendência será a sua prevalência na resolução do caso concreto. De outro lado, quanto maior é o peso específico do princípio adverso, tanto maior será a restrição imposta ao primeiro; nesta hipótese, a preferência será pelo princípio adverso.

Na busca do peso específico de cada princípio em colisão deve o intérprete orientar-se sempre pela busca da justiça no caso concreto, bem como pela proteção e promoção do princípio da dignidade da pessoa humana, que condensa e sintetiza os valores fundamentais que esteiam a ordem constitucional vigente.

2.3.2. O Núcleo Essencial dos Direitos Fundamentais e a Ponderação de Interesses

Um limite que a doutrina impõe à ponderação de interesses é o respeito ao núcleo essencial dos direitos fundamentais. Considera-se que existe um conteúdo mínimo destes direitos, que não pode ser amputado, seja pelo legislador, seja pelo aplicador do Direito. Assim, o núcleo essencial traduz o "limite dos limites", ao demarcar um reduto inexpugnável, protegido de qualquer espécie de restrição.

Contudo, tal núcleo deve ser delineado à luz do caso concreto, mediante a ponderação dos interesses em jogo (teoria relativa do núcleo essencial dos diretos fundamentais).

De fato, a delimitação em abstrato do núcleo essencial dos direitos fundamentais (proposta pela teoria absoluta) geraria, em certas questões concretas, uma situação insustentável, porquanto os seus confins (do núcleo) não poderiam ser ultrapassados em nenhuma hipótese, nem mesmo quando a invasão possa ser justificada pela proteção a outros diretos fundamentais de mesma hierarquia.

Tais situações são aquelas nas quais o juiz encontrar-se-ia diante do dilema de ter de optar por um dos princípios em detrimento do outro. Para casos desta espécie, a adotar a teoria que sustenta a delimitação em abstrato do núcleo dos direitos fundamentais, o juiz seria forçado a proferir um non liquet.

Daniel Sarmento sugere um exemplo:

(...) um jornal descobre, às vésperas de uma eleição, que certo político importante é homossexual e prepara reportagem sensacionalista a respeito. O político toma conhecimento do fato, e, antes da publicação, propõe medida judicial, postulando a proibição da reportagem, ao argumento de que viola o seu direito de privacidade, e que se for publicada, ocasionará dano moral insuscetível de recomposição via patrimonial. O jornal defende-se com base no princípio que assegura a liberdade de imprensa. Ao juiz do caso, então, restarão duas alternativas: vedar a reportagem, prestigiando o direito à privacidade em desfavor da liberdade de imprensa, ou permitir a publicação, consagrando a liberdade de imprensa em detrimento do direto à privacidade. Não há outra escolha. (SARMENTO, 2002, p.113)

Portanto, a delimitação do núcleo essencial dos direitos fundamentais deve ser operada diante do caso concreto, por ser a que mais se adapta à dinâmica do processo decisório das questões constitucionais mais complexas.

2.3.3. Críticas à Ponderação de Interesses

As críticas que se fazem à técnica da ponderação de interesses, que partem de ângulos e premissas teóricas diversas, podem ser sintetizadas nos dois argumentos seguintes:

a) O primeiro argumento relaciona-se com o alegado esvaziamento dos diretos fundamentais que o método da ponderação acarretaria, ao torná-los relativos e subordinados a uma espécie de "reserva de ponderação";

b) O segundo argumento volta-se contra a pretensa inconsistência metodológica da ponderação de interesses. Sob o rótulo da ponderação abrigar-se-ia um completo decisionismo judicial, já que o método não fornece pautas materiais para a solução dos casos concretos.

O primeiro dos argumentos pode ser facilmente refutado pela lógica dos direitos em uma sociedade democrática. Nesta, a necessária convivência prática dos diversos direitos determina limitações recíprocas, evitando, com isso, que o exercício absoluto dos direitos possa gerar o próprio aniquilamento desses mesmos direitos.

Os direitos fundamentais, portanto, não podem ser absolutos e ilimitados. Em um regime democrático é impositivo de caráter lógico que eles sejam relativos e limitados. E esta limitação e relativização são aquilatadas diante do caso concreto, através do emprego da técnica da ponderação de interesses.

Portanto, os princípios são, sim, relativos e subordinados, quando em conflito, à técnica da ponderação. No entanto, tais características não acarretam o seu esvaziamento. Muito pelo contrário, são relativos ante à necessária convivência prática de todos os direitos e necessitam da ponderação para que sejam aplicados com correção, na busca da justiça do caso concreto.

O segundo argumento também pode ser superado. É fato que a ponderação de interesses dá lugar a uma ampla discricionariedade judicial. No entanto, tal discricionariedade não implica no exercício indiscriminado e arbitrário da atividade judicial, da qual não se pode exercer controle.

Com efeito, todas as decisões judiciais hão de ser suficientemente fundamentadas. É por esta fundamentação que se faz o controle de legitimidade das decisões. E o método da ponderação de interesses, tal como proposto ao longo desta investigação, funda-se em critérios racionais, passíveis de controle. O uso do princípio da proporcionalidade aliado ao princípio da dignidade da pessoa humana como diretriz substancial das ponderações, diminuem a carga subjetiva inerente ao processo em questão, tornando-o mais seguro e controlável.

Ademais, a insegurança jurídica inerente ao método da ponderação tende a diminuir com o passar do tempo, na medida em que casos semelhantes vão surgindo na jurisprudência e esta vai cristalizando as soluções.

2.3.4. A Ponderação de Interesses na Jurisprudência Brasileira

No Brasil, o tema da ponderação de interesses é quase um desconhecido, tanto para a doutrina quanto para a jurisprudência. De um modo geral, o pensamento jurídico nacional tem como premissa de seu desenvolvimento a figura normativa da regra jurídica, que se aplica segundo o método da subsunção. O operador jurídico, diante de um caso que lhe caiba solucionar, busca encontrar no ordenamento jurídico a norma que traz como pressuposto fático o caso que tem em mãos, da qual extrairá a solução jurídica adequada.

Em suas incursões sobre o tema, Daniel Sarmento (2002, p. 171) constatou que os tribunais superiores, mesmo quando utilizem a técnica da ponderação de interesses, não o fazem abertamente. Verificou que:

Em regra, a fundamentação das decisões é apresentada como se os julgadores houvessem se balizado exclusivamente por raciocínios lógico-formais. Nota-se uma forte inclinação dos tribunais à ocultação da dimensão retórica de suas decisões, mesmo em hipóteses em que o recurso a tal técnica se evidencie nitidamente. Os juízes tendem, conscientemente ou não, a escamotear os fatores não dogmáticos de seus julgados, como se isto fosse indispensável para legitimá-los aos olhos da sociedade. (SARMENTO, 2002, p. 171)

Contudo, conclui Sarmento (2002, p. 171), "o efeito alcançado é inverso ao pretendido, pois, sempre que a fundamentação deixa de retratar fielmente as razões da decisão jurisdicional, esta torna-se obscura, incontrolável, e, por isto mesmo, ilegítima."

Sem embargo, em alguns temas a ponderação já vem sendo aplicada. Por exemplo: a norma constitucional que proíbe a utilização no processo de provas obtidas por meios ilícitos (art.5º, inc. LVI) tem sido flexibilizada para se admitir a produção de prova ilícita pelo réu no processo penal, quando esta representar o único meio disponível para demonstração de sua inocência. Segundo Daniel Sarmento (2002, p.180), "nestas hipóteses, deve-se emprestar um valor superior ao bem jurídico representado pela liberdade do réu, do que à vedação da prova ilícita, já que repugna à consciência de qualquer julgador condenar penalmente alguém que saiba inocente."

Um outro caso ao qual se tem aplicado a ponderação é o concernente à possibilidade de realização de exame de DNA em ação de investigação de paternidade, à revelia da vontade do réu. Aqui encontrar-se-iam em confronto o direito à incolumidade física do réu, de um lado, e o direito do menor ao conhecimento do seu verdadeiro genitor, de outro.

Consoante nos informa Sarmento (2002, p.184), a matéria foi objeto de recente decisão do STF inadmitindo a condução coercitiva do réu para a realização do exame DNA, em acórdão assim ementado:

Investigação de Paternidade – Exame de DNA – Condução do Réu "Debaixo de Vara". Discrepa a mais não poder, de garantias constitucionais implícitas e explícitas – preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexecução específica e direita de obrigação de fazer – provimento judicial que, em ação civil de paternidade, implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório, "debaixo de vara", para coleta do material indispensável à feitura do exame DNA. A recusa resolve-se o plano jurídico-instrumental, consideradas a dogmática, a doutrina e a jurisprudência, no que voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova dos fatos. (STF, HC nº 71.347-4)

Tal decisão, emanada do Plenário daquela Corte, se deu por uma votação de 6 a 4.

Não obstante, em decisão posterior proferida no HC 76.0606-SC, tomada desta vez por unanimidade, houve consenso no STF a respeito dessa inadmissibilidade. As circunstâncias do caso, porém, eram outras.

Nas duas decisões votou o Ministro Sepúlveda Pertence. Na primeira, pela admissão do exame compulsório de DNA; na segunda, pela sua não admissão. Segundo Sarmento (2002, p.187), a diferença de posições assumida por esse Ministro em cada um dos casos revela que se trata de uma típica hipótese de ponderação de interesses, na qual a prevalência de cada um dos interesses em conflito depende das circunstâncias do caso concreto. E Sarmento conclui opinando:

Na nossa opinião, a posição do Ministro Sepúlveda Pertence está absolutamente correta. Quando a realização do exame de DNA afigurar-se realmente vital para a identificação da paternidade, será justificável a restrição ao direito à intangibilidade corporal do suposto pai, mas, quando existirem outros meios de prova, suficientes ao esclarecimento da questão sob o prisma científico, a realização coativa do exame representará constrangimento ilegal. Em outras palavras, o resultado da ponderação de interesses irá variar de acordo com as circunstâncias em que eclodir o conflito entre o direito à incolumidade física e o direito ao conhecimento do genitor natural, já que ambos possuem dignidade constitucional. (SARMENTO, 2002, p.188)

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Sobre o autor
Lincoln Jotha Soares

Assessor Jurídico. Pós-graduado em Direito Público

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Lincoln Jotha. A resolução dos conflitos entre princípios constitucionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2655, 8 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17592. Acesso em: 29 mar. 2024.

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