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Direito penal da loucura.

A questão da inimputabilidade penal por doença mental e a aplicação das medidas de segurança no ordenamento jurídico brasileiro

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10/04/2012 às 09:57
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4.0 DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA

A prática delitiva cometida por um indivíduo imputável em regra implica na imposição da sanção penal, por sua vez, o injusto penal cometido por um indivíduo semi-imputável ou inimputável enseja a aplicação das denominadas medidas de segurança, que estão disciplinadas no Código Penal, em seus artigos 96, 97,98 e 99.

Discute-se doutrinariamente qual seria a natureza jurídica das medidas de segurança, onde se constata a existência de duas correntes.

A primeira corrente, defendida pela grande maioria dos doutrinadores, tais como: Julio Fabrinni Mirabete, Guilherme de Souza Nucci, Damásio de Jesus e Bruno de Moraes Ribeiro, apregoa que a medida de segurança é uma modalidade de sanção penal e a ela se aplicariam todos os princípios da pena. Dessa maneira, ela seria um mecanismo de defesa social que atuaria na proteção da sociedade em face do indivíduo considerado inimputável ou semi-imputável.

Neste sentido Damásio de Jesus (2010, p.589): ver regra de citação

“As penas e as medidas de segurança constituem as duas formas de sanção penal. Enquanto a pena é retributiva-preventiva, tendendo hoje a readaptar a sociedade o delinqüente, a medida de segurança possui natureza essencialmente preventiva, no sentido de evitar que um sujeito que praticou um crime e se mostra perigoso venha a cometer novas infrações penais.

Uma corrente minoritária defendida por Luiz Vicente Cernicchiaro e Assis Toledo, defende que a medida de segurança seria um instituto meramente terapêutico, visando dar tratamento e recuperação para o indivíduo que não possui higidez-mental.

Independentemente da natureza jurídica adotada, é importante esclarecer que às medidas de segurança devem ser assegurados todos os princípios relativos à aplicação da pena.

Assim, só será possível a aplicação das medidas de segurança nos casos estabelecidos e nas modalidades previamente descritas por lei, em obediência ao princípio da legalidade. Será assegurada também a retroatividade da lei mais benéfica e a irretroatividade da lei mais severa. Ainda, segundo entendimento de Júlio Fabbrini Mirabette (2007, p.376), “a medida de segurança, tal qual a pena em suas espécies, somente é aplicável através de providência jurisdicional”, em respeito ao princípio da jurisdicionalidade.

4.1 – Sistemas de aplicação das medidas de segurança

 O Código Penal de 1940, anteriormente à reforma de 1984, adotava o sistema conhecido por duplo-binário, que admitia a aplicação de pena e medida de segurança concomitantemente.

Estabelece Guilherme de Souza Nucci (2007, p.549):

“Quando o réu praticava delito grave e violento, sendo considerado perigoso, recebia pena e medida de segurança. Assim, terminada a pena privativa de liberdade, continuava detido até que houvesse o exame de cessação da periculosidade. Na prática, para a maioria dos sentenciados, a prisão indefinida afigurava-se profundamente injusta – afinal, na época do delito, fora considerado imputável, não havendo sentido para sofrer dupla penalidade.”

Desta maneira, o referido sistema, ao mesmo tempo em que buscava a “cura” do indivíduo considerado doente mental, não abria mão da sua punição, o que determinava a dupla penalização e poderia retardar ainda mais a busca pela recuperação da saúde mental.

Atualmente, após a vigência da lei 7.209 de 11/07/1984, que reformou a parte geral do Código Penal, é adotado o sistema denominado vicariante, que não permite a acumulação de pena com medida de segurança, devendo ser aplicada uma ou outra.

Assim, se no momento da prática delitiva o agente era imputável, será aplicada pena, por sua vez, se o agente era inimputável ao momento da ação, será aplicada a medida de segurança. Se o sujeito for considerado semi-inimputável, situando-se numa zona fronteiriça entre a loucura e a lucidez, como estabelecido no artigo 26, parágrafo único do Código Penal, o juiz se utilizará do sistema vicariante, escolhendo entre a aplicação da pena ou da medida de segurança. Caso seja aplicada a pena, esta será reduzida de 1/3 a 2/3.

Para a aplicação das medidas de segurança deverão concorrer dois pressupostos: a prática de um fato típico e antijurídico, ensejador do tipo de injusto, e a potencialidade para a prática de novas ações danosas.

4.2 – Espécies de medidas de segurança

O artigo 96 do Código Penal estabelece duas modalidades de medidas de segurança: a internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico e a sujeição a tratamento ambulatorial.

A primeira espécie é também conhecida por medida de segurança detentiva, onde o sujeito apenado com reclusão fica totalmente isolado em hospital psiquiátrico.

Relata Julio Fabbrini Mirabete (2007, p.381):

“A internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico representa, a rigor, a fusão de medidas de segurança previstas na legislação anterior: internação em manicômio judiciário e internação em casa de custódia e tratamento. Estabeleceu-se uma medida idêntica para os inimputáveis e semi-imputáveis, que deverão ser submetidos a tratamento, assegurada a custódia dos internados (art. 99). Não há qualquer finalidade expiatória na medida de internação, substituído o fim pela medida terapêutica e pedagógica destinada a um processo de adaptação e readaptação à vida social”

Na falta de hospital de custódia, tal internação poderá ocorrer em outro estabelecimento adequado.

A segunda espécie de medida de segurança guarda similitudes com a pena restritiva de direitos, tratando-se do denominado tratamento ambulatorial, e é estabelecida quando o crime for punido com detenção, ou, segundo alguns entendimentos, quando for apenado com reclusão, mas não for indicada a internação.

Para César Roberto Bittencourt (2010, p.783):

“O tratamento ambulatorial é apenas uma possibilidade de que as circunstâncias pessoais e fáticas indicarão ou não à sua conveniência. A punibilidade com pena de detenção, por si só, não é suficiente para determinar a conversão da internação em tratamento ambulatorial. É necessário examinar as condições pessoais do agente para verificar a sua compatibilidade ou incompatibilidade com a medida mais liberal. Claro, se tais condições forem favoráveis, a substituição se impõe”

De acordo com o artigo 101 da LEP, o sujeito submetido a tratamento ambulatorial deverá comparecer em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico em dias estabelecidos pelo psiquiatra com a finalidade de ser submetido ao tratamento adequado a sua periculosidade.

É permitida a internação do agente, por determinação judicial, em qualquer fase do tratamento ambulatorial, se essa providência for necessária para fins curativos, por previsão expressa do parágrafo quarto do artigo 97 do Código Penal.

4.3 – Periculosidade real e presumida

O gênero sanção representa as conseqüências jurídico-penais impostas a quem descumpre o mandamento contido no ordenamento jurídico.Dentro deste gênero encontramos duas espécies, quais sejam, a pena e a medida de segurança.

Segundo Magalhães Noronha (1999, p.316)

“A pena tem como principal parâmetro de graduação a gravidade do delito e as circunstancias de caráter objetivo com que foi realizado; já a medida de segurança, por sua vez, gradua-se pela intensidade da periculosidade, reconhecida quando se apresenta, não só a possibilidade de vir a cometer um delito, mas o estado subjetivo de criminalidade latente”

Dessa maneira, enquanto a culpabilidade se funda no juízo de culpabilidade, a medida de segurança tem como fundamento a periculosidade do agente.

A periculosidade se baseia na probabilidade de que o agente venha a delinqüir novamente De acordo com Damásio de Jesus (2010, p.590), “a verificação da periculosidade se faz por intermédio de um juízo sobre o futuro, ao contrário do juízo de culpabilidade, que se projeta sobre o passado”.

Para que o magistrado aplique uma medida de segurança a um indivíduo considerado semi-imputável, ele deverá constatar a periculosidade real do agente, sendo que quanto maior for a gravidade e a quantidade de delitos praticados no passado, maior será a possibilidade de que esse agente volte a delinqüir no futuro.

Por sua vez, a periculosidade será presumida nos casos de inimputabilidade, quando a própria lei estabelece que a sanção penal aplicada será a medida de segurança, cabendo ao juiz apenas concluir que o inimputável cometeu um injusto penal.

Cumpre esclarecer ainda que a periculosidade sempre deverá estar presente durante a vigência da medida de segurança, pois a internação somente se justifica enquanto o indivíduo representar perigo real para a sociedade

4.4 – Sentença absolutória imprópria

A sentença que impõe a medida de segurança recebe o nome de absolutória imprópria. Trata-se de uma absolvição, mas que implica na imposição de uma medida de segurança, sendo conhecida também por sentença mista ou híbrida.

Aqui, o juiz reconhece a procedência da imputação, contudo, não pode aplicar a pena, já que o agente é inimputável. Porém, mesmo sendo ele desprovido da capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, aconteceu o tipo de injusto e contatou-se que o indivíduo é perigoso – “periculosidade”, por isso, aplica-se uma sanção penal, que não é a pena, mas sim a medida de segurança.

4.5 - Liberação condicional do acusado

Dispõe o artigo 97, § 3° do Código Penal:

“A desinternação, ou a liberação, será sempre condicional devendo ser restabelecida a situação anterior se o agente, antes do decurso de 1 (um) ano , pratica fato indicativo de persistência de sua periculosidade”

A desinternação (no caso de imposição de tratamento em hospital de custódia) e a liberação (no caso de tratamento ambulatorial) serão autorizadas somente se cessada a periculosidade do agente. Assim, decretada a desinternação ou a liberação por decisão judicial, esta só fará coisa julgada se após um ano da revogação da medida, o agente à ela submetido não comete nenhum fato que demonstre a presença de periculosidade.

4.6 – Limite temporal de duração da medida de segurança

A grande polêmica que se põe a respeito das medidas de segurança diz respeito aos limites de sua duração.

O artigo 97, § 1 do código penal, assim dispõe:

“A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo, deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos”

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Observa-se então que, independentemente de sua espécie, internação em hospital de custódia ou tratamento ambulatorial, a medida de segurança não possui um prazo de duração definido, subsistindo enquanto a perícia médica não contatar a cessação da periculosidade do agente.

O prazo mínimo ao qual se refere o artigo (um a três anos) é aquele fixado para a realização do primeiro exame de cessação da periculosidade.

A proibição de penas de caráter perpétuo é assegurada pela Constituição Federal como cláusula pétrea em seu artigo 5º, XLVII, “b”, e considerando que pena e medida de segurança são espécies do gênero sanção penal, surge um grande embate doutrinário acerca da perpetuidade e do limite máximo de duração das medidas de segurança.

César Roberto Bittencourt, 2010, p. 785 toma a seguinte posição:

“Sustentamos que em obediência ao postulado que proíbe a pena de prisão perpétua dever-se – ia, necessariamente, limitar o cumprimento das medidas de segurança a prazo não superior a trinta anos, que é o lapso temporal permitido de privação da liberdade do infrator (art. 75 do CP)”

Deste modo, para o renomado doutrinador, a duração da medida de segurança não poderia ser superior ao prazo máximo cominado para a duração das penas privativas de liberdade.

Cumpre esclarecer que, para aqueles que sustentam a natureza jurídica de sanção penal da medida de segurança, tal entendimento seria o mais acertado, considerando-se os fins da pena.

Porém, para aqueles que defendem que a medida de segurança teria finalidade unicamente terapêutica, a limitação da medida de segurança seria insuficiente, caso não tenha sido constatada a cessação da periculosidade e a recuperação do agente portador de doença mental ao fim do prazo máximo estabelecido para a sua duração.

Eduardo Reale Ferrari, 2001, p.158, dispõe

“Ainda que admitida como exceção, a maioria das medidas de segurança sujeitavam-se à regra quanto a ausência de limites mínimos ou máximos de duração. Tanto em Portugal como nos demais países europeus, notava-se que tal posicionamento justificava por três espécies de razões: a primeira decorria da própria sistematização das medidas de segurança. Com fulcro na necessidade de diferenciar-se penas de medidas terapêuticas, entendiam ser da natureza das medidas de segurança o caráter indeterminado quanto aos prazos de duração, sendo as penas sempre determinadas.

A segunda razão resultava da compreensão profilática da medida de internamento. Negando qualquer caráter de aflitividade às medidas de segurança, compreendiam desnecessário estabelecer seus prazos, já que inexistente o caráter aflitivo, configurando uma medida exclusivamente preventiva, legitimando a perenidade em sua execução até a cessação da periculosidade.

O terceiro motivo baseava-se no fato de que penas e medidas de segurança seguiam critérios diferenciados a suas fundamentações. Enquanto os limites das penas deveriam ser determinados por um critério de justiça, e portanto obedeciam a princípios éticos e determinados, as medidas de segurança derivariam de um critério puramente utilitário, eticamente neutro e sem nenhuma obediência a critérios de justiça ou a limites de duração.”

Levando-se em consideração a classificação feita acerca das doenças mentais, seria possível concluir que em algumas espécies de doenças mentais, como a psicopatia, a periculosidade do agente nunca será cessada, enquanto em outras espécies, como o transtorno bipolar, o nível de periculosidade pode mudar.

Neste contexto, haveria aqueles casos em que o limite estabelecido para o cumprimento da medida de segurança seria cabível e, em outros, a determinação da duração da medida de segurança representaria perigo real e concreto para a sociedade.

Ao revés, tomando-se por base o Estado Democrático de Direito e deixando de lado qualquer conclusão médica, a inexistência de limite temporal às medidas de segurança representaria grave violação aos direitos humanos, o que tornaria tal medida desumana e inconstitucional.

Fazendo-se uma ponderação de valores, a proteção da sociedade e o oferecimento de tratamento curativo ao doente mental, mesmo que por tempo indeterminado, seria a melhor solução.

Isso porque, não há razão de se colocar um enfermo mental de volta ao convívio social, se não se verificou a cessação de sua periculosidade, já que essa conduta seria um desatino, pois certa seriam as ocorrências de novas praticas delitivas.

Ademais, a internação em hospital de custódia, mesmo para aqueles que atribuem à pena o caráter de sanção penal, tem como escopo primordial a busca pela recuperação e, se possível, a cura, não se justificando a alegação de que o individuo estaria sendo punido.

A lei não prevê o prazo máximo de duração da medida de segurança, pois não se pode afirmar quanto tempo será necessário para a cura do enfermo mental.

Deste modo, a inexistência de prazo definido para o cumprimento da medida de segurança é decisão acertada da lei penal.

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Sobre a autora
Francieli Batista Almeida

Bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Francieli Batista. Direito penal da loucura.: A questão da inimputabilidade penal por doença mental e a aplicação das medidas de segurança no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3205, 10 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21476. Acesso em: 29 mar. 2024.

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