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Resolução CNJ nº 98: afinal, qual o objeto da terceirização?

15/03/2011 às 09:59
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Se a Administração não pode contratar mão de obra por interposta pessoa, sob o regime próprio do contrato administrativo, como viabilizar a prestação de serviços que envolvem a alocação de mão de obra em regime de exclusividade por parte do contratante?

O inc. II do art. 37 da Constituição da República é claro ao impor que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei de livres nomeação e exoneração.

Essa regra constitucional impede a substituição de servidores por prestadores de serviços alocados por meio da celebração de contratos de terceirização. Os cargos e empregos públicos somente podem ser ocupados por servidores, concursados ou nomeados para exercício em comissão, quando assim a lei permitir. Inclusive, no § 2º desse mesmo artigo, o legislador constituinte estabeleceu que a não observância da regra acima implicará a nulidade do ato e a punição da autoridade responsável, nos termos da Lei.

Daí porque, mesmo quando presentes todos os requisitos previstos no art. 3º da CLT para a formação de um contrato de trabalho com a Administração (prestação de serviços de forma habitual, mediante subordinação e remuneração), se a contratação dessa pessoa física ocorreu depois da Constituição de 1988, mas sem a observância do disposto no seu art. 37, inc. II, será nulo o contrato, e ao trabalhador somente será conferido direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário-mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS.

Essa orientação expressa a opinião do Tribunal Superior do Trabalho, consolidado na Súmula nº 363. Aliás, o mesmo TST, em oportunidade anterior, também registrou, por meio da Súmula nº 331, o entendimento de que

a contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, inc. II, da CF/88).

O próprio legislador constituinte tratou de consignar a única hipótese de exceção à regra de acesso aos cargos e empregos públicos, ao dispor, no inc. IX do mesmo art. 37, que "a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;".

Nessa hipótese, a Administração não celebra a contratação de prestação de serviços mediante o regime do contrato administrativo, mas efetiva a contratação de pessoas na qualidade de servidores públicos, porém, sob tempo certo para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público, assim reconhecida em lei.

Tratando-se das contratações por tempo determinado de servidores federais sob o regime estatutário, a Lei nº 8.745/94 estabelece as condições a serem observadas. No caso das contratações de servidores sob o regime celetista, por qualquer ente federativo, a Lei nº 6.019/74 institui o regime da contratação temporária.

Portanto, não se admite a contratação de servidor público sem o atendimento ao disposto no art. 37, incs. II ou IX, da Constituição da República. Mais do que isso, tal qual não se admite a contratação de servidor público, seja sob o regime estatutário ou celetista, sem a prévia realização de concurso público, a nomeação em cargo ou emprego de comissão assim declarado em lei, ou sob o regime temporário, também não se admitem o transpasse e a execução das atividades inerentes a esses cargos e empregos públicos por meio de contratos administrativos de prestação de serviços.

A celebração de contratos de prestação de serviços cujo objeto seja a execução de atividades inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou da entidade contratante, assim definidas no seu plano de cargos e salários, equivaleria à burla à imposição constitucional de que essas atividades sejam executadas por servidores contratados na forma do inc. II do art. 37 ou, excepcionalmente, sob a forma do inc. IX do mesmo artigo.

Justamente por isso, a regulamentação infralegal vigente na Administração Pública federal, voltada a disciplinar as contratações de prestação de serviços, prevê ser manifestamente vedada a inclusão de disposições nos instrumentos contratuais que permitam a caracterização exclusiva do objeto como fornecimento de mão de obra. Esse é o comando que se forma a partir do art. 4º, inc. II, do Decreto nº 2.271/97.

Essa regra reforça não ser dado à Administração Pública celebrar contratos administrativos de prestação de serviços sob o regime jurídico estabelecido pela Lei nº 8.666/93 quando sua pretensão reside pura e simplesmente na obtenção de mão de obra. Para tanto, insiste-se, caberá aos órgãos e às entidades administrativas observar as disposições atinentes à contratação de servidores públicos, especialmente os já citados incs. II e IX do art. 37 da Constituição da República.

No âmbito das relações de direito privado, o TST reconheceu, por meio da Súmula nº 331, que "a contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário". Em que pese o dito acima, de que nessas hipóteses não há a formação do vínculo trabalhista quando o contratante for órgão ou entidade da Administração Pública, na mesma Súmula nº 331, o TST não afastou dos órgãos e das entidades administrativas, inclusive das empresas públicas e das sociedades de economia mista, a responsabilidade subsidiária pelos efeitos do inadimplemento das obrigações trabalhistas atribuídos ao empregador, desde que tenham participado da relação processual e constem também do título executivo judicial.

Dito de forma bem simples, quando um órgão ou uma entidade da Administração Pública celebra sob o regime da Lei nº 8.666/93 um contrato administrativo com uma empresa privada, mas o objeto desse contrato consiste efetivamente, ainda que assim não esteja previsto de forma explícita no instrumento contratual, na disposição de mão de obra para o atendimento de demandas do contratante que deveriam ser atendidas por servidores públicos, mediante a caracterização dos vínculos da habitualidade, da subordinação e da remuneração, não se reconhecerá a formação de vínculo trabalhista entre o trabalhador e a Administração, mas incidirá a responsabilidade subsidiária do tomador desse "serviço" pelo inadimplemento de eventuais obrigações trabalhistas por parte do verdadeiro empregador.

Em vista desse cenário, indaga-se: afinal, qual o objeto da terceirização promovida pela Administração Pública? Se à Administração não é dado contratar mão de obra por interposta pessoa, sob o regime próprio do contrato administrativo, como viabilizar a prestação de serviços que envolvem a alocação de mão de obra em regime de exclusividade por parte do contratante?

A resposta para essa indagação parece residir na compreensão da exata distinção entre a contratação de prestação de serviços e a contratação de mão de obra por interposta pessoa pela Administração Pública.

A contratação legítima de prestação de serviços requer a satisfação de alguns requisitos. Em primeiro lugar, a atividade a ser executada não pode se confundir com as atividades previstas no plano de cargos e salários ou mesmo configurar o exercício da missão institucional da contratante, pois o exercício dessas atividades é reservado exclusivamente a servidores públicos. Além dessa condição, na celebração de um contrato de prestação de serviço, ainda que os trabalhadores da empresa contratada estejam alocados em caráter de dedicação exclusiva à execução do contrato firmado com a Administração, esta não exerce qualquer influência ou ascendência em relação a esse universo de trabalhadores. Não se forma qualquer relação pautada nos vínculos de subordinação, desvio de função ou remuneração entre os trabalhadores da empresa contratada e a Administração contratante. Pelo contrário, a seleção, o treinamento, o direcionamento, o controle e o pagamento dessa mão de obra, bem como a responsabilidade pelos resultados gerados em vista dos requisitos contratuais ficam a cargo exclusivamente da empresa contratada.

Note-se que a celebração de contrato de prestação de serviço requer a formação de um vínculo jurídico obrigacional entre a Administração e a empresa contratada, cujo objeto e demais cláusulas aplicadas a esse ajuste se formem em vista da execução de uma atividade material, acessória e instrumental ou complementar aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou da entidade contratante.

Por seu turno, ao firmar a contratação de mão de obra por interposta pessoa, a Administração reserva para si, ou acaba indevidamente exercendo, prerrogativas incompatíveis com a celebração dos legítimos contratos de prestação de serviços, tais como o exercício do poder de mando sobre os empregados da contratada, o direcionamento da contratação de pessoas para trabalhar nas empresas contratadas, a promoção ou a conivência com o desvio de funções dos trabalhadores da contratada, mediante a utilização destes em atividades distintas daquelas previstas no objeto da contratação e em relação à função específica para a qual o trabalhador foi contratado, a consideração dos trabalhadores da contratada como colaboradores eventuais do próprio órgão ou da própria entidade responsável pela contratação, especialmente para efeitos de remuneração.

Outras condutas que configuram a contratação de mão de obra por interposta pessoa em vez da celebração de autêntico contrato de prestação de serviços ficam caracterizadas pela definição no edital de licitação do quantitativo de mão de obra a ser utilizado na prestação do serviço, em detrimento da adoção de unidade de medida que permita a quantificação dessa mão de obra ou a indicação do número de postos de trabalho a serem providos, pela imposição dos benefícios, ou de seus valores, a serem concedidos pela contratada aos seus empregados, sem amparo em acordo, dissídio ou convenção coletiva, bem como pelo estabelecimento de cláusula contratual impondo à Administração o dever de ressarcir as despesas de hospedagem e transporte dos trabalhadores da contratada designados para realizar serviços em unidades fora da localidade habitual de prestação das atividades.

Perceba-se que, nos ajustes que configuram a contratação de mão de obra por interposta pessoa, o objetivo da Administração não paira diretamente sobre a execução de uma atividade, mas sim na obtenção de pessoas para dirigir-lhes os trabalhos, como se servidores públicos fossem.

Sempre que a Administração firma a contratação de mão de obra por interposta pessoa, ainda que sob o rótulo e a aparência de um ajuste cujo objeto seja a efetiva prestação de serviço, essa contratação viola os limites legais para a terceirização, revelando-se incompatível com a ordem constitucional e os entendimentos dos tribunais superiores, configurando, inclusive ato de improbidade.1

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Acerca da distinção entre contratos de prestação de serviços genuínos e contratações cujo objetivo seja a obtenção de mão de obra por interposta pessoa, bem como sobre os limites a serem observados pela Administração na formação dos primeiros, a Instrução Normativa nº 2/08, da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação, do Ministério do Planejamento, foi muito feliz ao prever, no § 2º de seu art. 6º, que:

O objeto da contratação será definido de forma expressa no edital de licitação e no contrato, exclusivamente como prestação de serviços, sendo vedada a utilização da contratação de serviços para a contratação de mão de obra, conforme dispõe o art. 37, inciso II, da Constituição da República Federativa do Brasil.

Logo, parece possível afirmar, sem qualquer dúvida, ser imprescindível para a configuração de um legítimo contrato de terceirização a não existência de qualquer liame jurídico entre a Administração tomadora do serviço e a mão de obra alocada pela empresa contratada, especialmente no que toca aos traços de subordinação e remuneração dessas pessoas.

É exatamente diante do raciocínio até aqui desenvolvido e da conclusão ora firmada que se critica a Resolução nº 98, do Conselho Nacional de Justiça. Nessa Resolução, o CNJ determinou aos tribunais e conselhos que, quando da contratação de empresas para prestação de serviços contínuos, glosem do valor mensal do contrato e depositem em contas vinculadas, abertas em nome das empresas contratadas, em banco público oficial, os valores das provisões dos encargos trabalhistas relativos a férias e respectivo abono, 13º salário, incidência de encargos sociais (Grupo A) sobre férias e 13º salário e multa do FGTS por dispensa sem justa causa, acrescidos do percentual de lucro cotado na planilha de custos e formação de preços, que acompanha a proposta da empresa.

O fundamento para a adoção dessa medida nos contratos reside em minimizar os efeitos de futura e incerta atribuição de responsabilidade subsidiária aos órgãos do Poder Judiciário, pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte das empresas contratadas para prestarem serviços contínuos, mediante locação de mão de obra, nos termos da jurisprudência dos tribunais trabalhistas.

O instrumento de prevenção adotado pela Resolução CNJ nº 98 é bastante simples. Em vez de promover o pagamento integral do valor devido às empresas prestadoras de serviços, correndo o risco de essas empresas receberem os valores devidos, mas não quitarem suas obrigações, os tribunais e conselhos devem glosar os montantes mencionados e depositá-los em uma conta que funcionará como um verdadeiro fundo de reserva. A liberação dos recursos depositados somente ocorrerá mediante autorização da Administração contratante, exigindo-se, para tanto, a comprovação pelas empresas das efetivas ocorrência e necessidade de promover as respectivas indenizações trabalhistas no curso do contrato.

Em que pese simples, a previsão de um fundo de reserva nos contratos administrativos de prestação de serviços, tal qual previsto na Resolução CNJ nº 98, não encontra amparo legal, devendo ser revista também em função de outras razões.

A primeira razão para se opor a esse procedimento reside no fato de que, como dito, a Lei nº 8.666/93 não assegura à Administração a prerrogativa de impor ao contratado a retenção de valores que lhe são devidos.

Bem se sabe que a Administração tem seus atos regidos pelo princípio da legalidade, não sendo diferente com os tribunais e conselhos do Poder Judiciário quando no exercício de funções administrativas. Sequer se diga que a juridicidade, assim entendida como a legitimidade do ato em vista da integralidade do ordenamento jurídico, autorizaria essa prática, pois, ao adotá-la, estabelece-se medida restritiva de direito.

Ora, a adoção de conta vinculada restringe o direito de a empresa receber e dispor da integralidade dos valores que lhe são devidos por força da prestação do contrato firmado. E lembre-se, segundo a sistemática legal da terceirização de serviços, a Administração não paga valores às empresas a título de provisões para o cumprimento de encargos sociais, mas remunera a empresa pela execução dos serviços, nos termos e moldes do contrato firmado.

Assim, ainda que não exista um diploma legal tratando especificamente da terceirização no âmbito da Administração Pública, o consenso vigente se forma de modo a, em vista da Súmula nº 331/TST e do Decreto nº 2.271/97, somente admitir como terceirização lícita a contratação cujo objeto consista na prestação de um serviço.

A exemplo da Instrução Normativa SLTI nº 2/08, o art. 3º do Decreto nº 2.271/97 é incisivo ao determinar que "o objeto da contratação será definido de forma expressa no edital de licitação e no contrato exclusivamente como prestação de serviços".

Ora, se à Administração somente é dado contratar serviços, e não pessoas, por empresa interposta, deve-se reconhecer que os pagamentos feitos à contratada têm como fundamento a prestação do serviço contratado, e não a remuneração das verbas trabalhistas devidas pela empresa à mão de obra por ela alocada.

Trata-se, portanto, de uma relação contratual, na qual a obrigação da empresa contratada pela Administração deve ser satisfeita pela simples execução da atividade objeto do ajuste. Executado o ajuste, tem a empresa, a princípio, adquirido o direito de receber integralmente o valor exigido em sua proposta e aceito pela Administração no julgamento da licitação.

Atente: o direito a receber a integralidade do valor é da empresa. Por força do contrato administrativo não surge aos seus empregados um direito subjetivo a receber parcelas desse valor. O direito do empregado se forma em vista de outra relação, qual seja, a relação de natureza celetista existente entre a empresa e essa mão de obra.

Por certo que a empresa deve arcar com seus compromissos advindos de lei ou contratos, mas essa é uma questão afeta exclusivamente ao exercício da gestão empresarial. Logo, com base nisso, não se pode entender ou defender que os empregados alocados no contrato de prestação de serviço firmado entre a empresa empregadora e a Administração contratante possuem direito subjetivo a certa parcela dos valores devidos por esta última à primeira.

A Constituição da República assegura os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como fundamentos da República (art. 1º, inc. IV). Além de o valor fundamental consistir na livre iniciativa, reduzindo os atos de intervenção estatal na exploração e no exercício das atividades econômicas ao mínimo indispensável, a Constituição também prevê:

Art. 170 A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)

II - propriedade privada;

(...)

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

Ao assegurar o direito à livre iniciativa e estabelecer que apenas a lei pode restringir esse valor fundamental, não parece possível concluir que uma Resolução possa, de forma cogente e arbitrária, impor a forma como a pessoa jurídica contratada deve administrar os recursos a que faz jus por força dos pagamentos devidos pela execução de seus contratos.

A 2ª Câmara do Tribunal de Contas da União, no Acórdão nº 1.937/2009, determinou ao Banco do Brasil S. A. que incluísse em suas normas específicas a previsão, em seus contratos de terceirização, da obrigação de as empresas contratadas manterem, sob a administração do Banco, um fundo de reserva com depósitos mensais correspondentes aos encargos trabalhistas e previdenciários dos trabalhadores, o qual somente seria liberado para quitação dessas obrigações, aí considerados os valores correspondentes a 13º salário, férias e abono, e indenização compensatória porventura devida (sobre o FGTS), quando da demissão sem justa causa.

Inconformado com essa determinação, o Banco do Brasil S.A. interpôs pedido de reexame objetivando torná-la sem efeito, especialmente pela inexequibilidade da medida atacada, considerando a ausência de previsão legal para ampará-la e a expressividade do aumento de custos que esse controle representaria em vista dos riscos a serem afastados, o que violaria o princípio da eficiência.

O Ministro Relator, em seu Voto, que foi acompanhado pela 2ª Câmara, endossou e adotou como suas razões de decidir as manifestações do Banco e da própria Secretaria de Recursos, tecendo as seguintes ponderações:

Por atender os requisitos de admissibilidade, o pedido de reexame pode ser conhecido.

2. No mérito, o recorrente manifestou sua irresignação com determinações desta Corte para que alterasse suas normas internas relativas a licitações e contratos, de modo a criar as exigências e os procedimentos de controle destinados, em princípio, a assegurar o cumprimento das obrigações previdenciárias e trabalhistas pela empresas contratadas e, com isso, afastar possível responsabilidade solidária do Banco do Brasil por eventual inadimplemento daqueles encargos.

3. Contudo, como expôs o recorrente e conforme bem demonstrou a Serur, cuja manifestação endosso e adoto como minhas razões de decidir, as determinações contestadas ou já são parcialmente contempladas nos regulamentos do Banco, ou são inexequíveis, neste último caso, quer em função da ausência de previsão legal para lastrear a exigência preconizada por esta Corte, quer em razão dos expressivos aumentos de custos que os novos controles aventados representariam em relação aos riscos existentes, o que feriria o princípio da eficiência.

4. Assim, a exigência de que as empresas contratadas mantenham, sob administração do Banco, fundo de reserva com depósitos mensais de encargos previdenciários e trabalhistas: a) não tem amparo na Lei 8.666/1993, que impede a exigência de outra garantia contratual além das previstas naquele diploma legal; b) cria encargos adicionais que serão repassados pelos fornecedores a seus preços, com consequente prejuízo para o BB; c) cria necessidade de estruturação de controles adicionais na estrutura do Banco, com correspondente acréscimo de custos administrativos; d) pode, eventualmente, até mesmo reforçar a responsabilidade subsidiária do Banco que a medida buscava afastar.

Com base nessas razões, no Acórdão nº 4.720/2009, a 2ª Câmara do TCU conheceu o pedido de reexame e deu-lhe provimento, tornando sem efeito o item 1.6.2 do Acórdão nº 1.937/2009 – 2ª Câmara e seus respectivos subitens. Como se pode notar, um dos argumentos responsável pelo provimento do pedido de reexame foi justamente o fato de a criação de um fundo de reserva não ter amparo na Lei nº 8.666/93.

Além de não encontrar fundamento legal, tal qual indicado como razão de decidir no Acórdão nº 4.720/2009 – 2ª Câmara – TCU, as medidas em exame violam a própria economicidade dos contratos administrativos, pois tendem a provocar a elevação dos custos.

Revela-se ingenuidade acreditar que, por conta de o custo ser formado a partir de uma determinada composição de insumos, a qual corresponde em certa medida aos valores a serem retidos na conta vinculada, as empresas não elevarão seus preços. A provável elevação de preços ora cogitada não dá conta de alteração na composição dos custos, mas em decorrência da impossibilidade de as empresas aplicarem os valores retidos no seu capital de giro.

Diga-se, também, que a previsão de uma conta vinculada para o atendimento das finalidades indicadas – reduzir o risco de responsabilização subsidiária dos tribunais e conselhos do Poder Judiciário em face do inadimplemento de obrigações trabalhistas – se fundamenta, em larga medida, na formação de uma presunção de má-fé por parte daqueles que contratam com esses órgãos.

Cria-se a conta vinculada para evitar que as empresas contratadas utilizem esses valores em finalidades diversas da quitação dos direitos de seus empregados, deixando de arcar com essas obrigações e impondo a responsabilização subsidiária à Administração. Com isso, os órgãos do Poder Judiciário pagariam duas vezes, uma à empresa e outra aos trabalhadores.

Acontece que, primeiro, nem toda empresa que recebe a integralidade do valor contratual que lhe é devido deixa de quitar suas obrigações trabalhistas, impondo à Administração os custos da responsabilidade subsidiária trabalhista. E segundo, ao que tudo indica, a adoção dessa medida parte de um pressuposto equivocado, qual seja, acreditar que os valores a serem retidos na conta vinculada são devidos pela Administração aos empregados da empresa contratada. Como dito antes, esses valores são devidos pela Administração à empresa, e esta sim, a partir das receitas que aufere com o exercício de suas atividades, deve arcar com suas obrigações legais e contratuais, tais como o pagamento de tributos, encargos previdenciários e trabalhistas.

Ao obrigar a retenção de valores em quantia suficiente para o pagamento das obrigações trabalhistas, a Administração promove ingerência na gestão das empresas, que, por serem as legítimas proprietárias desses recursos, devem ter reconhecida sua liberdade para deles dispor como bem entender. O pior, a Administração promove essa ingerência presumindo que, se assim não o fizer, as empresas não cumprirão suas obrigações trabalhistas.

Segundo a Constituição da República, "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" (art. 5º, inc. LVII). Esse comando estampa em nossa ordem constitucional a presunção da boa-fé. Mas, no caso em exame, presume-se que todas as empresas agirão de modo ilícito e causarão dano à Administração e, por base nisso, justifica-se a retenção de valores que pertencem às empresas.

Dito de outro modo, presume-se que as empresas agirão com má-fé, deixando de cumprir com obrigações que sequer são exigíveis no momento da retenção. Daí porque a necessidade de acautelar a Administração Pública por meio da glosa desses valores.

A aplicação das disposições contidas na Resolução CNJ nº 98 também pode ser questionada sob o enfoque da eficiência, outro valor constitucional.

Em determinadas situações, o custo para implementar o aparato de controle pode ser mais oneroso se comparado com o potencial prejuízo a ser evitado. Nessa conta devem ser considerados o tempo, a disponibilidade, a especialização necessária dos servidores, bem como outros gastos a serem feitos (custo de manutenção do acordo de cooperação com banco oficial, se existente, por exemplo).

A aplicabilidade das disposições contidas na Resolução CNJ nº 98 também parece encontrar óbice no princípio da reserva do possível. Ainda que exista uma obrigação legal, o que não é o caso, mas considerando que assim fosse, impondo determinada conduta, ninguém pode ser responsabilizado por deixar de atender a esse mandamento se o comportamento exigido revelar-se materialmente impossível.

Bem se sabe que

são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (art. 6º).

Ao Estado cumpre satisfazer essas necessidades/esses direitos de todo cidadão brasileiro. Todavia, não é possível exigir do Estado a responsabilização por mais do que aquilo que consegue prover.

Se até mesmo o direito

à saúde como direito social, deve ser analisado à luz do princípio da reserva do possível, ou seja, os pleitos deduzidos em face do Estado devem ser logicamente razoáveis e, acima de tudo, é necessário que existam condições financeiras para o cumprimento de obrigação (STJ, Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 28962/MG),

conforme manifesta o Superior Tribunal de Justiça, não parece crível ou mesmo razoável afastar a incidência desse princípio em vista da falta de estruturas administrativas capacitadas sob os aspectos qualitativo e/ou quantitativo para o atendimento da referida Resolução.

Daí porque, se os tribunais conseguirem demonstrar limitações que justifiquem a impossibilidade de atendimento e aplicação imediata das disposições contidas na Resolução CNJ nº 98, parece crível afastar a adoção das medidas ali previstas.

Como se vê, são várias as razões que justificam a inadequação da Resolução CNJ nº 98. Ainda que o objetivo seja louvável, afinal, não se discorda da necessidade de preservar o erário da imposição de custos que são, em última análise, devidos pelas empresas contratadas. Contudo, não se pode perder de vista que o exercício da função administrativa, especialmente a celebração dos contratos administrativos, está submetido ao crivo da legalidade.

Diante de todas as razões apontadas, forma-se conclusão no sentido de que, não bastasse a configuração de ato manifestamente desprovido de amparo legal, a violar direitos e garantias constitucionais voltadas a assegurar o livre exercício da iniciativa privada, a imposição de conta vinculada aos licitantes como condição para contratar com os órgãos do Poder Judiciário parte do pressuposto de que a terceirização não retrata a celebração de um contrato de prestação de serviço genuíno, mas consiste, em verdade, na simples alocação de mão de obra, o que, confirmado esse paradigma, contraria a própria licitude da terceirização.


Notas

1 Nesse sentido formam-se as Súmulas nºs 331 e 363 do TST citadas anteriormente, bem como precedentes do Superior Tribunal de Justiça, a exemplo do Recurso Especial nº 772.241/MG: "PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/92. CONTRATAÇÃO DE SERVIDORES SEM REALIZAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO. MANUTENÇÃO DE CONTRATOS DE FORNECIMENTO DE MÃO-DE-OBRA. TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS. VIOLAÇÃO DOS DEVERES DE MORALIDADE E IMPESSOALIDADE. LESÃO À MORALIDADE ADMINISTRATIVA. PENA DE RESSARCIMENTO. DANO EFETIVO. SANÇÕES POLÍTICO-ADMINISTRATIVAS COMPATÍVEIS COM A INFRAÇÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 535, I e II, DO CPC. NÃO CONFIGURADA. (...) 4. O ato de improbidade sub examine se amolda à conduta prevista no art. 11, da Lei 8429/92, revelando autêntica lesão aos princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa, tendo em vista a contratação de funcionários, sem a realização de concurso público, mediante a manutenção de vários contratos de fornecimento de mão-de-obra, via terceirização de serviços, para trabalharem em instituição bancária estadual, com inobservância do art. 37, II, da Constituição Federal (...)".

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Sobre o autor
Ricardo Alexandre Sampaio

Advogado e Consultor jurídico na área de licitações e contratos. Especialista em Direito Administrativo. Diretor técnico da Zênite Informação e Consultoria S.A., Coordenador Editorial das Revistas Zênite de Licitações e Contratos - ILC e de Direito Administrativo e LRF - IDAF. Colaborador da obra: "Lei de Licitações e Contratos Anotada" (6ª ed., 2005, Zênite Editora). Autor de diversos artigos jurídicos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SAMPAIO, Ricardo Alexandre. Resolução CNJ nº 98: afinal, qual o objeto da terceirização?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2813, 15 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18685. Acesso em: 28 mar. 2024.

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