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As recentes alterações da Lei 8.742/93 (LOAS): benefícios assistenciais

19/03/2012 às 09:42
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A alteração do conceito de família dificulta ainda mais a concessão dos benefícios assistenciais aos idosos e deficientes. No entanto, é pacífico na jurisprudência pátria que este requisito objetivo não é o único capaz de comprovar a miserabilidade, podendo contar com outros elementos de prova.

Recentemente a Lei nº 12.435, de 06 de julho de 2011, trouxe alterações importantes para a concessão do benefício assistencial devido aos idosos e deficientes. As alterações, num primeiro momento, devem provocar a suspensão do benefício de inúmeras pessoas, e, ainda, dificultar a concessão a muitas outras.

Dentre as inovações e alterações introduzidas pela mencionada Lei, que, diga-se, alterou substancialmente alguns dispositivos da Lei 8.742/93 (LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social), destacamos a alteração dos conceitos de unidade familiar e de deficiência, ambos insertos no artigo 20.

Antes da alteração o conceito de família para fins de obtenção da renda per capita era extraído do artigo 16 da Lei 8.213/91, porque a própria Lei Orgânica nos remetia ao mencionado dispositivo, segundo o qual considerava-se “família” para fins de concessão do benefício assistencial: o cônjuge, a companheira, o companheiro, o filho e o irmão, não emancipados de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos de idade ou inválido, os pais e os enteados e menores tutelados, estes últimos por equiparação aos filhos, de acordo com parágrafo 2º do artigo 16 da Lei 8.213/91.

Agora, com a alteração legislativa, considera-se família o requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.

De acordo com a redação original excluíam-se da composição familiar os filhos e irmãos maiores de 21 anos, e, agora, enquanto solteiros, independentemente da idade, não é mais possível fazer essa exclusão, o que aumenta o número de pessoas economicamente ativas e que vivem sob o mesmo teto e, em conseqüência, dificulta a comprovação da hipossuficiência econômica (miserabilidade).

A alteração do conceito de família dificulta ainda mais a concessão dos benefícios assistenciais aos idosos e deficientes. Porém, não podemos esquecer que a miserabilidade se aufere principalmente através da análise da situação concreta, fática, daquele que pretende o benefício. Não lidamos com um critério objetivo, matemático, pois embora a lei diga que se considera miserável aquele cuja renda per capita familiar seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo vigente, sabemos, e isso é pacífico na jurisprudência pátria que este requisito objetivo não é o único capaz de comprovar a miserabilidade, podendo contar com outros elementos de prova. A alteração da lei, porém, deve mudar alguns conceitos antigos que cultivamos ao longo dos anos, deixando para trás aquela “certeza” de exclusão de determinadas pessoas da composição do núcleo familiar para fins de cálculo da renda per capita, como nos casos dos filhos e dos irmãos maiores de 21 anos de idade.

Importante enfim mencionar, em relação à alteração do conceito de família, que a atual redação do artigo 20 refere-se a filhos, irmãos e enteados solteiros, excluídos, portanto, os casados, e justamente porque estes, em tese, têm suas próprias famílias para prover-lhes a subsistência, em geral constituída por mulher e filhos. Assim, diante da própria função social da norma, e da exclusão clara dos mencionados entes que sejam casados, mesmo que residam sob o mesmo teto, lógica é a exclusão dos membros da família, filhos, irmãos e enteados, que, embora, solteiros, vivam em união estável, e, portanto, possuam sua própria família para prover a subsistência.

Além da alteração do conceito de família, a Lei 12.435/2011 trouxe importante alteração, também, em relação ao conceito de deficiência, de muito mais difícil compreensão.

Anteriormente, definia-se como pessoa portadora de deficiência aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho. Conceito este, que ao longo dos anos, foi flexibilizado pelos entendimentos jurisprudenciais que passaram a considerar, em sua grande maioria, ser desnecessária a incapacidade para a vida independente, bastando, portanto, a incapacidade para o trabalho e garantia da própria subsistência. Algum tempo depois, adicionou-se, ainda, o entendimento de que a deficiência (ou incapacidade) sequer precisava ser permanente, sendo admitida para fins de concessão do benefício a incapacidade temporária, com base na temporariedade do próprio benefício, segundo artigo 21 da Lei 8.742/93, que não sofreu qualquer alteração.

Atualmente, a definição está contida no artigo 20, parágrafo 2º da Lei 8.742/93, com as alterações introduzidas pela Lei 12.435/2011, que dispõe que considera-se pessoa com deficiência “aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas”. E, complementando o mencionado conceito, o inciso II do mesmo artigo define como impedimentos de longo prazo “aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos”.

Na verdade, o conceito introduzido pela Lei 12.435/2011 fora extraído da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ou, simplesmente, como chamaremos daqui em diante, Convenção da ONU), artigo 1 (intitulado Propósito). Ressalte-se, contudo, que o legislador brasileiro sequer utilizou a “definição” na integra, na medida em que no conceito inserido no artigo 20 não incluiu os impedimentos de natureza mental e também os termos “igualdade de condições”, contido no final do texto original da Convenção da ONU. Para melhor explicitar, transcrevemos a versão original (a da Convenção da ONU): “Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” (tradução de Romeu Kazumi Sassaki)[1].

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Há que se destacar, ainda, segundo os estudiosos do tema, que a Convenção da ONU não traz uma definição de “pessoas com deficiência” e sim uma explicação, o que é muito bem ressaltado por Romeu Kazumi Sassaki, que com muita propriedade salienta que “esta explicação – que, em outro documento, a ONU faz questão de frisar que não se trata de uma definição (United Nations, 2007) – merece ser analisada” e, segundo ele, por dois motivos: primeiro, porque ela ficou sujeita às interpretações mais variadas nos meios especializados [...]; e, segundo, porque ela contém falta de esclarecimento, erro de terminologia e equívoco de conceituação“[2].

Por óbvio que a observação do mencionado autor se aplica perfeitamente à nossa realidade, até porque, fazendo uma leitura simples do artigo em comento, com a alteração legislativa ocorrida em 2011, já vislumbramos, sem muito esforço, as inúmeras dificuldades que os operadores do direito terão para aplicação do supra citado “conceito”. Já vislumbramos, inclusive, as diversas interpretações que a definição irá ganhar frente aos tribunais de todo o país.

E o que dizer da definição de “impedimento de longo prazo”? Segundo a definição introduzida impedimentos de longo prazo são “aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos”. Ora, esta definição está em contradição com a própria lei. Se, o artigo 21 do mesmo diploma legal prevê que o benefício é temporário, e deve ser revisto a cada dois anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem, não faz o menor sentido exigir-se que a deficiência cause impedimentos por no mínimo dois anos.

Além disso, não podemos deixar de manifestar a preocupação em relação à realização desta avaliação. Como o médico perito irá avaliar o “impedimento de longo prazo”? Acreditamos ser possível sugerir um tempo mínimo ou máximo para recuperação, porém certamente não é possível afirmar o tempo necessário para recuperação de alguma deficiência, com a exatidão que exige a lei, até porque a recuperação depende de inúmeros fatores, dentre eles tratamento e alimentação adequados, uso correto de medicação, o que sabemos, em nosso país, embora direito de todos é oportunizado a poucos.

Indaga-se, ainda, e a função social da norma? Onde fica no meio disso tudo? Como afirmar que a pessoa que tem impedimento que não seja de longo prazo, fixado, por exemplo, em um ano pelo médico perito, não tenha direito de perceber o benefício, que, como o próprio nome já diz, é assistencial, e destina-se à manutenção da subsistência? É justo, atende à função social da norma conceder o benefício a uma pessoa portadora de deficiência que tenha “impedimento de dois anos” e negar à outra cujo impedimento seja de apenas um ano e meio, por exemplo?

E o que dizer da afronta à Constituição Federal? É constitucional “vetar” o direito de sobrevivência daqueles que não têm deficiência de longo prazo nos termos fixados na lei? E, por último, atende aos fundamentos e objetivos da República, proclamados pela Carta Magna, da dignidade da pessoa humana e da construção de uma sociedade justa, da erradicação da pobreza, da marginalização e a promoção do bem de todos?

Enfim, se começássemos a discorrer sobre os absurdos desta nova conceituação de pessoa com deficiência certamente teríamos que nos estender o que não é realmente a intenção deste artigo.

A intenção aqui é bem clara, pontuar as alterações trazidas pela Lei 12.435/11 à Lei Orgânica da Assistência Social e demonstrar que certamente estas alterações suscitarão inúmeras discussões perante os tribunais pátrios e devemos estar preparados para enfrentá-las com argumentos, fundamentos, provas, enfim, tudo aquilo que nos for permitido para garantir o direito das pessoas portadoras de deficiência, e também dos idosos, primando pela concretização dos direitos insertos na Constituição Federal, e principalmente, garantido a estas pessoas a proteção da dignidade humana e uma melhor qualidade de vida.


Notas

[1] SASSAKI, Romeu Kazumi. Quem está incluído na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência? Disponível em www.apabb.org.br/visualizar/Quem-esta-incluido-na-Convenco-sobre-os-Direitos-das-Pessoas-com-Deficiencia/1374. Acesso em: 01/02/2012.

[2] Idem.

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Sobre a autora
Larissa Pedroso Boretti

Advogada Associada da Martucci Melillo Advogados Associados, especialista em direito previdenciário, responsável pelo setor de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) da Martucci Melillo Advogados Associados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORETTI, Larissa Pedroso. As recentes alterações da Lei 8.742/93 (LOAS): benefícios assistenciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3183, 19 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21307. Acesso em: 28 mar. 2024.

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