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Pensão militar: a legalidade da concessão às filhas maiores de 21 anos e capazes e a controvérsia da ordem de prioridades para seu deferimento

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24/12/2010 às 12:47
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pensão militar conta com certas especificidades que a distinguem dos outros modelos previdenciários. Devido à complexa legislação aplicável ao caso, certos institutos, como a ordem de deferimento – no caso de concorrência entre mãe e filha maior de 21 anos e capaz – geram patente divergência na jurisprudência, ressaltando ainda que a doutrina aplicável à espécie é escassa.

A exegese necessária à correta aplicação dos dispositivos deve não apenas levar em conta a promulgação da Constituição de 1988, mas considerar toda a evolução histórica da arquitetura familiar brasileira, bem como as mudanças legislativas que levaram à alteração das regras da ordem de vocação, bem como a extinção do benefício para as filhas dos atuais militares e a manutenção às filhas daqueles que optaram pelo benefício da regra de transição estabelecida pelo Estado.

Em que pese o princípio da igualdade entre os sexos, defende-se no presente estudo a constitucionalidade do benefício às filhas maiores e capazes dos militares, por tratar-se de ação afirmativa implantada pelo Estado de modo a suprir uma hipossuficiência histórica. Uma vez implantado, passa o benefício a ter caráter de direito social, não podendo, assim, sofrer uma supressão abrupta por violar o pricípio da vedação ao retrocesso social.

A regra de transição para aqueles que desejavam manter o direito subjetivo de pensionar suas filhas maiores, baseia-se no mais importante princípio constitucional: o da dignidade da pessoa humana. O aludido princípio deve estar presente nas relações familiares e na tutela estatal de tais relações, primando pela solidariedade e atenção integral a cada membro da nova Família Constitucional.

A legislação aplicável hoje ao caso consiste na Lei 3.765/60 e MP 2.215-10/01. Além destas, é pertinente a análise da Lei 10.486/02, por versar sobre a pensão dos militares do DF e por conter regra de transição que remete à mesma Lei de 1960 aplicada aos militares das forças armadas.

O cerne do presente estudo reside na concorrência na habilitação entre a viúva (companheira, ex-cônjuge ou ex-companheira) e a filha maior do casal. O art. 9º, §3º da Lei 3.765/60 diz neste caso que havendo filhos do casal, 50% da pensão cabe aos filhos, rateados em partes iguais, e 50% da pensão cabe a viúva, adicionando-se à metade desta a cota de seus respectivos filhos. Observa-se neste caso que os filhos de outro leito terão tratamento privilegiado, pois receberão desde o início suas cotas-partes, ferindo o disposto no art. 227, §6º da Constituição, que veda o tratamento discriminatório aos filhos. Mais ainda, não se pode conceber que a filha maior e capaz – na plena administração de seu patrimônio - tenha seu benefício administrado pela matriarca, sob pena de criar divergências irreparáveis no lar e sujeitar a filha do militar à condição degradante e incondizente com a dignidade da pessoa humana.

Propõe-se neste trabalho a concessão, desde a morte do instituidor, da cota-parte de 50% às filhas maiores e capazes dos militares que contribuíram com 1,5% de seus soldos para manter o benefício. Este é o sentido teleológico da norma, bem como constitui direito subjetivo do militar que optou por garantir a pensão à sua filha.

Tal posição encontra amparo em decisão do STJ, pareceres do TCU, bem como é a solução adotada pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal com relação às filhas dos militares do DF, regidas pela mesma Lei que as filhas dos militares das forças armadas.

Quando existir concorrência entre a filha maior do militar e a ex-cônjuge pensionda - ainda que na condição de genitora daquela - deve ser mantido o percentual de pensionamento fixado no juízo de família, deferindo-se o restante do benefício à filha maior, desde a morte do instituidor, não devendo haver incorporação da cota-parte, como demonstrado.

Conforme exposto no presente estudo, a Pensão Militar não se constitui propriamente de um sistema de repartição, em que um universo de contribuintes sustenta um universo de beneficiários. Tal posicionamento é extemporâneo à instituição da pensão militar, e gera decisões equivocadas e danosas, quando utilizado o Regime Geral de Previdência como paradigma.

Cálculos demonstram que uma contribuição anual de 6% sobre os vencimentos dos militares constituem um fundo que supre a despesa com o pagamento da pensão do militar por toda a vida de seu cônjuge e de seus filhos e, se considerarmos o desconto de 9,0% sobre a remuneração bruta (7,5% do desconto para pensão militar + 1,5% do desconto facultativo para manter o benefício às filhas maiores), o procedimento em vigor a partir de dezembro de 2000 suportaria por tempo indeterminado o pagamento da pensão aos dependentes do militar.

Cálculos realizados durante os anos de 2001 e 2002, logo após a instituição da regra de transição da MP 2.215-10/01, mostram que esse sistema será superavitário até 2036, quando ocorrerá gradativamente sua extinção, em decorrência da população de beneficiários atingir o limite previsível de sobrevida.

Desta forma, há argumentos sólidos que favorecem o entendimento de que as filhas maiores e capazes tem pleno direito à percepção da pensão vitalícia instituída pelos militares, bem como à habilitação desde a morte do militar, momento em que devem passar a receber suas cotas-partes, mesmo quando em concorrência com suas genitoras, dando-se a correta interpretação ao artigo 9º, §3º da Lei 3.765/60.

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REFERÊNCIAS

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WALD, Arnoldo. O novo direito de família. 16ª.ed. São Paulo: Saraiva, 2005.


Notas

  1. ARAUJO, Luiz Alberto; NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional, p. 93.
  2. Eduardo Frigoletto de Menezes. A participação da mulher no mercado de trabalho no Brasil. Disponível em: <http://www.frigoletto.com.br/GeoPop/mulher.htm>.
  3. Decisões do STF trataram do tema da proibição de retrocesso social, como as ADIs nºs 3.105-8-DF, 3.128-7-DF e ADI nº 3.104-DF, o MS nº 24.875-1-DF. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul também já analisou o tema na Apelação Cível nº 70004480182, que foi objeto do RE nº 617757 para o STJ. A matéria mereceu análise também pela 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária do Mato Grosso do Sul – Processo nº 2003.60.84.002458-7 dentre outros julgados que analisam a questão abordada.
  • Vide informativo STF 582 - STA 175-AgR/CE. Voto do Sr. Min. Celso de Mello.
  • – "Pensão militar. Concessão inicial. Filhas maiores de 21 anos. Assegurada manutenção dos benefícios previstos na redação original da Lei 3.765/60, mediante contribuição específica dos atuais militares, consoante o artigo 31 da Medida Provisória 2.131/2000. Verificação da contribuição realizada pelo ex-militar. Legalidade. Registro." (grifamos)

    "2. A pensão concedida a filha maior de militar depende da comprovação específica prevista no art. 31 da Medida Provisória n.2.131/2000 e edições."

  • STJ - REsp 871269/RJ Recurso Especial 2006/0161069-7 Relatora: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA. Relator p/ Acórdão: Ministro NILSON NAVES - Órgão Julgador: 6ª TURMA. Data do Julgamento: 11/12/2007. Data da Publicação: DJe 12/05/2008.
  • Divaldo Pereira Franco. Estudos Espíritas. p.10.
  • Carlos Roberto Gonçalves. Direito Civil. Volume VI: direito de família. p.15-18.
  • Caio Mário da Silva Pereira. Instituições. v.5, p26-27; Arnoldo Wald. O novo direito de família. p. 10-12.
  • Gustavo Tepedino. Temas de direito civil.p. 326.
  • Termo utilizado por Rodrigo da Cunha Pereira e Maria Berenice Dias em "Direito de Família e o novo Código Civil". Belo Horizonte: Del Rey, 2001.
  • Site oficial da Marinha do Brasil. Disponível em : <https://www.mar.mil.br/menu_v/ingresse_na_marinha/pensao.htm>.
  • "(...) as filhas do militar instituidor, menores e maiores, solteiras ou casadas, estariam na mesma ordem de prioridade da viúva, percebendo suas quotas-partes, desde o início da concessão. Sensível à argumentação do Parquet, especialmente no que respeita aos transtornos que serão causados aos órgãos jurisdicionados e à questão da segurança jurídica, acatei a sugestão de a Corte voltar a adotar os termos da Decisão nº 6.827/2007, promovendo a partilha do benefício, desde já, entre a viúva e todas as filhas, em igualdade de condições, que foi o procedimento adotado nestes autos pela Corporação." (grifamos).
  • Parece semelhante ao exposto, o pensamento descrito em acórdão do egrégio TRF da 2ª. Região na seguinte passagem: "No caso em tela, não há que se falar em reversão legal, em virtude da inexistência das hipóteses do art. 24 da citada lei, que autorizem a transferência da respectiva cota-parte da autora à viúva." Apelação Cível 398689 - Processo 2003.51.51.056541-3 – Rel. Des.Federal POUL ERIK DYRLUND – 8ª Turma Especializada - Publicação de Acórdão no DJU 14.12.2007. (grifamos).
  • Guilherme Calmon Nogueira da Gama. A constituição de 1988 e as pensões securitárias no direito brasileiro. p.147.
  • TRF-2ª Região. 6ª Turma. AC 195467. Processo 9902098193/RJ. Julgamento: 03/08/2004. Publicação: 16/08/2004, p. 954. Relator Des. Fed. Poul Erik Dyrlund.
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    Sobre o autor
    Rodrigo Cardoso Magno

    Servidor Público Federal.<br>Especialista em Direito Público pela Universidade Católica de Petrópolis.

    Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

    MAGNO, Rodrigo Cardoso. Pensão militar: a legalidade da concessão às filhas maiores de 21 anos e capazes e a controvérsia da ordem de prioridades para seu deferimento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2732, 24 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18104. Acesso em: 28 mar. 2024.

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