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Democratizando o acesso à justiça.

Juizados especiais federais, novos desafios

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01/10/2001 às 00:00
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"A crise não está na cúpula, a crise está na base: é a dificuldade de acesso ao Poder Judiciário. O pobre não tem acesso ao Poder Judiciário. Como é que o pobre vai ao Poder Judiciário? Onde é que ele vai bater?" (Evandro Lins e Silva - O Salão dos Passos Perdidos)


1 - Considerações preliminares

Constitui o presente trabalho uma análise da implementação dos Juizados Especiais na esfera da Justiça Federal no contexto do sistema judiciário brasileiro. O tema está aceso nos corredores da Justiça e na Academia, conforme verificado no Seminário Acesso à Justiça, promovido pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília - UnB, em maio de 1999, onde o Ministro Sepúlveda Pertence(1), do Supremo Tribunal Federal, afirmou que os Juizados Especiais vieram como uma verdadeira revolução, mas que já demonstram estarem esgotados.

É notório que o Judiciário brasileiro enfrenta uma grande crise. Apesar do imenso rol de garantias constitucionais, ainda permanece no tecido social a falta de acesso à justiça. A democracia não está garantida com a transição de poder. O estado de direito, como garantidor dos direitos fundamentais, volta a ser apenas uma referência ritual. O problema não está só no agente político juiz. A estrutura do sistema está contaminada pela burocracia. A nova lei dos juizados especiais federais chegará para ser aplicada num sistema burocratizado e velho. Os novos juizados precisam, sobretudo, de idéias e mentalidades novas. Lei nova, mentalidade e ações novas.

Segundo Paulo Sérgio Pinheiro, "o autoritarismo socialmente implantado" independe de periodização política e das constituições. No caso brasileiro, as relações de poder se caracterizam pela ilegalidade e pelo arbítrio ao qual a população deve submeter-se. Permanece ainda após a transição do regime autoritário para o democrático um nível muito alto de violência ilegal e de conflito violento, sem intervenção do sistema judiciário na sociedade. Retrata o professor que a democracia não está garantida com a transição de poder. As limitações de que padece o sistema judiciário não asseguram à maioria da população essas garantias do direito conquistadas e até alargadas pela nova Constituição.(2)

O excesso de trabalho faz com que as respostas à sociedade fiquem lentas. As soluções das demandas também estão cobertas com a mesma poeira que está nos processos. Os direitos humanos também são violados pelos próprios agentes do poder judiciário. Os aposentados aguardam, quem sabe até a morte, por uma resposta da justiça. Aguardam tanto que não conseguem ver a sentença, uma vez que não se encontram mais nessas estradas. Quem são os responsáveis? Os agentes políticos do judiciário? Os legisladores? Os membros do poder executivo?

No Brasil, a forma de vida das elites vem progressivamente apoiando-se num modelo de individualização. Os indivíduos das classes pobre e miserável são cada vez menos percebidos como sujeitos morais. A irresponsabilidade em relação a si faz com que o indivíduo aguarde o mundo lhe dar alguma coisa e não que ele deva qualquer coisa ao mundo.(3) Para que haja uma mobilização político-cultural dos indivíduos que vivem na elite, na opinião de Jurandir Freire Costa, é preciso uma discussão dos valores que nos constitui enquanto sujeitos sociais. É necessário um esforço para conceber novos estilos de convivência e sociabilidade, novas atitudes diante do progresso científico tecnológico e novas posturas diante da transmissão do saber, para se poder restituir a figura da dignidade moral do próximo.


2 - A Constituição Federal de 1988 e a promessa de um novo Acesso à Justiça

A Constituição Política do Império foi omissa quanto ao princípio de inafastabilidade do controle judicial. Da mesma forma, as Constituições de 1891, 1934, 1937, vindo a Carta de 1946, no seu artigo 141, § 4º, disciplinar que: "A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual". O mesmo foi mantido no artigo 150, § 4º, da Carta de 1967.

Outrossim, com a redação que lhe foi dada pela emenda constitucional nº 7, de 13 de abril de 1977, o § 4º do artigo 153, da Carta de 1967, completou:

"A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual. O ingresso em juízo poderá ser condicionado a que se exauram previamente as vias administrativas, desde que não exigida garantia de instância, nem ultrapassado o prazo de cento e oitenta dias para a decisão sobre o pedido".

Havia, portanto, a necessidade de um esgotamento da contenda na esfera administrativa, para uma manifestação do Poder Judiciário. Contudo, não chegou a ser aplicado por falta de norma reguladora.

A ruptura do regime autoritário para o democrático não afetou as microrelações da sociedade. A Constituição Federal tida como cidadã pelo então Deputado Ulisses Guimarães resultou da vitória de um grupo ou de uma ideologia frente a todas as outras. É uma Constituição compromissária que, embora possa guardar certas características de decisão fundamental, no que se refere ao regime político ou a forma de governo, reflete, sobretudo, a complexidade do ambiente social e político em que foi gerada.

Ao incorporar em seu texto um conjunto de pretensões acordadas entre os diversos segmentos de uma sociedade pluralista e corporativista, onde todos os grupos organizados tentaram beneficiar-se do processo constituinte de alguma forma, é comum que se encontre no texto constitucional princípios e regras muitas vezes contraditórios entre si.

A nossa Constituição foi fruto de um momento histórico, autoritarismo para democracia. Poderia ser tratada como uma Carta provisória, pois já nasceu com uma previsão de revisão após cinco anos(4). Como promulgar uma Constituição que já nasce para ser alterada? Ademais, os partidos não tinham maioria, ficavam de um lado e de outro para cada artigo. É a maior constituição do mundo, passando até a da Índia, se computados os incisos do artigo 5º como artigos.

As Constituições modernas gozam de pretensão normativa, buscando transformar a sociedade e o Estado, e, não, simplesmente, espelhando as suas instituições. Ao proferir sua conferência sobre a essência da Constituição em abril de 1862, numa associação liberal-progressista de Berlim, Ferdinand Lassalle afirmou, como tese fundamental, que questões constitucionais não são questões jurídicas, mas sim questões políticas. Asseverou que a Constituição real de um país é formada pelos fatores reais de poder e que a Constituição jurídica não passa de um pedaço de papel.(5)

Em 1959, Konrad Hesse ressaltou que a Constituição não mais significava apenas um pedaço de papel, tal como definido por Lassalle. Segundo Hesse, a Constituição não configura somente a expressão de um ser (sein), mas também de um dever ser (sollen). Há que se fazer presente na consciência geral não só a vontade de poder, mas também a vontade de Constituição.(6)

Essa vontade deve ser trilhada na Carta de 1988. Apesar de ser incoerente em alguns pontos e exageradamente analítica, a nossa Constituição Federal abriu novos caminhos na seara da jurisdição, garantindo um amplo acesso à justiça. A Constituição Federal de 1988 tornou obrigatória a criação dos Juizados Especiais e a Emenda Constitucional nº 22, de 18 de março de 1999, dispôs sobre a criação dos juizados especiais no âmbito da Justiça Federal.


3 - O atual cenário brasileiro: a perplexidade

Nos ensinamentos de Mauro Cappelletti verifica-se a difícil definição do que realmente seja acesso à justiça. Ressalta que a justiça serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico (Cappelletti trata como o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos, resolvendo ou não seus litígios sob os auspícios do Estado). O sistema deve ser igualmente acessível a todos. Essa é a primeira finalidade básica. A segunda é a de se produzir resultados que sejam individual e socialmente justos.(7)

No rol dos direitos fundamentais da Constituição de 1988, foi garantido que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV) e que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (art. 5º, LXXIV). O atual cenário brasileiro precisa estar aberto ao Povo. Friedrich Müller, quando trata do "Povo" como destinatário de prestações civilizatórias do Estado, afirma que

"o mero fato de que as pessoas se encontram no território de um Estado é tudo menos irrelevante. Compete-lhes, juridicamente, a qualidade do ser humano, a dignidade humana, a personalidade jurídica. Elas são protegidas pelo direito constitucional e pelo direito infraconstitucional vigente, isto é, gozam da proteção jurídica, têm direito à oitiva perante os tribunais, são protegidas pelos direitos humanos que inibem a ação ilegal do estado, por prescrições de direito da polícia e por muito mais."(8)

Vivemos um momento de perplexidade. A Carta constitucional é norma e tarefa e devem os nossos representantes buscar a sua aplicação. Após quase 13 anos da Constituição já passamos por 31 emendas constitucionais, enquanto a Constituição Americana tem mais de 200 anos e 27 emendas. A perplexidade não é clara e visível, portanto, é violenta. Há uma nova forma de observar a violência, um novo olhar, novos conceitos a serem observados. Para Johan Galtung, que trabalha com a questão da violência estrutural, faz-se necessário um conceito mais amplo. Nas suas definições de violência, Galtung apresenta a mais importante como a que está situada ao nível do sujeito. Qualifica a violência na qual existe um ator como pessoal (direta) e a que não existe um ator como estrutural (indireta). A violência pessoal está relacionada a pessoas concretas. Por outro lado, a violência estrutural está inscrita na própria estrutura, de forma não visível, e manifesta-se por um poder desigual e injusto, ou seja, excludente. Na visão de Johan Galtung, "a violência estrutural é silenciosa, não se manifesta, é essencialmente estática, é a água tranqüila. Numa sociedade estática a violência pessoal será registrada, enquanto a violência estrutural poderia ser vista como qualquer coisa tão natural como o ar que nos rodeia".(9)


4 - Novas perspectivas para a democratização do Acesso à Justiça

Essencialmente, o movimento de acesso à Justiça trata de analisar e procurar os caminhos para superar as dificuldades ou obstáculos que fazem inacessíveis as liberdades civis e políticas.(10) A busca pelo acesso à justiça não se encontra apenas no plano de reformas processuais. O elemento normativo deve ser visto como um fator e não como solução para a crise do acesso. A sede do Povo por Justiça deve ser saciada com uma resposta rápida do próprio Poder Judiciário, garantindo o direito exigido e inerente ao cidadão.

Não há como fugir da angústia de querer ver concretizada a idéia de um Judiciário acessível a todos, conforme garantido na Carta Magna vigente. Carlos Mário da Silva Velloso sustenta que devemos viabilizar o acesso à ordem jurídica justa e que esta compreende, além de um direito material justo, o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, assentado, sobretudo, no aperfeiçoamento do ensino jurídico, e, consequentemente, das pessoas que vão dar vida ao direito, os magistrados, os advogados, os procuradores, os membros do Ministério Público e os demais operadores do direito.(11) Conforme o Desembargador e ex-presidente da Associação dos Magistrados do Brasil, Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, 60% dos processos que chegam à Justiça brasileira são absorvidos pelos juizados especiais. Segundo ele, a demora nos processos se deve à conjugação de dois problemas: excesso de demanda e escassez de juízes. No Brasil, há 1 (um) juiz para 30.000 (trinta mil) habitantes, enquanto na Europa a média é de 1 (um) juiz para cada 7.000 (sete mil) pessoas. Na Alemanha, há 1 (um) juiz para cada grupo de 3.000 (três mil) habitantes.(12)

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Outrossim, deve-se ponderar que os hospitais, delegacias, estão sempre de plantão. A Justiça, não. Esta não pode e não deve dormir. O Fórum tem que permanecer "aceso" para o Povo. É a tese dos fóruns permanecerem funcionando não apenas no período costumeiro, devendo solucionar os litígios também em outros períodos. É uma tese muito polêmica, mas viável. As experiências de alguns juizados especiais que funcionam 24 horas têm sido concretizadoras, como no Distrito Federal. A experiência será válida e concreta se adotada nos Juizados Especiais Federais.

Outra ponte é a carência de operadores jurídicos para atuar no quadro do Poder Judiciário. Deve ser repensada a forma de ingresso nessas carreiras, bem como o perfil dos operadores, não só preocupando em formá-los como meros aplicadores da Lei, mas sim comprometidos com todo o fenômeno social.

Uma promessa recentemente editada é a Lei nº 9.957, de 12 de janeiro de 2000, que prevê o rito sumaríssimo na Justiça do Trabalho para causas de valor de até 40 (quarenta) salários mínimos. Corresponde, nas devidas proporções, aos juizados especiais na justiça comum. Também a Lei nº 9.958, de 12 de janeiro de 2000, criou as Comissões de Conciliação Prévia como instância prévia conciliatória, em que a comissão deve dar resposta à demanda em 10 dias antes do ajuizamento da ação. São novas perspectivas para a democratização do acesso à justiça trabalhista. Na visão de Ives Gandra da Silva Martins Filho, a Justiça do Trabalho entra no ano 2000 com nova cara, mais técnica, célere e barata, saindo ganhando o jurisdicionado. As leis que instituíram o rito sumaríssimo, as comissões de conciliação prévia vieram dinamizar e dar rapidez à solução dos conflitos individuais de trabalho.(13)

Ademais, outra idéia a ser amadurecida é a da Justiça ir até o cidadão. Essa nova questão já está sendo implementada em alguns estados, com os chamados Juizados itinerantes. Carlos Mário Velloso defende a instituição de Juizados móveis, que se deslocariam por todo o território do Estado.(14) Dessa forma, teremos a Justiça mais próxima do Povo.

As Universidades e Faculdades de Direito também podem contribuir de forma efetiva para o acesso do Povo à Justiça, principalmente nos tempos atuais, em que se vive uma proliferação dos cursos jurídicos. Se em cada Instituição fossem instalados Juizados Especiais, ter-se-ia uma grande contribuição para enfrentar a crise. O benefício será também para a melhoria do ensino jurídico. É preciso repensar o papel das Universidades brasileiras. A preocupação atual gira sobretudo para o mercado de trabalho, o que não se enquadra na essência da idéia de Universidade.

Não podem ser olvidados, ao lado da democratização da Justiça pelos Juizados Especiais, os chamados meios alternativos de solução de conflitos: conciliação, mediação e arbitragem, encontrando-se esta em discussão no Supremo Tribunal Federal no que tange a sua constitucionalidade. Nesse contexto tomam escopo as lúcidas palavras de Carlos Alberto Carmona ao afirmar que a distribuição da justiça pode ser propiciada não só através do Estado com sua direta intervenção, mas também pelas vias conciliativa e arbitral, ambas incluídas no conceito amplo de jurisdição.(15) São novos remédios para contribuir com a garantia do efetivo acesso à justiça, a qual é conferida por esses meios aos cidadãos.

No tocante às Defensorias Públicas, instituídas pelo artigo 134 da Carta de 1988, ainda não se instalaram efetivamente no país, com a ressalva de alguns estados. É preciso consolidar e aparelhar em todo o País as Defensorias Públicas, que têm grande importância nesse processo de construção da cidadania. O papel da Defensoria com os segmentos mais carentes da população circunscreve-se até mesmo como "assistência psicológica, misturada a uma orientação ético-pedagógica. Observando-se os defensores em ação, tem-se a impressão de que atuam como professores envolvidos em uma ‘alfabetização’ especial, introduzindo seus clientes na semântica própria ao campo jurídico. Algumas Defensorias de Juizados reservam um ou dois dias da semana somente para esclarecer as dúvidas das partes, quanto aos seus respectivos processos"(16).

Com o escopo de ampliar o acesso à Justiça, a Carta de 1988 tornou obrigatória a criação de juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau. (Art. 98, I). De forma concorrente, cabe à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar sobre a criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas (Art. 24, X). A distância entre a Justiça e o Povo é muito grande. Fruto desse divórcio, os Juizados Especiais foram criados pela Lei 9.099/95. Surgiram não como resposta para a solução da crise da prestação jurisdicional, mas como a única porta para a aproximação do Judiciário e o Povo. Na visão do Professor Boaventura de Sousa Santos,

"a distância dos cidadãos em relação à administração da justiça é tanto maior quanto mais baixo é o estado social a que pertencem e que essa distância tem como causas próximas não apenas fatores econômicos, mas também fatores sociais e culturais, ainda que uns e outros possam estar mais ou menos remotamente relacionados com as desigualdades econômicas".(17)

Outrossim, a mentalidade formalista dos operadores do direito não consegue fazer dos atuais juizados um microsistema(18). A idéia inicial era formar um outro sistema para os juizados especiais e não ficar vinculado ao critério formalista. Pensava-se em processos sem capa, autuação, mas a realidade é bem diferente, pois tudo continua como antes. Por outro lado, não há como negar a contribuição desses Juizados na democratização do acesso à justiça.

Em linhas gerais, são essas algumas das questões discutidas no cenário do acesso à justiça. Com a Emenda Constitucional nº 22, de 18 de março de 1999, que veio dispor sobre a criação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal, os debates para efetivação desse novo microsistema tornaram-se mais calorosos. Contudo, a legislação infraconstitucional não representa o grande desafio, pois é apenas um meio de se chegar ao fim objetivado, a garantia do acesso à Justiça.


5 - Juizados Especiais Federais: novos desafios

O objetivo principal dos Juizados Especiais no âmbito da Justiça Federal é o de agilizar o exame dos processos que envolvem questões de pequena repercussão econômica e menor complexidade. Com a concretização dos Juizados, a quantidade de recursos desnecessários encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, cuja solução poderia ser alcançada com rapidez em instâncias inferiores, será possivelmente reduzida. A maior parte das ações de baixo valor que abarrotam os gabinetes do STJ relaciona-se com questões previdenciárias.

Em recente pesquisa realizada com juízes dos Juizados Cíveis e Criminais de todo o Estado do Rio de Janeiro foram constatadas, no tocante à percepção que o juiz tem do Juizado, clivagens importantes entre os juízes dos Juizados Cíveis e dos Criminais. Outrossim, postos os magistrados diante da comparação entre o trabalho realizado nos Juizados e na Justiça Comum, todos procuraram valorizar os efeitos dos Juizados na democratização do acesso à Justiça, enfocando que a "população carente" tem chegado aos Juizados. Verificaram os magistrados: maior autonomia ao juiz, que "tem liberdade para solucionar efetivamente o problema da parte, ainda que este nem sempre seja integralmente contemplado pela petição, porque o autor sozinho muitas vezes não sabe pedir"; maior eficácia nas decisões, sobretudo porque "têm menos chances de serem reformadas"; maior proximidade com as partes, "sem a mediação de advogados"; "a desmitificação dos juízes no inconsciente coletivo"; maior contato com os problemas locais, pois "a facilidade de acesso ao Juizado faz com que o magistrado tenha conhecimento rápido dos problemas sociais de interesse coletivo. Se uma empresa dá um golpe na praça lesando muitos consumidores, o juiz é o primeiro a saber"; uma dimensão ético-pedagógica ao seu trabalho, que confere ao Judiciário uma capacidade transformadora da realidade social, pela valorização da cidadania, porque "enquanto na Justiça Comum o juiz exerce uma função mais técnica e formal, no Juizado a atividade judicante tem caráter pedagógico, informando as partes a respeito de seus direitos e o exercício da cidadania, assim como orientando comerciantes, pessoas jurídicas, etc. sobre a correta e honesta maneira de manter um bom relacionamento de consumo"; e a afirmação da democracia brasileira, uma vez que "o recurso ao Judiciário politiza e educa o indivíduo".(19)

Os Juízes Federais não poderão seguir os mesmos ritos da Vara Federal. Esses Juízes são muito formalistas e como forma de preparação para esse novo sistema deverão ser proporcionados pelo Conselho da Justiça Federal cursos, palestras e uma atuação voltada para a celeridade e oralidade.

A pesquisa "a visão interna da Justiça Federal" realizada no período de maio a junho de 1994 nas cinco Regiões da Justiça Federal pelo Centro de Estudos Judiciários, do Conselho da Justiça Federal, que teve por objetivo geral conhecer a realidade institucional a partir de relatos de seus membros, mostra numa perspectiva consensual nas cinco Regiões que quatro pontos são considerados como problemas para um melhor desempenho da Justiça Federal, a saber: (i) Legislação (processual) inadequada; (ii) Carência qualitativa e quantitativa de recursos humanos (juízes e servidores); (iii) Volume excessivo de processos; e (iv) Carência de recursos materiais.(20)

No que tange à legislação em vigor, os magistrados entrevistados responderam que provém de um sistema processual muito detalhista, formalista e burocratizado, o qual propicia um número muito alto de recursos e corrobora para a morosidade na solução dos litígios. Para os magistrados, a legislação processual, em especial a penal, não está em sintonia com a realidade e as necessidades da sociedade moderna.(21) Para o ponto carência qualitativa e quantitativa de recursos humanos, os entrevistados acreditam que as Varas Federais necessitam de mais funcionários, melhor qualificados, através da participação em cursos de aperfeiçoamento. A alta taxa de reprovação nos concursos, em razão da baixa qualidade do ensino jurídico do País, justifica a carência de juízes. Para os entrevistados, este deficitário "compromete a formação do juiz, à medida que enfatiza o tecnicismo, distanciando-o da realidade e de seu papel político".(22)

O volume excessivo de processos foi identificado pelos entrevistados em decorrência da edição de leis inconstitucionais, sucessivos planos econômicos e medidas fiscais, crise econômica e política, medidas lesivas aos interesses dos cidadãos e crise geral do sistema processual. Por fim, a carência de recursos materiais, que se relacionam com a ausência de equipamentos de informática e acervo atualizado para as bibliotecas da Justiça Federal. É um problema de ordem organizativo-estrutural com providências internas, segundo os magistrados da pesquisa.(23)

A "burocracia processual" da Justiça Federal não poderá ser aplicada nos Juizados. A estrutura terá que ser outra, sobretudo na conscientização dos funcionários e Juízes. Será uma tarefa árdua, porém, justa com o Povo.

Em 1996, o Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal publicou outra pesquisa. O tema proposto foi "a opinião da sociedade civil organizada a respeito da Justiça Federal". Um dos objetivos do estudo foi identificar a opinião acerca do Poder Judiciário, tomado como sinônimo de Justiça.(24) Constatou-se que a imagem da Justiça Federal junto aos entrevistados é predominantemente negativa (56,9%), sendo 28,7% das respostas positivas, enquanto 14,4% afirmaram não saber.(25) Avaliou-se, por oportuno, a imagem da sociedade brasileira da Justiça Federal. Como na resposta à pergunta anterior grande parte dos entrevistados afirmou a imagem negativa da Justiça Federal (69,4%), tendo o restante (19,4%) considerado positiva e 8,2% não sabiam.(26) A sociedade civil considerou, ainda, a Justiça Federal como elitista (79,2%), enquanto apenas 9,7% responderam não saber. Por fim, 83,3% classificaram a Justiça Federal como morosa. Apenas 8,3% classificaram como ágil.(27)

Diante do cenário alinhavado, verifica-se os grandes desafios que os Juizados Especiais Federais terão que enfrentar. Para a concretização da legislação dos Juizados, será necessário um olhar por todos os cenários da Justiça Federal. As pesquisas do próprio Centro de Estudos do Conselho da Justiça Federal demonstram um primeiro caminho. O Judiciário precisa ousar, para não fazer dos Juizados Federais uma promessa vazia. O Povo quer acesso à Justiça e não acesso ao Poder Judiciário. É preciso ousar.

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Sobre o autor
André Macedo de Oliveira

Professor de Processo Civil e Coordenador do Núcleo de Trabalho de Curso e Atividades Complementares do IESB. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da UnB e ex-Professor de seu Núcleo de Prática Jurídica. Advogado em Brasília.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, André Macedo. Democratizando o acesso à justiça.: Juizados especiais federais, novos desafios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2172. Acesso em: 19 abr. 2024.

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