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O princípio da precaução e a sua importância para a tutela do meio ambiente e da saúde

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4 Os Princípios da Precaução e da Prevenção: Aproximações e Diferenças

Ao efetivar-se, no tópico anterior, uma análise de diversos princípios do Direito Ambiental, resta tão-somente realizar um relevante estudo sobre os princípios da precaução e da prevenção, diante de sua relação direta com o tema ora proposto.

A postura de evitar-se a degradação ambiental "ganhou reconhecimento internacional ao ser incluído na Declaração do Rio (princípio n° 15) que resultou da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento − Rio 92" (ANTUNES, 1998, p.29). Determina que toda e qualquer atividade humana (governamental ou não) deva ser devidamente calculada no sentido de prevenir que o seu impacto de alguma forma ameace a sustentabilidade ambiental.

Notar-se-á que o princípio da prevenção não delineia atividades específicas que devam ser prevenidas, subtendendo-se, portanto, que toda e qualquer atividade, independente de sua natureza ou de seus autores, deva ser estudada antecipadamente como forma de precaução e com a meta de evitar que, pela sua imprudência, seja prejudicada não só a sustentabilidade, mas, também, a renovabilidade ambiental.

"A atuação do Poder Público deve ser preventiva, ou seja, como em todas as atividades humanas, existe um fator de risco" (MATOS, 2001, p.62). E, de certo, esse fator de risco deve ser analisado. Nisso consiste o princípio da prevenção.

No Direito Ambiental, é muito comum, entretanto, encontrar-se uma nítida divergência entre os doutrinadores que se dedicam a comentar os princípios (jus)ambientalistas da precaução e da prevenção: a) há aqueles que entendem serem eles um só princípio; e b) aqueles que defendem serem os ditos princípios autônomos e distintos.

Com relação à primeira corrente, pode-se afirmar que:

A prevenção é reconhecida pela doutrina como um dos princípios do Direito ambiental. Esse princípio também pode ser reconhecido, doutrinariamente, como precaução, prudência ou cautela. Muito embora existam as diversas nomenclaturas, essa diversidade não se reflete na substancialidade dos princípios, tanto que boa parte dos doutrinadores brasileiros destina a essas expressões as mesmas ideias e essências, diferente dos portugueses que, por exemplo, diferenciam o princípio da prevenção do da precaução [07] (BRITO, 2010, p. 55).

Com relação, contudo, à segunda corrente, é possível afirmar que o conhecimento ou o desconhecimento dos reflexos nocivos de determinado ato potencialmente degradador do meio ambiente é o critério, geralmente, utilizado pela doutrina para diferenciar os dois princípios.

Nesses termos, quando o ato ou atividade potencialmente lesiva ao meio ambiente tem efeitos conhecidos ou previsíveis estar-se-ia falando do princípio da prevenção.

Por outro lado, quando esses efeitos ou resultados fossem, ao contrário, desconhecidos, ou seja, imprevisíveis, o princípio em tela seria o da precaução.

Seguindo esse raciocínio, ter-se-ia o princípio da prevenção ao se evitar a caça de determinadas espécies, da mesma forma que a pesca em determinados períodos de desova, pois, nesses casos, os reflexos do dano gerado seriam conhecidos ou previsíveis, isto é, a ameaça de extinção de determinadas espécies ou ainda a redução da biota.

Contrariamente, quando se fala da proibição de plantação de determinadas variedades vegetais transgênicas, antes de se efetivarem prévios estudos que constatem a não existência de ameaça ao equilíbrio ambiental ou a saúde do ser humano – potencialmente consumidor dos produtos deles advindos –, estar-se-ia tratando do princípio da precaução, até mesmo porque não há como se prever os reflexos danosos gerados por esta prática. Não sendo previsível o dano, notadamente, há referência à precaução e não à prevenção.

Há, igualmente, quem sustente a distinção entre os dois princípios, em fatores de ordem etimológica, alegando que ambas as nomenclaturas, apesar de semelhantes, remontariam significados distintos.

Na prática, no entanto, a diferenciação entre os princípios da prevenção e da precaução parece ser de pouca utilidade.

Além do mais, não parece razoável a iniciativa doutrinária de reconhecer dois princípios distintos pelo mero fato de serem ou não previsíveis os danos ambientais advindos de determinadas práticas.

A ideia de princípio relaciona-se intimamente com a noção primeira de valor. Os princípios jurídicos, nesse contexto, seriam uma fonte primeira de vitalidade do ordenamento jurídico; uma nascente fluvial propriamente dita, da qual brotariam as gotas iniciais e propulsoras da correnteza de um rio teórico e normativo.

Ao se tentar, todavia, explicar a razão de ser de um princípio pelos resultados ou consequências de determinadas práticas, como na presente situação, parece estar incidindo em grave erro, por estar-se invertendo o foco caracterizador dos princípios: ao invés de considerar-se o valor norteador, considera-se o reflexo dele surgido; ao invés de considerar-se o início, passa a considerar-se o fim.

Nessa conjectura, é coerente afirmar que tanto o princípio da precaução como o da prevenção são um único princípio por possuírem eles uma única ideia valorativa nuclear, um único valor central: evitar a ocorrência do dano ambiental. Nada mais do que isso.

Desta feita, pouco importa o conhecimento ou não, a previsibilidade ou não do dano ambiental gerado. Isto não é motivo suficiente para se justificar a existência de dois princípios autônomos.

Havendo a possibilidade ou a ameaça de ocorrência de uma degradação ambiental e, por derivação, de ameaça à saúde do ser humano, deve tal degradação ser evitada, prevenida ou precavida, não importando, assim, qual a expressão que será utilizada para referir-se a esse fim.

Diante dessa realidade, optar-se-á, neste artigo, por entender a prevenção e a precaução como um único princípio, divergindo, assim, de boa parte da doutrina ambientalista. Motivo pelo qual, no próximo capítulo, abordar-se-ão todos e quaisquer contextos que possam ser entendidos como iniciativa para se "evitar a ocorrência de dano ambiental", independentemente de sua previsibilidade.

Por fim, ressaltar-se-á que a importância desse princípio é inquestionável, já que a ideia de prevenção sempre é a mais oportuna. Principalmente, ao levar-se em consideração a ideia de que "(...) nem sempre é possível reparar cabalmente um dano ecológico: haja vistas, por exemplo, à extinção total de certos animais ou vegetais" (GRASSI, 1995, p.31). Torna-se mais coerente, por esse motivo, evitar o surgimento do dano ecológico, do que simplesmente sanar as suas consequências (algumas vezes irremediáveis).


5 A Relação do Meio Ambiente com a Saúde

Já tendo efetivado a análise do conceito e da natureza jurídica de meio ambiente, bem como uma análise panorâmica dos diversos princípios do Direito Ambiental, torna-se, de fato, possível compreender o vínculo existente entre a necessária tutela do meio ambiente e a plena garantia do direito à saúde de todo e qualquer indivíduo.

Em um primeiro momento, torna-se crucial destacar que, diferentemente do que ocorria no passado – período no qual o conceito de meio ambiente envolvia apenas alguns aspectos de ordem eminentemente "verde" –, na atualidade se compreende majoritariamente que ele engloba não só a fauna, a flora, os minerais, mas, outrossim, o próprio homem, e, com ele, os diversos aspectos que lhe dizem respeito individual e conjuntamente, a exemplo dos sociais, psicológicos e econômicos.

Essa inclusão inevitável do homem e da sociedade humana na órbita ambiental deixou evidente os seus naturais papéis de integrantes do meio ambiente, da mesma forma que as suas vulnerabilidades ante os desequilíbrios neste provocados, uma vez que, em sendo partes de um todo ambiental, o homem e a sociedade humana sofrem direta ou indiretamente com as suas degradações.

Logo em seguida, é necessário reconhecer que esta vulnerabilidade humana ante os impactos ambientais surgidos não se resume a um ou outro indivíduo, em espaços mais ou menos definidos.

O reconhecimento da natureza jurídica difusa do meio ambiente tem, como consequência, admitir que as degradações provocadas ao meio ambiente atingem um número indeterminado de pessoas, humanas ou não, nos mais distintos espaços do planeta.

Por último, o princípio da ubiquidade reforça essa afirmação; afinal, se está o meio ambiente em toda parte ao mesmo tempo, logo toda e qualquer pessoa, independente do local em que habite, pode ser vítima dos impactos ambientais, onde quer que ocorram.

Assim sendo, a vulnerabilidade humana ante os impactos ambientais surgidos propicia uma integração clara entre as temáticas da tutela ambiental e da tutela da saúde, haja vista que os reflexos nocivos da degradação do meio ambiente podem comprometer a saúde e a vida das pessoas.

Considerando, ainda, que os reflexos advindos da degradação do meio ambiente não são, de regra, isolados, mas – como já dito – atingem um número indeterminado de pessoas, vê-se como algo razoável que as políticas públicas de tutela ambiental sejam integradas com aquelas de saúde pública.

Ao controlar-se, portanto, a degradação ambiental, está se promovendo uma tutela pública adequada da saúde individual e coletiva dos seres humanos e, igualmente, dos demais seres.

É justamente nessa ótica que entra o princípio da precaução e de sua importância na tutela não só do meio ambiente, propriamente dito, mas, também, da saúde das pessoas, como será abordado no capítulo seguinte.


6 O Princípio da Precaução e a sua Importância para a Tutela do Meio Ambiente e da Saúde

Associar os temas do meio ambiente e da saúde humana, por tudo já tratado, é uma iniciativa indescartável.

Internalizar na tutela da saúde as diretrizes e os princípios de Direito Ambiental, comumente utilizados na tutela específica do meio ambiente, também o é.

Essa necessidade é reforçada pelo fato de o próprio homem e as suas sociedades, igualmente, serem, em si, meio ambiente. Aliás, já foi demonstrado que a conceituação contemporânea deste bem engloba aspectos humanos dos mais diversos.

Reconhecendo as condições acima, resta, enfim, sistematizar a relação do princípio da precaução com as tutelas do meio ambiente e da saúde, nos termos adotados neste trabalho.

Para tanto, é preciso reconhecer que, tendo em mente a equivalência valorativa entre os princípios da precaução e da prevenção, viabilizar-se-ia a sua consideração em duas dimensões, duas faces de uma mesma moeda: a) havendo ameaça de lesão, cujos reflexos são previsíveis ou conhecidos (situação tradicionalmente associada ao princípio da prevenção); e b) havendo ameaça de lesão, cujos reflexos não são previsíveis ou não são conhecidos (situação comumente associada ao próprio princípio da precaução).

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Na primeira situação, é preciso afirmar que o Poder Público, ao conhecer os resultados nocivos que a ameaça de determinada prática lesiva ao meio ambiente pode gerar, deve, impreterivelmente, agir no sentido de reprimi-la.

Essa necessidade de atuação do Poder Público é respaldada na existência de outro princípio (jus)ambientalista: o princípio da obrigatoriedade da ação estatal.

Nessa conjectura, ao agir combatendo a ameaça de lesão ambiental, o Poder Público, inicialmente, estará evitando a ocorrência de grave desequilíbrio do meio ambiente e, por conseguinte, estará evitando que, por intermédio, deste desequilíbrio, a saúde dos seres humanos e demais seres vivos seja afetada.

A implantação, por exemplo, de políticas de saneamento básico em regiões periféricas dos grandes centros, nas quais é muito comum a existência de esgotos a céu aberto se encaixaria nessa dimensão; afinal, é previsível que em realidades como as mencionadas, a população local seja afligida com uma série de problemas de saúde, o que onera, inclusive, o próprio Estado.

Na segunda situação, é preciso afirmar que o Poder Público, ante a mera ameaça de determinada prática lesiva ao meio ambiente, ainda que desconheça os resultados nocivos que podem vir a ser gerados, deve, impreterivelmente, agir no sentido de reprimi-la.

Certamente, o desconhecimento dos reflexos nocivos a serem gerados não é motivo suficiente para uma postura de omissão estatal. Mais uma vez o princípio da obrigatoriedade da ação estatal cobra do Estado uma iniciativa afirmativa e eficiente, como forma de preservar o equilíbrio ambiental e o bem-estar humano.

Nesse contexto, é possível se encaixar a plantação de determinados vegetais transgênicos, pois o desenvolvimento recente dessa nova tecnologia não dava plena segurança de que sua proliferação não efetuaria impactos ao meio ambiente, bem como à saúde dos consumidores.

Por esse motivo, em diversos países, em especial no Brasil, durante algum tempo, a utilização de grãos transgênicos em plantações foi proibida e/ou limitada, justamente para se proteger o meio ambiente e, outrossim, a saúde das pessoas, de males desconhecidos e que sequer tinham confirmação científica.

A simples possibilidade de que algum dano pudesse ser produzido pela utilização daquela nova tecnologia de produção de alimentos se tornou suficiente para que os Estados agissem na defesa ambiental e humana.

Salienta-se que, ainda na atualidade, como no caso brasileiro, a utilização de novas variedades transgênicas tem uma série de restrições, sendo alvo de uma fiscalização constante e pormenorizada pelo Poder Público, que, entre diversos aspectos, exige a realização de uma série de experimentos, com um controle severo.

Diante dessa realidade, fica evidente a importância do princípio da prevenção para a tutela do meio ambiente e da saúde humana. Essa importância é, de fato, potencializada ao se reconhecer que determinados danos ambientais, bem como determinados danos à saúde humana podem ser irreversíveis. Destarte, evitar a ocorrência dessas lesões é a melhor forma de não contabilizar prejuízos.


7 Conclusão

Diante do todo já exposto, cabe, pertinentemente, sintetizar o seguinte:

- O conceito de meio ambiente, diferente de visões que preponderaram no passado, ultrapassa os limites do universo "verde", abarcando o próprio homem e a sociedade humana;

- a natureza jurídica do meio ambiente é, notadamente, de direito difuso, haja vista ostentar como características: a indivisibilidade do objeto e a indeterminação dos sujeitos;

- poder-se-ia identificar, entre outros, como princípios gerais do direito ambiental: o Princípio do Desenvolvimento Sustentável, o Princípio do Poluidor-Pagador ou da Responsabilização, o Princípio da Obrigatoriedade da Ação Estatal, o Princípio do Direito Humano Fundamental, o Princípio do Direito-Dever da Participação Popular (Democrático ou da Participação), o Princípio da Cooperação, o Princípio da Soberania dos Estados, o Princípio da Complexa Educação Ambiental e o Princípio da Ubiquidade;

- com relação ao princípio da precaução, faz-se relevante afirmar existirem duas correntes doutrinárias preponderantes: uma que entende serem ele e o princípio da prevenção princípios idênticos e outra que entende serem ambos princípios distintos;

- para a corrente que entende serem distintos os princípios da precaução e da prevenção, o primeiro destinar-se-ia a evitar a ocorrência de lesão, cujo os danos resultantes seriam desconhecidos ou não previstos, enquanto que o segundo destinar-se-ia a evitar a ocorrência de lesão, cujos danos seriam conhecidos ou devidamente previstos;

- a inclusão inevitável do homem e da sociedade humana na órbita ambiental deixou evidente os seus naturais papéis de integrantes do meio ambiente, da mesma forma que as suas vulnerabilidades ante os desequilíbrios neste provocados, uma vez que, em sendo partes de um todo ambiental, o homem e a sociedade humana sofrem direta ou indiretamente com as suas degradações;

- a vulnerabilidade humana ante os impactos ambientais surgidos propicia uma integração clara entre as temáticas da tutela ambiental e da tutela da saúde, haja vista que os reflexos nocivos da degradação do meio ambiente podem comprometer a saúde e a vida das pessoas;

- é preciso reconhecer que, tendo em mente a equivalência valorativa entre os princípios da precaução e da prevenção, viabilizar-se-ia a sua consideração em duas dimensões: a) havendo ameaça de lesão, cujos reflexos são previsíveis ou conhecidos (situação tradicionalmente associada ao princípio da prevenção); e b) havendo ameaça de lesão, cujos reflexos não são previsíveis ou não são conhecidos (situação comumente associada ao próprio princípio da precaução);

- Por fim, em ambas as dimensões, em obediência ao princípio da obrigatoriedade da ação estatal, ainda que o perigo oriundo da ameaça de dano não seja cientificamente comprovado, deve o Poder Público agir, evitando, assim, a consolidação de desequilíbrio ambiental e de grave prejuízo à saúde humana.

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Sobre o autor
Fernando de Azevedo Alves Brito

Advogado, Escritor, Professor EBTT, área de Direito, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA), Campus Vitória da Conquista. Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidad Nacional de La Plata (UNLP). Mestre em Ciências Ambientais pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Graduado em Direito pela Universidade Tiradentes (UNIT). Professor responsável pela linha de Educação Ambiental no Grupo de Pesquisa Saberes Transdisciplinares (IFBA). Membro da Associação de Professores de Direito Ambiental do Brasil (APRODAB). Autor dos livros "Ação Popular Ambiental: uma abordagem crítica" (1ª e 2ª edições, Nelpa, 2007 e 2010) e "O que é Meio Ambiente? Divagações sobre o seu conceito e a sua classificação" (1ª edição, Honoris Causa, 2010). Autor de diversos artigos nas áreas do Direito Ambiental, da Cidadania e do Meio Ambiente.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRITO, Fernando Azevedo Alves. O princípio da precaução e a sua importância para a tutela do meio ambiente e da saúde. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2788, 18 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18522. Acesso em: 28 mar. 2024.

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