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A resolução dos conflitos entre princípios constitucionais

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08/10/2010 às 17:06
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Capítulo V – Conclusão

Em uma sociedade democrática e pluralista como a brasileira o tema "colisão entre princípios constitucionais e sua resolução" é por demais recorrente no âmbito da Ciência Jurídica em geral e da Ciência Jurídico-Constitucional em particular.

De fato, em sociedades como essa, onde convive um povo composto de indivíduos com os mais discrepantes matizes ideológicos, não há de se evitar a colisão entre os diversos princípios que as suas Cartas Políticas abarcam em seus textos.

Os doutrinadores utilizam-se das expressões "colisão ou conflito de direitos fundamentais" e "tensão constitucional" para se referir ao mesmo fenômeno jurídico: colisão ou conflito entre princípios constitucionais. Não há impropriedade técnica em assim proceder porquanto os direitos fundamentais emolduram-se como princípios constitucionais, ou seja, eles se manifestam por intermédio da figura normativa dos princípios.

Os princípios alcançaram na atualidade o status de norma jurídica, gênero do qual também é espécie a figura da regra. Portanto, princípios e regras são as figuras normativas existentes em nosso ordenamento jurídico-constitucional.

Conforme expusemos, os critérios clássicos de resolução de conflitos entre normas jurídicas (cronológico, hierárquico e de especialidade) não são adequados à resolução do conflito que se estabelece entre princípios constitucionais. Tais critérios foram desenvolvidos sob a égide da interpretação jurídica tradicional, cuja atividade jurídica restringia-se ao estudo das regras jurídicas. Logo, tais critérios prestam-se à solução dos conflitos entre regras jurídicas e não entre princípios jurídicos.

O método hábil à resolução dos conflitos que se possam estabelecer entre princípios constitucionais denomina-se ponderação de interesses, bens, valores ou normas.

Como os princípios são mandados de otimização de certos comandos, isto é, dizem que algo deve ser feito dentro das possibilidades fáticas e jurídicas existentes, é possível que um princípio seja restringido ou não aplicado, quando em confronto com outro, para que este outro prevaleça, dadas as circunstâncias de um caso concreto.

Não existe a priori uma ordem de prevalência entre os princípios constitucionais. Ela deve ser aquilatada diante do caso concreto, mediante o emprego do método da ponderação, onde, entre dois princípios conflitantes, um prevalecerá.

Ponderar é atribuir peso. Portanto, o operador jurídico atribuirá pesos aos princípios conflitantes, de sorte que prevalecerá aquele a que for conferido o maior peso. Pode-se definir a ponderação de interesses como "(...) o método que consiste em adotar uma decisão de preferência entre os direitos ou bens em conflito; o método que determinará qual o direito ou bem, e em que medida, prevalecerá, solucionando a colisão." (STEINMETZ, 2001, p. 140)

A dificuldade que surge é a atinente à atribuição de pesos aos princípios em conflito. Daniel Sarmento ensina que primeiramente deve o intérprete vislumbrar o peso genérico que a ordem jurídica atribui aos princípios conflitantes. Posteriormente, conferirá pesos específicos aos princípios em conflito, orientando-se pelo peso genérico de antemão verificado, pela promoção da dignidade da pessoa humana e, em última análise, pela busca da justiça no caso concreto.

Um limite que se impõe à ponderação de interesses é o respeito ao núcleo essencial dos direitos fundamentais. Reputa-se que há um conteúdo mínimo desses direitos que não pode ser amputado. Entretanto, tal núcleo há de ser avaliado diante do caso concreto, pois, a considerar a sua existência em abstrato, dificultaria a resolução das tensões constitucionais onde a solução, em muitos casos, ou na maioria deles, é pela não aplicação de um dos princípios em conflito.

A ponderação de interesses tem sido criticada sobretudo por sua pretensa inconsistência metodológica. O método não forneceria pautas materiais e controláveis para a solução dos casos concretos. Instaurar-se-ia, assim, um completo decisionismo judicial.

É fato que o método da ponderação de interesses é dotado de uma dose acentuada de discricionariedade judicial. Isso porque os conceitos sobre o seja justiça e promoção da dignidade humana são um tanto quanto subjetivos.

Entretanto, todas as decisões judiciais hão de ser suficientemente fundamentadas. É esta fundamentação, acompanhada de uma argumentação jurídica convincente, que legitima e torna controlável toda e qualquer decisão judicial.

Ademais, com o passar do tempo, a jurisprudência vai firmando as soluções aos casos de colisões entre princípios constitucionais que vão surgindo.

Enfim, o método da ponderação de interesses é o mais adequado à solução das colisões entre princípios constitucionais. A jurisprudência brasileira, quando diante de tensões constitucionais, tem de se desvencilhar da interpretação jurídica tradicional, onde impera o raciocínio jurídico baseado na subsunção, para lançar mão da interpretação jurídica dita contemporânea, baseada na ponderação, porquanto mais adequada à resolução dos inevitáveis conflitos entre princípios constitucionais.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Notas

  1. De fato, como a maioria dos direitos fundamentais se emolduram como princípios, não há impropriedade técnica em afirmar que as expressões supra enunciadas são sinônimas. Vale dizer: dada a natureza principial dos direitos fundamentais, o conflito que se estabelece entre estes é, em essência, um conflito entre princípios constitucionais.
  2. A doutrina utiliza-se indistintamente do termo "ponderação" acompanhado das expressões bens, interesses, valores e normas com o mesmo significado. Em razão disso, houvemos por bem citá-las todas no título do tópico que se inicia.
  3. Consoante afirmamos alhures, tais expressões nomeiam o mesmo fenômeno jurídico. O conflito entre direitos fundamentais é um conflito entre princípios constitucionais, pois os direitos fundamentais têm natureza principial, isto é, manifestam-se sob a forma da figura normativa denominada princípio.
  4. Do inglês, que significa casos difíceis, a expressão identifica situações para as quais não há uma formulação simples e objetiva a ser colhida no ordenamento (subsunção), sendo necessária a atuação subjetiva do intérprete e a realização de escolhas, com eventual emprego de discricionariedade (que são as características próprias da ponderação).
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Sobre o autor
Lincoln Jotha Soares

Assessor Jurídico. Pós-graduado em Direito Público

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Lincoln Jotha. A resolução dos conflitos entre princípios constitucionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2655, 8 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17592. Acesso em: 29 mar. 2024.

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