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Lei n° 10.173/2001: preferência processual aos idosos.

Prioridade absoluta ou pura demagogia?

01/04/2001 às 00:00
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Recentemente entrou em vigor a Lei n° 10.173, de 9 de janeiro de 2001, cuja vinda ao mundo jurídico visou privilegiar – dando prioridade – o andamento dos processos judiciais nos quais figurem como parte pessoas de idade igual ou superior a sessenta e cinco anos.

Tal prioridade, de acordo com a indigitada lei, deverá ser requerida à autoridade judiciária que presida o feito, que determinará ao cartório do juízo as providências a serem cumpridas para o adimplemento do benefício.

Mais, informa o diploma legal que uma vez concedida, a prioridade não cessará pela morte do beneficiado, sendo estendida em favor do cônjuge supérstite, companheiro ou companheira, com união estável, desde que também maior de sessenta e cinco anos.

Esta iniciativa, a priori, constitui relevante novidade, digna dos maiores elogios e hosanas possíveis, justamente por denotar a sensibilidade do legislador pátrio para com os idosos – maiores de 65 anos de idade – que enfrentam, além das seqüelas naturais causadas pela ordem natural da vida e o conseqüente envelhecimento, longas filas de espera perante o Poder Judiciário para poder, finalmente, usufruir os direitos que ilegal e inconstitucionalmente lhe foram usurpados e escarnecidos.

É de extrema utilidade verificar, então, qual o motivo preponderante pelo qual os idosos em geral – não somente os maiores de 65 anos de idade – batem às portas do Poder Judiciário vindicando direitos negados ou surripiados.

Mesmo sem o acesso a qualquer estatística (ao que se saiba inexistente) pode-se afirmar, sem qualquer medo de incorrer em erro ou injustiça, que cerca de 80% (oitenta por cento) dos idosos do país que recorrem ao Poder Judiciário, o fazem para dirimir problemas enfrentados em suas aposentadorias e pensões.

Muito bem, e quem é o grande vilão, o responsável por tantas demandas, reflexos de intermináveis indeferimentos, por pagamentos de benefícios a menor, tudo isto ao arrepio da lei?

Acertou quem escolheu a alternativa referente ao Poder Executivo, representado, ainda que de maneira indireta, v.g. pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) no âmbito federal e, em nível estadual, pelos Institutos de Previdência dos Estados (os IPES).

Dessa forma, chegamos à conclusão de que o próprio Poder Público, responsável direto pela ida maciça dos idosos (maiores de 65 anos de idade) ao Judiciário, busca, através de lei, reparar (ou remediar?) a situação, atribuindo prioridade de tramitação nos processos em que estejam envolvidos como parte os idosos com mais de 65 anos de idade.


Saudável a iniciativa, ótimo o espírito ínsito no diploma legal, mas, e na prática? Como funcionará ou funcionaria a aplicação da lei? De que forma os processos judiciais envolvendo os maiores de 65 anos de idade tramitarão de forma prioritária? Existe tal possibilidade?

A resposta a todas as indagações precedentes é, infelizmente, negativa.

Quem enfrenta a lida forense, longe de gabinetes faustosamente decorados, refrigerados e isolados (ilhados) dos ruídos provenientes das manifestações populares, sabe que inobstante os esforços envidados pelos Tribunais Pátrios, seja em nível federal ou ainda estadual, o Poder Judiciário brasileiro está à beira de um colapso nervoso, prestes a explodir, tal o número – exacerbado – de demandas ajuizadas quotidianamente, sem contar aquelas pendentes de julgamento.

Repetindo o anteriormente mencionado, o número excessivo de demandas deve ser atribuído justamente à irresponsabilidade e aos desatinos do Poder Público, representado pelo INSS, IPES (nos Estados), Caixa Econômica Federal (CEF) no que pertine aos expurgos (tungas) praticados nas contas vinculadas do FGTS do trabalhador brasileiro, União Federal quanto aos vencimentos dos seus servidores públicos (vide o caso dos 28,86%), ativos e inativos.

Portanto, de modo a mascarar a caótica situação e "satisfazer" à população maior de 65 anos de idade (os idosos), o Poder Público (leia-se PODER EXECUTIVO), responsável por tal estado de coisas, tenta dissimular as evidências culposas, oferecendo pseudomostras de sensibilidade, o que ingenuamente poderia ser interpretado como boa intenção.

Mas não é! Se fossem boas as intenções do Poder Executivo (lato sensu porque aí incluídas, além da administração direta, também as autarquias e empresas públicas), campeão de demandas contra si perante o foro em geral no Brasil, a responsabilidade pela tramitação prioritária dos processos judiciais envolvendo idosos (com mais de 65 anos de idade) não estaria sendo empurrada ao Poder Judiciário e aos Advogados, a quem evidentemente vai recair toda a cobrança dos cidadãos enquadrados no diploma em foco.

É fácil jogar a responsabilidade pelo cumprimento da lei ao Poder Judiciário, abarrotado de processos envolvendo descalabros provenientes de atos administrativos ilegais e inconstitucionais, atos estes repetidos às centenas e milhares, bem como fácil parece ser delegar tal missão ao Advogado, que deverá peitar o Judiciário e exigir, acima das condições que realmente oferece a estrutura judiciária atual, o pronto adimplemento da prioridade de tramitação conquistada.

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Difícil é o Poder Público assumir os próprios erros e agir de acordo com os ditames legais e constitucionais, bem como impossível é a ocorrência de real intenção de agilizar a tramitação dos processos judiciais envolvendo idosos como mais de 65 anos de idade, o que poderia ser representado por outros atos, estes sim dignos de boa intenção e livre da pecha demagógica.

A título de exemplo, se houvesse real intenção na agilização do trâmite dos processos judiciais envolvendo idosos (com mais de 65 anos de idade), a lei em referência poderia tornar normal o prazo concedido ao Poder Público em geral para apresentar defesa (contestação) nos feitos em que é demandado.

Aos leigos e neófitos, cumpre referir que o prazo atribuído ao Poder Público para contestar um feito judicial é quatro (4) vezes maior do que aquele concedido aos mortais. Portanto, em se tratando de prazo comum para contestação (em geral 15 dias), o prazo do Poder Público é de 60 (sessenta) dias!

Ainda, digno de nota é o prazo para apresentação de recursos em geral, que para os mortais (dentre eles os idosos com mais de 65 anos) é de 15 dias (em geral), para o Poder Público é dobrado (nesses casos chega-se aos 30 dias)!

Porque não abrir mão (no caso o Poder Público) desses prazo privilegiadíssimos e, portanto, odiosos? Porque não tornar o prazo, nesses casos (processo envolvendo maiores de 65 anos), igual para ambas as partes? Tal ato não tornaria mais célere o andamento do processo? Claro que sim!

Ainda, por derradeiro, de modo a demonstrar a intenção meramente demagógica da lei em apreço, a par dos elementos acima dissecados, falemos então da principal causa da demora excessiva de tramitação dos processos em geral movidos contra o Poder Público, que como visto é o principal alvo das ações envolvendo idosos com mais de 65 anos de idade: o precatório.

Tal instrumento, o precatório, representa o modo de pagamento do Poder Público em causas nas quais for demandado e vencido, e disto restar condenação ao pagamento de valores em espécie.

Pois bem, recentemente, por intermédio da Emenda Constitucional n° 30/2000, houve alteração quanto a prazos de pagamento (calotes) e, ainda, estabelecida a isenção de precatório quando o débito do Poder Público enquadrar-se no conceito de pequeno valor. Em outras palavras, pequenos débitos do Poder Público devem ser pagos, ao final do processo, independentemente da expedição de precatório. Mais uma vez repete-se a prática demagógica, tendo em vista que a ocasião poderia ter sido aproveitada para, no caso dos idosos maiores de 65 anos de idade ocorrer, independentemente do valor (pequeno ou grande), o pagamento dos valores devidos pelo Poder Público sem precatório, o que, em média, abreviaria a tramitação do feito em aproximadamente dois (2) anos.

Diante do acima exposto, conclui-se que se o espírito da Lei n° 10.173/01 é benéfico, porém, de concreto, nenhuma providência prática resta para efetivamente beneficiar aos idosos com mais de 65 anos de idade, motivo pelo qual a única conclusão possível consiste em atribuir-lhe o caráter de evidente demagogia e proselitismo político, o que é lamentável e nada exemplar.

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Sobre o autor
Décio Scaravaglioni

advogado em Porto Alegre, especialista em direito previdenciário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCARAVAGLIONI, Décio. Lei n° 10.173/2001: preferência processual aos idosos.: Prioridade absoluta ou pura demagogia?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 50, 1 abr. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1990. Acesso em: 29 mar. 2024.

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