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O painel do Senado e a urna eletrônica

01/04/2001 às 00:00
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Se, perplexos, assistem os brasileiros à comprovação de que o Painel Eletrônico de Votação do Senado Federal é aberto às mais variadas fraudes e distorções, mais impressionados ainda ficariam se os estudos sobre as falcatruas possíveis na Urna Eletrônica de Votação tivessem a mesma divulgação.


Lembrando que estamos falando aqui das vulnerabilidades, não de um Painel instalado e protegido em local de acesso restrito e que serve a 81 senadores, mas sim de 320 mil máquinas, presentes nos mais distantes rincões brasileiros a algo como 100 milhões de cidadãos votantes, e que, em princípio, espelham sua vontade em confirmar ou despedir aqueles os quais, em seu nome, exercem os cargos de maior poder no País.

À parte da milionária campanha oficial sobre aquela suposta maravilha tecnológica, há mais de cinco anos luta o Engenheiro Amílcar Brunazo Filho para fazer-se ouvir sobre a temeridade que foi a implantação do Voto Eletrônico em nosso País. Inconformado com a precariedade das medidas de segurança tomadas no projeto, esse paulista de Santos inaugurou uma lista de discussão na Internet (www.votoseguro.org), na qual amealhou, ao longo desses anos, especialistas, curiosos e políticos, alguns de peso, como o Senador Roberto Requião, o qual, após entender as denúncias, acolheu-as em Projeto de Lei de sua autoria, pedindo garantias reais ao processo, e não somente a fiança verbal dos programadores do TSE, feita ao melhor estilo "la garantia soy yo".

Grosso modo, os técnicos reunidos pela lista acreditam ser atualmente possíveis: A vinculação do voto ao eleitor, já que se digita o número do Título Eleitoral na mesma máquina em que se toma o voto e em processo contínuo, possibilitando saber-se, posteriormente, a escolha de cada um; O desvio de voto, pois o mesmo é guardado apenas na memória da máquina, podendo o programa ali embutido, por imperfeição, falha ou malícia, encaminhá-lo incorretamente; e, especialmente, a impossibilidade de auditoria do voto, pois inexiste auditagem no chamado meio magnético puro (sem impressão em papel), já que, por definição, seria necessário abranger todas as máquinas, programas e processos pelos quais os dados foram manipulados, o que é tecnicamente impossível, no mínimo pela limitação de tempo.

A tudo isso os experts do TSE respondem com evasivas, impedindo a análise, pelos Partidos Políticos, nos programas de computador que controlam as máquinas, sob o pretexto de Segurança Nacional , ao arrepio da Lei que garante aquele acesso de forma irrestrita, e engavetando todos os processos intentados no sentido de abrir esta verdadeira caixa preta (ou seria melhor chamá-la Caixa de Pandora ?), pois, além de ter orientado os Poderes Legislativo e Executivo nos processos de Definição, Licitação e Compra, é o mesmo TSE que julga os casos relativos às suas próprias Urnas Eletrônicas, tal e qual um pai bondoso julgando um filho travesso.

É provável que jamais, em toda a História da República, nem mesmo em períodos de Exceção, ofendeu-se tanto a estrutura tripartite de poderes, nem, na área da informática, houve tanto relapso com conceitos básicos e consagrados de Sigilo e Segurança de Informações, quanto o que foi feito no Projeto da Urna Eletrônica Brasileira.

Talvez tais experts realmente sejam criaturas geneticamente modificadas, à prova de falhas, geniais e incorruptíveis, como aparentam considerar-se, mas seria importante saber se à Nação interessa fiar-se nesta hipótese, ou se prefere que sejam utilizadas metodologias de controle independentes de confiança pessoal, institucional e mesmo emocional, tais como Normas de Qualidade ISO específicas e auditorias por organismos internacionalmente reconhecidos.

Por tudo isso, não é de se estranhar que as Urnas Eletrônicas Brasileiras não tenham sido adotadas por nenhum governo dos mais de 45 países democráticos, aos quais foram demonstradas, e até cedidas para avaliação, desde 1996.

Se a recente eleição norte-americana, recontando os votos e cobrindo-se de brilho pelo absoluto respeito à suprema vontade do eleitor em quaisquer circunstâncias, já não tinha colocado uma pá de cal no desastrado projeto da Urna Eletrônica Brasileira, certamente o episódio do Painel Eletrônico do Senado pede, ao menos por coerência, uma CPI do Voto Eletrônico no Brasil.

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Sobre o autor
Cláudio Andrade Rêgo

perito judicial em Informática

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RÊGO, Cláudio Andrade. O painel do Senado e a urna eletrônica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 50, 1 abr. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1966. Acesso em: 29 mar. 2024.

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