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A manifestação popular no plenário das Câmaras como forma legítima do exercício da democracia

10/05/2011 às 10:11
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Atualmente os parlamentares discutem e votam todas as leis com ampla publicidade. Nem sempre foi assim. As obscuridades e incertezas durante o regime ditatorial somente puderam ser apagadas com a promulgação da Constituição Federal de 1988, tendo em vista que a República Federativa do Brasil foi constituída em um Estado Democrático de Direito, nos termos do seu art. 1º, caput [01] e de seu Preâmbulo.

Corolário do princípio da democracia verificou-se a exigência de uma maior transparência dos atos legislativos e, na mesma esteira, a entrada de qualquer pessoa nas galerias dos plenários das assembleias tornou-se mais que um direito, é uma garantia individual a ser regulamentada pelos Regimentos Internos das respectivas Casas, nos termos dos arts. 27, §3º, 51, III e 52, XII [02] da CF e de disposições contidas nas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas Municipais.

Ao tratar da matéria, o Regimento Interno do Senado, em seu art. 184, caput, permite que qualquer cidadão acompanhe as sessões, porém impõe que o espectador "se conserve em silêncio, sem dar qualquer sinal de aplauso ou reprovação ao que nelas se passar". Dispositivos semelhantes podem ser encontrados em outros Regimentos. Na Assembleia do Paraná, verifica-se a expressão "sem dar sinal de aplauso ou de reprovação ao que se passar na Assembléia [03]". Na Assembleia de São Paulo, "não lhes sendo lícito aplaudir ou reprovar o que se passar no Plenário". [04] No âmbito Municipal, podem ser exemplificados os Regimentos das Câmara de Curitiba, pela expressão "desde que guarde silêncio e respeito" [05]; São Paulo: "É vedado aos espectadores manifestarem-se sobre o que se passar em Plenário" [06]; Rio de Janeiro: "É vedado aos espectadores manifestarem-se sobre o que se passar no Plenário" [07] e Maringá, ao trazer os termos: "mantenham-se em silêncio durante os trabalhos (...) não manifestem apoio ou desaprovação ao que se passar em plenário" [08].

Da leitura dos dispositivos citados, depreende-se que a manutenção da ordem dos trabalhos foi colocada em um patamar capaz de inviabilizar qualquer conduta por parte do espectador, o que resultou na censura. Prática, aliás, reprovável, vez que, a despeito de a democracia ser representativa, não há como se distanciar a participação popular das deliberações políticas. Ademais, não seria um argumento válido, a alegação de que a rigidez dessas disposições se justificasse através do conceito da imunidade parlamentar. Esta é uma prerrogativa que visa assegurar ao legislador o exercício de suas funções legiferantes, por isso possui aplicação quando estes se encontram como sujeitos ativos - não passivos - de opiniões, palavras e votos.

Do mesmo modo, é sabido que o parlamentar optou por carregar os ônus inerentes ao cargo político. Ao mesmo tempo em que possui uma vida privada merecedora de proteção, convive com o conhecimento do público de sua atuação oficial nos interesses do Estado. Quando um deputado ou vereador delibera e vota uma lei, mexe diretamente com a vida de um cidadão ou de uma coletividade e por isso todos possuem o direito de acompanhar e a se manifestar sobre a conduta daqueles que foram por eles escolhidos a legislar. A proibição genérica sobre qualquer tipo de manifestação fere a Constituição, por ser irrazoável e desproporcional ao exercício democrático.

Verifica-se, assim, que os citados dispositivos regimentais dão ensejo a um resultado prático paradoxal, pois os idealizadores dos textos provavelmente se esqueceram que o instinto humano é movido pela linguagem e que esta não se revela somente através da fala, mas também de outras formas de expressão, tais como uma testa franzida, um olhar de lado, o movimento da cabeça, o silêncio, dentre outros.

A melhor solução é buscar atingir o meio termo. Esse trabalho foi realizado com maestria pelos Regimentos Internos da Câmara de Deputados, Câmara Municipal de Londrina [09] e Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro [10]. O primeiro trata a questão das manifestações em plenário da seguinte maneira:

Regimento da Câmara de Deputados

Art. 272. Será permitido a qualquer pessoa, convenientemente trajada e portando crachá de identificação, ingressar e permanecer no edifício principal da Câmara e seus anexos durante o expediente e assistir das galerias às sessões do Plenário e às reuniões das Comissões.

Parágrafo único. Os espectadores ou visitantes que se comportarem de forma inconveniente, a juízo do Presidente da Câmara ou de Comissão, bem como qualquer pessoa que perturbar a ordem em recinto da Casa, serão compelidos a sair, imediatamente, dos edifícios da Câmara.

Da leitura desse dispositivo, verifica-se que o legislador agiu de forma coerente, pois ao mesmo tempo em que respeitou a cláusula pétrea da liberdade de manifestação de pensamento, exposta no inciso IV do art. 5º da CF, coibiu comportamentos inconvenientes e a perturbação da ordem.

Outro exemplo de proporcionalidade legislativa que pode ser citado é o teor do art. 39-A da Lei 9.504/97 [11], inserido pela Lei 12.034/2009, que alterou a Lei das Eleições. No caso, o legislador vedou a chamada "boca de urna" sem impedir que o eleitor se manifestasse individual e silenciosamente no dia das eleições.

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Diante do exposto, deduz-se que é possível coadunar normas que coíbam o abuso da manifestação com o direito do seu exercício, do mesmo modo que fizeram os Regimentos Internos da Câmara de Deputados, de Londrina e da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Outrossim, atesta-se a necessidade de alteração dos Regimentos que ainda não permitem a manifestação popular contida e pacífica, vez que ao exigirem o silêncio e vedarem qualquer tipo de conduta, impõem, na realidade, a indiferença, sendo esta um dos maiores empecilhos à consecução dos valores democráticos pretendidos pelo Poder Constituinte Originário.


Notas

  1. Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...)
  2. Art. 27. O número de Deputados à Assembléia Legislativa corresponderá ao triplo da representação do Estado na Câmara dos Deputados e, atingido o número de trinta e seis, será acrescido de tantos quantos forem os Deputados Federais acima de doze. (...) § 3º - Compete às Assembléias Legislativas dispor sobre seu regimento interno, polícia e serviços administrativos de sua secretaria, e prover os respectivos cargos.
  3. Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados: (...) III - elaborar seu regimento interno;

    Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: (...) XII - elaborar seu regimento interno;

  4. Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado do Paraná, art. 109, caput.
  5. Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, art. 280, caput.
  6. Regimento Interno da Câmara Municipal de Curitiba, art. 40, caput.
  7. Regimento Interno da Câmara Municipal de São Paulo, art. 378, caput.
  8. Regimento Interno da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, art. 381, caput.
  9. Regimento Interno da Câmara Municipal de Maringá, art. 252, II e III.
  10. Regimento Interno da Câmara Municipal de Londrina, art. 271 e parágrafos.
  11. Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, art. 238 e parágrafos.
  12. Art. 39-A.  É permitida, no dia das eleições, a manifestação individual e silenciosa da preferência do eleitor por partido político, coligação ou candidato, revelada exclusivamente pelo uso de bandeiras, broches, dísticos e adesivos. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)
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Sobre o autor
Willian Oguido Ogama

Advogado da Câmara Municipal de Maringá Pós-graduando na Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná (FEMPAR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OGAMA, Willian Oguido. A manifestação popular no plenário das Câmaras como forma legítima do exercício da democracia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2869, 10 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19071. Acesso em: 19 abr. 2024.

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