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A estrutura lógico-formal do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza.

A regra-matriz de incidência

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5 Norma tributária em sentido estrito

Norma jurídica é a significação (conceito que se forma na mente do intérprete) construída por um indivíduo a partir de um determinado texto de direito positivo, ou seja, é a percepção sensorial obtida a partir de um suporte físico que pode ser um texto de lei, um decreto, a Constituição Federal, etc. É obra da percepção do mundo exterior captada pelos sentidos. Esse seria o verdadeiro sentido de norma jurídica, ela não existe antes da interferência interpretativa do operador que se interessa por sua mensagem.

Paulo de Barros Carvalho consegue, em um único parágrafo, explicar o sentido da expressão "norma jurídica", sem o qual não seria possível compreender o porquê de existirem tantas interpretações distintas em relação a um mesmo suporte físico determinado, o que torna deveras árdua a tarefa do intérprete e seu esforço em compreender o verdadeiro significado pretendido pelo legislador. Vejamos então como se deu referida explicação:

A norma jurídica é exatamente o juízo (ou pensamento) que a leitura do texto provoca em nosso espírito. Basta isso para nos advertir que um único texto pode originar significações diferentes, consoante as diversas noções que o sujeito cognoscente tenha dos termos empregados pelo legislador. Ao enunciar os juízos, expedindo as respectivas proposições, ficarão registradas as discrepâncias de entendimento dos sujeitos, a propósito dos termos utilizados. (CARVALHO, 2010, p. 40).

Conforme visto anteriormente, percebemos que, em verdade, a norma jurídica representa o texto escrito de direito positivo com a devida significação (e não significado) que o intérprete lhe impõe. Lembrando que o significado é materializado em um suporte físico, se referindo a um objeto do mundo. Porém, mesmo que o intérprete se debruce com empenho no ofício de compreender a essência do significado do texto legal, deverá observar com nitidez a diferença entre texto de direito positivo e norma jurídica. O cientista do Direito deve saber que muitas das vezes não será possível compreender determinada norma jurídica pelo simples fato de que esta poderá carecer de determinados conceitos não insertos em seu texto de direito positivo, mas sim em outros pulverizados pelo sistema jurídico em vigor. Também deverá observar os princípios que regem o sistema como um todo para que assim possa extrair a significação.

Em que pese a insuficiência da tradicional distinção das normas jurídicas em "sentido amplo" e "sentido jurídico", cremos ser a distinção de grande utilidade para a conclusão deste breve capítulo.

As "normas jurídicas em sentido amplo" se referem aos conteúdos significativos do texto do direito posto, são as significações construídas pelo intérprete.

As "normas jurídicas em sentido estrito" representam a composição articulada dessas significações construídas pelo intérprete, produzindo com isso mensagens com sentido deôntico-jurídico completo.

O Professor Paulo de Barros define "norma tributária em sentido estrito" como "[...] a que prescreve a incidência. Sua construção é obra do intérprete, enquanto órgão do sistema ou na condição de um interessado qualquer, mas sempre a partir dos estímulos sensoriais do texto legislado (reduzindo o direito à forma escrita)." (CARVALHO, 2007, pp. 93 e 94).

Na sequência, o indigitado Mestre nos brinda com uma lição que permite inserir a regra-matriz de incidência tributária na classe das normas jurídicas em sentido estrito. Vejamos como se deu o ensinamento:

Fixemos aqui um marco importante: quando se proclama o cânone da "homogeneidade sintática" das regras do direito, o campo de referência estará circunscrito às normas em sentido estrito, vale dizer, aquelas que oferecem a mensagem jurídica com sentido completo (se ocorrer o fato F, instalar-se-á a relação deôntica R entre os sujeitos S´ e S´´), mesmo que essa completude seja momentânea e relativa, querendo significar, apenas, que a unidade dispõe do mínimo indispensável para transmitir uma comunicação de dever-ser. E mais, sua elaboração é preparada com as significações dos meros enunciados do ordenamento, o que implica reconhecer que será tecida com o material semântico das normas jurídicas em sentido amplo. (CARVALHO, 2009, p. 129).

Destarte, podemos concluir que iremos nos utilizar a todo instante dos enunciados prescritivos dispostos no ordenamento jurídico durante o processo de interpretação. Sempre utilizaremos as unidades enunciativas esparsas para que com elas e suas significações, possamos organizar as entidades normativas que são as normas jurídicas em sentido estrito. O sentido completo do que nos é transmitido através dos textos de direito positivo inseridos no sistema somente será compreendido a partir do momento em que o cientista do Direito integre os enunciados que indicam as pessoas envolvidas nas relações jurídicas, suas capacidades e competências, o que devem ou não praticar, sempre envolvidos em situações específicas no espaço e no tempo.

A partir deste ponto, apesar do tema comportar mais discussões do que as que podem ser inseridas no presente estudo, julgamos suficientes os conceitos até aqui demonstrados para que possamos ingressar no estudo específico da rega-matriz de incidência tributária, e posteriormente inseri-la no universo do imposto sobre a renda.


6 A estrutura da regra-matriz de incidência tributária

Os fatos podem ser observados como jurídicos, econômicos, históricos, ou sob outras delimitações a serem empreendidas a depender do corte metodológico que cada cientista deseja impor. No entanto, uma vez assumido o caráter jurídico do fato em análise, este será única e exclusivamente um fato jurídico, ou de natureza jurídica. Contudo, a interdisciplinaridade pode complementar o conteúdo de significação da Ciência do Direito, sem que o Direito perca sua autonomia na construção de sua própria realidade.

A expressão "fato gerador" é de se entender equivocada pois resulta na aplicação de seu significado por especialistas do Direito Tributário tanto da descrição legislativa do fato que faz nascer a relação jurídica tributária, quanto o próprio acontecimento relatado no antecedente da norma individual e concreta do ato de aplicação.

Para Paulo de Barros Carvalho tanto faz chamarmos de "hipótese", "antecedente", "suposto", "antesuposto" ou "pressuposto" à previsão fática da norma, sendo sempre a descrição normativa de um evento que, concretizado ao nível das realidades materiais e relatado no antecedente da norma individual e concreta, fará irromper o vínculo abstrato que o legislador estipulou na consequência.

Denominaremos "evento jurídico tributário" o fato que realmente sucede no quadro de relacionamento social, em específicas condições de tempo e espaço, sensorialmente captado por nós, e de "fato jurídico tributário" ao relato linguístico desse acontecimento.

6.1 Subsunção do fato à norma

A subsunção (operação lógica) se verifica entre linguagens de níveis diferentes, daí falar-se em subsunção do fato à norma (são duas linguagens em diferentes níveis). Sempre que isso se verifica, com a liberação dos devidos efeitos jurídicos, podemos observar a essência da fenomenologia do direito.

O que nos interessa no presente estudo é a fenomenologia da regra-matriz de incidência tributária, sendo que haverá subsunção quando o fato jurídico tributário guardar absoluta identidade com a hipótese tributária. A ocorrência do fato concreto instala automaticamente o laço abstrato pelo qual o sujeito ativo torna-se titular do direito subjetivo de exigir a prestação, na medida em que o sujeito passivo deverá cumprir a obrigação.

O enquadramento do fato à hipótese normativa deve ser completo, ou seja, todos os critérios identificadores elencados na hipótese geral e abstrata, quando satisfeitos, configuram a tipicidade tributária.

A regra-matriz de incidência tributária é portanto uma regra de comportamento, destinada a disciplinar a conduta das pessoas, que no caso é o sujeito passivo, devedor da prestação perante o sujeito ativo titular do crédito tributário. Não se trata logicamente de uma regra de estrutura, posto que esta se destina a dispor sobre a criação de órgãos, procedimentos, e demais elementos correlatos.

Ainda, não existe uma cronologia entre a verificação empírica do fato e o surgimento da relação jurídica tributária. São momentos lógicos e não cronológicos como pode parecer sem uma análise mais detalhada acerca do fenômeno. O vínculo abstrato que une as pessoas envolvidas (sujeito passivo e sujeito ativo), instaura-se no exato instante em que surge a linguagem competente que relata o evento descrito pelo legislador (lançamento).


7 Hipótese tributária (descritor) e fato jurídico tributário

Ao conceituar o fato jurídico tributário que dará origem ao nascimento da relação jurídica tributária, o legislador seleciona os elementos necessários à sua caracterização, permitindo assim a devida extração dos critérios de identificação que permitirão reconhecer o fato quando de sua ocorrência. Neste caso, encontraremos para a hipótese tributária três critérios de identificação, quais sejam: a) o critério material; b) o critério espacial; e c) o critério temporal.

7.1 O critério material

Neste critério, pessoas físicas ou jurídicas se condicionam a determinadas circunstâncias de espaço e de tempo para sua caracterização. No entanto, este critério deve ser analisado separadamente dos demais critérios integrantes da hipótese para uma correta compreensão. A descrição objetiva do fato não deve ser confundida com o critério material, uma vez que aquela só será delimitada a partir dos três critérios da hipótese.

O verbo integrante do critério material assume importância fundamental na definição do antecedente da norma-padrão do tributo, posto que representa o comportamento de uma pessoa (circunstância material).

7.2 O critério espacial

O critério espacial especificará os locais em que deve ocorrer o fato a fim de que possam irradiar seus efeitos, sendo que a norma jurídica poderá conter este critério definido em seu conteúdo ou não. O critério espacial dos antecedentes das regras tributárias podem ser divididos em três níveis de elaboração, quais sejam:

a)Hipótese cujo critério espacial faz menção a determinado local para a ocorrência do fato típico, como é ocaso dos tributos do comércio exterior como o Imposto de Importação e o Imposto de Exportação, cujos acontecimentos se dão em espaços específicos, como nas repartições alfandegárias.

b)Hipótese em que o critério espacial alude a áreas específicas, ou seja, o acontecimento apenas ocorrerá se estiver geograficamente nela contido. Neste caso, não são delimitados pontos específicos, mas áreas, regiões ou intervalos territoriais em que o evento poderá ser verificado, é o caso do IPTU e do ITR.

c)Hipótese de critério espacial genérico, onde todo e qualquer fato que suceda sob o manto da vigência territorial da lei que institui o tributo poderá desencadear seus efeitos. Qualquer local em que ocorra o fato, desde que inserido na jurisdição respectiva, produzirá seus efeitos propagando-os nos termos da lei. É o que ocorre com os impostos como o IPI, o ICMS, e no caso do presente estudo seria onde se enquadraria o Imposto sobre a Renda. Nesta hipótese, há uma coincidência entre o critério espacial e o âmbito de vigência territorial da lei, embora sejam institutos distintos. Por exemplo, no caso do IPTU, o critério espacial deste tributo alcança os imóveis situados no perímetro urbano delimitado, embora o âmbito de vigência da lei seja o território municipal como um todo (jurisdição).

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7.3 O critério temporal

É necessário que a norma tributária revele o marco de tempo em que se dá por ocorrido o fato jurídico tributário, abrindo-se aos sujeitos da relação o exato conhecimento da existência de seus direitos e de suas obrigações. As pretensões impositivas do Estado na seara do Direito Tributário atingem os direitos de propriedade e de liberdade do cidadão.

O critério temporal da hipótese tributária é o grupo de indicações contidas no suposto da regra que nos oferecem os elementos necessários para que possamos saber em que preciso instante ocorre o fato descrito, passando estão a existir a obrigação jurídica tributária.

Urge destacar que a relação entre critério temporal e aplicação da lei tributária no tempo se valerá das mesmas observações da relação entre a eficácia territorial da norma e o critério territorial.

Em diversas ocasiões, ocorre a impropriedade de se tomar como fato gerador do imposto o critério temporal de sua hipótese de incidência. No entanto, a pretexto de mencionarem o fato, separam um instante, ainda que o momento escolhido se contenha na própria exteriorização da ocorrência, configurando-se uma unidade de tempo, como ocorre no caso do Imposto de Importação (II), na "entrada de produtos estrangeiros no território nacional", ou pela "saída de produtos estrangeiros do território nacional", no caso do Imposto de Exportação (IE). Nesses casos, alude-se a um dado instante, a uma fração de tempo, mesmo que representado por um acontecimento que sirva de simples referência.

No entanto, apesar de ser possível a utilização desta técnica por parte dos legisladores, em sua linguagem livre do rigor científico, o mesmo não podemos dizer da linguagem empregada pelos doutrinadores, que cometerão erros graves que prejudicarão a compreensão da matéria caso venham a utilizar-se da mesma estrutura.


8 O consequente da norma (prescritor)

Conforme o próprio nome já introduz, o prescritor será a peça do juízo hipotético que estipulará a regulação de conduta entre as pessoas inseridas na relação jurídica tributária, quais sejam, o sujeito ativo e o sujeito passivo, além de possibilitar o conhecimento do objeto prestacional da relação instaurada. Uma vez concretizado o fato previsto no descritor, a relação jurídica se instala automática e infalivelmente, irradiando os efeitos inerentes.

São dois os critérios que nos permitirão identificar o aparecimento da relação jurídica em comento: o critério pessoal e o critério quantitativo.

Paulo de Barros Carvalho conceitua os dois critérios da seguinte forma:

O critério pessoal é o conjunto de elementos, colhidos no prescritor da norma, e que nos aponta quem são os sujeitos da relação jurídica – sujeito ativo, credor ou pretensor, de um lado, e sujeito passivo ou devedor, do outro. Enquanto isso, o critério quantitativo nos fala do objeto da prestação que, no caso da regra-matriz de incidência tributária, se consubstancia na base de cálculo e na alíquota. É no critério quantitativo que encontraremos referências às grandezas mediante as quais o legislador pretendeu dimensionar o fato jurídico tributário, para efeito de definir a quantia a ser paga pelo sujeito passivo, a título de tributo. Em síntese, investigar os critérios do consequente da regra-matriz significa descobrir o perfil da relação jurídica imputada ao fato, no enlace normativo. (CARVALHO, 2010, p. 353).

E justamente, devido a esta importante característica dos critérios do conseqüente, qual seja, permitir a visualização do perfil da relação jurídica tributária, devemos nos ater a um estudo pormenorizados desses critérios.

8.1 O critério pessoal

O critério pessoal do conseqüente nos permitirá identificar os sujeitos da relação jurídica inaugurada com a ocorrência do fato jurídico tributário descrito no antecedente da norma. As pessoas envolvidas serão o sujeito ativo e o sujeito passivo.

O Sujeito Ativo é o titular do direito subjetivo de exigir a prestação pecuniária, ou seja, é o sujeito que ocupa o pólo ativo da relação jurídica tributária. O entendimento de Paulo de Barros Carvalho é no sentido de que tanto uma pessoa jurídica pública ou privada, ou ainda, uma pessoa física, podem ocupar esta posição. (CARVALHO, 2010, p. 369). No entanto, há quem defenda que o sujeito ativo não poderia ser pessoa jurídica privada e muito menos uma pessoa física. Somos do entendimento de que uma coisa é o sujeito ativo da relação obrigacional e outra a especificação do ente constitucionalmente competente para instituir determinado tributo.

Nos termos do artigo 153, III, CF/88, é afirmado que compete à União instituir impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza. Sendo assim, a Constituição Federal delimitou a competência privativa da União para instituir o imposto sobre a renda. No entanto, a capacidade ativa, nos termos do mandamento constitucional, poderia ser atribuída a qualquer pessoa, apesar do artigo 119 do Código Tributário Nacional prever que o sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público titular da competência para exigir o seu cumprimento, e com isso suprimindo a possibilidade de atribuição de capacidade ativa a outras pessoas que não o ente político constitucionalmente autorizado.

Uma vez que em relação ao imposto de renda a União exerce a função de sujeito ativo sem delegações de atribuições nesta seara, não faz diferença para o estudo em curso o efeito prático da adoção de um ou outro posicionamento, é o que verificaremos no momento oportuno ao se detalhar o sujeito ativo no critério pessoal do tributo em espécie.

O Sujeito Passivo da relação jurídica tributária é a pessoa física ou jurídica, privada ou pública, de quem se exige o cumprimento da prestação que pode ser pecuniária, no que correntemente se chama de obrigação principal, ou impossível de avaliação patrimonial no que diz respeito aos meros deveres instrumentais, também chamados de obrigações acessórias pelo Código Tributário Nacional.

O artigo 121 do Código Tributário Nacional informa que o sujeito passivo será chamado de contribuinte, quando tiver relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; e de responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.

Em que pese o fato do nosso Código Tributário Nacional padecer de uma desatualização por estar eivado de influências de cunho econômico, podemos nos ater aos conceitos empreendidos pelo código, pois estes serão utilizados pela legislação do imposto de renda. No momento, devemos apenas ter em mente que o termo responsabilidade comporta abiguidade, na medida em que, ora será retirado da compostura interna do fato tributário, quando ligado a ele por laços indiretos, mas por vezes será designado por lei para cumprir algum mandamento de cunho sancionatório.

8.2 O critério quantitativo

O critério quantitativo do consequente das normas tributárias é o que permite ao intérprete determinar com segurança a exata quantia devida à título de tributo. Essa delimitação é importante tendo em vista que o centro de convergência dos interesses em uma relação jurídica tributária se materializa em um valor patrimonial.

São duas as entidades que permitem o cálculo do valor em questão, são elas: a base de cálculo e a alíquota. As duas entidades conjugadas fornecerão o valor do crédito tributário devido pelo sujeito passivo, não fazendo sentido a existência isolada de uma sem a outra.

O Professor Paulo de Barros Carvalho define com maestria singular a base de cálculo como sendo:

[...] a grandeza instituída na conseqüência da regra-matriz tributária, e que se destina, primordialmente, a dimensionar a intensidade do comportamento inserto no núcleo do fato jurídico, para que, combinando-se à alíquota, seja determinado o valor da prestação pecuniária. Paralelamente, tem a virtude de confirmar, infirmar ou afirmar o critério material expresso na composição do suposto normativo. (CARVALHO, 2010, p. 400).

Além da aludida função comparativa de confirmar, infirmar ou afirmar o critério material da hipótese de incidência, o indigitado doutrinador também acrescenta mais duas funções da base de cálculo, quais sejam: a de medir as proporções reais do fato (função mensuradora) e a de compor a específica determinação da dívida (função objetiva).

Em relação à função comparativa cumpre ressaltar alguns apontamentos acerca de relevante discussão doutrinária.

Segundo Paulo de Barros Carvalho, a importância da base de cálculo para as investigações em torno da natureza jurídica dos tributos para Alfredo Augusto Becker foi de tal monta que o jurista fixou o instituto como a pedra angular dos seus estudos. O legislador comete muitos enganos ao retratar em sua linguagem a precisão e o rigor com que deveriam ser representadas as fórmulas disciplinadoras da incidência, induzindo o intérprete aos tantos erros que o ofício lhe impõe.

Pelos motivos expostos, consideramos de suma importância a eleição da base de cálculo como sendo o critério seguro para identificar o verdadeiro critério material da hipótese e assim, com este instrumento, confirmar, infirmar ou afirmar o enunciado da lei. E complementa Paulo de Barros Carvalho explicando de que forma a base de cálculo executa seu ofício:

Eis a base de cálculo, na sua função comparativa, confirmando, infirmando ou afirmando o verdadeiro critério material da hipótese tributária. Confirmando, toda vez que houver perfeita sintonia entre o padrão de medida e o núcleo do fato dimensionado. Infirmando, quando for manifesta a incompatibilidade entre a grandeza eleita e o acontecimento que o legislador declara como a medula da previsão fáctica. Por fim, afirmando, na eventualidade de ser obscura a formulação legal, prevalecendo, então, como critério material da hipótese, a ação-tipo que está sendo avaliada.

Introduzimos uma noção de induvidosa operatividade, para a qual convocamos todas as atenções: havendo desencontro entre os termos do binômio (hipótese de incidência e base de cálculo), a base de cálculo é que deve prevalecer. Por isso tem o condão de infirmar o critério material oferecido no texto, que será substituído por aqueloutro que percebemos medido. (CARVALHO, 2010, p. 404).

Além disso, para sacramentar a utilidade da base de cálculo como função comparativa, cita um parecer proferido por Geraldo Ataliba, acerca do caráter tributário da taxa de melhoramento dos portos, provando que a base de cálculo indica para esta espécie tributária a presença de um imposto, em que pese o fato do nome do tributo ser precedido da palavra taxa.

Segue o excerto:

À vista de todo o exposto [...]

...

e) que o essencial e decisivo dado a ser considerado – numa análise jurídico-científica da lei tributária – para o fim de reconhecer as espécies tributárias, é a base imponível, que, no caso, é tipicamente de imposto (valor da mercadoria). (ATALIBA, 1978, p. 128).

Apesar do exposto, cumpre consignar o posicionamento de Roque Antonio Carrazza, que discorda da linha doutrinária daqueles que como o Professor Paulo de Barros Carvalho, sustentam que, havendo descompasso entre a hipótese de incidência e a base de cálculo do tributo, esta prevalece. Para Roque Antonio Carrazza, o fenômeno do descompasso entre os dois institutos tornaria inconstitucional a exação, que será diversa daquela que a pessoa política teria competência para instituir.

Vejamos, portanto, os ensinamentos do ilustre doutrinador:

Retomando o raciocínio, a base de cálculo carece de estar em perfeito ajuste com a hipótese de incidência, já que é ela que confirma a natureza jurídica da exação. Havendo qualquer descompasso entre ambas, o tributo, porque mal-instituído, não poderá ser validamente lançado e cobrado.

De fato, o divórcio entre a hipótese de incidência e a base de cálculo do tributo descaracteriza-o, alterando-lhe a regra-matriz, desenhada na Constituição. Distorce, pois, o próprio sistema tributário, deixando o contribuinte perplexo, sem saber ao certo que exação está sendo compelido a suportar.

Vem ao encontro desta idéia de unicidade o art, 154, I, da CF, que, ao autorizar a União a criar novos impostos, proibiu tivessem "fato gerador e base de cálculo próprios" dos discriminados nos arts. 153, 155 e 156 desse mesmo diploma. Com isso sinalizou nitidamente que a hipótese e a base de cálculo são realidades jurídicas distintas, que, sob pena de inconstitucionalidade, devem estar em perfeita sintonia. (CARRAZZA, 2009, p. 76).

Por fim, conclui afirmando que "[...] será inexigível, por afronta à Constituição, o tributo cuja base de cálculo entrar em conflito com sua hipótese de incidência." (CARRAZZA, 2009, p. 77).

Ficam, portanto, à disposição do leitor, os caminhos distintos percorridos pelos dois insignes juristas para que cada um possa escolher a melhor forma de enfrentamento em relação ao tema.

Por último e não menos importante deve-se destacar o papel da alíquota na composição do critério quantitativo do conseqüente.

Ocorrendo o fato imponível que faz nascer a obrigação tributária concreta, deve-se aplicar a alíquota respectiva sobre a base de cálculo para que possamos determinar o valor do tributo devido.

No caso do imposto sobre a renda, observa-se a necessidade da obediência ao princípio da progressividade inserto no art. 153, §2º, I, CF/88, fazendo com que as alíquotas que se referem a esse tributo sigam a informação constitucional sob pena de inconstitucionalidade. Por esse motivo, as alíquotas são dispostas em faixas percentuais progressivas de acordo com a capacidade contributiva de cada contribuinte.

A pertinência do princípio da progressividade e da capacidade contributiva no que diz respeito ao imposto sobre a renda, não escapou às observações de Roque Antonio Carrazza, segundo o eminente jurista a peculiaridade se comporta da seguinte forma:

De fato, embora o legislador, ao criar in abstracto o tributo, tenha alguma liberdade para fazê-la variar, não a pode elevar ad infinitum. Isto fatalmente imprimiria ao tributo o proibido caráter de confisco (art. 150, IV, da CF), vulnerando, por via reflexa, o direito de propriedade, constitucionalmente protegido (arts. 5º, XXII, e 170, II).

Muito bem, o IRPF deve ter alíquotas progressivas, ex vi do já estudado art. 153, §2º, I, da CF, verbis:

"Art. 153. (...)

"§2º. O imposto previsto no inciso III (imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza): I – será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei."

Este inciso encerra norma cogente, isto é, de observância obrigatória. A lei poderá regular o modo pelo qual se dará a progressividade no IR. Mas não poderá anular a supramencionada exigência constitucional – o que ocorreria caso o imposto passasse a ter alíquota fixa.

Portanto, são as alíquotas variáveis, crescendo à medida que vai aumentando a renda líquida dos contribuintes, que propiciam o efetivo atendimento ao critério constitucional da progressividade do IR.

Quem, com efeito, tem renda líquida mais expressiva deve ser proporcionalmente mais tributado, por via deste imposto, que aquele que a tem menor. Isto vem obtido por meio da adoção de um sistema de alíquotas ascendentes (ou crescentes). Noutras palavras, as alíquotas do IR devem ir aumentando à medida que também for aumentando a base de cálculo: quanto maior a renda líquida do contribuinte, maior a alíquota que este deverá suportar. (CARRAZZA, 2009, pp. 95 e 96).

Apesar do ilustre doutrinador ter se referido ao imposto sobre a renda da pessoa física (IRPF), também será informado o mesmo em relação ao imposto sobre a renda da pessoa jurídica em momento posterior, tal como segue:

Também as alíquotas do IRPJ devem atender ao critério da progressividade e, por via de conseqüência, levar em conta a capacidade contributiva da empresa. Noutras palavras, as alíquotas deste tributo devem ir crescendo à proporção que for aumentando o lucro da pessoa jurídica. (CARRAZZA, 2009, p. 107).

Geraldo Ataliba exemplifica a aplicação da alíquota de um tributo nos seguintes termos:

Assim, a lei tributária imputa ao estado 10% da renda de alguém; 15% do valor de um produto; 10% do preço de uma operação mercantil, etc. Na maioria das vezes, a alíquota é expressa sob a forma de percentual do valor de alguma coisa. Evidentemente, só tem cabimento a alíquota ad valorem, quando a base imponível seja o valor da coisa posta como aspecto material da hipótese de incidência. Quer dizer: se a perspectiva dimensível do aspecto material da hipótese de incidência for um valor, expresso em dinheiro, então a alíquota poderá ser um percentual. (ATALIBA, 2011, p. 114).

Paulo de Barros Carvalho conceitua a alíquota como elemento que integra a "estrutura da regra-modelo de incidência" e que "congregada à base de cálculo, dá a compostura numérica da dívida, produzindo o valor que pode ser exigido pelo sujeito ativo, em cumprimento da obrigação que nascera pelo acontecimento do fato típico." (CARVALHO, 2010, p. 410).

Roque Antonio Carrazza aduz que:

Alíquota é o critério legal, normalmente expresso em porcentagem (v.g., 10%), que, conjugado à base de cálculo, permite que se chegue ao quantum debeatur, ou seja, à quantia que o contribuinte deve pagar, ao Fisco ou a quem lhe faça as vezes, a título de tributo e, de certo modo, também está predefinida na Constituição. (CARRAZZA, 2009, p. 95).

Acreditamos que a partir dos ensinamentos doutrinários expendidos, somos capazes de afirmar que a alíquota é o elemento pertencente ao critério quantitativo do conseqüente normativo, que juntamente com a base de cálculo e intrinsecamente ligada a ela, é capaz de fixar o quantum debeatur, obtendo a quantia em dinheiro que deverá ser exigida do sujeito passivo.

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Sobre o autor
Andre Luiz da Silva dos Santos

Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito Administrativo Disciplinar pela ESAF/UNIFOR. Doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo e Direito Público (dupla titulação) pela Università degli Studi di Roma "Tor Vergata"

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Andre Luiz Silva. A estrutura lógico-formal do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza.: A regra-matriz de incidência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3030, 18 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20233. Acesso em: 29 mar. 2024.

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