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O direcionamento de multa diária contra o representante do poder público

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24/04/2012 às 16:45
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A cominação de astreintes ao gestor deve ser precedida obrigatoriamente da sua convocação aos autos, para que seja oportunizado o direito de defesa.

Introdução

O tema a ser abordado neste artigo é fruto de vivência profissional e se refere à ineficiência da tutela jurisdicional que impõe ao Poder Público obrigação de fazer ou de entregar coisa certa, especialmente em casos em que o Poder Judiciário tutela a vida, v.g, em ações em que se pleiteia tratamento de saúde.

O problema a ser enfrentado consubstancia-se nas repetidas situações em que o Poder Público não cumpre ordem judicial que determina um facere ou a entrega de algo, mesmo diante da incidência de multa diária que, como meio executivo indireto, coage o Poder Público devedor a cumprir forçadamente o comando jurisdicional.

Tem sido proposto pela doutrina e jurisprudência, em casos como este em que o Poder Público descumpre comando jurisdicional mesmo com a incidência em curso de astreintes, que a multa diária seja direcionada também ao representante do Ente Público, como forma de se resolver a crise de ineficiência de comandos judiciais.

Objetiva-se ao longo desta exposição analisar esta proposta de direcionamento da multa diária contra o representante do Poder Público.


1. REPERCUSSÃO DA PROBLEMÁTICA NA DOUTRINA

Infelizmente parcela significativa da doutrina não analisa a problemática aqui posta.

Araken de Assis não aborda a possibilidade de direcionamento da multa diária ao representante do Poder Público. Parece-nos que ele possui uma visão cética quanto ao assunto: quando o Poder Público descumpre ordem judicial, diferentemente do sistema anglo-saxônico que admite a prisão, o ordenamento brasileiro resolve o impasse através de sanções criminais, que se mostram inócuas.

Não bastará, entretanto, a ordem em abstrato: impõe-se que seja prontamente atendida. Quando ela for endereçada a servidores públicos ou a particulares em colaboração com o poder público, dificilmente se conceberão a rebeldia e o descumprimento (...) E se o réu, ou as autoridades administrativas, ainda que pareça implausível, desatenderem à ordem, arrostando a autoridade do juiz?

(...)

Em lugar do poder amplo de contempt, o legislador brasileiro preferiu acenar com uma distante repressão penal, equivalente ao criminal contempt norte-americano, específica no caso de recusa ou procrastinação do cumprimento da ordem de implantar descontos em folha de pagamento (art. 734 do CPC c/c art. 22, parágrafo único, da Lei 5.478/1968), e geral no crime de desobediência (art. 330 do CP), cuja caracterização, relativamente aos servidores públicos – no conceito lato do art. 327 do CP -, oferece invencíveis dificuldades. De qualquer sorte, sabem todos os interessados, sanção penal constitui ameaça longínqua e ineficaz. Tem valor simbólico, quanto à confirmação da autoridade judiciária, e efeitos suasórios. [1]

Cândido Rangel Dinamarco, no volume 4 das “Instituições” e na obra “Execução Civil”, ao afirmar que as astreintes “... atuam no sistema mediante o agravamento da situação do obrigado renitente, onerando-o mais e mais a cada hora que passa, ou a cada dia, mês ou ano...” [2], deixa de tangenciar o assunto. [3] Luiz Guilherme Marinoni também não trata do tema. [4] [5]

Cassio Scarpinella Bueno, embora não se posicione claramente a favor da possibilidade do direcionamento da multa diária contra o representante do Poder Público, mostra que se tem admitido tal possibilidade, sob o fundamento de que, sendo a multa diária meio coercitivo a atuar sob a vontade do devedor, deve atingir o representante da pessoa jurídica, pois esta só tem vontade na exata medida em que a pessoa física que a representa a manifeste. Nas suas palavras:

Por fim, mas não menos importante, é da especial peculiaridade decorrente da natureza jurídica da multa do art. 461 que deriva o entendimento de que não há qualquer óbice para que as pessoas físicas, que tenham, por força de lei, de estatutos ou contratos sociais, representação (material e processual) de pessoas jurídicas (de direito privado ou de direito público), venham a ser responsabilizadas pessoalmente pelo pagamento da multa, sem prejuízo, evidentemente, de eventual apenação das próprias pessoas jurídicas. A razão para este entendimento, não obstante sua polêmica em sede doutrinária e jurisprudencial, é a seguinte: as pessoas jurídicas só têm vontade na exata medida em que as pessoas físicas que as representam a manifestem. Se a multa é mecanismo que visa a influenciar decisivamente esta vontade (que, por definição, só pode ser humana), não há como afastar sua incidência direta e pessoal sobre os representantes das pessoas jurídicas, sejam elas privadas ou públicas.[6]

Nota-se, portanto, que a problemática tem pouca repercussão na doutrina, o que não ocorre na jurisprudência, que é rica em julgados sobre o tema, como se verá adiante.


2. REPERCUSSÃO DA PROBLEMÁTICA NA JURISPRUDÊNCIA

O presente artigo, por óbvio, não esgota o tema. Neste raciocínio, apresenta-se a seguir pesquisa jurisprudencial que se fez em três bases de dados: (i) site do CJF – Conselho da Justiça Federal[7]; (ii) site do STJ – Superior Tribunal de Justiça[8]; (iii) site do TJ/PR – Tribunal de Justiça do Paraná.[9]

No STJ, a pesquisa, realizada em 12/10/2011, envolveu apenas o seguinte termo de pesquisa: ASTREINTES E REPRESENTANTE E "PODER PUBLICO”. Quanto à profundidade, analisaram-se somente as ementas. Pôde-se concluir, no âmbito desta pesquisa, que o STJ entende, por unanimidade, ser incabível a extensão da multa diária ao representante do Poder Público, ao fundamento de que ele não integra a lide, e sim o Ente Público. Neste sentido:

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE FAZER. DESCUMPRIMENTO. ASTREINTES. APLICAÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. CABIMENTO. EXTENSÃO DA MULTA DIÁRIA AOS REPRESENTANTES DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Conforme jurisprudência firmada no âmbito desta Corte, a previsão de multa cominatória ao devedor na execução imediata destina-se, de igual modo, à Fazenda Pública. Precedentes. 2. A extensão ao agente político de sanção coercitiva aplicada à Fazenda Pública, ainda que revestida do motivado escopo de dar efetivo cumprimento à ordem mandamental, está despida de juridicidade. 3. As autoridades coatoras que atuaram no mandado de segurança como substitutos processuais não são parte na execução, a qual dirige-se à pessoa jurídica de direito publico interno. 4. A norma que prevê a adoção da multa como medida necessária à efetividade do título judicial restringe-se ao réu, como se observa do § 4º do art. 461 do Códex Instrumental. 5. Recurso especial provido. (RESP 200500736827 RESP - RECURSO ESPECIAL -  747371 Relator(a) JORGE MUSSI Sigla do órgão STJ Órgão julgador QUINTA TURMA. Data da Decisão 06/04/2010).

Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo MUNICÍPIO DE CASTRO E OUTRO, contra inadmissão, na origem, de recurso especial, fundamentado no artigo 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal, manejado em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, assim ementado:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SERVIDOR PÚBLICO. REENQUADRAMENTO FUNCIONAL. ILEGALIDADE. NULIDADE DECRETADA. ORDEM DE RETORNO AO CARGO ANTERIOR. MULTA COMINATÓRIA. PRELIMINARES E ARGÜIÇÃO DE PRESCRIÇÃO REJEITADAS. RECURSO PELO MÉRITO PARCIALMENTE PROVIDO. (1) Impõe-se o julgamento antecipado da lide quando a matéria em discussão é unicamente de direito. (2) A investigação realizada pelo Ministério Público, via inquérito civil, é unilateral e tem índole meramente informativa, destinada apenas a colher elementos para o ajuizamento, se for o caso, da ação civil pública, por isso não se fazendo necessário nessa fase estabelecer o contraditório. (3) É possível a declaração incidental de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos em sede de ação civil pública, desde que não constitua hipótese tendente a burlar o sistema de controle constitucional, fato que não se verifica quando a decisão, em caráter incidental, seja destituída de efeito erga omnes, vindo a obrigar apenas as pessoas que concorreram para o ato impugnado. (4) A regra do art. 114, inc. I, da Carta da República não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária. (5) O ato administrativo de reenquadramento funcional que ofende os princípios constitucionais da legalidade, moralidade, impessoalidade e isonomia de pretendentes ao cargo público pode ser impugnado via ação civil pública, pois nesse caso o Ministério Público, diante do interesse social relevante, está a defender o próprio patrimônio público. (6) Se o ato administrativo é viciado na sua origem, não gerando efeitos válidos, não se pode entender esteja sujeito à prescrição. (7) Nulo é o reenquadramento funcional que concede acesso a cargo público com atribuições e responsabilidades diversas daquele que compunha o antigo quadro e para o qual o servidor prestou o concurso público. (8) A responsabilidade pelo cumprimento da ordem judicial que impõe uma obrigação de fazer é do próprio administrador, por meio de quem se exterioriza a pessoa jurídica de direito público a que pertence, de modo que pela desobediência haverá de ser pessoalmente responsabilizado, mesmo pela imposição de sanção de natureza pecuniária, pois o que interessa à Justiça não é a aplicação da multa em proveito do exeqüente, mas o cumprimento da obrigação imposta e, por conseguinte, a efetividade do provimento jurisdicional. (e-STJ, fl. 136- 38)

Alegam os Agravantes, nas razões do especial, violação aos artigos 128, 295, 460 e 461, todos do Código de Processo Civil; bem como dissídio jurisprudencial. Sustentam, em síntese, a ocorrência de julgamento ultra-petita, um vez que o Tribunal de origem não se limitou aos pedidos deduzidos no processo, no momento em que redirecionou a multa cominada ao Município para a pessoa do prefeito. Aduzem, ainda, a impossibilidade de reconhecimento da inconstitucionalidade de um decreto municipal pela via oblíqua da ação civil pública, com base em suposta incompatibilidade de procedimento. Por fim, asseveram que a multa cominatória não pode ser aplicada contra a pessoa do prefeito municipal, conforme previsão do artigo 461, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil, porque ele não ocupa a posição de réu no processo. Com contrarrazões às fls. 206-210, e-STJ, e não admitido o recurso especial, na origem, adveio o presente agravo de instrumento. É o breve relatório. Decido.

A irresignação merece prosperar em parte. Inicialmente, quanto aos artigos 128 e 460 do Código de Processo Civil, os temas neles insertos não foram debatidos pelo Tribunal de origem, tampouco foram suscitados nos Embargos de Declaração opostos. Carecem, portanto, de prequestionamento, requisito indispensável ao acesso às instâncias excepcionais. Aplicáveis, assim, as Súmulas 282 e 356 do STF. Quanto à alegada impossibilidade do reconhecimento da inconstitucionalidade do Decreto Municipal na via da Ação Civil Pública, o entendimento adotado pelo Tribunal "a quo" encontra amparo na jurisprudência desta Corte. Confira-se: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE. EFICÁCIA ERGA OMNES. PRESCRIÇÃO AFASTADA. LEI N.8.429/92. É possível a declaração incidental de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos em sede de ação civil pública, nos casos em que a controvérsia constitucional consista no fundamento do pedido ou na questão prejudicial que leve à solução do bem jurídico perseguido na ação. (...). Recurso especial conhecido em parte e improvido (REsp. 619946/RS, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJ 02.08.2007).

Por fim, no que diz respeito à multa aplicada à pessoa do Prefeito Municipal, melhor sorte socorre os agravantes. Conforme decidido pela Eminente Min. LAURITA VAZ, em julgamento idêntico ao que ora se apresenta (Ag 1.287.148/PR, DJe 16.06.2010), o entendimento deste Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que as pessoas do representante e da entidade pública não se confundem, tampouco é possível aplicar multa cominatória a quem não participou efetivamente do processo. (...) Assim, constata-se que a multa aplicada a pessoa do prefeito municipal, ofende ao mencionado dispositivo, porquanto, não sendo ele parte na presente demanda não pode ser condenado ao pagamento de multa postulada no processo. Nesse sentido, o seguinte julgado: PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE FAZER. DESCUMPRIMENTO. ASTREINTES. APLICAÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. CABIMENTO. EXTENSÃO DA MULTA DIÁRIA AOS REPRESENTANTES DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. Conforme jurisprudência firmada no âmbito desta Corte, a previsão de multa cominatória ao devedor na execução imediata destina-se, de igual modo, à Fazenda Pública. Precedentes. A extensão ao agente político de sanção coercitiva aplicada à Fazenda Pública, ainda que revestida do motivado escopo de dar efetivo cumprimento à ordem mandamental, está despida de juridicidade. As autoridades coatoras que atuaram no mandado de segurança como substitutos processuais não são parte na execução, a qual dirige-se à pessoa jurídica de direito publico interno. A norma que prevê a adoção da multa como medida necessária à efetividade do título judicial restringe-se ao réu, como se observa do § 4o. do art. 461 do Códex Instrumental. Recurso especial provido (Resp. 747371/DF, Rel. Min.  JORGE MUSSI, De 26.04.2010). Diante do exposto, conheço do Agravo de Instrumento e dou parcial provimento ao Recurso Especial, apenas para determinar a exclusão da multa imposta à pessoa do Prefeito do Município de Castro/PR. Intimem-se. Brasília (DF), 30 de junho de 2011. (STJ. Processo Ag 1256988 Relator(a) Ministro VASCO DELLA GIUSTINA. Data da Publicação 01/08/2011).     

Trata-se de Recurso Especial interposto pelo MUNICÍPIO DE CASTRO e OUTRO, com fundamento nas alíneas a e c do art. 105, III da Constituição Federal, no qual se insurgem contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná assim ementado (fls. 433/434):

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - PRELIMINARES - 1. CERCEAMENTO DE DEFESA - INOCORRÊNCIA - 2. RELATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO REGULAR - 3. AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DECRETAÇÃO DE NULIDADE DE DECRETOS MUNICIPAIS - VIA ADEQUADA - 4. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM – 5. CARÊNCIA DE AÇÃO - INOCORRÊNCIA - 6. INTERESSE DIFUSO E COLETIVO IMPRESCRITÍVEL - MÉRITO - 7. SUPOSTO REENQUADRAMENTO - AUSÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO - VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS - 8. - APLICAÇÃO DE MULTA APENAS AO SUJEITO ATIVO DA OBRIGAÇÃO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (...). 8.  A multa deve ser aplicada somente àquele que compete o cumprimento da decisão, e no caso dos autos, é o Prefeito, e não o servidor. (...)

3.   Nas razões do seu Apelo Nobre, os recorrentes apontam, além de divergência jurisprudencial, violação dos arts. 295, V e 461, § 4o. do Código de Processo Civil, ao argumento de que que o tipo de procedimento escolhido pelo recorrido, na espécie, não é o adequado, pois a ação correspondente a esta causa é outra – objetivamente reconhecer a inconstitucionalidade de um decreto municipal por via oblíqua, ou seja, usando do artifício da ação civil pública (fl. 475). Asseveram que o acórdão impugnado diverge do entendimento de outros Tribunais, no tocante à carência de ação, à prescrição e à multa aplicada. Por fim, aduzem que a multa cominatória não pode ser aplicada contra a pessoa do prefeito municipal, pois ele não é parte no processo. (...)

6. Por fim, no que diz respeito à multa aplicada à pessoa do Prefeito Municipal, melhor sorte socorre os recorrentes. 7. Conforme decidido pela Eminente Min. LAURITA VAZ, em julgamento idêntico ao que ora se apresenta (Ag. 1.287.148/PR, DJe 16.06.2010), o entendimento deste Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que as pessoas do representante e da entidade pública não se confundem, tampouco é possível aplicar multa cominatória a quem não participou efetivamente do processo. (...) Assim, constata-se que a multa aplicada a pessoa do prefeito municipal, ofende ao mencionado dispositivo, porquanto, não sendo ele parte na presente demanda não pode ser condenado ao pagamento de multa postulada no processo. (...) 8. Diante do exposto, com fundamento no art. 557, § 1o.-A do CPC, dá-se parcial provimento ao Recurso Especial tão somente para determinar a exclusão da multa imposta à pessoa do Prefeito do Município de Castro/PR. 9.   Publique-se. 10.  Intimações necessárias. Brasília/DF, 1º de fevereiro de 2011. (STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 1.178.621 – PR)

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No site do CJF, a pesquisa, realizada em 12/10/2011, que envolveu inúmeros termos de pesquisa, resultou em julgados do STJ no sentido já apontado anteriormente. Entretanto, colheu-se um julgado, do TRF5 – Tribunal Regional Federal da 5º Região, favorável ao direcionamento das astreintes ao representante do Ente Público devedor, sob o fundamento da efetividade da tutela jurisdicional, com a ressalva de que antes deste direcionamento deve ser intimada a pessoa física para que possa se defender nos autos, em homenagem ao princípio do contraditório. Confira-se o julgado:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. AMBIENTAL. ADMINISTRATIVO. LIXÃO. APRESENTAÇÃO DE PROJETO DE ATERRO SANITÁRIO E DE PROJETO DE RECUPERAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA. CRONOGRAMA DE EXECUÇÃO. MULTA FIXADA. AGENTE PÚBLICO. EXTENSÃO DA ASTREINTES AOS REPRESENTANTES DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO INTERNO. POSSIBILIDADE. GESTOR. AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO. INOBSERVÂNCIA. I - "É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas." (artigo 23, inciso VI, DA CF/88) II - Responsabilidade do Poder Público Municipal no que se refere à proteção dos direitos fundamentais ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e do direito à saúde. Situação em que a concretização deste dever se traduz na instalação de um aterro sanitário. III - Ao Poder Judiciário cabe, embora excepcionalmente, a imposição da implementação de políticas públicas constitucionalmente previstas, quando a omissão perpetrada comprometa a própria integridade dos direitos sociais igualmente protegidos pela Carta Magna vigente. IV - Quando o réu é pessoa jurídica de direito público interno, é possível que a sanção cominada alcance também o gestor público, de modo a assegurar o cumprimento da decisão. V- Contudo, em atenção aos princípios do contraditório e da ampla defesa, a cominação de astreintes ao gestor deve ser precedida obrigatoriamente da sua convocação aos autos, para que seja oportunizado a este o direito de defesa. VII- Apelação e remessa oficial parcialmente providas, para isentar os gestores do pagamento de astreintes e multa. (AC 200582010051188 AC - Apelação Civel – 508909 Relator(a) Desembargadora Federal Margarida Cantarelli Sigla do órgão TRF5 Órgão julgador Quarta Turma. Data da Decisão 08/02/2011)

No site do TJ/PR, a pesquisa, realizada em 12/10/2011, envolveu os julgados do Tribunal Paranaense que foram objeto de análise pelo STJ nos seguintes julgados: AI 1.256.988 e REsp 1.178.621. Desta forma, abordaram-se as ementas dos seguintes julgados do TJ/PR: Ap. Cível nº 0424021-9; AC 444926-5. Em síntese, o Tribunal Paranaense admitiu a extensão da multa ao fundamento de que, em verdade, a pessoa jurídica – Ente Estatal -, manifesta-se através da pessoa física, sendo esta que cumpre determinações judiciais sob pena de multa. Ademais, pelo princípio da efetividade da tutela jurisdicional o aludido Tribunal admitiu a possibilidade de direcionamento da multa ao representante do Estado, senão vejamos:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SERVIDOR PÚBLICO. REENQUADRAMENTO FUNCIONAL. ILEGALIDADE. NULIDADE DECRETADA. ORDEM DE RETORNO AO CARGO ANTERIOR. MULTA COMINATÓRIA. PRELIMINARES E ARGÜIÇÃO DE PRESCRIÇÃO REJEITADAS. RECURSO PELO MÉRITO PARCIALMENTE PROVIDO. (1) Impõe-se o julgamento antecipado da lide quando a matéria em discussão é unicamente de direito. (2) A investigação realizada pelo Ministério Público, via inquérito civil, é unilateral e tem índole meramente informativa, destinada apenas a colher elementos para o ajuizamento, se for o caso, da ação civil pública, por isso não se fazendo necessário nessa fase estabelecer o contraditório. (3) É possível a declaração incidental de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos em sede de ação civil pública, desde que não constitua hipótese tendente a burlar o sistema de controle constitucional, fato que não se verifica quando a decisão, em caráter incidental, seja destituída de efeito erga omnes, vindo a obrigar apenas as pessoas que concorreram para o ato impugnado. (4) A regra do art. 114, inc. I, da Carta da República não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária. (5) O ato administrativo de reenquadramento funcional que ofende os princípios constitucionais da legalidade, moralidade, impessoalidade e isonomia de pretendentes ao cargo público pode ser impugnado via ação civil pública, pois nesse caso o Ministério Público, diante do interesse social relevante, está a defender o próprio patrimônio público. (6) Se o ato administrativo é viciado na sua origem, não gerando efeitos válidos, não se pode entender esteja sujeito à prescrição. (7) Nulo é o reenquadramento funcional que concede acesso a cargo público com atribuições e responsabilidades diversas daquele que compunha o antigo quadro e para o qual o servidor prestou o concurso público. (8) A responsabilidade pelo cumprimento da ordem judicial que impõe uma obrigação de fazer é do próprio administrador, por meio de quem se exterioriza a pessoa jurídica de direito público a que pertence, de modo que pela desobediência haverá de ser pessoalmente responsabilizado, mesmo pela imposição de sanção de natureza pecuniária, pois o que interessa à Justiça não é a aplicação da multa em proveito do exeqüente, mas o cumprimento da obrigação imposta e, por conseguinte, a efetividade do provimento jurisdicional. (TJPR, Acórdão nº 30542, Ap. Cível nº 0424021-9, 4ª Câmara Cível, Rel. Juiz Subst. Adalberto Jorge Xisto Pereira, DJ. 02/05/2008)

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - preliminares - 1. DECADÊNCIA AFASTADA - 2. CERCEAMENTO DE DEFESA - INOCORRÊNCIA - 3. RELATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO REGULAR - 4. AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DECRETAÇÃO DE NULIDADE DE DECRETOS MUNICIPAIS - VIA ADEQUADA - 5. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM - 6. CARÊNCIA DE AÇÃO - INOCORRÊNCIA - 7. INTERESSE DIFUSO E COLETIVO IMPRESCRITÍVEL - mérito - 8. SUPOSTO REENQUADRAMENTO - AUSÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO - VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS 9. APLICAÇÃO DE MULTA APENAS AO SUJEITO ATIVO DA OBRIGAÇÃO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO 1. Os documentos juntados tanto pelo Ministério Público, quanto pelo Município, mostram-se suficientes para esclarecer e apontar a verdade dos fatos, sendo desnecessária a prova testemunhal. 2. O inquérito civil tem por escopo proporcionar elementos indiciários de prova a sustentar a promoção de demanda pelo Ministério Público. Tal procedimento investigatório possui natureza inquisitorial, nele não são julgadas controvérsias nem são aplicadas sanções, apenas são colhidas informações, motivo pelo qual não se pauta pelos princípios da ampla defesa e do contraditório. 3. É possível a declaração incidental de inconstitucionalidade, na ação civil pública, de quaisquer leis ou atos normativos do Poder Público, desde que a controvérsia constitucional não figure como pedido, mas sim como causa de pedir, fundamento ou simples questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal, em torno da tutela do interesse público. 4. O STF confirmou liminar concedida na ADIn 3395-6, a fim de suspender, com efeitos ex tunc, qualquer interpretação do referido dispositivo constitucional que atribua à Justiça do Trabalho a apreciação de demandas referentes à relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo entre servidores e a Administração Pública. 5. Verificada a violação a interesse social relevante, possível de tutela por meio de ação civil pública, devendo ser afastada a alegação de impossibilidade jurídica do pedido. 6. A prescrição é instrumento necessário para a garantia da segurança jurídica, estabilizando-se as relações, no entanto, não incide sobre atos viciados pela nulidade, posto que estes não preenchem os requisitos essenciais de existência e validade a possibilitar a sua convalidação com o transcorrer do tempo. 7. O provimento derivado vertical ocorreu via decreto municipal, mediante seleção interna a pretexto de enquadramento jurídico estatutário, inexistindo qualquer motivação razoável na transposição do regime celetista para o estatutário em cargo de natureza diversa. 8. A multa deve ser aplicada somente àquele que compete o cumprimento da decisão, e no caso dos autos, é o Prefeito, e não o servidor.(TJPR - 4ª C.Cível - AC 444926-5 - Castro -  Rel.: Des. Regina Afonso Portes - Rel.Desig. p/ o Acórdão: Des. Regina Afonso Portes - Unânime - J. 14.04.2008)

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Sobre o autor
Bruno Quiquinato Ribeiro

Servidor do Ministério Público Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Bruno Quiquinato. O direcionamento de multa diária contra o representante do poder público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3219, 24 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21604. Acesso em: 28 mar. 2024.

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