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Aspectos controvertidos do depósito recursal

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26/01/2012 às 15:22
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Da finalidade do depósito recursal

O depósito recursal está disciplinado no artigo 899 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT:

Art. 899 - Os recursos serão interpostos por simples petição e terão efeito meramente devolutivo, salvo as exceções previstas neste Título, permitida a execução provisória até a penhora.

§ 1º Sendo a condenação de valor até 10 (dez) vezes o salário-mínimo regional, nos dissídios individuais, só será admitido o recurso inclusive o extraordinário, mediante prévio depósito da respectiva importância. Transitada em julgado a decisão recorrida, ordenar-se-á o levantamento imediato da importância de depósito, em favor da parte vencedora, por simples despacho do juiz.

§ 2º Tratando-se de condenação de valor indeterminado, o depósito corresponderá ao que for arbitrado, para efeito de custas, pela Junta ou Juízo de Direito, até o limite de 10 (dez) vezes o valor de referência regional

§ 3º (Revogado pela Lei nº 7.033, de 5.10.1982).

§ 4º - O depósito de que trata o § 1º far-se-á na conta vinculada do empregado a que se refere o art. 2º da Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966, aplicando-se-lhe os preceitos dessa lei, observado, quanto ao respectivo levantamento, o disposto no § 1º.

§ 5º - Se o empregado ainda não tiver conta vinculada aberta em seu nome, nos termos do art. 2º da Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966, a empresa procederá à respectiva abertura, para efeito do disposto no § 2º.

§ 6º- Quando o valor da condenação, ou o arbitrado para fins de custas, exceder o limite de 10 (dez) vezes o valor de referência regional, o depósito para fins de recursos será limitado a este valor.

§ 7º  No ato de interposição do agravo de instrumento, o depósito recursal corresponderá a 50% (cinquenta por cento) do valor do depósito do recurso ao qual se pretende destrancar.

Dentre os pressupostos recursais objetivos (extrínsecos) de admissibilidade dos Recursos: Ordinário, Revista, Embargos, Extraordinário, Agravo de Instrumento e Agravo de Petição (salvo se a execução não estiver garantida), na Justiça do Trabalho, encontra-se o depósito recursal.

Para Amauri Mascaro a natureza jurídica do depósito recursal é taxa: "A natureza jurídica do depósito é que se trata de uma taxa de recurso que pressupõe decisão condenatória ou executória de obrigação de pagamento em pecúnia, com valor líquido ou arbitrado. [02]

Sérgio Pinto Martins esclarece que "a natureza jurídica do depósito é de garantia recursal, de garantia da execução, de garantia do juízo para a futura execução". [03]

Ainda, conforme a Instrução Normativa do TST n. 3/93, os depósitos de que trata o art. 40, e seus parágrafos, da Lei n. 8.177/91, com a redação dada pelo art. 8º da Lei nº 8.542/92, não tem natureza jurídica de taxa de recurso, mas de garantia do juízo recursal, que pressupõe decisão condenatória ou executória de obrigação de pagamento em pecúnia, com valor liquido ou arbitrado. [04]

Nesse sentido, Renato Saraiva: "Em relação ao depósito recursal, temos que o mesmo objetiva garantir o juízo para o pagamento de futura execução a ser movida pelo empregado". [05]

Fato é que o depósito recursal, além de possuir natureza jurídica de "garantia de juízo", também tem uma inegável finalidade de desestimular a interposição de recursos meramente protelatórios.

Este foi o entendimento do ministro do STF Francisco Rezek em seu voto referente a Adin 836-6:

"Não me parece que a exigência de depósito recursal atente contra a prerrogativa que a Constituição assegura. Mesmo quando o depósito que se exige dentro de determinada trilha processual não seja estritamente destinado a garantir a execução. Ele pode não ter esse propósito, mas não há de ser entendido, pelo só fato de existir, como um obstáculo à fluência normal dos recursos". [06]

Mais explicitamente se posicionou Manoel Antonio Teixeira Filho: "Diante disso, argumentamos, nas edições pretéritas deste livro, que se as finalidades do depósito previsto no art. 899 da CLT eram (e ainda são), em essência: a) desestimular a interposição de recursos, notadamente os procrastinatórios; e b) assegurar, ainda que em parte, a utilidade da futura execução da sentença condenatória...". [07]

Até mesmo a diferença ínfima do depósito recursal é capaz de elidir a eficácia do pressuposto recursal objetivo, o que certamente também resulta, ainda que não expressamente, em uma forma de limitar a interposição de recurso, já que significa mais um obstáculo ao acesso do duplo grau de jurisdição.

Esclarecendo o assunto, Júlio Cesar Bebber: "É da parte a responsabilidade quanto à exatidão dos valores depositados (TST-IN n. 3/93, VIII), dependendo a eficácia do depósito recursal da integralidade do montante atribuído ou arbitrado à condenação (ou do valor limite). Diferença nesse montante, ainda que ínfima, subtrai a eficácia do depósito e gera deserção (TST-OJ-SBDI-1 n. 140).". [08]

É de se frisar que de fato a finalidade do depósito recursal é garantir o juízo, mas, sobretudo, evitar a interposição de recursos procrastinatórios. Exemplo bem apropriado é a sanção da Lei 12.275 de 29 de junho de 2010, que tornou obrigatório o pagamento prévio de depósito recursal de 50% para interposição de Agravos de Instrumento na Justiça do Trabalho.

Assim, temos que o objetivo do depósito recursal, utilizando como exemplo a obrigatoriedade de 50% para a interposição de agravo de instrumento, não é apenas "garantir juízo", mas principalmente impedir o uso abusivo desse recurso, que muitas vezes é interposto com objetivo de retardar o cumprimento da sentença.


Da constitucionalidade do depósito recursal

Muito se discute acerca da constitucionalidade da exigibilidade do depósito recursal, havendo correntes doutrinárias a favor e contra a obrigatoriedade de tal instituto.

Aos que entendem ser constitucional a exigibilidade do depósito recursal invocam-se os princípios da celeridade e efetividade, já que a obrigatoriedade de depósito prévio para interposição de recurso desestimula os recursos meramente protelatórios. Também se prestigia a proteção ao trabalhador, já que este, em tese, é a parte economicamente mais fraca, sendo então, partindo desta premissa, perfeitamente justificável o depósito recursal, ao passo que é forma de garantia de juízo.

Dentre os que afirmam que o depósito recursal não é inconstitucional, encontra-se Sérgio Pinto Martins:

"Não se pode dizer, porém, que o depósito recursal é inconstitucional. O empregador pode ingressar em juízo sem ter que fazer qualquer depósito para propor a ação, não se estando a excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ameaça a direito (art. 5°, XXXV,da Lei Maior). O direito de ação da empresa não foi ferido. De outro lado, o contraditório e a ampla defesa são exercidos de acordo com a previsão da legislação ordinária. No caso, o art. 40 da Lei nº 8.177/91 não impede o empregador de recorrer, apenas garante a execução, sendo assim um dos pressupostos objetivos do direito de apelar. É uma das garantias do devido processo legal, sendo o depósito previsto em lei.". [09]

No mesmo sentido, mas fundamentando-se no fato de que o duplo grau de jurisdição não é princípio constitucional, Carlos Henrique Bezerra Leite:

"Para nós, não há falar em inconstitucionalidade do art. 899 da CLT, uma vez que o duplo grau de jurisdição não é princípio absoluto, nem está previsto expressamente na Constituição, já que esta admite até mesmo a existência de instância única (CF, art. 102, III).". [10]

No entanto Júlio Cesar Bebber faz interessante observação relembrando que o Brasil é signatário do Pacto São Jose da Costa Rica, que prevê o duplo grau de jurisdição expressamente. Ora, tendo os tratados internacionais eficácia constitucional, aí sim poderia, ainda que em tese, alegar que o depósito recursal seria inconstitucional:

"O Decreto n. 678/92, que promulgou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), entretanto, parece ser o diploma que autoriza a inserção do duplo grau de jurisdição entre os princípios de natureza constitucional. Referido decreto, que tem status de emenda constitucional (CF, 5º, § 3º), no art. 8º, 2, h, assegura a toda pessoa o direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior.". [11]

Assim, os que entendem ser inconstitucional a obrigatoriedade de depósito prévio para interpor recurso, por violação da garantia do duplo grau de jurisdição, alertam que nem todas as empresas, em especial as micro empresas, conseguirão arcar com os altos valores dos depósitos em questão.

Neste sentido o Ministro do STF Paulo Brossard ao proferir seu voto (vencido), na Adin 836-6:

"... uma grande empresa poderá fazer depósito dessa natureza; empresa média já terá dificuldades em fazê-lo; uma empresa pequena, possivelmente, não terá condições de segregar determinada parcela do seu capital de giro para depositar, por anos, a fim de que possa recorrer de uma decisão.".

Sendo o depósito recursal constitucional ou não, fato é que o mesmo poderia, ainda que em tese, ser inexigível àquelas empresas que comprovassem a impossibilidade de litigar em juízo, sem prejuízo do efetivo funcionamento de suas atividades empresariais.

Esta possibilidade é aplicada às empresas que possuem o benefício da assistência judiciária gratuita, mas atualmente a jurisprudência dominante entende que mesmo sendo a Reclamada detentora do benefício da assistência judiciária gratuita, tal benesse não se estende ao depósito recursal.

Como será visto a seguir, tal entendimento tem mudado.


Do benefício da assistência judiciária gratuita

É de se destacar que, em casos excepcionais, o empregador pode ter o benefício da assistência judiciária gratuita, porém a jurisprudência majoritária entende que o benefício da justiça gratuita não se estende ao depósito recursal, mesmo havendo expressa previsão na Instrução Normativa 03/93, em seu inciso X que não é exigido depósito recursal da parte que, comprovando insuficiência de recursos, receber assistência judiciária integral e gratuita do Estado (art. 5º, 74º LXXIV, CF).

Julio César Bebber esclarece que "apesar de haver previsão de dispensa do depósito recursal ao beneficiário da Justiça Gratuita na Instrução Normativa n. 3/93 do TST, os órgãos jurisdicionais fracionários da referida Corte têm adotado posição no sentido de que "a assistência judiciária gratuita alcança apenas as custas processuais (...). Assim, a reclamada, mesmo se comprovasse a miserabilidade jurídica, não estaria dispensada do pagamento do depósito recursal".". [12]

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A jurisprudência dominante entende que o benefício da assistência judiciária gratuita não abrange o depósito recursal:

"RECURSO DE REVISTA. PRELIMINAR DE DESERÇÃO SUSCITADA EM CONTRA-RAZÕES PELAS RECLAMANTES. Os benefícios da assistência judiciária conferidos às pessoas jurídicas não abrangem o depósito recursal, em razão da sua natureza jurídica de garantia do juízo, e não de taxa. Preliminar de deserção acolhida, para não se conhecer do recurso de revista da reclamada." (PROC. nº TST-RR-91/2003-342-05-00.3 – 5ª Turma – Relatora: Kátia Magalhães Arruda – publicação:17/09/2008).

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. EMPREGADOR. DEPOSITO RECURSAL. DESERÇÃO DO RECURSO ORDINÁRIO E DO RECURSO DE REVISTA. Muito embora possa ser estendido às pessoas jurídicas, o benefício da assistência judiciária gratuita não abrange o depósito recursal que constitui garantia do juizo, à luz do art. 899, § 12 da CLT e da Instrução Normativa n. 3/93, item I, do TST. Agravo de Instrumento a que se nega provimento." (Processo TST n. 370/2005-003-17-40 – 3ª Turma – Relatora: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi – Publicação: 09/08/2006).

Em sentido oposto e minoritário:

"JUSTIÇA GRATUITA. DEPÓSITO RECURSAL. EMPREGADOR PESSOA FÍSICA. Não se pode considerar deserto o Recurso ordinário interposto sem o pagamento do depósito recursal quando o recorrente tem direito à Justiça gratuita, vez que o art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal, assegura a prestação da assistência jurídica integral e gratuita àqueles que comprovem a insuficiência de recursos. Agravo de Instrumento a que se dá provimento.". (Agravo de Instrumento, TRT/SP nº: 02382200702102013, Acórdão número 20090036179, 11ª Turma – Relator: Eduardo de Azevedo Silva, publicado em 03/02/2009).

Recente acórdão do Tribunal Superior do Trabalho – TST, referente ao Recurso Ordinário número 1200300-67.2009.5.02.0000T, isentou a Reclamada por do depósito recursal, pois a mesma provou a miserabilidade jurídica.

Tal entendimento pode significar um novo "rumo" da jurisprudência, que inclusive, acompanha a Instrução Normativa número 03/1993, X, do próprio TST, que assim dispõe sobre a matéria:

X - Não é exigido depósito recursal, em qualquer fase do processo ou grau de jurisdição, dos entes de direito público externo e das pessoas de direito público contempladas no Decreto-Lei n.º 779, de 21 . 8 . 69, bem assim da massa falida, da herança jacente e da parte que, comprovando insuficiência de recursos, receber assistência judiciária integral e gratuita do Estado (art. 5º, 74º LXXIV, CF).


Do princípio da isonomia entre empresas

Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) das 4,1 milhões de empresas ativas no País em 2008, 3,6 milhões (88,7%) tinham de 0 a 9 pessoas ocupadas e eram denominadas microempresas.

No que tange aos recursos que são interpostos ao TST, a Indústria, a União e o Sistema financeiro foram os maiores demandantes no ano de 2009. Frise-se que a União é isenta do pagamento de depósito recursal.

Isto posto, verifica-se já de início, uma incongruência, pois as microempresas correspondem a 88,7% das empresas no Brasil e, ao mesmo tempo, são as que menos interpõem recurso no TST.

Uma segunda incongruência consiste no fato de que tanto as empresas de pequeno porte quanto as de grande porte possuem a mesma obrigação de recolhimento de depósito recursal, que hoje é de R$ 5.889,50 para Recurso Ordinário e R$ 11.779,02 para Recurso de Revista, Embargos e Recurso Extraordinário e Recurso em Ação Rescisória.

Não é adequado estipular o mesmo valor do depósito recursal para empresas de pequeno e grande porte, vez que vai em desencontro ao princípio da isonomia que consiste em tratar igualmente o iguais e desigualmente os desiguais.

Ademais a própria Constituição Federal de 1988 prevê em seus artigos 170, IX e 179 a aplicação ao princípio da isonomia às microempresas:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País

Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.

Assim, entendo que não obstante a manutenção da obrigatoriedade de depósito recursal como forma parcial de garantia de juízo e como forma direta de desestímulo a interposição de recursos meramente protelatórios, as microempresas deveriam ter um tratamento diferenciado, seja na opção de apresentação de um determinado bem como garantia de juízo ou, ainda, que houvesse um valor diferenciado para o depósito recursal.

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Sobre o autor
Fábio Nunes de Lima

Advogado em São Paulo (SP). Integrante do grupo de trabalho da Pró-Reitoria de Pós-Graduação da PUC/SP. Mestre em Direito do Trabalho pela PUC/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Fábio Nunes. Aspectos controvertidos do depósito recursal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3130, 26 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20943. Acesso em: 29 mar. 2024.

Mais informações

Texto elaborado como requisito parcial para aprovação na disciplina "Recursos no Processo Trabalhista", no Mestrado em Direito da PUC/SP.

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