Artigo Destaque dos editores

A reconstrução de uma ciência jurídica: uma questão de método?

Leia nesta página:

Os atuais sistemas jurídicos, principalmente o brasileiro, são irracionais, pois procuram se legitimar na tradição e principalmente no poder coercitivo da autoridade.

RESUMO: O objetivo deste artigo é discutir a necessidade da reconstrução de uma rigorosa metodologia científica, que venha se valer tanto da lógica formal quanto da experiência, para que se possa garantir ao direito ou às práticas jurídicas uma cientificidade, que isente o direito de dogmas ou crenças afirmados pela autoridade ou pela tradição, a fim de que seja garantida legitimidade, objetividade e coerência às teorias e proposições jurídicas.

PALAVRAS-CHAVES: CIÊNCIA. METODOLOGIA CIENTÍFICA. DIREITO. CIÊNCIA JURÍDICA. FALSIFICACIONISMO.


1.Introdução

No Direito e em suas práticas são preponderantes a autoridade e a tradição, que não são argumentos científicos e nem sempre são intersubjetivamente compartilhados. Em razão da falta de uma fundamentação lógica, sociológica, histórica humanística e cultural, nos momentos da produção e aplicação de um dispositivo jurídico, aliada ao autoritarismo dos órgãos e agentes públicos aplicadores e produtores da norma jurídica, o Direito tem se assemelhado muito mais com um dogma religioso do que com uma ciência. Percebe-se isto ao verificar a equivocada conceituação do Direito como sendo ‘força’ e ‘coerção’ e a excessiva utilização de fontes normativas como tradição, ordem natural das coisas, doutrinas e costumes.

Diante disso é perceptível que os atuais sistemas jurídicos, principalmente o brasileiro, são irracionais, pois procuram se legitimar na tradição e principalmente no poder coercitivo da autoridade.

O apelo à autoridade sempre foi umas das principais fontes do conhecimento jurídico e do próprio direito. No Brasil, há séculos, existe a institucionalização do poder da autoridade no momento de aplicação e produção da norma judicial, sem a mínima preocupação com uma legitimação intersubjetiva. Além disso, a Ciência Jurídica, diferente das demais ciências, tem produzido seu conhecimento a partir de doutrinas – dogmas retoricamente justificados e fundamentados exclusivamente no poder da autoridade e na tradição.

Nos juízos e tribunais brasileiros não se discute o fenômeno jurídico como um fenômeno científico. Não há qualquer diálogo sobre quais são as formas e metodologia de produção da norma legislativa e judicial, além de não existir uma preocupação com o desenvolvimento de uma teoria científica que garanta a legitimidade da interpretação, produção e aplicação do direito. Os debates nos juízos e tribunais brasileiros são, em sua maioria, discussões meramente legalistas, sem qualquer tipo de cientificidade, sem utilização de uma rigorosa metodologia e sem qualquer preocupação com a devida construção do conteúdo dos conceitos e princípios utilizados nas práticas jurídicas.

No Brasil, não existem critérios seguros de utilização e conceituação dos termos científicos no âmbito do direito, o que acarreta incerteza, desconhecimento e insegurança jurídica. As justificativas de que a interpretação da norma jurídica deve ser exclusivamente subjetiva são argumentos que não são dotados de cientificidade e ferem o estado democrático o qual pressupõe transparência, participação, fundamentação racional e controle popular.

Sob o fundamento de que os princípios e termos utilizados no direito são imprecisos, quase sempre não existe no âmbito dos poderes públicos debate racional sobre a implicação de sua utilização, construção e conseqüências de seus significados conceituais e de sua aplicação, gerando uma total insegurança que, certamente, seria inadmissível em qualquer outro tipo de ciência.

Portanto, percebe-se que a Ciência Jurídica tem se reduzido a uma mera técnica e é muitas vezes identificada como um estudo formal e dogmático da legislação escrita e dos precedentes judiciais, destinada apenas a possibilitar a atuação profissional de advogados, juízes, administradores públicos e demais operadores do direito. O direito que é ensinado nas universidades e faculdades brasileiras, o qual também praticado, sobretudo, pelos profissionais que exercem atividades forenses, não passa de uma abordagem meramente literal da legislação escrita e as questões suscitadas no âmbito da aprendizagem sobre o procedimento de aplicação das normas são respondidas de forma unilateral pela tradição ou pela autoridade judiciária.

Diante dessa crítica, é inadmissível a consideração de que a dogmática jurídica seja um sinônimo de Ciência Jurídica, pois aquela se preocupa exclusivamente com a imposição e justificação, muitas vezes até mesmo retórica, de significados de princípios e regras jurídicas, sem se preocupar com uma devida conceituação construída a partir de uma rigorosa metodologia.

A ciência jurídica deve se dirigir por uma metodologia jurídica desenvolvida a partir dos métodos desenvolvidos e discutidos ao longo da história por cientistas e filósofos, a fim de que, se possa construir proposições e teorias jurídicas objetivas e falsificáveis, além de permitir a rejeição das proposições e teorias jurídicas que sejam falseadas.


2.O desenvolvimento da ciência a partir de um rigor metodológico

Desde o início do Século XVII, muitos foram os filósofos e pensadores que buscaram desenvolver o método da ciência moderna, pois propuseram que o objetivo da ciência seria a possibilidade de se obter um considerável melhoramento da vida humana. Para eles esse objetivo somente seria alcançado por intermédio da coleta de fatos com observação organizada e derivando teorias a partir daí. Desde então, as teorias que se desenvolveram sobre a metodologia científica tem sido modificadas e aplicadas em diferentes áreas do conhecimento como a física, química, biologia, sociologia, psicologia, matemática etc., podendo também ser aplicada no âmbito do estudo do direito e das práticas jurídicas.

Destaca-se que a preocupação com um conhecimento objetivo e verdadeiro foi registrado na antiguidade clássica, quando os gregos se preocuparam em desenvolver teorias que tinham a finalidade de explicar a realidade de uma maneira objetiva e racional. Os gregos se preocuparam em desenvolver um saber (episteme) que se diferenciasse do senso comum (doxa), pois este saber não era puramente racional, era influenciado sobremaneira por dogmas, tradição e religião e não eram construídos a partir de uma rigorosa metodologia.

Os sofistas, embora muito criticados, contribuíram de certa forma com o desenvolvimento do saber científico, pois acreditavam que a verdade poderia ser relativizada, dependendo de como se pudesse a justificar. Isso de fato contribui com o desenvolvimento da gramática, da retórica e da dialética, o que posteriormente contribuiu também para o desenvolvimento e uma crítica dos métodos que possibilitariam descobrimento da realidade ou a refutação do irreal.

Sócrates também se preocupou com a construção de um saber objetivo e isento de crenças e tradição. Procurava conhecer o logos ou a razão de ser do conteúdo dos conceitos a se redefinirem. Através da maiêutica, Sócrates refutava o conhecimento obtido através do senso comum, pois tinha esse método como condição de possibilidade de se chegar ao ponto de partida que seria a certeza do “não saber”, o que para ele era fundamental para desconstruir qualquer conhecimento que não fosse rigorosamente construído a partir da razão e reflexão. Sócrates acreditava que através da razão se pudesse reconstruir e definir os conteúdos dos conceitos e por final se chegar ao conhecimento verdadeiro do que se propunha a conhecer.

Outro filósofo que trouxe imensa contribuição para o desenvolvimento do saber científico foi Platão. Para Platão somente seria possível se chegar a um conhecimento verdadeiro, pela contemplação racional e pela depuração dos enganos dos sentidos. Segundo Platão a realidade teria uma essência que só pode ser percebida pela idéia, visto que o mundo sensível seria uma cópia imperfeita desta. Platão defendia que o conhecimento objetivo somente seria possível através da busca de uma espécie de ‘lembrança’, que poderia ser traduzida por uma reflexão de dimensão autônoma à experiência, mas dela, de certa forma, dependente.

Outro importante filósofo grego foi Aristóteles, o qual defendia que o conhecimento científico se obtinha através do descobrimento da causa essencial daquilo que se propõe conhecer, ou seja, conhecer o que torna impossível algo ser o que é se a causa para qual ele é não existisse. Desta forma Aristóteles sistematizou o princípio da causalidade. De acordo com esse princípio Aristóteles afirma que só seria possível conhecer uma coisa, por meio da percepção sensorial, conhecer as causas da coisa a ser investigada. Segundo Aristóteles, existem quatro causas que implicam na existência de algo: a causa material, ou seja, aquilo ou matéria da qual é feita alguma coisa; a causa formal a forma da coisa em si, como ela se apresenta, a causa eficiente que é aquilo que dá origem ao processo em que a coisa surge e; a causa final, isto é, aquilo para o qual a coisa é feita. Nesta perspectiva, a ciência aristotélica procura, empiricamente, conhecer a causa da existência da coisa que se quer conhecer.

Na modernidade foi retomada a discussão sobre a possibilidade de se desenvolver uma metodologia científica que possibilitaria o acesso à realidade e conseqüentemente a verdade das coisas. Um dos grandes filósofos que contribuiu para a demarcação da era moderna e que muito se destacou em virtude de sua importância para o desenvolvimento de uma metodologia científica foi Descartes, com o desenvolvimento de seu método científico racionalista. O pensamento de Descartes consistiu no fato de que somente um método construído racionalmente possibilitaria ao cientista chegar a um conhecimento objetivo e verdadeiro e isento de idéias provenientes do senso comum. O método proposto por Descartes foi de fato um marco, pois inaugurou a discussão sobre a possibilidade e necessidade da sistematização de uma metodologia científica, dando a própria metodologia um status de ciência.

A partir da modernidade, com o desenvolvimento de uma rigorosa metodologia científica, houve vários progressos das ciências da natureza como física e química, permitindo, portanto, uma revolução industrial que resultou em uma transformação e melhoria do modo de vida de parte da população, principalmente nos países industrializados.

Portanto, com o desenvolvimento do método científico e conseqüentemente o com ‘sucesso’ das ciências da natureza, houve uma tentativa de desenvolver também uma metodologia das ciências do espírito ou ciências histórico-humanas, que seria capaz de lhes conferir uma objetividade assim como existia no âmbito das ciências naturais. Dilthey foi um que tentou traçar um liame entre os métodos das ciências naturais e das ciências do espírito. Para ele este dois tipos de ciência teriam objetos distintos visto que as ciências naturais teriam como objeto os fenômenos externos da natureza e as ciências do espírito teriam como objeto as relações existentes entre os homens.

Dilthey afirmou que os conceitos utilizados pelas ciências do espírito, como valor, moral etc., não podiam ser utilizados pelas ciências naturais. Portanto diante das diferenças existentes, o filósofo propôs que a finalidade das ciências naturais seria a explicação da realidade e a finalidade das ciências do espírito seria a compreensão da “realidade histórico-social do homem.” Deste modo Dilthey rompe com o principio da causalidade, o qual até então era princípio que orientava o cientista, e defende que é a “conexão dinâmica” a característica fundamental que possibilitaria o compreender nas ciências humanas. Esta conexão dinâmica seria o estado de consciência dos homens que se expressaria por meio de signos e teria sua objetividade a partir da existência de instituições que produzem valores e realizam objetivos. Portanto, para Dilthey, o homem é um ser histórico e suas relações somente seriam compreendidas a partir de valores e objetivos que em determinado momento histórico o homem participa.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Nesta mesma perspectiva, Windalband distingue as disciplinas científicas em ciências nomotéticas, que seriam aquelas que procuram determinar leis gerais, a partir do princípio da causalidade e as ciências idiográfica, as quais tinham como escopo investigar os fenômenos singulares a fim de compreender suas particularidades e especificidades. As ciências ideográficas, portanto, seriam as ciências que investigariam as condutas e fatos humanos, ou seja, as ciências histórico-humanas ou simplesmente ciências do espírito.

Contrariamente ao que proposto por Dilthay e Windalband, Weber recusou a fazer uma distinção das ciências quanto a sua metodologia, pois afirmou que o conhecimento científico, mesmo nas ciências do espírito, se desenvolveria exclusivamente com as explicações causais. Weber faz uma distinção entre conhecer e avaliar e defende que a ciência busca o conhecimento objetivo. Weber afirma que o conhecimento científico, mesmo no âmbito das ciências humanas, somente é possível a partir do momento que o cientista lança mãos de avaliações éticas, políticas, religiosas etc..


3.A ciência jurídica desenvolvida a partir do princípio da imputação proposto por Kelsen, o que a caracterizou um modelo de ciência puramente formal

Nas primeiras décadas do século XX, conforme a perspectiva weberiana, Kelsen faz uma distinção entre “juízo de fato” e “juízo de valor”. Foi a partir desta concepção que se tornou notória uma corrente denominada como positivismo jurídico, corrente que orienta a um estudo científico do direito positivo sem que houvesse uma preocupação com os valores sociais, com a moral e com a ética, visto que a preocupação exclusiva da ciência jurídica seria legitimar o direito posto pela autoridade competente para tanto.

O positivismo jurídico se propunha a compreender a estrutura das normas postas por quem competente sem a mínima preocupação de tratar com as questões referentes à justiça, moral ou qualquer valor possível de ser agregado a elas. Neste diapasão, a ciência jurídica positivista, defendeu que o único direito existente seria aquele posto de forma objetiva, sem se preocupar com o desenvolvimento de um método jurídico que fosse desenvolvido intersubjetivamente pela comunidade jurídica a partir das exigências colocadas pelos protagonistas das relações jurídicas. Na perspectiva do positivismo jurídico, a Ciência Jurídica não se preocuparia com o desenvolvimento de um método que possibilitasse uma investigação sobre o conteúdo conceitual daquilo que seria tratado pelas normas e conseqüentemente suas implicações na sociedade. Trata-se, portanto, da proposta de uma ciência puramente formal que se preocupou exclusivamente em conhecer a estrutura das normas e a suas imputações às condutas por estas reguladas.

A ciência jurídica proposta pelo positivismo jurídico tinha como seu único objeto de estudo as normas. Não havia uma preocupação com os fatos, condutas, fenômenos, mas sim com aquelas entidades ditas como puramente ‘ideais’. Essa ciência tinha como característica observar e investigar o ideal e não o factual, sendo que não lidava com a realidade, mas sim com entes abstratos. Desde seu desenvolvimento, essa ciência jurídica, em momento algum, se propôs a investigar ou a se lançar na experiência sensível, coletar dados a fim de justificar suas hipóteses e afirmações ou construir intersubjetivamente o conteúdo dos conceitos como liberdade, justiça, poder, normatividade, igualdade, dignidade etc.. Jamais se cogitou da utilização dos princípios da causalidade, da indução ou abdução para se produzir conhecimento no âmbito da ciência jurídica.

A ciência jurídica desenvolvida pelo positivismo jurídico rejeitou a causalidade e adotou o princípio da imputação, que é um princípio normativo que faz deste modelo de ciência uma ciência puramente formal.

Ao buscar o desenvolvimento de uma ciência jurídica puramente lógica que teria como único objeto de investigação a estrutura das normas jurídicas, sem a mínima preocupação com o seu conteúdo, com a forma de sua produção e com as implicações que delas derivam, a única tarefa do cientista seria conhecer as normas e relacioná-las uma as outras e assim conhecer a dinâmica da construção e aplicação do direito a partir da própria norma sem a preocupação com o conteúdo material destas.

Até os dias de hoje, apesar de se falar em uma superação do positivismo jurídico, as praticas jurídicas ainda se pautam pelos seus princípios, visto que, no âmbito destas práticas, não se tem dado importância à discussão sobre a necessidade da construção intersubjetiva de um método jurídico para a produção de conhecimento jurídico e definição dos conceitos utilizados pela norma jurídica, que levem em consideração os valores que estão em pauta no momento de produção e aplicação do direito.

Embora esse modelo de Ciência Jurídica fosse racional ele não é objetivo e não se preocupa com a construção de uma realidade jurídica, pois não é capaz de produzir conhecimentos sobre as implicações que determinada norma ou conceito normativo produz na sociedade ou sobre quais são as razões de sua existência. Portanto, nesta perspectiva, matemática, lógica e direito podem ser classificadas como disciplinas ou ciências lógico/formais, pois seus objetos seriam formas desprovidas de qualquer conteúdo factual ou empírico.

Diante disso percebe-se que o sistema normativo, objeto dessa Ciência Jurídica, não seria sozinho capaz de garantir a pratica de um direito legitimo que fosse construído intersubjetivamente por todos os sujeitos de direitos e pudesse ter a sua produção, aplicação e construção de seus conceitos discutidos, testados, experimentados e socialmente compartilhados.


4. A necessidade de classificar a ciência jurídica como uma ciência factual

Para garantir a segurança do conhecimento produzido no âmbito do Direito, necessário para uma produção e interpretação legitima da norma jurídica, dos conceitos e de todo um sistema normativo, é necessário que a Ciência Jurídica venha se valer dos métodos científicos utilizados pelas ciências factuais os quais não se contentam apenas com a lógica, mas exigem também a observação, o experimento e um rigor metodológico que são, há séculos, desenvolvidos por cientistas e filósofos, os quais discutidos e validados intersubjetivamente.

Não pode a sociedade estar alicerçada em um conhecimento pré-teórico, irracional e exclusivamente intuitivo, que não possibilita o conhecimento das implicações éticas e morais que podem advir da produção de determinada norma jurídica.

A construção de uma Ciência Jurídica factual seria a possibilidade da produção de um conhecimento sistemático no âmbito do Direito a partir de um método intersubjetivamente compartilhado que possibilitaria a se chegar a um conhecimento seguro, objetivo e à informações verdadeiras que demonstram o conteúdo da realidade, além de serem úteis para o desenvolvimento de uma normatividade válida e legitima.


5.O falsificacionismo de Popper como condição de demarcar o que é ciência e o que não é ciência no direito

Para atender a esse pressuposto, as teorias desenvolvidas no âmbito da ciência jurídica devem ser colocadas a prova. Quando na formulação de razões ou teorias para a produção de uma determinada norma jurídica, seja ela legislativa ou judicial, o cientista do direito deve fazer uma comparação lógica entre as várias razões que a justificam, a fim de submeter estas razões ou teorias à prova pela comunidade de cientistas e demais sujeitos de direito, para que se possa verificar a existência de uma coerência interna destas razões ou teorias.

Além disso, o cientista do direito deve fazer uma investigação lógica das teorias ou razões que justificam a existência de determinada norma jurídica, para que se possa, também, verificar se estas razões ou teorias apresentam um caráter puramente lógico, tautológico ou até mesmo empírico. Finalmente, após este procedimento, o cientista do direito poderá verificar e comprovar, até mesmo empiricamente, se determinadas razões ou teorias podem justificar racionalmente a existência de determinada norma jurídica, podendo desta investigação se chegar a confirmar a ou refutar a legitimidade da norma jurídica que estaria em questão.

Normas são criadas a partir de razões, teorias e valores que podem ser conhecidos e investigados, o que seria, portanto, tarefa da ciência jurídica auxiliada por outras ciências como a física, química, lógica, biologia, ética etc.

Toda teoria ou tese jurídica deve ser possível de ser falsificada. Deve ser atacada como se sua retidão fosse apenas aparente, a fim de que seja testada quanto a sua concisão.

Para evitar que prevaleça como verdade uma teoria ou tese meramente aparente, as teorias devem ser refutadas com a utilização da lógica, pois esta se preocupa com a forma das proposições; e com a utilização da experiência a qual se preocupa também com o conteúdo material das proposições. Deve-se, portanto, ao falsificar uma tese ou teoria, examinar os seus silogismos segundo suas puras formas e conteúdos, tarefa na qual imprescindível também a experiência.

Portanto, para que possa haver um rompimento com a subjetividade do aplicador e criador da norma jurídica e sejam lançados mãos de dogmas, pré-juízos e tradições, que pouco contribuem para o desenvolvimento científico do direito, é necessário que seja desenvolvida uma rigorosa metodologia científica, como aquela desenvolvida no âmbito das ciências empíricas ou factuais, que possa, de certa forma, vincular e orientar as práticas jurídicas.

Portanto, para romper com a tradição, o autoritarismo, a irracionalidade e a mera formalidade proposta pelo positivismo jurídico, cria-se a necessidade de uma interpretação construtiva do sistema jurídico, que deve se pautar pela busca da construção de uma metodologia científica que seja capaz de assegurar uma objetividade construída intersubjetivamente, a fim de garantir legitimidade, validez e segurança jurídica, além de garantir também cientificidade ao ensino e às práticas jurídicas.

Para serem científicos, os enunciados ou teorias formulados no âmbito do direito devem ser passiveis de serem falsificados. A possibilidade de falsificação assegura que a teoria ou enunciado possa ser colocado a prova pela comunidade de juristas e também por qualquer sujeito de direito. Sabe-se que os enunciados dogmáticos não são passiveis de falsificação, portanto, não podem ser colocados à prova, pois enunciados dogmáticos são meras crenças, alimentadas pelo senso comum, pela tradição ou pelo poder coercitivo da autoridade.

O direito está presente e dele depende toda a sociedade, pois disciplina condutas, organiza a sociedade além de estabelecer garantias e liberdades individuais e coletivas. Por isso, a produção da norma jurídica tem que estar pautada em um conhecimento produzido a partir das exigências de uma metodologia científica, que seja desenvolvida por uma comunidade de cientistas, a fim de garantir a toda sociedade uma objetividade e uma segurança no momento da construção e aplicação da norma jurídica além do conhecimento de suas implicações práticas.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgilio Afonso da Silva da 5ª edição alemã. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.

ALEXY , Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. Trad. Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2001.

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 7ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Trad. Ari Marcelo Solon. 1ª Ed. São Paulo: Edipro, 2011.

DESCARTES, René. Discurso do método. Trad. Roberto Leal Ferreira. 2ª Ed. São Paulo: Martin Claret, 2000.

DILTHEY, Wilhelm. La esencia da la filosofia. Buenos Aires: Editorial Losada, 1944.

DILTHEY, Wilhelm. Psicologia e compreensão. Lisboa: Edições 70, 2002.

DWORKIN, Ronald. O direito de liberdade: a leitura moral da Constituição norte-americana. Trad. Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Tradução Luís Carlos Borges. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução Jeferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003.

KELSEN, Hans. O problema da justiça. Trad. João Baptista Machado. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

KELSEN, Hans. O que é justiça? A justiça, o direito e a política no espelho da ciência. Trad. Luís Carlos Borges. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 3. ed. São Paulo: RT, 2006.

LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 3ª Ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.

POPPER, Karl R. A Lógica da Pesquisa Científica. Trad. Leonidas Hegenberg e Octanny Silveira da Mota. 13ªEd. São Paulo: Cultrix, 2007.

STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 8 ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009.

STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas: da possibilidade à necessidade de respostas corretas em Direito. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Ronaldo Antônio de Brito Júnior

Advogado. Graduado e Mestrando em Direito pela PUC MINAS. Ministra aulas em cursos preparatórios para concursos públicos em Belo Horizonte/MG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRITO JÚNIOR, Ronaldo Antônio. A reconstrução de uma ciência jurídica: uma questão de método?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3186, 22 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21335. Acesso em: 28 mar. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos