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Recebimento indevido de benefício previdenciário após o óbito do beneficiário

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02/03/2012 às 14:55
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O recebimento indevido de benefício previdenciário após o óbito do beneficiário caracteriza o crime de estelionato contra entidade de direito público (art. 171, § 3º do Código Penal), conforme jurisprudência majoritária dos Tribunais Regionais Federais.

INTRODUÇÃO

O recebimento indevido de benefícios previdenciários após o óbito dos beneficiários é uma prática insidiosa que tem causado vultosos prejuízos ao erário, fazendo com que os recursos públicos utilizados em pagamentos indevidos deixem de ser empregados em atividades e projetos de interesse da coletividade.

O presente trabalho tem o intuito de fazer uma breve análise sobre os diversos aspectos relativos ao assunto. Para tanto, expõe o fluxo das informações relativas ao óbito; mostra os efeitos previdenciários do falecimento do titular de benefício do regime de previdência dos servidores públicos civis da União; analisa os efeitos penais e civis do recebimento indevido de benefício previdenciário após a morte do beneficiário; põe à vista a importância do Sistema Informatizado de Controle de Óbito – Sisobi e da cooperação técnica entre o INSS e os órgãos públicos para prevenção e repressão de fraudes relativas a benefícios previdenciários, evitando-se, assim, pagamentos indevidos.


 

 

DESENVOLVIMENTO

1. Fluxo da informação do óbito

O fluxo das informações relativas ao óbito tem início na declaração do óbito. O art. 79 da Lei nº 6.015/73 estabelece que são obrigados a “fazer declaração de óbitos” (leia-se declarar o óbito), pessoalmente ou por preposto, mediante autorização escrita de que constem os elementos necessários ao assento de óbito:

1°) o chefe de família, a respeito de sua mulher, filhos, hóspedes, agregados e fâmulos;

2º) a viúva, a respeito de seu marido, e de cada uma das pessoas indicadas no número antecedente;

3°) o filho, a respeito do pai ou da mãe; o irmão, a respeito dos irmãos e demais pessoas de casa, indicadas no nº 1; o parente mais próximo maior e presente;

4º) o administrador, diretor ou gerente de qualquer estabelecimento público ou particular, a respeito dos que nele faleceram, salvo se estiver presente algum parente em grau acima indicado;

5º) na falta de pessoa competente, nos termos dos números anteriores, a que tiver assistido aos últimos momentos do finado, o médico, o sacerdote ou vizinho que do falecimento tiver notícia;

6°) a autoridade policial, a respeito de pessoas encontradas mortas.

O art. 77 do referido diploma legal, por sua vez, preceitua:

Art. 77 - Nenhum sepultamento será feito sem certidão, do oficial de registro do lugar do falecimento, extraída após a lavratura do assento de óbito, em vista do atestado de médico, se houver no lugar, ou em caso contrário, de duas pessoas qualificadas que tiverem presenciado ou verificado a morte. (Renumerado do art. 78 com nova redação, pela Lei nº 6.216, de 1975).

A Portaria nº 20, de 3 de outubro de 2003, do Ministério da Saúde/Secretaria de Vigilância em Saúde (Publicada no DOU nº196, de 9 de outubro de 2003, Secção I, pág 71), regulamenta a coleta de dados, fluxo e periodicidade de envio das informações sobre óbitos e nascidos vivos para os Sistemas de Informações em Saúde – SIM e Sinasc, dispondo, em seu art. 8º:

Art. 8º: Deverá ser utilizado o formulário da Declaração de Óbito – DO, constante no Anexo I desta Portaria, como documento padrão de uso obrigatório em todo o País, para a coleta dos dados sobre óbitos e indispensável para a lavratura, pelos Cartórios do Registro Civil, da Certidão de Óbito.

O formulário DO, previsto no art. 8º da mencionada portaria, corresponde ao atestado médico referido no art. 77 da lei em apreço.

Com efeito, a emissão da DO é ato médico, pelo que, ocorrida uma morte, o médico tem obrigação legal de constatar e atestar o óbito, conforme arts. 83 e 84 do Código de Ética Médica, aprovado pela Resolução CFM nº 1931/2009.

O assento de óbito, por sua vez, é registro do óbito efetuado no Cartório do Registro Civil das Pessoas Naturais do lugar do falecimento e lavrado à vista da DO ou, nos locais onde não há médicos, do testemunho de duas pessoas qualificadas que tenham presenciado ou verificado a morte. Nos termos do art. 80 da Lei de Registros Públicos, deve conter:

1º) a hora, se possível, dia, mês e ano do falecimento;

2º) o lugar do falecimento, com indicação precisa;

3º) o prenome, nome, sexo, idade, cor, estado, profissão, naturalidade, domicílio e residência do morto;

4º) se era casado, o nome do cônjuge sobrevivente, mesmo quando desquitado; se viúvo, o do cônjuge pré-defunto; e o cartório de casamento em ambos os casos;

5º) os nomes, prenomes, profissão, naturalidade e residência dos pais;

6º) se faleceu com testamento conhecido;

7º) se deixou filhos, nome e idade de cada um;

8°) se a morte foi natural ou violenta e a causa conhecida, com o nome dos atestantes;

9°) lugar do sepultamento;

10º) se deixou bens e herdeiros menores ou interditos;

11°) se era eleitor.

12º) pelo menos uma das informações a seguir arroladas: número de inscrição do PIS/PASEP; número de inscrição no Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, se contribuinte individual; número de benefício previdenciário - NB, se a pessoa falecida for titular de qualquer benefício pago pelo INSS; número do CPF; número de registro da Carteira de Identidade e respectivo órgão emissor; número do título de eleitor; número do registro de nascimento, com informação do livro, da folha e do termo; número e série da Carteira de Trabalho. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.187-13, de 2001)

A certidão de óbito é o documento, lavrado pelo oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais do lugar do falecimento a partir dos dados do assento de óbito, que dá publicidade ao falecimento. Trata-se de documento essencial para que se realize o sepultamento do falecido, nos termos do art. 77 da Lei nº 6.015/73.

Com o óbito, ocorre a cessação do direito ao benefício previdenciário de seu titular, pelo que o conhecimento tempestivo do falecimento de um beneficiário pode evitar a continuidade do creditamento do benefício e possibilitar a oportuna devolução pelo banco pagador dos valores lançados após o seu falecimento.

Diante disso, dispõe a Lei nº 8.212/91:

Art. 68. O Titular do Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais fica obrigado a comunicar, ao INSS, até o dia 10 de cada mês, o registro dos óbitos ocorridos no mês imediatamente anterior, devendo da relação constar a filiação, a data e o local de nascimento da pessoa falecida. (Redação dada pela Lei nº 8.870, de 15.4.94)

§ 1º No caso de não haver sido registrado nenhum óbito, deverá o Titular do Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais comunicar este fato ao INSS no prazo estipulado no caput deste artigo. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 8.870, de 15.4.94).

§ 2º A falta de comunicação na época própria, bem como o envio de informações inexatas, sujeitará o Titular de Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais à penalidade prevista no art. 92 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 9.476, de 23.7.97)

§ 3o  A comunicação deverá ser feita por meio de formulários para cadastramento de óbito, conforme modelo aprovado pelo Ministério da Previdência e Assistência Social. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.187-13, de 2001).

§ 4o   No formulário para cadastramento de óbito deverá constar, além dos dados referentes à identificação do Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais, pelo menos uma das seguintes informações relativas à pessoa falecida: (Incluído pela Medida Provisória nº 2.187-13, de 2001).

a) número de inscrição do PIS/PASEP; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.187-13, de 2001).

b) número de inscrição no Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, se contribuinte individual, ou número de benefício previdenciário - NB, se a pessoa falecida for titular de qualquer benefício pago pelo INSS; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.187-13, de 2001).

c) número do CPF; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.187-13, de 2001).

d) número de registro da Carteira de Identidade e respectivo órgão emissor; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.187-13, de 2001).

e) número do título de eleitor; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.187-13, de 2001).

f) número do registro de nascimento ou casamento, com informação do livro, da folha e do termo; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.187-13, de 2001).

g) número e série da Carteira de Trabalho. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.187-13, de 2001).


 

 

2. Efeitos previdenciários do óbito do titular do benefício no regime de previdência dos servidores  

Com o óbito do servidor público, ocorre a cessação do benefício previdenciário que eventualmente esteja recebendo (v.g., aposentadoria).

Ademais, pode ocorrer o início do direito de outras pessoas, pois os eventuais dependentes passam a ter o direito de serem beneficiários de uma pensão mensal de valor correspondente ao da respectiva remuneração ou provento, conforme o caso, a partir da data do óbito, nos termos do art. 215 da Lei nº 8.112/90.

Nos termos do Ofício-Circular n.º 38/SRH/MP, de 05 de julho de 2001, expedido à vista do Parecer/MP/CONJUR/DL/ nº 0257-1.9/2001, que considerou o disposto no art. 1º da Lei nº 6.858/80:

“Os valores referentes ao passivo não recebido em vida pelo servidor, deverão ser pagos aos dependentes legalmente habilitados sem exigência de alvará judicial. Quando se tratar de herdeiros não inscritos no SIAPE, o pagamento somente poderá ser feito mediante alvará expedido pelo juiz competente para o inventário ou arrolamento.

Todavia, esse entendimento foi modificado após a edição da Lei nº 11.441/2007, que alterou dispositivos do Código de Processo Civil, possibilitando a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual por via administrativa, de modo que, inexistindo dependentes habilitados à pensão por morte, o pagamento valor devido até a data do óbito mas não recebido em vida pelo servidor será realizado mediante autorização judicial ou pela apresentação de partilha por escritura pública, observadas as alterações implementadas no CPC pela referida lei. Nesse sentido, foi exarada a Nota Técnica nº 376/2010/COGES/DENOP/SRH/MP, aprovada pelo Sr. Secretário de Recursos Humanos.

Segundo o art. 223 da Lei nº 8.212/91, ocorrido o falecimento de um beneficiário da pensão por morte, a respectiva cota do benefício reverterá: (i)  no caso de pensão vitalícia, para os remanescentes desta pensão ou para os titulares da pensão temporária, se não houver pensionista remanescente da pensão vitalícia; (ii) na hipótese de pensão temporária, para os co-beneficiários ou, na falta destes, para o beneficiário da pensão vitalícia.

Observe-se que haverá cessação do benefício de pensão por morte no caso de falecimento do único ou do último beneficiário.

Os valores devidos ao pensionista até a data do seu óbito, mas não recebidos em vida, serão pagos aos seus sucessores, na forma da lei civil, mediante autorização judicial ou pela apresentação de partilha por escritura pública, observadas as alterações implementadas no CPC pela Lei nº 11.441/2007.

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Ocorre que, não raras vezes, a falta de conhecimento oportuno do falecimento do servidor aposentado ou do beneficiário da correspondente pensão por morte pelo órgão ou entidade a que aquele pertencia faz com que este continue a efetuar o pagamento da aposentadoria ou pensão, respectivamente.

Transparece, assim, que a ciência tempestiva, pelo órgão ou entidade a que pertencia o servidor, do falecimento deste ou de um de um pensionista seu pode prevenir o recebimento indevido do respectivo benefício previdenciário, evitando, assim, a ocorrência de fraudes e prejuízos vultosos ao erário.


 

 

3. Efeitos penais do recebimento indevido de benefício previdenciário após o óbito do beneficiário

A análise da questão à luz do direito penal mostra que resta caracterizado o crime de estelionato contra entidade de direito público (art. 171, § 3º do Código Penal), quando o agente recebe indevidamente benefício previdenciário após a morte do beneficiário. Nesse sentido é a jurisprudência majoritária dos Tribunais Regionais Federais:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO CONTRA ENTE PÚBLICO. ART. 171, § 3º DO CPB. MATERIALIDADE E AUTORIA. DOSIMETRIA DAS penas. REPARAÇÃO DE DANOS. IRRETROATIVIDADE DE LEI PENAL MAIS GRAVOSA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. Materialidade e autoria pelo recorrente do crime de estelionato contra a Câmara dos Deputados comprovadas, pelo recebimento indevido de benefício previdenciário após a morte da segurada (artigo 171, § 3º do CPB). 2. Alegações do réu de erro sobre a ilicitude do fato e inexistência de dolo afastadas. 3. Dosimetria das penas corretamente estabelecida, com exame criterioso dos artigos 59 e 68 do Código Penal. 4. Condenação do réu em reparação de danos excluída, considerando a irretroatividade de lei penal mais severa (art. 5º, XL, CF). 5. Apelação do réu parcialmente provida. (ACR 200639000076556, JUIZ FEDERAL GUILHERME MENDONÇA DOEHLER (CONV.), TRF1 - TERCEIRA TURMA, e-DJF1 DATA:12/11/2010 PAGINA:211.)

PENAL. ESTELIONATO. RECEBIMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO INDEVIDO. CONHECIMENTO DA ILICITUDE. DOLO. ATENUANTES. SÚMULA Nº 231 DO STJ. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE. CUSTAS PROCESSUAIS. MATÉRIAS AFETAS À EXECUÇÃO. 1. A materialidade, autoria e o elemento subjetivo do tipo restaram plenamente demonstrados nos autos, uma vez que a acusada, após a morte de sua mãe, continuou recebendo o benefício previdenciário, ciente de que era indevido. 2. O erro sobre a ilicitude do fato pode acarretar isenção de pena (quando o erro for inevitável) ou sua redução (quando o erro for evitável em função da consciência potencial de ilicitude). Contudo, na hipótese sub judice, restou evidenciado que a ré sabia da reprovabilidade da sua conduta. 3. "A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal." (Súm. 231/STJ). 4. O art. 46, §3º do CP consigna expressamente que a prestação de serviço à comunidade deve ser "cumprida à razão de 1 (uma) hora de tarefa por dia de condenação". Nada obsta, contudo, que o juízo da execução possibilite o cumprimento de outro modo que se revele suficiente para a prevenção e reprovação do crime, nos termos do § 4º do art. 46 do CP. 5. O exame da miserabilidade do condenado, para fins de isenção das custas processuais, compete ao juízo da execução. (ACR 200071000396441, ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO, TRF4 - OITAVA TURMA, D.E. 14/03/2007.)

Penal. Recebimento de benefício previdenciário com cartão magnético mesmo após a morte da titular. Estelionato. Alegação de te havido erro de proibição. Conjunto probatório que demonstra a consciência da ilicitude. Possibilidade ou não de cumprimento das penas restritivas de direitos. Matéria a ser decidida no Juízo da Execução. Improvimento da apelação. As provas dos autos indicam que a agente tinha consciência do ilícito, não podendo buscar guarida na figura do erro de proibição. Os aspectos referentes aos detalhes da execução da sentença, notadamente quanto à possibilidade física de cumprimento das penas restritivas de direitos, devem ser decididos no Juízo da Execução. Apelação improvida. (ACR 200581000031221, Desembargador Federal Lazaro Guimarães, TRF5 - Quarta Turma, DJ - Data::28/05/2009 - Página::273 - Nº::100.)

Não obstante, impende registrar a existência de precedentes jurisprudenciais que, levando em consideração as circunstâncias do caso concreto, reconhecem a inexistência de dolo ou a ocorrência de erro de proibição, hipóteses ensejadoras de absolvição. Senão vejamos:

PENAL. PROCESSO PENAL. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. RECEBIMENTO INDEVIDO DE PENSÃO POR MORTE. EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE. ERRO DE PROIBIÇÃO. ART. 21 DO CÓDIGO PENAL. ABSOLVIÇÃO. - Incide a excludente de culpabilidade - erro de proibição, se a acusada não alcançou a consciência de ilicitude da sua conduta, supondo inexistir irregularidade na continuidade do recebimento de pensão após a sua maioridade e o falecimento do pai, mormente quando lhe foi renovada a senha do cartão magnético sem a exigência no cumprimento das condições legais para o recadastramento. (ACR 200104010299912, VLADIMIR PASSOS DE FREITAS, TRF4 - SÉTIMA TURMA, DJ 02/10/2002 PÁGINA: 918.)

PENAL. ESTELIONATO. PENSIONISTA DA FEB. RECEBIMENTO INDEVIDO DO BENEFÍCIO APÓS A MORTE DA PENSIONISTA. GASTOS COM HOSPITALIZAÇÃO E FUNERAL. Pensionista da FEB, cujo óbito não foi comunicado pelo marido,que seguiu percebendo o benefício durante cinco meses, no total de R $ 2.076,00. Comprovação de despesas com hospitalização e funeral dapensionista, reconhecidas devidas pelo Ministério do Exército, tendo -as abatido do total percebido, exigindo apenas a devolução do restante, R$ 1.276,50. As provas confirmam o estado de penúria do acusado e o emprego do dinheiro em pagamento de dívidas contraídas em razão da doença e do falecimento da pensionista. Despesas abonadas pelo órgão pagador. Ademais, nada indica que o acusado tivesse premeditado receber indevidamente a pensão, pois pensava que os filhos ficassem favorecidos. Dolo indemonstrado. Recurso provido para o efeito de absolver o réu.(ACR 199904010315258, ELOY BERNST JUSTO, TRF4 - PRIMEIRA TURMA, DJ 20/09/2000 PÁGINA: 149.)


 

 

4. Efeitos cíveis do recebimento indevido de benefício previdenciário após o óbito do beneficiário

Já na esfera cível, tem-se que, segundo o § 2º do art. 185 da Lei nº 8.112/91, o recebimento indevido de benefícios por fraude, dolo ou má-fé, implicará devolução ao erário do total auferido, sem prejuízo da ação penal cabível.

O Supremo Tribunal Federal (MS nº 26.210) e o Superior Tribunal de Justiça (REsp’s nº 1.069.779/SP e 403.153/SP) firmaram entendimento de que as ações que buscam a recomposição do patrimônio público são imprescritíveis, ex vi da parte final do § 5º do art. 37 da Constituição Federal (“A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”).

Ante o disposto na Portaria AGU nº 377, de 25 de agosto de 2011 (DOU de 29/08/2011), que regulamenta o disposto no art. 1º- A da Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, estabelecendo prerrogativas a serem exercidas pelos órgãos de representação judicial da União e de suas autarquias e fundações públicas, a quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) é o valor-limite a partir do qual é viável a cobrança judicial de benefícios previdenciários creditados indevidamente para segurados falecidos.

É do espólio do beneficiário ou, caso ultimado o inventário, dos herdeiros necessários, a responsabilidade pelo ressarcimento ao erário dos valores correspondentes aos benefícios previdenciários indevidamente recebidos, conforme entendimento exarado na Nota Técnica nº 571/2009/COGES/DENOP/SRH/MP e corroborado pela jurisprudência:

REQUER a UFRJ a restituição de valores pagos, após a morte da servidora beneficiária dos mesmos, através da condenação do Banco do Brasil S/A e do espólio de Vandeje Tenório Tissot. I- A assertiva da peça de ataque sobre a responsabilidade objetiva do Banco do Brasil, em face de relação de consumo, não deve seguir adiante. Entendo pela impossibilidade da instituição bancária poder efetuar, discricionariamente, estorno de valores erroneamente depositados em conta corrente. Tal posicionamento não fere a defesa das relações de consumo, pois não há dúvida de que a relação que se estabelece entre o depositante das cadernetas de poupança e o banco é de consumo, e a ela se aplica o Código de Defesa do Consumidor. II- Em relação à responsabilidade do Espólio da ex-servidora; verifico que a mesma faleceu em 24 de janeiro de 2000, tendo a UFRJ realizado o depósito do devido, em conta corrente, em 1º de fevereiro de 2000 e 1º de março, no numerário de R$ 1.135,16 e R$ 1.120,05 na devida ordem. III- Os valores depositados nos supracitados meses, pelas provas dos autos, não são valores que estavam por vencer, pelo contrário, referiam-se aos meses de janeiro e fevereiro de 2000. Os valores depositados equivalentes a 24 dias do mês de fevereiro e a todo mês de março devem ser considerados indevidos pela análise das datas acima. IV- Logo, nem todo valores foram depositados indevidamente, sendo que o montante de R$ 1.376,38 (mil, trezentos e setenta e seis reais e trinta e oito centavos) representa o auferido pelo juízo a quo como o erroneamente depositado. Indene de correção à sentença prolatada neste sentido. V- Nego provimento à remessa necessária e ao recurso da parte autora e mantenho a sentença atacada. (AC 200051010294622, Desembargador Federal REIS FRIEDE, TRF2 - SÉTIMA TURMA ESPECIALIZADA, DJU - Data::04/07/2007 - Página::202.)

ADMINSTRATIVO. RESTITUIÇÃO DE VALORES CREDITADOS EM CONTA CORRENTE DE SERVIDORA FALECIDA. CABIMENTO, NO CASO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO EM RELAÇÃO AO BANCO DO BRASIL S/A. CONDENAÇÃO DA AUTORA EM VERBA HONORÁRIA. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. I – Hipótese em que a autora pleiteia a devolução de valores relativos a proventos indevidamente creditados na conta da servidora Wilma Cavalcanti de Albuquerque, já falecida, no período de 23/04/2000 a 31/05/2000. II – Pelos extratos bancários fornecidos pelo Banco do Brasil, constata-se que, de fato, foi creditado na conta da referida servidora, nos dias 02 e 22 do mês de maio de 2000, ou seja, após o seu falecimento, os valores de R$ 1.691,69 (mil, seiscentos e noventa e um reais e sessenta e nove centavos) e R$ 2.041,63 (dois mil, quarenta e um reais e sessenta e três centavos), o que totaliza o montante de R$ 2.736,12 (dois mil, setecentos e trinta e seis reais e doze centavos), respectivamente. III – Não procede a alegação do espólio de que não houve levantamento da quantia indevidamente depositada, uma vez que os extratos encartados aos autos demonstram que a referida conta continuou a ser movimentada após a data do falecimento de sua titular. Logo, não há dúvida de que o espólio, representado por seu inventariante, deve restituir tais valores à autora. IV – Sendo inaplicável o princípio da sucumbência, como é o caso, deve o magistrado utilizar o critério da causalidade para determinar a responsabilidade pelo pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, sob pena de quem não deu causa à propositura da demanda e a extinção do processo se ver prejudicado. Assim, tendo sido extinto o processo em relação ao Banco do Brasil S/A, não há como afastar a condenação da autora em honorários advocatícios, na medida em que deu causa à instauração do processo judicial. V – Apelação da UFRJ e do espólio de Wilma Cavalcanti de Albuquerque improvidas. (AC 200051010319916, Desembargador Federal ANTONIO CRUZ NETTO, TRF2 - QUINTA TURMA ESPECIALIZADA, DJU - Data::21/12/2007 - Página::198.)

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. PAGAMENTO À PESSOA FALECIDA. RESTITUIÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA. 1. É parte legítima passiva, na ação para reaver valores indevidamente creditados, o filho da pensionista falecida que, na condição de inventariante do espólio, saca parcelas do benefício depositadas posteriormente à morte de sua titular. 2. A omissão quanto à alteração da situação fática, ocorrida com a morte da única beneficiária, induziu a Administração a realizar pagamentos indevidos que foram auferidos sem razão de direito. 3. A repetição de indébito sobre ser direito é dever da Administração, em se tratando de dinheiro público. 4. Apelo improvido. (AC 200271080050543, MARIA HELENA RAU DE SOUZA, TRF4 - TERCEIRA TURMA, DJ 01/09/2004 PÁGINA: 659.)

Ademais, o agente que recebe indevidamente o benefício previdenciário após o falecimento do beneficiário é responsável pelo ressarcimento integral da quantia percebida. Isso pode derivar de uma sentença penal condenatória transitada em julgado, que é título executivo judicial (art. 475-N do CPC), como de uma ação de conhecimento, consoante julgado a seguir ementado:

RESTITUIÇÃO AO ERÁRIO. RECEBIMENTO INDEVIDO DE PENSÃO APÓS A MORTE DO BENEFICIÁRIO. I. No presente caso trazido à colação, pretendeu a União Federal a condenação dos Réus ao ressarcimento integral de quantia indevidamente creditada entre os meses de maio de 2001 e setembro de 2002 na conta-corrente do aposentado, falecido em 03/05/2001. II. Os Réus, na qualidade de procuradores do aposentado Enéas Pereira Dourado, praticavam todos os atos necessários junto à Administração Federal, principalmente as atualizações cadastrais para que fosse mantido o pagamento do seu benefício. Mas, embora o mesmo tenha falecido em 03/05/2001, tal fato somente foi comunicado pelo Réu em 20/09/2002. III. A Ré Ana Maria de Sampaio Santos consta da procuração de fl. 10, donde se depreende, ainda, que era casada com Edson dos Santos em regime de comunhão universal de bens. IV. Considerando-se a existência de um patrimônio comum do casal, não há como negar o benefício da segunda ré. V. O fato de o primeiro réu, falecido no curso do processo, ter sido quem, de fato, representava os interesses de seu pai, não a exime da responsabilidade de ressarcir ao erário. VI. Recurso a que se nega provimento. (AC 200551010085770, Desembargador Federal REIS FRIEDE, TRF2 - SÉTIMA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R - Data::03/06/2011 - Página::238.)

Tem-se, ainda, que o descumprimento, por parte dos cartórios, da obrigação prevista no art. 68 da Lei nº 8.212/91, consubstanciado na não comunicação dos óbitos ou no envio de informações com dados incorretos ou com atraso, além de atrair a aplicação da multa prevista no art. 92 da referida lei, pode ensejar a sua responsabilização civil pela reparação do dano, fundada na teoria da culpa, que foi albergada pelos arts. 186 e 927 do Código Civil

Merece destaque a análise feita pelo Tribunal de Contas da União, na TC 004.002/2008-9, quanto à eventual responsabilidade das instituições financeiras pelo pagamento indevido de benefício previdenciário por meio de cartão magnético:

“4.51. No caso do pagamento de benefícios previdenciários por meio de cartão magnético, as instituições financeiras regulam a renovação anual de senhas. Comprovado, posteriormente, que o beneficiário é pessoa falecida, presume-se que a instituição financeira incorreu em ato negligente.”

Existe a possibilidade de incidir o instituto da solidariedade da responsabilidade pela reparação do dano congregando as pessoas anteriormente referidas, ante o disposto no art. 275 do Código Civil, in verbis:

'Art. 275. O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto.

Parágrafo único. Não importará renúncia da solidariedade a propositura de ação pelo credor contra um ou alguns dos devedores'.

(...)

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Sobre o autor
Iuri Cardoso de Oliveira

Procurador Federal, em exercício na Procuradoria Federal Especializada junto ao INCRA em Salvador (BA). Pós-graduado em Direito Constitucional do Trabalho pela Universidade Federal da Bahia. Pós-graduando em Direito Tributário pela Universidade Federal da Bahia. Pós-graduando em Direito Previdenciário pela UNIASSELVI - Centro Universitário Leonardo da Vinci.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Iuri Cardoso. Recebimento indevido de benefício previdenciário após o óbito do beneficiário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3166, 2 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21200. Acesso em: 28 mar. 2024.

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