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O direito de morrer dignamente

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11/02/2012 às 17:35
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3 – O DIREITO À LIBERDADE. A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE E A AUTONOMIA PRIVADA.

3.1 – O direito à liberdade

A liberdade está prevista na Constituição como um direito fundamental e, assim como a vida, a igualdade, a segurança e a propriedade, deve ser garantida a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país (art. 5º, CF/88). Também como direito fundamental, apresenta os mesmos caracteres, já explicados: historicidade, inalienabilidade, imprescritibilidade e irrenunciabilidade.

O constitucionalista José Afonso da Silva (2003, p. 232) propõe para a liberdade o seguinte conceito: “consiste na possibilidade de coordenação consciente dos meios necessários à realização da felicidade pessoal”.

A história mostra que, com a evolução da humanidade, o conteúdo de liberdade se ampliou. A liberdade “fortalece-se, estende-se, à medida que a atividade humana se alarga. Liberdade é conquista constante” (SILVA, 2003, p. 231).

Todavia, é necessário destacar que este direito não é absoluto. A liberdade também sofre limitações, que se dão em virtude do fato de que o homem vive em sociedade, não podendo a sua liberdade ser maior que a de outra pessoa. O direito à liberdade de uma pessoa termina quando começa o mesmo direito alheio. Não há limite maior e mais necessário que este.

O exercício do direito à liberdade propicia o desenvolvimento da personalidade do ser humano. Assim, nas palavras de Raquel Rios (2004. p. 175), liberdade é “primordial instrumento de realização do ser humano que se traduz na possibilidade do pleno desenvolvimento de suas potencialidades”. Neste sentido, a autora fornece o seguinte conceito: 

a liberdade é um direito sagrado, que serve de fundamento a toda a ordem social, sendo um dos pressupostos fundamentais da sociedade justa e do progresso e o valor supremo da democracia, que representa a garantia de outros direitos fundamentais e a realização, mais plena possível, de todas as valiosas singularidades de cada ser humano, de cada cultura, de cada povo (RIOS, 2004, p. 176).

Dessas considerações talvez seja possível concluir que deve haver um equilíbrio entre autoridade e liberdade, a fim de que o cidadão possa sentir que dispõe de campo necessário à perfeita expressão de sua personalidade. A liberdade consiste, então, na “ausência de toda coação anormal, ilegítima e imoral”. Assim, “toda lei que limita a liberdade precisa ser lei normal, moral e legítima, no sentido de que seja consentida por aqueles cuja liberdade restringe” (SILVA, 2003, p. 231).

Há que se registrar, contudo, que, para o exercício do direito à liberdade, uma sociedade deve propiciar aos cidadãos condições mínimas de existência e garantir-lhes uma qualidade de vida razoável. Desta forma, esta sociedade oferecerá condições para o desenvolvimento dos cidadãos que a compõem. Corroborando este entendimento, vale a pena exibir o conceito de cidadão livre elaborado por Raquel Rios:

o cidadão livre não é mais aquele que não é tolhido em seus atos, mas aquele informado, educado, que come, mora, veste, trabalha, tem dignidade, e, portanto, consegue executar suas opções feitas com liberdade (RIOS, 2004, p. 180).

3.2 – A relação jurídica Médico-Paciente

3.2.1 – A evolução da relação médico-paciente

Em que pese o fato de não haver uma relação de igualdade entre médico e paciente, uma vez que aquele detém o conhecimento do estado de saúde deste, não pode haver espaço para uma relação de quase arbítrio entre esse profissional que atua sobre a integridade física e mental do outro num processo de decisão totalmente alheio a este (BORGES, 2001, p. 296).

Para redirecionar a relação entre médico e paciente, Bruno Torquato de Oliveira Naves e Maria de Fátima Freire de Sá (2002) assinalam que são necessárias: competência, maturidade e sensibilidade. Sobre esta relação, os autores citam alguns de seus complicadores trazidos pelo século XX, quais sejam: “a biotecnologia, a crescente especialização e, também, a interposição institucional” (NAVES; SÁ, 2002, p. 121).

Em virtude dos avanços tecnológicos, o contato entre médico e paciente diminuiu. Outro fator que contribui para aumentar essa distância são as crescentes especializações desses profissionais, que deixam de ser o médico da família para se tornarem especialistas, com os quais o contato é bem menor e mais objetivo. Ainda que a especialização tenha grande importância, pois confere ao profissional um conhecimento mais aprofundado sobre a sua área de atuação, ela abrange este efeito negativo.

Outro incômodo à relação médico-paciente, citado por Bruno Torquato de Oliveira Naves e Maria de Fátima Freire de Sá (2002, p. 122) é a interposição institucional. Para os autores, “o que se vê é o doente sendo tratado pelo nome da doença ou pelo apartamento ou enfermaria em que se encontra”.

Não obstantes todos esses complicadores, a relação médico-paciente existe e deve ser pautada pela ética e pelo compromisso com a saúde do paciente. Ainda que o contato entre paciente e médico tenha sofrido modificações, é necessário que o profissional volte sua atenção ao paciente, oferecendo-lhe não apenas procedimentos terapêuticos, mas também dedicando-lhe carinho e cuidado, a fim de tornar mais completa a relação e, conseqüentemente, o serviço médico.

3.2.2 – A natureza jurídica da relação médico-paciente

Quanto à natureza jurídica da relação médico-paciente, Bruno Torquato de Oliveira Naves e Maria de Fátima Freire de Sá registram que:

Há grande resistência entre os profissionais de saúde quando se determina o liame existente entre estes e o paciente como uma relação meramente contratual, um contrato de prestação de serviços médicos. No entanto, é essa a natureza jurídica do vínculo (NAVES; SÁ, 2002, p. 113).

Esta relação, como qualquer outra relação contratual, “é informada pelos princípios da boa-fé contratual, da justiça contratual e da autonomia da vontade” (NAVES; SÁ, 2002, p. 113).

A relação médico-paciente (NAVES; SÁ, 2002, p. 115), “mais do que patrimonial, é uma relação que objetiva um valor existencial e encontra-se submetida e informada pelo princípio da dignidade”.

Muito além de possuir natureza contratual, a relação médico-paciente objetiva o comprometimento para com a saúde, o bem-estar e a dignidade deste (NAVES; SÁ, 2002, p.115).

3.2.3 – O paciente como cliente. O valor da manifestação da vontade. 

A antiga figura do médico de família, que compunha, inclusive, seu grupo de amigos foi sendo modificada em virtude dos avanços tecnológicos. O tecnicismo se sobrepôs ao humanismo e a medicina assumiu a função de prolongar a vida (NAVES; SÁ, 2002, p. 101-102).

Contudo, esta relação está se modificando; assiste-se, hoje, talvez um movimento exatamente inverso. A função médica procura, agora, prolongar a vida, desde que com qualidade. Não se busca apenas a quantidade. Espera-se vida digna (NAVES; SÁ, 2002).

Essa alteração seria uma forma de retomar uma maior humanização à medicina. E o reflexo disso é a consideração do paciente como cliente. Sendo assim considerado, sua participação passa a ter maior importância, uma vez que, através de sua manifestação de vontade, o cliente pode tomar decisões sobre os rumos do tratamento que pode vir a se submeter. Esta consideração eleva o doente a sujeito, deixando de ser meramente aquele que espera, como a expressão paciente significa (BORGES, 2001).

O doente, ao ser tratado como cliente, passa a ser mais valorizado e, nos dizeres de Roxana Cardoso Brasileiro Borges (2001, p. 296), “deixa de ser mero sujeito passivo, tendo sua decisão sobre o tratamento uma importância ressaltada”. Passa-se a admitir, segundo a autora, que o cliente, paciente, decida sobre a execução do tratamento oferecido pelo médico, ou, caso já esteja este em sua duração, decida se deseja com ele continuar.

Passa a receber importância a manifestação da vontade do paciente, e sua inobservância, “por parte dos médicos, pode caracterizar cárcere privado, constrangimento ilegal e até lesões corporais, conforme o caso” (BORGES, 2001, p. 294). E isso vale tanto quando a manifestação seja no sentido de proceder ou manter o tratamento, quanto no sentido de privar-se deste. Em outras palavras, ainda que varie o conteúdo da manifestação volitiva, tendo ela sido conscientemente dada, a idéia é de que, em princípio, ela deva ser respeitada pelo profissional envolvido.

3.3 – Autonomia Privada

3.3.1 – A expressão autonomia privada

De acordo com o professor Ronald Dworkin (2003, p. 315), “há um consenso geral de que os cidadãos adultos dotados de capacidade [01] têm direito à autonomia, isto é, direito a tomar por si próprios decisões importantes para a definição de suas vidas”.

Segundo Bruno Torquato de Oliveira Naves e Maria de Fátima Freire de Sá (2002), o direito se utiliza dos termos autonomia da vontade ou autonomia privada por serem mais abrangentes que a expressão “Consentimento informado” que, no campo biológico, sintetiza o poder de autodeterminação do paciente.

Entretanto, para estes autores, entre autonomia da vontade e autonomia privada, a utilização desta é preferível à daquela, posto que ao direito resta analisar a manifestação concreta da vontade (autonomia privada) e não suas causas e características intrínsecas (autonomia da vontade). Como eles demonstram, a autonomia da vontade tem uma conotação subjetiva, psicológica, “enquanto a autonomia privada marca o poder da vontade no direito de um modo objetivo, concreto e real” (NAVES; SÁ, 2002, p. 116).

3.3.2 – O PSDA e as advance directives. O testamento vital e o consentimento informado.

Nos Estados Unidos, a autonomia privada do paciente foi sendo gradativamente reconhecida, culminando com a formulação de um texto normativo, aprovado pelo Congresso do país, que entrou em vigor em 1º de Dezembro de 1991. O texto trata do Ato de Auto-Determinação do Paciente – The Patient Self-Determination Act (PSDA) – nas relações médicas (NAVES; SÁ, 2002, p. 117-118).

Naquele país, quando da admissão do paciente, os centros de saúde registram suas opções e objeções a tratamentos em caso de incapacidade superveniente de exercício da própria autonomia. São as advance directives, que permitem que o paciente antecipe suas decisões, caso posteriormente não possa manifestar sua vontade. Três são as formas em que elas se consubstanciam: 1) living will; 2) durable power of attorney for health care; 3) advanced core medical directive (NAVES; SÁ, 2002, p. 118).

O living will ou “testamento em vida”, como bem definem Bruno Torquato de Oliveira Naves e Maria de Fátima Freire de Sá (2002, p. 118-119), “pretende estabelecer os tratamentos médicos indesejados, caso o paciente incorra em estado de inconsciência ou esteja em estado terminal”. Através do durable power of attorney for health care, que em português quer dizer poder duradouro do representante para cuidados com a saúde, ou mandato duradouro, estabelece-se um representante para decidir e para tomar as providências cabíveis pelo paciente (NAVES; SÁ, 2002, p. 119). Pela advanced core medical directive ou diretiva do centro médico avançado, por fim, o paciente estabelece os procedimentos a que não quer se submeter e nomeia um representante. Este é um documento mais completo, voltado para pacientes terminais, que reúne disposições do “testamento em vida” e do mandato duradouro (NAVES; SÁ, 2002, p. 119).

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O living will também pode ser chamado de testament de vie, testamento biológico ou testamento vital (BORGES, 2001, p. 295). E é com este nome que Roxana Cardoso Brasileiro Borges o define:

O testamento vital é um documento em que a pessoa determina, de forma escrita, que tipo de tratamento ou não tratamento deseja para a ocasião em que se encontrar doente, em estado incurável ou terminal, e incapaz de manifestar sua vontade. Visa-se, com o testamento vital, a influir sobre os médicos no sentido de uma determinada forma de tratamento ou, simplesmente, no sentido do não tratamento, como uma vontade do paciente que pode vir a estar incapacitado de manifestar sua vontade em razão da doença (BORGES, 2007, p. 240).

Embora, no Brasil, não exista legislação específica sobre a possibilidade de o paciente se utilizar do testamento vital, determinando os tratamentos a que deseja ou não se submeter caso não possa vir a se manifestar, nos Estados Unidos, esse documento tem valor legal e tem suas origens no Natural Death Act, na Califórnia, na década de 70. Lá, o testamento vital tem validade de aproximadamente cinco anos (BORGES, 2001, p. 296). 

Além de evitar procedimentos médicos desmedidos, uma garantia ao paciente, o testamento vital, de acordo com Roxana Cardoso Brasileiro Borges (BORGES, 2001, p. 296), também é uma garantia ao profissional médico, afinal, “evita que o médico seja processado por não ter procedido a um procedimento em paciente em fase terminal, conforme solicitado por este no documento”.

Quaisquer desses atos, no entanto, têm validade condicionada a um elemento primordial, qual seja o consentimento informado do paciente, ou autonomia privada do mesmo.

O consentimento informado, segundo Bruno Torquato de Oliveira Naves e Maria de Fátima Freire de Sá (2002. p. 123), “é elemento central na relação médico-paciente, sendo resultado de um processo de diálogo e colaboração, visando satisfazer a vontade e os valores do paciente”. Entretanto, esta expressão pode ser substituída no meio jurídico pela expressão autonomia privada, como já foi ressaltado.

Em suas objeções àquela expressão (consentimento informado), Roxana Cardoso Brasileiro Borges (2001, p. 297) assinala: “não se trata de mero consentimento (mesmo informado), mas, mais que isso, de solicitação do tratamento disponibilizado pelo médico”. O consentir, na visão da autora, era função do antigo paciente. Quando tratado como cliente, verifica-se que a decisão deste é de maior conteúdo e maior liberdade que o consentimento.

Qualquer que seja a expressão a ser utilizada, o relevante é não desmerecer que a vontade do paciente deve ser respeitada, desde que devidamente emitida.

3.3.3 – Requisitos de validade para o exercício da autonomia privada

São requisitos para que o paciente exerça sua autonomia a “informação, o discernimento e a ausência de condicionadores externos” (NAVES; SÁ, 2002, p. 119).

O paciente deve ser informado sobre o diagnóstico, o tratamento a que pode se submeter, os resultados possíveis e os riscos que podem decorrer da terapia empregada. Uma vez que o paciente depende de informações para tomar sua decisão, é necessário que elas sejam transmitidas previamente numa linguagem clara e acessível. O paciente precisa estar completamente esclarecido para emitir sua decisão.

Ao lado das informações precisas, está o aspecto do discernimento. O paciente precisa entender a situação para que sua decisão não seja comprometida. Entretanto, diante do quadro clínico em que o paciente se encontra, é necessário que o médico ateste “se o nível de consciência deste paciente permite que ele tome decisões” (NAVES; SÁ, 2002, p. 120).

Ainda, é necessário que a manifestação do paciente seja livre, sem a influência de vícios sociais ou de vícios do consentimento. 

No que concerne à informação, é necessário lembrar que seu acesso é assegurado pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XIV. Assim, segundo Roxana Cardoso Brasileiro Borges:

A exigência do consentimento informado e esclarecido prévio é a regra. São exceções os casos de incapacidade do paciente para tomar decisões. Numa situação de incapacidade legal, tem-se admitido o consentimento poder ser dado pelos representantes legais. Mas esta é uma questão polêmica, pois trata-se de uma decisão sobre a vida de outrem (BORGES, 2001, p. 294).

Nos casos em que o paciente não puder se manifestar devido ao estado de inconsciência ou urgência, o médico deve prosseguir com o tratamento. Na visão de Roxana Cardoso Brasileiro Borges (2001, p. 295), “o dever do médico de cuidar do paciente acaba quando este, após ter recebido todas as informações, opõe-se ao tratamento”. Neste ponto, inclusive, para segurança do médico, conforme a autora, o consentimento deve ser escrito.

Assim, é válida a manifestação da vontade do paciente quando este se encontre corretamente informado de seu quadro clínico e quando tenha capacidade para tomar as respectivas decisões a respeito de seu tratamento.

3.3.4 – A (in)consciência e a (in)capacidade

As decisões sobre a própria morte, ou sobre a morte de outras pessoas, devem ser tomadas em três tipos principais de situação, como mostra o professor Ronald Dworkin (2003): a) consciente e capaz; b) inconsciente e, c) consciente mas incapaz [02].

Ilustra a primeira situação o caso de Lillian Boyes, “uma inglesa de setenta anos que agonizava devido a uma forma terrível de artrite reumatóide, com dores tão lancinantes que nem mesmo os analgésicos mais poderosos conseguiam mitigar” (DWORKIN, 2003, p. 251). O forte sofrimento por que passava fez com que Lillian implorasse a seu médico, o Dr. Nigel Cox, com quem manteve uma sólida relação pessoal, por treze anos, que a matasse. Ela morreu minutos depois de o médico ter-lhe aplicado uma dose letal de cloreto de potássio. Por causa dessa aplicação, registrada em seu prontuário médico, o Dr. Cox foi julgado por tentativa de homicídio. Isto porque o corpo fora cremado, o que tornou impossível comprovar que a aplicação fora a causa da morte. Embora tivesse sido condenado a um ano de prisão, a sentença do juiz foi suspensa sob a alegação de que o médico havia descumprido com o seu dever por compaixão a uma paciente terminal que havia se tornado uma querida amiga. Além disso, apesar de ter sido repreendido pelo Conselho de Medicina, o Dr. Cox não foi impedido de exercer a medicina; ainda que seu empregador o tivesse permitido fazê-lo sob a supervisão de um médico experiente.

Numa situação de inconsciência – a segunda hipótese citada por Dworkin – a decisão sobre a morte recai, na maioria das vezes, sobre a família do paciente. É o caso de Antony Bland, que foi atropelado por uma multidão em fuga num estádio de futebol na Inglaterra e teve os pulmões comprimidos e seu cérebro foi privado de oxigênio por tanto tempo que entrou em estado vegetativo permanente. A solicitação para que os médicos pudessem retirar o suporte vital e deixá-lo morrer partiu de seus pais. A solicitação foi acatada pelo juiz, já que atendia aos interesses do paciente. Esta decisão foi confirmada tanto pelo Tribunal de Apelação quanto pela Câmara Alta do Parlamento Inglês, que enfatizavam o fato de a continuidade do tratamento não estar entre os interesses fundamentais do paciente (DWORKIN, 2003, p. 265-266).

As considerações de Dworkin (2003, p. 267) levam a concluir que a situação de consciência e incapacidade, a terceira situação, pode ser caracterizada pela demência, que afeta, atualmente, cerca de um quarto à metade das pessoas acima de oitenta e cinco anos, “e que a causa principal do problema é o Mal de Alzheimer”. Dworkin (2003, p. 267) ainda completa: “nos estágios avançados dessa doença progressiva, as vítimas já perderam toda memória e todo sentido de continuidade do eu e são incapazes de atender a suas próprias necessidades ou funções”. 

Caso relacionado a esta situação foi o de Janet Adkins, que estava nos estágios iniciais do Mal de Alzheimer e sabia o que lhe iria acontecer dali por diante. A senhora Adkins procurou o Dr. Jack Kevorkian, que possuía uma máquina de injetar veneno na parte de traz de sua perua. Os pacientes que desejassem morrer deveriam apertar um botão que injetava o veneno através de uma agulha que o médico introduzia na veia. Por este motivo, o Dr. Kevorkian fora apelidado de Dr. Morte. Em sua entrevista, que foi gravada, a senhora Adkins o convenceu de que ainda estava em pleno uso de suas faculdades mentais e que desejava morrer. Dois dias depois, Janet se submeteu à máquina e morreu.

A senhora Adkins ainda era capaz quando tomou a decisão de morrer, porém nos últimos estágios da doença, não é possível tal decisão, pois a pessoa doente se comporta como se seu desejo mais relevante fosse o de viver. Dworkin questiona se as pessoas que podem vir a tornar-se incapazes, por causa da doença, deveriam ter o poder de especificar o tipo de tratamento que desejam receber ou se querem ser mantidas vivas por tratamentos rotineiros, ou, ainda, se elas têm o poder de determinar que desejam ser mortas. Pode parecer absurdo sugerir que uma pessoa tome providências antecipadas para ser morta, pois, quando chegado o momento determinado, a pessoa pode dar sinais claros de que deseja estar viva. Mas, o autor sugere refletir que se a senhora Adkins tivesse tido esse poder, talvez pudesse ter desfrutado de muitos outros anos de vida útil, confiante em que não lhe permitiriam chegar à condição que temia.

 A autonomia do paciente é fator relevante para este estudo, uma vez que sua decisão recairá sobre sua própria vida. Mas, a autonomia representa apenas um dos argumentos que circundam o tema.


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Sobre o autor
Aluisio Santos de Oliveira

Advogado, Professor de Direito Civil II (Atos, Fatos e Negócios Jurídicos). Pós-graduado em Direito Privado pela Universidade Gama Filho (2008). Graduado em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas de Itabira (Fachi).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Aluisio Santos. O direito de morrer dignamente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3146, 11 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21065. Acesso em: 18 abr. 2024.

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