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Leonel Brizola: um perfil biográfico

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O artigo intenta realizar um perfil biográfico do líder trabalhista Leonel de Moura Brizola, abordando os principais fatos da sua carreira política ao longo de toda a duração da sua vida pública.

Resumo: O artigo intenta realizar um perfil biográfico do líder trabalhista Leonel de Moura Brizola, abordando os principais fatos da sua carreira política ao longo de toda a duração da sua vida pública, iniciada em 1947 e encerrada só com sua morte em junho de 2004. Sua trajetória se confunde com a própria história política do Brasil no século XX, e o artigo abordará o início de sua vida pública, com sua eleição para deputado estadual pelo então recém criado Partido Trabalhista Brasileiro do Rio Grande do Sul (PTB/RS), sua tentativa frustrada de eleger-se prefeito de Porto Alegre em 1951, sua eleição para deputado federal pelo PTB/RS em 1954, o pleito para a prefeitura de Porto Alegre em 1955, do qual saiu vitorioso, a eleição para Governador do RS em 1958. Relativamente à administração estadual gaúcha, que durou do início de 1959 ao início de 1963, merecem destaque as encampações das empresas multinacionais norte americanas dos setores da telefonia (a International Telephone and Telegraph, ITT) e da energia elétrica (a Bond and Share, empresa da American Foreign Power, AMFORP), a construção das seis mil escolas, a bem sucedida reforma agrária estadual efetivada nesse quadriênio, com a desapropriação e a colonização das regiões da Fazenda Sarandi e do Banhado do Colégio, a instalação da Refinaria Alberto Pasqualini, o movimento pela Legalidade entre outros aspectos relevantes. Posteriormente, analisa-se sua eleição para deputado federal pelo PTB da Guanabara (PTB/GB), em outubro de 1962, sua atuação parlamentar entre o início de 1963 até o golpe militar de 1º/4/1964. Depois, é examinado o período de quinze anos de exílio no Uruguai, até a anistia de setembro de 1979, o retorno ao Brasil, a perda da sigla do antigo PTB para Ivete Vargas, o pleito para o Governo do Estado Rio de Janeiro (RJ) em novembro de 1982, a tentativa de fraude da Proconsult, a primeira administração no RJ, a reação ao Plano Cruzado em 1986, a eleição presidencial de 1989, a segunda eleição para o Governo do RJ em 1990, o relacionamento com Collor e a posterior decadência política, com a fragorosa derrota na eleição presidencial de 1994, a candidatura a vice-presidente na chapa de Lula em 1998 e, finalmente, os malogros das candidaturas a prefeito do Rio em 2000 e a senador em 2002, passando pelo apoio a Ciro Gomes na eleição presidencial de 2002.

Sumário: 1- Informações Iniciais; 2 – Primeira eleição como deputado estadual em 1947 e o período entre 1951 e 1958; 3 – No Governo do RS (1958/1962); 4 – Mandato como deputado federal entre 1963 e março de 1964; 5 – Exílio (1964/1979); 6 – Trajetória política após o exílio (1979/2004); 7– Considerações Finais; 8 – Referências bibliográficas; 9 – Filmografia.


1 – Informações iniciais:

Brizola nasceu em 22/1/1922, no distrito de Cruzinha, município de Carazinho, norte do RS. Era filho de camponeses, sendo que seu pai foi assassinado no período imediatamente posterior à assinatura do armistício que encerrou a guerra civil gaúcha de 1923. Brizola tinha apenas dois anos quando seu pai foi trucidado. Menino pobre, mais novo entre seus irmãos, Brizola foi o único que teve oportunidade de estudar. Ainda quando criança, Brizola residiu algum tempo com um casal de pregadores protestantes que teve influência decisiva em sua vida. Depois que esse casal foi embora de Carazinho, o menino conseguiu, com a ajuda do prefeito local, ir para Porto Alegre para estudar. Na capital foi engraxate, ascensorista, técnico em jardinagem, operário, até que conseguiu, após cursar o secundário, ingressar no curso de Engenharia da Universidade Federal do RS, graduando-se em 1949, com 27 anos.


2 – Primeira eleição como deputado estadual em 1947 e o período entre 1951 e 1958:

Em 1947, Brizola elegeu-se deputado estadual pelo antigo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), agremiação partidária que ajudou a fundar em 1945. Tornou-se líder da bancada trabalhista na Assembléia Legislativa gaúcha e destacou-se pela capacidade de liderança. Em 1951 foi candidato a prefeito de Porto Alegre, tendo sido derrotado por ínfima diferença por seu adversário Ildo Meneghetti, do Partido Social Democrático (PSD). Em 1952, foi convidado a participar do Secretariado do então Governador Ernesto Dornelles, ocupando a Secretaria de Obras do Governo gaúcho até 1954, ocasião em que empreendeu um vasto programa de obras públicas. Nas eleições de 1954 elegeu-se deputado federal e, no ano seguinte, venceu o pleito para a prefeitura de Porto Alegre. Segundo o verbete referente a Brizola que consta do Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro da Fundação Getúlio Vargas (DHBB/FGV), versão on line, como Prefeito de Porto Alegre, Brizola priorizou o "atendimento de reivindicações das classes trabalhadoras, como saneamento básico, criação de escolas primárias e melhoria dos transportes coletivos". Além disso, a mesma fonte registra que "Um dos pontos mais enfatizados de sua administração foi a criação de grupos escolares municipais em toda a área urbana, principalmente nas vilas populares". A boa administração efetuada na prefeitura da capital do RS credenciou Brizola a concorrer ao Governo gaúcho em 1958, ocasião em que venceu o pleito com ampla maioria, derrotando o candidato conservador da coligação UDN/PSD Walter Peracchi Barcelos.


3 - No Governo do RS (1958/1962):

Como Governador do RS, Brizola tomou medidas administrativas e políticas que o projetaram no cenário nacional e internacional. Dentre as principais, pode-se destacar as seguintes:

- encampações das empresas multinacionais norte – americanas dos setores de telefonia e de energia elétrica, respectivamente, a International Telephone and Telegraph (ITT) e a Bond and Share, empresa da American Foreign Power (AMFORP);

- a criação da Caixa Econômica Estadual;

- a construção de cerca de seis mil escolas, muitas delas na área rural;

- a criação do Banco Regional de Desenvolvimento Econômico (BRDE), em conjunto com os governos do Paraná e Santa Catarina, com a finalidade de dar assistência creditícia às pequenas e às médias empresas, ao setor agropastoril e ao setor de transformação de matérias-primas locais;

- a construção da refinaria Alberto Pasqualini ;

- a criação da empresa Aços Finos Piratini;

- a construção de usinas termelétricas;

- a realização de obras conhecidas como "estradas da produção", ligando os portos de Rio Grande e de Porto Alegre;

- a efetivação da reforma agrária, por meio da criação do Instituto Estadual de Reforma Agrária do RS, a desapropriação das áreas da Fazenda Sarandi e do Banhado do Colégio, para, após o parcelamento das terras, entregar os títulos de propriedade das pequenas propriedades aos camponeses sem terra, além da organização do movimento dos trabalhadores sem terra, o movimento MASTER, entre outras providências.

De todo esse elenco de medidas, as que tiveram maior repercussão, inclusive internacional, foram as encampações das empresas multinacionais estadunidenses concessionárias de serviços públicos dos setores da energia elétrica e da telefonia. As empresas não faziam a manutenção adequada dos equipamentos utilizados na prestação dos serviços, nem tampouco investiam na melhoria dos serviços prestados à população, constituindo, a atuação de ambas as empresas, em verdadeiros obstáculos ao desenvolvimento econômico gaúcho. As aludidas medidas representaram um abalo nas relações do Brasil com os Estados Unidos, tendo sido um dos principais temas discutidos quando da visita do Presidente Goulart a Washington em 1962, ocasião em que este assunto foi abordado nos encontros entre os Presidentes Kennedy e Jango. Ambas as encampações contaram com a anuência do Poder Judiciário, tendo sido feitas com amparo legal e jurídico. A título de esclarecimento, a encampação é uma das modalidades de extinção do contrato de concessão de serviços públicos, no caso em tela, serviços de energia elétrica e de comunicações, pela qual o poder concedente (o Estado) retoma a execução do serviço até então prestado pela concessionária, que é a empresa privada contratada para executar o serviço, durante o prazo da concessão.

No período da sua administração no RS, houve, em agosto de 1961, o importante movimento pela Legalidade, o qual defendeu a posse do Vice-Presidente Jango quando da renúncia de Jânio Quadros. Os Ministros militares de Quadros não aceitavam a posse de Goulart, e ameaçavam prendê-lo caso desembarcasse em território nacional. Brizola liderou uma resistência cívica e militar pela posse de Goulart tendo, inclusive, obtido a adesão do 3º Exército, dividindo, assim, o Exército brasileiro. Convém lembrar que foi ordenado o bombardeio do Palácio Piratini pelo Ministério da Guerra, a ser realizado por aviões da FAB localizados na Base Aérea de Canoas, o que poderia ter redundado na morte de milhares de civis inocentes que estavam nas imediações do Palácio. Esses milhares de vidas foram salvas devido à ação dos sargentos da Aeronáutica, os quais esvaziaram os pneus das aeronaves, impedindo-as de decolar.


4 – Mandato como deputado federal entre 1963 e março de 1964:

Nas eleições de 1962, as quais se caracterizaram pelo maciço investimento norte americano no financiamento da campanha de candidatos da direita, principalmente da UDN, Brizola obteve uma significativa vitória, tendo uma votação expressiva de 269 mil votos na Guanabara, num eleitorado de cerca de 1 milhão de eleitores. A atuação parlamentar de Brizola foi extremamente ativa nesse período. Foi uma época de intensa radicalização política, na qual as agremiações partidárias perderam representatividade e os parlamentares do Congresso Nacional passaram a atuar em Frentes Parlamentares, dentre as quais destacava-se a de esquerda, a Frente Parlamentar Nacionalista, da qual Brizola era um dos principais líderes. As principais teses defendidas pela esquerda parlamentar brasileira na 1ª metade dos anos 60 eram atinentes à realização da reforma agrária, mediante a repartição dos latifúndios em propriedades menores, a extensão da legislação trabalhista relativa aos trabalhadores urbanos aos trabalhadores rurais (benefícios tais como férias, décimo terceiro salário, repouso semanal remunerado, aviso prévio etc), controle da remessa de lucros das empresas multinacionais, participação do Estado nas atividades dos setores econômicos considerados estratégicos, nacionalização das empresas particulares concessionárias de serviços públicos, defesa da democratização da propriedade rural, controle dos preços dos aluguéis entre outros pontos, os quais integravam as denominadas reformas de base, as quais tinham por finalidade melhorar os indicadores sociais brasileiros, principalmente a distribuição da renda nacional.

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Um episódio de extrema importância no contexto político brasileiro deste período foi o restabelecimento do presidencialismo como sistema de governo, por meio da realização do plebiscito de 6/1/1963, o qual restabeleceu os plenos poderes do presidente Goulart, após o interregno parlamentarista de setembro de 1961 a dezembro de 1962. Jango procurava governar com o suporte dos setores progressistas do PSD, do PTB, inclusive do grupo Compacto, e demais legendas partidárias de esquerda, tais como o PSB entre outras. A aliança política que sustentava Jango era heterogênea e, assim como o populismo que a respaldava, era constituída por distintos segmentos sociais, principalmente proprietários rurais moderados integrantes do PSD, os trabalhadores urbanos representados pelos sindicatos que estavam sob a influência do PTB e do Ministério do Trabalho, e a parte nacionalista da burguesia industrial brasileira. Na medida em que o PTB foi ampliando sua influência no meio rural e vencendo as eleições de 62 nas áreas do interior do Brasil, principalmente em decorrência da campanha de sindicalização rural do Governo Jango, este foi perdendo o apoio do PSD, cujos membros temiam a efetivação da reforma agrária e a extensão dos direitos trabalhistas da CLT aos trabalhadores do campo. Com a proposta de mudança da Constituição de 46 de modo a permitir a desapropriação de terras improdutivas mediante o pagamento da indenização em títulos da dívida pública com prazo de 20 anos, em vez de a indenização ser prévia e em espécie, Jango deixou de ter o suporte dos setores moderados do patronato rural, componentes do PSD. Nesse contexto, houve o esfacelamento da aliança PTB/PSD, a derrocada e a deposição do Presidente Goulart. Pode-se inferir desse quadro que Jango governava com o respaldo social da parte moderada do patronato rural, da parcela nacionalista da burguesia industrial e dos proletariados urbano e rural, ou seja, sua base social era policlassista. Na medida em que foi perdendo respaldo nas classes proprietárias, no empresariado e no Congresso, no qual as parcelas majoritárias do PSD e da UDN, unidas, inviabilizavam a aprovação parlamentar das reformas de base, Jango, no início de 64, volta-se completamente para a esquerda, representada, principalmente, pela Frente Parlamentar Nacionalista e pelo Grupo Compacto do PTB, dos quais um dos principais líderes era Brizola. Esses setores esquerdistas acusavam Goulart de fazer um Governo de conciliação de classes e de contemporizar de modo excessivo com as pretensões das classes dominantes. Nesse período, Brizola exerceu uma pressão de extrema intensidade sobre Jango, tentando fazer com que este governasse de modo a atender, de modo preferencial, às reivindicações dos setores populares, em detrimento dos interesses das classes dirigentes, chegando ao ponto de reivindicar sua nomeação para Ministro da Fazenda. A atmosfera de radicalização, polarização e desconfiança fazia com que tanto os setores da direita quanto da esquerda se mobilizassem tentando se preparar para a eventualidade de uma guerra civil. Os fazendeiros conservadores se armavam, Lacerda, Ademar de Barros e Magalhães Pinto conspiravam abertamente; Brizola, por sua vez, organizava os grupos de 11 companheiros para enfrentar uma hipotética tentativa de golpe da direita, enquanto Jango dizia confiar na eficácia do seu dispositivo militar, comandado pelo General Assis Brasil. Os fatos provaram que era a direita que efetivamente havia se preparado militarmente, tendo em vista que nem os grupos de 11 de Brizola, nem o dispositivo militar de Jango dispararam um só tiro. É relevante destacar o apoio norte americano ao golpe de 64, concretizado pela operação Brother Sam, e que consistiu no deslocamento de navios de guerra dos EUA para a costa brasileira.


5 – Exílio (1964/1979):

Brizola permaneceu no Brasil até meados do mês de maio de 1964, tendo saído do país disfarçado de soldado da Brigada Militar gaúcha, tendo sido resgatado de avião numa praia próxima a Porto Alegre. No período inicial do exílio, Brizola articulou junto com Flávio Tavares e antigos sargentos o desencadeamento de uma insurreição armada no Brasil com o objetivo de destituir o governo ditatorial implantado em 1964. Seria uma guerrilha baseada na teoria do foco guerrilheiro de Regis Debray, pela qual a revolução seria desencadeada por um foco da guerrilha situado no interior do país, na área rural. Para financiar essa guerrilha, Brizola contou com recursos oriundos de Cuba e Fidel Castro, e fez uso regular desses recursos, conforme destacou Márcio Moreira Alves em seu livro "68 mudou o mundo", editado em 1993 pela editora carioca Nova Fronteira, na página 43, na qual o referido autor declara que a acusação feita pela direita a Brizola de que teria se apropriado de recursos cubanos destinados ao financiamento da guerrilha é falsa, e que o que absolve Brizola dessa vil e injusta acusação é nada menos do que um telegrama da Central Inteligence Agency, a CIA, o serviço secreto americano. Tais recursos foram direcionados para o financiamento da guerrilha da serra do Caparaó, localizada na divisa entre Minas Gerais e Espírito Santo, a qual foi mal sucedida e malogrou. Após esse episódio, Brizola praticamente abandonou a conspiração contra o regime e passou a se dedicar às atividades de produtor rural em sua fazenda na região de Durazno. Até setembro de 1977, Brizola não se envolveria em articulações políticas, vivendo entre a referida fazenda e o balneário uruguaio de Atlântida, onde viveu internado, a pedido do Governo brasileiro, o qual o vigiava constantemente de perto. O serviço diplomático brasileiro no Uruguai, a serviço da autocracia castrense, monitorava constantemente os deslocamentos de Brizola no país vizinho.

Em setembro de 1977, o Governo Uruguaio, a pedido da ditadura militar brasileira, ordenou que Brizola saísse do Uruguai com a família em poucos dias.O que ocorreu foi que setores da linha dura das Forças Armadas, de extrema direita, já planejavam um golpe de Estado contra Geisel, golpe este que seria perpetrado pelo então Ministro do Exército, General Sílvio Frota. Com efeito, em 12 de outubro de 1977, Geisel exonerou Frota e executou um exitoso contragolpe, derrotando Frota e a linha dura. O receio de Frota em relação a Brizola tinha como justificativa a resistência da campanha da Legalidade liderada por Brizola em agosto de 1961, a qual frustrou o plano dos ministros militares de Jânio de impedir a posse de Jango na Presidência da República. Sem alternativas e com a finalidade de testar a política de direitos humanos propalada pelo então Presidente americano Carter, Brizola pede asilo político na embaixada dos Estados Unidos e é atendido. Sem querer, a ditadura militar nacional lançou Brizola novamente na política. Após isso, Brizola vai morar em Nova Iorque, onde reside por cerca de sete meses para, depois, se transferir para Lisboa, onde é acolhido por Mário Soares. Em junho de 1979, Brizola organiza em Lisboa o encontro dos trabalhistas no exílio, na tentativa de rearticular o antigo PTB. No final de agosto de 1979, o General Figueiredo sanciona a lei da anistia e Brizola retorna ao Brasil em 7/9/1979, desembarcando em Foz do Iguaçu. O Brizola que desembarca depois da anistia está mais amadurecido e com o ideário político extremamente influenciado pela social democracia européia, com cujos líderes havia convivido durante o seu exílio europeu. Nessa época, Brizola batizou o socialismo democrático que propugnava de "socialismo moreno".


6 – Trajetória política após o exílio (1979/2004):

Inicialmente, a questão mais relevante com a qual Brizola se deparou ao retornar ao país foi a disputa judicial pela legenda do antigo PTB. Segundo Schmitt (2000), cerca de um terço dos parlamentares da antiga legenda trabalhista aderiram à ARENA, a Aliança Renovadora Nacional, agremiação de sustentação do regime discricionário, enquanto dois terços aderiram ao Movimento Democrático Brasileiro, o MDB, partido de oposição aos militares, denominado por Brizola de oposição consentida. Pode-se considerar que os membros fisiológicos aderiram à ARENA, e os ideológicos aderiram à oposição. A disputa pela sigla na Justiça Eleitoral, entre Ivete Vargas e Brizola, terminou com a vitória da política de São Paulo, sendo que a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acabou por coincidir com os desejos do General Golbery do Couto e Silva, que não queria que a sigla do PTB ficasse com o político gaúcho. Após a perda da sigla do antigo PTB, Brizola e seus correligionários fundaram o Partido Democrático Trabalhista, o PDT.

Foram marcadas para novembro de 1982 as eleições diretas para escolher os Governadores dos Estados. O regime militar impôs uma série de restrições visando a enfraquecer a oposição, em decorrência da divisão do MDB em diferentes agremiações, e a fortalecer o partido do Governo, que continuou unificado numa única legenda. Dentre essas restrições, também denominados de casuísmos, estavam o voto vinculado, pelo qual o eleitor era obrigado a votar em candidatos de um mesmo partido para todos os cargos (de Deputado Estadual até Governador e Senador), a limitação da propaganda política dos candidatos à leitura de seus dados pessoais etc, embora tenha sido permitida a realização de debates entre os candidatos, o qual foi um importante fator para o triunfo de Brizola, a despeito da tentativa de fraude patrocinada pela Rede Globo de televisão. A fraude se deu através de três mecanismos principais: votos em branco foram adulterados e atribuídos ao candidato do regime militar, Moreira Franco; a apuração da Rede Globo, que se sobrepunha à própria apuração oficial da Justiça Eleitoral, e que divulgava os resultados do interior do Estado, onde Brizola era mais fraco, antes dos resultados eleitorais da Baixada Fluminense e dos bairros populares da capital (deveria ocorrer o contrário, tendo em vista a proximidade da Baixada Fluminense e dos referidos bairros populares e a distância bem maior das cidades do interior do Estado) e a fraude no programa de informática da totalização eletrônica dos votos da empresa contratada pela Justiça Eleitoral, a famosa PROCONSULT. Brizola convocou uma entrevista coletiva com a imprensa estrangeira, denunciou a fraude da Globo e, a partir daí, a verdade eleitoral passou a prevalecer, e a vitória de Brizola foi proclamada.

A primeira administração de Brizola no RJ durou de 1983 a 1987, e caracterizou-se pela prioridade conferida à educação, por meio da construção das escolas de tempo integral, os Centros Integrados de Educação Pública, os CIEPS, e ao transporte coletivo público, relativamente ao qual o Governo do Estado modernizou a CTC, a Companhia de Transporte Coletivo, empresa pública de transporte, tendo instituído as primeiras linhas de ônibus fazendo a ligação direta entre os subúrbios distantes e as praias da Zona Sul. Houve, também, o episódio da encampação das empresas de ônibus. A prioridade absoluta do seu Governo foi a educação em tempo integral, a qual considerava a redenção do povo. A finalidade era retirar as crianças pobres das ruas, onde estavam vulneráveis a ingressar na marginalidade, e deixá-las estudando o dia inteiro, de modo a obterem boa educação para ter melhores oportunidades na vida no futuro. Nos CIEPS as crianças tinham café da manhã, almoço e lanche, entravam às oito da manhã e saíam às cinco da tarde. A escola, no caso, supria as carências que as crianças pobres tinham, na medida em que muitas delas não tinham acesso a uma boa alimentação. Além disso, as crianças tinham, na escola, assistência médica gratuita, além de fazerem os deveres de casa na própria escola à tarde, nos estudos dirigidos, nos quais eram ajudadas pelos professores.

Parte da primeira gestão de Brizola ocorreu no Governo Figueiredo e parte no Governo Sarney. Outros episódios importantes que ocorreram no lapso temporal da primeira administração brizolista fluminense foram a campanha das Diretas já, a qual teve ativa participação de Brizola, em 1984, ano em que foi construído o Sambódromo, o qual foi projetado para ser a maior escola pública do mundo, com capacidade para cinco mil alunos, tendo em vista que os camarotes podiam se transformar em salas de aula durante o período do ano que não fosse o período do carnaval; a eleição de Tancredo Neves para Presidente, em abril de 1985, tendo o PDT votado a favor de Tancredo no colégio eleitoral; o lançamento do Plano Cruzado, em fevereiro de 1986, ao qual Brizola se opôs desde o início. Uma posição polêmica defendida por Brizola depois da rejeição da emenda constitucional das diretas foi a prorrogação do mandato do General Figueiredo por um ano, até 1986, após o que haveria a eleição direta para Presidente da República, a qual não ocorria desde outubro de 1960. Brizola foi acusado de tentar obter proveito político desta situação; entretanto, se tal tese tivesse prevalecido, a eleição direta para Presidente teria ocorrido em novembro de 1986, e não em novembro de 1989, três anos depois.

Com referência ao pleito presidencial de 1989, Brizola foi desclassificado do segundo turno, tendo perdido a segunda vaga pela ínfima diferença de cerca de 400 mil votos, cerca de 0,5% do eleitorado. A despeito de haver vencido o primeiro turno da eleição presidencial de 89 nos Estados do Rio Grande do Sul (com cerca de 60% dos votos válidos), do Rio de Janeiro (com mais de 50% dos votos válidos) e em Santa Catarina, Brizola foi derrotado nacionalmente. A causa mais importante da derrota de Brizola em 89 foi o fraco desempenho em São Paulo e Minas Gerais, os dois maiores colégios eleitorais do Brasil, onde obteve, respectivamente, cerca de 1,5% e 4% dos votos válidos. No segundo turno, Brizola apoiou Lula e conseguiu transferir ao candidato do PT a votação maciça que obteve no primeiro escrutínio no RS e no RJ. As expressivas votações que Brizola obteve nos dois Estados que governou, vencendo o primeiro turno nessas duas unidades da Federação com mais da metade dos votos válidos, reflete as boas administrações brizolistas nestes Estados até 89, as quais representam a aprovação popular das duas gestões e o reconhecimento do povo pelo bom trabalho executado por Brizola, o qual é o único brasileiro que foi Governador de dois Estados diferentes.

Em 1990 Brizola se elegeu, pela segunda vez, Governador do Estado do RJ no 1º turno, recebendo mais da metade dos votos válidos. Iniciou sua gestão em março de 1991, e procurou logo estabelecer um relacionamento institucional com o Presidente Collor, visando travar uma relação de colaboração e cooperação com o Governo Federal, em prol do interesse público e em benefício da população fluminense. Brizola, então, foi acusado pela direita e outros adversários de estar renegando seu passado político em troca de recursos federais para seu Governo. O fato concreto é que tal relação de cooperação entre as administrações federal e estadual rendeu bons frutos, tais como a construção do viaduto da Linha Vermelha, ligando o aeroporto do Galeão à zona sul da cidade e a exitosa realização da Conferência Internacional da ONU sobre meio-ambiente, a ECO 92, que reuniu chefes de Estado do mundo inteiro no Rio de Janeiro. Porém, a decadência política de Brizola iniciou-se durante o Governo Collor. Quando houve a eclosão da crise política desencadeada pela entrevista de Pedro Collor à revista VEJA em maio de 92, na qual o irmão do Presidente acusou-o de acobertar um esquema de corrupção no Governo, cujo operador principal era Paulo César Farias, o PC, Brizola aderiu tardiamente à tese do impeachment. Inicialmente, Brizola defendeu uma apuração rigorosa dos fatos e a punição dos responsáveis, demorando a assumir uma posição favorável ao afastamento do Presidente, o que ocorreu depois da votação, na Câmara dos Deputados, em setembro de 92, da autorização para que o Senado processasse Collor por crime de responsabilidade. Brizola só defendeu abertamente o afastamento de Collor na campanha eleitoral de 92, referente às eleições municipais daquele ano. Brizola foi acusado de aderir muito tarde ao impeachment de Collor. Isso foi bastante explorado pela imprensa, e o efeito foi deletério para a carreira política de Brizola, que perdeu bastante apoio dos seus adeptos tradicionais, o que acarretou sua fragorosa derrota na eleição presidencial de 1994, na qual teve menos votos que Enéas e Quércia. O fato concreto é que depois da defesa de uma apuração imparcial dos fatos contra Collor, Brizola perdeu o apoio das "ruas", como ele próprio dizia, ou seja, perdeu o suporte dos seus eleitores habituais. Após o episódio do impeachment, Brizola foi mal sucedido em todas as eleições de que participou. Em 98 candidatou-se a Vice-Presidente de Lula, sendo derrotado, fato que se repetiu em 2000, quando se candidatou a Prefeito do Rio, ficando apenas em quarto lugar, com cerca de 9% dos votos. O resultado também foi desfavorável a ele no pleito para o Senado em 2002, última eleição disputada pelo veterano político gaúcho. Na mesma eleição de 2002, apoiou Ciro Gomes para Presidente da República.

Leonel de Moura Brizola faleceu em 21 de junho de 2004 no Rio de Janeiro, aos 82 anos de idade, deixando um legado de probidade e obstinação.


7 – Considerações Finais:

No epílogo de sua vida pública, a qual se confundiu com a própria história política brasileira no século XX, a conclusão a que se chega é que Brizola deixou uma marca indelével no nosso panorama político. Como qualquer ser humano, Brizola tinha qualidades e defeitos, virtudes e vícios, cometeu acertos e vários erros. Como qualidades, pode-se destacar a coragem, a valentia, a prioridade que concedeu à educação em suas administrações, a defesa do interesse público, como ocorreu no episódio da Legalidade. Como defeitos, se pode mencionar o personalismo excessivo, a dificuldade de conviver com outras lideranças de destaque no mesmo partido (casos de Fernando Ferrari no antigo PTB e Saturnino Braga, César Maia, Jaime Lerner entre outros no PDT), o fato de ser centralizador entre outros. Como acertos, pode-se destacar a promoção do movimento pela Legalidade em setembro de 1961, a decisão do PDT de votar em Tancredo Neves no Colégio Eleitoral em 1985, a crítica ao Plano Cruzado em 1986 e, como equívocos, destacam-se a proposta do mandato tampão para Figueiredo, a demora a defender o afastamento de Collor no episódio do impeachment entre outras coisas.


8 – Referências bibliográficas:

ALVES, M., "Sessenta e oito mudou o mundo", Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1993;

BANDEIRA, M., "Brizola e o Trabalhismo", Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1979;

BANDEIRA, M., "O governo João Goulart – As lutas sociais no Brasil (1961 a 1964)", Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1977;

DICIONÁRIO Histórico Biográfico Brasileiro (DHBB na internet) do CPDOC da FGV;

IANNI, O., "O colapso do populismo no Brasil", Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1994;

LEITE Filho, "Brizola tinha razão - Os fatos sobre a Nova República e o Plano Cruzado", Global Editora, Rio de Janeiro e São Paulo, 1987;

LEITE Filho, "El caudillo – Leonel Brizola, um perfil biográfico", Editora Aquariana, São Paulo, 2008;

SOUZA, A. e SOARES, F., "Leonel Brizola", Coleção "Esses Gaúchos", Editora Tchê, Porto Alegre, 1985;

SCHMITT, R., "Partidos políticos no Brasil (1945-2000)", Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 2000.

TAVARES, F., "Memórias do esquecimento", Editora Globo, São Paulo, 1999.


9 – Filmografia:

"Jango", dirigido por Sílvio Tendler, disponível no youtube;

"Brizola, tempos de luta", dirigido por Tabajara Ruas , disponível no youtube.

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Sobre o autor
Carlos Frederico Rubino Polari de Alverga

Economista graduado na UFRJ. Especialista em "Direito do Trabalho e Crise Econômica" pela Universidade Castilla La Mancha, Toledo, Espanha. Especialista em Administração Pública (CIPAD) pela FGV. Mestre em Ciência Política pela UnB. Analista de Finanças e Controle da Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda. Atua na área de empresas estatais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVERGA, Carlos Frederico Rubino Polari. Leonel Brizola: um perfil biográfico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2985, 3 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19907. Acesso em: 28 mar. 2024.

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