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O ilícito administrativo de improbidade no direito administrativo disciplinar federal

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1. Introdução.

Pela especificidade da matéria, a improbidade administrativa deve ser estudada separadamente dos demais ilícitos administrativos disciplinares.

A aplicação da legislação que reprime a improbidade, de maneira exagerada e sem a devida cautela de aferição de culpabilidade, tem inclusive provocado uma tendência de entendimento no Poder Judiciário no sentido de que a improbidade somente poderá ser declarada em sede judicial.

A Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992, veio estabelecer critérios para a responsabilização dos agentes públicos que eventualmente pratiquem conduta eivada de improbidade administrativa.

Em relação ao regime disciplinar dos servidores públicos, a Lei de Improbidade Administrativa há que ser tratada como lei especial, posto que a lei geral da disciplina dos servidores federais é a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990.

Representa a Lei nº 8.429 a desejada regulamentação do espaço em branco que havia para os casos de maior gravidade na vida administrativa brasileira.

A Constituição da República de 1988 já indicava o caminho de sua repressão, quando, no caput do artigo 37, elevou à categoria de princípio expresso a moralidade administrativa; e, em seu § 4º, estabeleceu que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Outrora, tinha o nosso ordenamento jurídico, de um lado, as sanções previstas para as infrações administrativas comuns (demissão, suspensão, advertência) e doutro, as sanções criminais para as infrações administrativas que também configurassem crimes contra a Administração.

As sanções criminais previam a privação da liberdade. Eram sem qualquer dúvida as mais fortes, mais ríspidas, acerbas, porém merecidas, para aquele que pratica delitos contra o Estado.

O processo penal, entretanto, é sabidamente de lenta condução, ensejando ao acusado várias vias recursais, inclusive as do recurso especial junto ao STJ e do recurso extraordinário para o STF.

As duas sanções, a penal e a administrativo-disciplinar, sozinhas, não satisfaziam à ânsia da sociedade brasileira por coibir os constantes desvios e malversações de verbas públicas.

A primeira, quase sempre era de difícil e lenta aplicação porque necessita do trânsito em julgado da sentença penal condenatória; e a segunda (ainda que acarrete a demissão do meliante) não punia devidamente o servidor que desfalcava os cofres públicos, haja vista a impossibilidade de se atingir o seu patrimônio.

As leis anteriores, que tentaram reprimir o enriquecimento sem causa em prejuízo do Estado, bem como a ação popular, não surtiram os efeitos necessários.

Segundo o prof. Carlos Frederico Brito dos Santos: "por outro lado, dentre as considerações gerais acerca da LIA cabe ainda apontar os seus avanços em relação à legislação mais conhecida até então, e que trata da ação popular, regulada pela Lei nº 4.717, de 29/06/1965, indubitavelmente de maior espectro que a Lei nº 2.164/57 ("Lei Pitombo-Godói Ilha") e a Lei nº 3.502/58 ("Lei Bilac Pinto"), antecessoras da Lei nº 8.429/92, pela qual foram expressamente revogadas (art. 25) e que tratavam um tanto timidamente do seqüestro e do perdimento de bens por enriquecimento ilícito, por influência ou abuso de cargo ou função pública" (in Improbidade Administrativa, Rio, Forense, 2002, p. 2).

Dentro dessas duas balizas, portanto, existiam ilícitos administrativos que, além de se configurarem em frontais quebras da legalidade, proporcionavam enriquecimento do servidor infrator ou de terceiro interessado e que com isto causava prejuízo e lesão ao erário.

A Lei de Improbidade abriu a oportunidade (dentro do nosso ordenamento jurídico) para que Corregedorias e os órgãos do Ministério Público, das várias esferas políticas, pudessem lutar pela indenidade do patrimônio público.

Tais órgãos devem velar pela aplicação da Lei nº 8.429, de 1992, envidando todo o seu trabalho no sentido de punir o agente público ímprobo e devolver ao status quo ante o patrimônio do Estado.

A idéia central da legislação é reprimir o enriquecimento dos agentes públicos com a utilização irregular do cargo, da função, do mandato ou do emprego público.

Por esta razão, os dispositivos da lei analisada exigem a apresentação de declaração anual de imposto de renda, quer na posse, quer na exoneração, por parte do servidor. Não é o melhor meio de se evitar o desfalque do erário, mas é um forte mecanismo de controle.


2. O Conceito de Improbidade.

O conceito de improbidade é estritamente técnico e não somente gramatical.

Improbidade, gramaticalmente considerada, significa o oposto de probidade. Segundo o Dicionário Aurélio, probidade vem a ser "qualidade de probo; integridade de caráter; honradez, pundonor".

Ora, a improbidade no Direito Administrativo não pode ser identificada com o conceito gramatical.

Improbidade administrativa seria a ação ou omissão desonesta, sem caráter, sem honradez do servidor, porém dirigida ao fim execrando de lesar o erário, lesar o patrimônio do Estado, proporcionando o enriquecimento do próprio servidor ou de terceiros.

Também não podemos identificar a violação do princípio da moralidade com a improbidade administrativa. Se é certo que toda e qualquer ação ou omissão de improbidade é imoral, infringe a moralidade administrativa, a recíproca nem sempre será verdadeira.

Por vezes a violação da moralidade, em níveis de baixa periculosidade ou de efeitos mínimos, não deve ensejar o acionamento direto da Lei nº 8.429, de 1992, porque esta visa à reparação do dano, do locupletamento ilícito, e à preservação dos princípios administrativos com consectários de índole patrimonial ou ao menos a tentativa de lesão ou grave malferimento da função social da administração pública.

Concluindo, a improbidade pode ser considerada a infração à lei ou aos princípios da Administração que geram o enriquecimento do servidor ou de terceiro, ou ainda quando não comprovado tal locupletamento, haja a violação frontal de princípios fundamentais que nos levam a crer que houve ao menos a intenção velada de causar o prejuízo ao erário. Tanto esta parte final é verdade que embora o art. 11 da Lei não cite o desfalque do erário, ordena a aplicação de sanção de até 100(cem) vezes o valor da remuneração do servidor.


3. As hipóteses de enquadramento da conduta ímproba.

Juridicamente, a improbidade está conceituada na lei, que vem atender à vontade constitucional de sua repressão, e pode ser classificada em 3 (três) categorias principais: a) enriquecimento ilícito do servidor; b) lesão ao erário; c) ofensa aos princípios da administração.

ENRIQUECIMENTO ILÍCITO

As condutas mais graves são as que acarretam o enriquecimento irregular do servidor, que se locupleta de bens que caberiam ao Estado e à comunidade.

No art. 9º a Lei de Improbidade elencou as condutas mais execrandas que um agente público pode praticar, incluindo ilícitos de tamanha gravidade que implicam em geral na própria prática de crime.

Como não podemos curar dos crimes no nível da Administração, o que resta para apurar é a responsabilidade administrativa e civil, dentro do Processo Administrativo Disciplinar. As condutas (todas constantes do art. 9º), consistentes em ato de improbidade administrativa com enriquecimento ilícito de agente, obtido com utilização do cargo, mandato, função, emprego ou atividade, estão previstas claramente na L.I.A. Lembre-se, entretanto, que a responsabilidade no direito brasileiro, via de regra, é de índole subjetiva, i.e., é necessário que se comprove a culpa ou a má-fé para que se possa imputar ao servidor a prática de improbidade.

No art. 9º, estabelece a Lei nº 8.429, de 1992, que constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente: receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público (I); - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado (II); - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado (III); - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades (IV); - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem (V); - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei (VI); - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público (VII); - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade (VIII); - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza (IX); - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado (X); - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei (XI); - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei (XII).

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Sempre há de se perquirir acerca da culpabilidade ou não do servidor. Poucos são os casos em que o direito brasileiro estabelece a responsabilidade objetiva. Quando se fala em direito sancionador, é indispensável a verificação do elemento subjetivo da culpa.

LESÃO AO ERÁRIO

Nos casos do artigo 10, o servidor não enriqueceu seu patrimônio com a conduta ilegal, porém com este proceder beneficiou a terceiros. Não auferiu proveito para si, mas o proporcionou a particulares.

É muito importante a repressão expressa a este tipo de improbidade, haja vista que muitas vezes não se conseguirá provar que o servidor amealhou bens para si; entretanto, se terceiro foi beneficiado, incorrerá de igual sorte nas sanções da Lei nº 8.429, de 1992.

É claro que a sanção para a lesão é menor que a sanção para o enriquecimento. Mas o que se deve lembrar é que não se pode deixar de aplicar uma sanção. Eis as condutas que são definidas pela Lei como causadoras de lesão ao erário:

No Art. 10, a LIA fixa que constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e: - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei (I); - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie(II); - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie(III); - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado (IV); - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado(V); - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea(VI); - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie(VII); - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente (VIII); - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento (IX); - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público (X); - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular (XI); - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente(XII); - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades (XIII).

OFENSA AOS PRINCÍPIOS

A última das espécies de condutas consideradas improbidade está no art. 11 da citada Lei, e nos remete a conceitos gerais de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, sendo tipificadas como improbidade, desta estirpe, as seguintes condutas: – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência (I); - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício (II); – revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo (III); – negar publicidade aos atos oficiais (IV); – frustrar a licitude de concurso público (V); – deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo(VI); – revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço (VII).

As sanções para estas ilegalidades são obviamente bem menores.

Não eram estas violações a ratio essendi da lei de improbidade. Sua razão de existir é expulsar do servidor público o ladrão ou aquele que deixa, culposa ou dolosamente, que se lesem os cofres da União.

Todavia, não se provando ou não se configurando o enriquecimento ou a lesão aos cofres públicos, a conduta ímproba deve ainda assim merecer apenação.


4. Conclusão

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Para finalizar, é fundamental para o aplicador do direito ter em mente que as sanções à improbidade se submetem às regras constitucionais e infraconstitucionais de hermenêutica, não prescindindo jamais da verificação do elemento culpa ou dolo, haja vista a teoria da responsabilidade subjetiva.

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Sobre o autor
Fabio Lucas de Albuquerque Lima

Procurador Federal. Advogado . Ex-Coordenador-Geral de Direito Administrativo do Ministério da Previdência Social. Procurador-Chefe da PFE INSS em Sergipe e em Novo Hamburgo/RS. Professor de Direito Administrativo Disciplinar da ESAF (2004/2007).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Fabio Lucas Albuquerque. O ilícito administrativo de improbidade no direito administrativo disciplinar federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2938, 18 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19563. Acesso em: 28 mar. 2024.

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