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O mercado de trabalho para os deficientes visuais nas empresas privadas a partir da Constituição de 1988

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Ao tratamos todos os vários tipos e graus de deficiências da mesma forma, podemos estar aumentando ainda mais o preconceito e prejudicando a tentativa de dar melhor condição de vida e de trabalho às pessoas.

Resumo: Este artigo aborda um tema pouco discutido tanto na sociedade quanto no meio acadêmico: aspectos conceituais e legislativos sobre acessibilidade de deficientes visuais no mercado de trabalho, sobretudo no setor privado. Apresenta conceitos, características e legislação. Discute a respeito de questões-chave que devem ser consideradas para a legislação dos serviços de acessibilidade assim como, tenta conscientizar para a importância destes trabalhadores no mercado formal de trabalho.

Palavras-chave: Acessibilidade. Deficiente visual. Empresas privadas.


Introdução

O artigo a ser apresentado irá tratar de uma questão muito pouco discutida na área do Direito e sequer tratada por muitas pessoas.

Primeiramente discorremos sobre a questão histórica que cerca os trabalhadores com deficiência, tanto no que tange a própria questão das pessoas com deficiência, desde o inicio do século XIX, quanto especificamente à questão do surgimento das leis de apoio a pessoa com deficiência para a sua inserção no mercado de trabalho.

Em seguida serão apresentados e discutidos os argumentos dispostos pelas empresas como impeditivos para a contratação de pessoas com deficiência, mesmo com a Lei de Cotas já vigente há 21 (vinte e um) anos. Será feita, ainda, a exposição de algumas particularidades sobre o deficiente visual e sua relação com a sociedade e com o trabalho.

Ao último capitulo do presente artigo, serão apresentadas alternativas, melhorias, bem como complementos à Lei de Cotas que, caso existissem, possibilitariam, de fato, uma verdadeira inclusão dos trabalhadores com deficiência no mercado formal de trabalho.

No decorrer deste estudo, discutiremos o modo como as pessoas com deficiência, especialmente aquelas com deficiência visual, são vistas pela sociedade, assim como será apresentado o que carece de mudanças no governo, nas instituições privadas e na própria sociedade civil quanto ao tratamento dispensado a essas pessoas.


Capítulo 1 – Surgimento e Evolução das Leis para Deficientes no Brasil

Até o século XIX não se falava em proteção legal para os deficientes, uma vez que tal grupo era tratado à margem da sociedade. Essas pessoas eram totalmente excluídas, geralmente escondidas por seus familiares, e, muitas vezes, internadas em instituições que não ofereciam amparo psicossocial e com condições de saúde abaixo dos níveis considerados adequados para uma vida digna. 

Quando a análise é feita especificamente com base no Brasil, é interessante ver a evolução passada até os dias atuais. Junto com a modernização do país, a concepção de que os indivíduos com deficiência eram pessoas inválidas foi caindo por terra, percebendo-se que os mesmos poderiam utilizar seu potencial em prol do desenvolvimento da nação, desde que fossem estimuladas e preparadas para tal[1].

A primeira legislação, onde houve uma manifestação real de amparo às pessoas com deficiência ocorreu no século XIX.  Na primeira Constituição, de 1824, era especificado que as pessoas com deficiência deveriam ser cuidadas pelas famílias e, caso isto não fosse possível, deveriam ser levadas a hospitais de custodia, onde receberiam tratamento adequado. Após a queda do império em 1889, deu-se em seu lugar a República Velha, que também não se aprofundou muito na questão da participação dos deficientes na sociedade, disciplinando apenas que estas pessoas teriam a tutela do Estado quando não fosse possível para a família cuidar delas. 

Em ordem cronológica, após esse período, veio a revolução de 1930, que mais tarde transformou-se no golpe de 1937, época do Estado Novo. Neste ínterim, tivemos a Constituição de 1934, quando se determinou que o Estado, assim como a família, tinha o dever de cuidar das pessoas deficientes. Mesmo assim, as primeiras tentativas para inserir as pessoas com deficiência na sociedade foram muito tímidas, pois elas eram colocadas para aprender em escolas ditas "especiais", a exemplo do Instituto Benjamin Constant para cegos no Rio de Janeiro. Estas escolas, apesar de prestarem um excelente serviço educando e capacitando os deficientes, não os colocavam em contato direto com a sociedade no seu mundo dito “normal”, mantendo-os afastados das situações corriqueiras do relacionamento com as pessoas. Além disso, essas escolas eram poucas para suprir às necessidades de toda a massa de portadores de necessidades especiais brasileira, premiando alguns poucos e deixando a maioria sem apoio.

Numa primeira fase, até 1937, a Constituição era considerada muito democrática e abrangente, pois permitia às mulheres o direito ao voto e tornava este, secreto. Quanto ao tópico que tratamos aqui, a Constituição também foi um pouco mais eficiente que as anteriores, já que começou a considerar que o portador de deficiência era agora um individuo integrante da sociedade e, por esta razão, ele teria direitos e deveres como os demais membros da mesma. Entretanto, a questão do trabalho ainda era vista de uma forma bem restrita por boa parte da sociedade da época e assim perdurou no período do Estado Novo imposto por Getulio Vargas. Com o fim deste Governo em 1945 e a volta à democracia, as coisas permaneceram inalteradas para os deficientes.  

A Constituição de 1945 manteve o mesmo posicionamento em relação às pessoas com deficiência, não incluindo mudanças quanto a tentar, de fato, incluir as mesmas. E assim também o foi durante todo o período da ditadura militar, tanto na Constituição de 1967, quanto na emenda feita em 1969, que acabou se tornando uma nova Constituição. O governo militar não promulgou mudança alguma na Constituição no sentido de melhorar ou aprimorar o dispositivo já presente no texto constitucional anterior. 

Na atual Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988, é que se faz possível visualizar evoluções de real apoio ao tornar expressa a importância da inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. A Carta Magna trata tais indivíduos não como inválidos ou aleijados, mas como portadores de alguma limitação em relação às demais para realizar determinadas atividades, ou precisam de algum meio diferenciado para que as realizem como as demais.  Assim, a Constituição atual assegura que as deficiências não são motivos para se excluir essas pessoas do convívio com as outras e também dá a elas o direito de se sentirem úteis para a sociedade como as pessoas consideradas “normais”[2].

Isto posto nos mostra que as mudanças relevantes sobre este tema só foram realmente ocorrer no Brasil com a promulgação da Constituição de 1988. A qual viabilizou, de fato e com amparo legal, apoio às pessoas com deficiência e permitiu a inserção delas tanto nos meios sociais quanto no mercado de trabalho. Este item foi uma novidade da Carta Magna, uma vez que o assunto não estava exposto nas constituições anteriores. Atualmente, os artigos que disciplinam esta inclusão são o art. 3º, inciso IV, art. 5° e art. 7º, inciso XXXI da Constituição Federal.

Nos dias de hoje já existe legislação ordinária que disciplina a inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho. Na esfera pública existe a cota nos concursos públicos, que tem aparo legal na Constituição em seu art. 37, inciso VIII, que determina que a administração deve instituir um percentual de vagas para portadores de deficiência. Já na iniciativa privada temos a Lei n° 8.213/91 que estabelece um percentual mínimo de contratação de pessoas com deficiência ou reabilitados quando a empresa tiver acima de 100 empregados[3]. Também é importante ressaltar que o art. 93, § 1°, desta mesma lei diz, claramente, que a demissão de funcionário com deficiência ou reabilitado só é possível se a empresa contratar outro em condições semelhantes àquele demitido. Ainda é possível citar mais duas leis que possibilitam a inserção do indivíduo portador de necessidades especiais no meio social: a Lei n° 7.853/89 e a Lei n° 10.098/00 que, embora não mencionem expressamente a questão do trabalho da pessoa com deficiência, ajudam diretamente na sua inclusão na sociedade[4].

Como se pode observar, esse processo de aceitação e inclusão das pessoas portadoras de deficiência na sociedade ainda está no início, seja na questão de inclusão como pessoa de direitos e deveres, seja quanto a sua colocação no mercado formal de trabalho. E, como visto, este não é um processo fácil ou simples. O mesmo teve e ainda tem muitos obstáculos a serem vencidos, especialmente o preconceito, o descaso e a falta de informação, algo que começa a ser quebrado nos dias de hoje muito por conta do advento da Internet e a democratização de seu acesso[5].

Ressalte-se, ainda, que as mudanças ocorridas na sociedade para que se chegasse ao que hoje conhecemos, não ocorreram de forma rápida e definitiva. Até porque, ainda hoje estamos em constante aperfeiçoamento para melhorar as leis e dispositivos criados para ajudar na inserção do deficiente na sociedade, tanto no quesito de maior aceitação dessas pessoas, quanto no quesito fundamental de colocação das mesmas no mercado formal de trabalho. O processo pelo qual passaram e passam os deficientes para sua aceitação pela sociedade não está sendo tranquilo, pois houve e há muita resistência a essas mudanças pela população.  A inclusão total dos deficientes ainda não foi alcançada e esta situação precisa ser mudada.


Capítulo 2 - A Lei de Cotas e as Empresas Privadas - Análise e Dificuldades no seu Cumprimento.

A Lei de Cotas, nº 8.213/91, traz em seu artigo 93 a seguinte definição:

Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:

I - até 200 empregados.................................................................................2%;

II - de 201 a 500............................................................................................3%;

III - de 501 a 1.000.......................................................................................4%;

IV - de 1.001 em diante................................................................................5%.

§ 1º - A dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante.

§ 2º - O Ministério do Trabalho e da Previdência Social deverá gerar estatísticas sobre o total de empregados e as vagas preenchidas por reabilitados e deficientes habilitados, fornecendo-as, quando solicitadas, aos sindicatos ou entidades representativas dos empregados.

Assim começou de maneira expressa a tentativa de inclusão de pessoas com deficiência, pois, apesar de já constar na Constituição Federal de 1988, não havia uma lei específica que pudesse de fato proteger os deficientes e punir as empresas que não contratassem os mesmos [6].

Portanto, a partir deste artigo é que se pode começar a falar em uma ação para se tentar incluir as pessoas com deficiência no mercado formal de trabalho. Ainda assim, essa é uma lei tímida, pois dá apenas os primeiros passos nesse sentido.

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Iremos aqui concentrar nossa análise no trabalhador com deficiência visual, não somente naquele que é cego, como também naquele que tem baixa visão, pois acreditamos que esta deficiência específica é a que mais enfrenta barreiras para que um deficiente visual consiga um lugar no mercado de trabalho.

Mesmo com a criação da lei, que neste ano de 2012 completa 21 (vinte e um) anos de existência, ainda há muito que se fazer para que haja seu pleno cumprimento, e mais, para que se possa de fato falar em plena colocação das pessoas portadoras de deficiência no mercado formal de trabalho.

  As empresas hoje ainda têm muitas restrições para colocar pessoas com alguma deficiência em seus quadros funcionais, mesmo com a existência de multas aplicadas pelo MPT a estas empresas. E é preciso ressaltar que as poucas contratações que as empresas fazem, em sua maioria das vezes, são para cargos com menor grau de complexidade. Outro ponto muito importante é o fato de que muitas vezes as empresas que contratam essas pessoas para compor seu quadro funcional só se preocupam com o cumprimento da lei e não dão de fato condições de trabalho a essas pessoas, o que inviabiliza o bom desenvolvimento desse profissional, não por ser portador de uma deficiência, mas por não serem dadas a ele condições de executar o trabalho para o qual foi supostamente contratado [7].

É também muito importante ressaltar que a maioria das empresas não está pronta para receber um trabalhador com deficiência, não apenas na questão de adaptação do ambiente de trabalho para essas pessoas – com a adoção de equipamentos e infraestrutura dotadas de acessibilidade, bem como o treinamento de toda a equipe de trabalho para que eles possam se relacionar produtivamente com esse novo trabalhador – mas principalmente porque não há, de fato, entendimento das necessidades desses indivíduos por parte das empresas contratantes. Temos, portanto, que apesar das legislações de incentivo, não há, ainda, de se falar em ações efetivas para a inserção desses novos profissionais no mercado de trabalho. Ademais, verifica-se importante discutir as instalações físicas dessas instituições, haja vista geralmente não serem adaptadas para receber um trabalhador com deficiência, isto é, quando no momento da execução do projeto, não foram observadas regras de acessibilidade nos edifícios como: rampas para cadeirantes, elevadores com inscrições em Braille e sistema de voz, banheiros adaptados, etc., que são fundamentais para que uma pessoa cega, com baixa visão ou cadeirante possa ter acesso pleno ao seu local de trabalho[8].

Existe outro ponto de abordagem imprescindível para o bom entendimento do tema aqui estudado. Ele se refere ao preconceito dos empregadores, que muitas vezes não vêm o indivíduo com deficiência como capaz de realizar plenamente as atividades intrínsecas. Isto é, a maioria dos empregadores vê em primeiro plano a deficiência para depois ver o profissional, o que se configura um completo absurdo, pois a deficiência não é um obstáculo, mas um fator que faz com que a pessoa realize as coisas de forma alternativa às demais. Ainda assim existe preconceito, discriminação e desconfiança, pois existe a noção geral de que um trabalhador com deficiência terá um desempenho insatisfatório, o que não é verdade, já que, se ao deficiente forem oferecidas condições adequadas de trabalho, este profissional poderá desempenhar suas atividades com rendimento semelhante ou, até mesmo, com mais produtividade que um trabalhador sem deficiência[9].

Também precisamos mencionar o fato de que a maior parte dessas instituições não analisa a deficiência de cada trabalhador de forma específica, ou seja, as poucas adaptações de acessibilidade que são feitas ocorrem numa forma geral, não atentando para as reais necessidades do indivíduo[10]. Ao se pensar em um trabalhador com deficiência, lembram apenas das situações mais comuns e conhecidas, como a visual (cego), o cadeirante ou o surdo-mudo, e esquecem que existem outros tipos e níveis de deficiência e que estas pessoas também precisam de espaço no mercado de trabalho. Trazendo a discussão para o âmbito da deficiência visual, temos que a maioria das pessoas entende por deficiente visual aquela pessoa que não consegue enxergar completamente – cega – e esquecem da existência dos indivíduos que, apesar de não terem perdido totalmente a visão, não enxergam o suficiente para desempenhar atividades sem condições especiais. Estas pessoas têm baixa visão.

A Organização Mundial da Saúde elencou as definições para o que caracteriza uma pessoa com deficiência visual e as mesmas estão inclusas no Decreto-Lei n° 3.298/99:

Art. 4º  É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias:

... III - deficiência visual - cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60º; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores.

Com base na análise do que versa o Decreto-Lei supracitado, é possível perceber que, consta na lei de política nacional para integração da pessoa portadora de deficiência a expressão “baixa visão” e os respectivos parâmetros para determinar se seus portadores são ou não deficientes. Por esse motivo, é mister a observância das empresas contratantes para o conjunto de profissionais deficientes como um todo, sem que deixem de ser respeitadas as particularidades de cada deficiência. O local de trabalho deve, portanto, ser adaptado para atender a deficiência específica daquele trabalhador que está por ingressar na empresa, para que a atividade para qual foi contratado seja exercida de forma plena[11].

É preciso falar, também, no que tange a questão econômica para as empresas.  Muitas delas reclamam que as adaptações que terão de fazer para receber em sua empresa um trabalhador com deficiência são em sua maioria caras, o que pode fazer com que a relação custo/beneficio desta contratação não compense.  Alegam que terão que pagar altos preços para instalar rampas de acesso, placas com escrita em Braille, computadores com programas de leitor de tela, entre outros, os quais são de vital importância para o bom desempenho do profissional com deficiência. Desta forma existe mais uma barreira criada pelas empresas na hora de contratar pessoas com alguma deficiência. Elas geralmente preferem contratar pessoas com baixo grau de deficiência, ou seja, uma pessoa que tenha uma deficiência não tão severa que não obrigue a empresa fazer grandes mudanças na sua estrutura e/ou equipamentos, não tendo, assim, um alto custo financeiro para a contratação deste tipo de profissional. Agindo desta forma, as empresas continuam prejudicando os deficientes, pois, informalmente acabam criando classificações, níveis de empregabilidade ou “castas” entre os deficientes, preterindo a contratação das outras pessoas com deficiência mais severa, as quais necessitam de equipamentos adaptados, e mantendo sua exclusão do mercado formal de trabalho.  Consideramos que este tipo de argumento por parte das empresas é fruto de uma visão errônea, que considera somente a rentabilidade em curto prazo, renegando sua função social e prejudicando uma parcela da sociedade que necessita apoio e cumprimento das leis [12].

Também precisa ser abordada outra situação que, na nossa interpretação, não pode ser considerada valida ou consistente com a visão de inclusão descrita nas leis. Relaciona-se a alegação, por parte de muitas empresas, que o motivo de não contratarem pessoas com deficiência (especialmente a visual) é o fato de que, para estas empresas, estas pessoas tem um ritmo de produtividade menor, o que interferiria na produtividade geral da empresa.  Esta é mais uma consideração preconceituosa, sem base cientifica e que parte do mito de que tais pessoas não realizam as tarefas no ritmo normal devido a sua deficiência. Provavelmente, isto pode até vir a acontecer, mas dentre os verdadeiros motivos para tal, um é, principalmente, o fato de que estas pessoas não receberam os equipamentos e condições adequados para realizar de forma plena a atividade para a qual foram contratadas [13]. Também é válido lembrar que cada um tem seu ritmo para realizar suas atividades, tendo ou não uma deficiência. Isto nos faz concluir que, na verdade, somos todos diferentes e mesmo entre as pessoas ditas “normais” cada um tem seu tempo e sua maneira de realizar as suas funções.  Temos que mencionar também que a pessoa deficiente, justamente devido a sua deficiência, sempre é muito focada na atividade que está realizando, não sendo afetada pela maioria das distrações que tiram a atenção da pessoa dita “normal”, fazendo com que sua produtividade não seja alterada e contribuindo para mostrar que a alegação acima mencionada, além de ser injusta, pode ser errada e a deficiência pode ser um fator de aumento de produtividade.

Mais um ponto muito importante que precisa ser abordado neste capitulo é o fato de que a maioria dos empregadores alega que existem poucas pessoas com deficiência qualificadas para o mercado de trabalho e, por este motivo, as empresas não conseguem contratar estes trabalhadores. Esta alegação está baseada no histórico existente, no qual por muito tempo estas pessoas foram excluídas do convívio social, tanto na questão da educação, quanto na interação com o resto da sociedade [14].  Entretanto, o uso deste argumento não é valido nem aceitável nos dias de hoje, uma vez que, com o avanço tecnológico e das leis, pode-se dizer que, atualmente, qualquer pessoa com deficiência tem acesso à educação, tanto à educação básica, quanto à educação em nível superior. É verdade que o número de pessoas com deficiência que cursam uma escola regular ou prestam exame para um curso de nível superior ainda é muito pequeno, mas isto ocorre, em grande parte, porque, ao observarem e avaliarem seu futuro no mercado de trabalho, não encontram motivação para investir na sua educação e formação, pois verificam que não encontrarão trabalho nas empresas.  A este ciclo vicioso adiciona-se o fato de o preconceito contra e a marginalização do deficiente ainda estão muito arraigados na sociedade e o dia a dia numa escola pode tornar-se um grande sacrifício emocional para uma pessoa com deficiência.  Ainda é muito difícil para a sociedade lidar com o diferente, com alguém que não é igual à maioria.  Uma cartilha elaborada pelo Ministério Público do Trabalho e Emprego do ano de 2007 traz em seu texto uma afirmação bem precisa quanto ao fato da qualificação:

"...Às pessoas com deficiência também não foram dadas iguais oportunidades de acesso à escolarização"... [15]

Com isto é plenamente possível perceber que a qualificação que é exigida às pessoas com deficiência, de certa forma acaba interferindo na própria colocação delas nas empresas, uma vez que, por aparentemente não terem qualificação, acabam sendo colocadas em serviços sem muita importância e com um salário bem reduzido. Não é comum ver pessoas com deficiência em cargos de chefia ou gerencia, por onde podemos presumir que, para que possam ocupar estes cargos, é necessário que as pessoas não possuam nenhuma deficiência, gerando mais um preconceito e afastando ainda mais as pessoas com deficiência de vagas para cargos de maior destaque e prestígio para ela dentro da empresa [16].  Assim como na sociedade, há preconceito contra e marginalização do deficiente entre os funcionários das empresas, e estas também temem, no caso de promoção de um deficiente, que haja reação adversa de funcionários que ficarão subordinados a esta pessoa, insatisfeitos por terem que acatar ordens e aceitar a liderança de uma pessoa “diferente”.

A Declaração Universal Dos Direitos Da Pessoa Com Deficiência tornou-se, no Brasil, o Decreto n° 6.949/09, e o mesmo estabelece em seu artigo 27:

 Artigo 27

Trabalho e emprego 

1. Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência ao trabalho, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. Este direito abrange o direito à oportunidade de se manter com um trabalho de sua livre escolha ou aceitação no mercado laboral, em ambiente de trabalho que seja aberto, inclusivo e acessível a pessoas com deficiência. Os Estados Partes salvaguardarão e promoverão a realização do direito ao trabalho, inclusive daqueles que tiverem adquirido uma deficiência no emprego, adotando medidas apropriadas, incluídas na legislação, com o fim de, entre outros:

a) Proibir a discriminação baseada na deficiência com respeito a todas as questões relacionadas com as formas de emprego, inclusive condições de recrutamento, contratação e admissão, permanência no emprego, ascensão profissional e condições seguras e salubres de trabalho;

b) Proteger os direitos das pessoas com deficiência, em condições de igualdade com as demais pessoas, às condições justas e favoráveis de trabalho, incluindo iguais oportunidades e igual remuneração por trabalho de igual valor, condições seguras e salubres de trabalho, além de reparação de injustiças e proteção contra o assédio no trabalho;

e) Promover oportunidades de emprego e ascensão profissional para pessoas com deficiência no mercado de trabalho, bem como assistência na procura, obtenção e manutenção do emprego e no retorno ao emprego;

 h) Promover o emprego de pessoas com deficiência no setor privado, mediante políticas e medidas apropriadas, que poderão incluir programas de ação afirmativa, incentivos e outras medidas;

i) Assegurar que adaptações razoáveis sejam feitas para pessoas com deficiência no local de trabalho;

j) Promover a aquisição de experiência de trabalho por pessoas com deficiência no mercado aberto de trabalho;

k) Promover reabilitação profissional, manutenção do emprego e programas de retorno ao trabalho para pessoas com deficiência.

Lendo-se o artigo exposto acima, se percebe que não somente o artigo 93 da Lei n° 8.2013/91 trata deste tema.  Existem outros dispositivos legais que deveriam ser aplicados para o pleno ingresso das pessoas com deficiência no mercado formal de trabalho mas, pela situação vigente e pelas colocações acima descritas, não são cumpridos. O responsável pela verificação do cumprimento dos dispositivos legais existentes é o MPT, que deveria fiscalizar todas as empresas para conferir se elas estão de fato cumprindo a lei de cotas e contratando pessoas com deficiência para seus quadros funcionais. Não é factível acreditar que seja possível ao MPT fiscalizar todas as empresas privadas existentes no Brasil, pois não existe logística pronta ou disponível para que isto aconteça e, muito provavelmente, o MPT não possui pessoal suficiente para desempenhar este trabalho.

No senso realizado no ano 2000, declarou-se que existiam 24,6 milhões de pessoas com alguma deficiência em nosso país e que, deste número, 9 milhões tinham um trabalho, sem definição sobre sua formalidade, ou seja, trabalho com carteira assinada ou não.  Também naquele senso foi constatada, pelo IBGE, a existência de 16,6 milhões de brasileiros com algum grau de deficiência visual, e destes quase 150 mil se declararam cegos [17].  Os dados acima foram informados pelos declarantes, sem verificação de sua autenticidade. Dados de 2010 do Ministério Publico do Trabalho relatam que, dos 44,1 milhões de trabalhadores com carteira assinada no país, somente 306 mil foram declarados pessoas com deficiência [18].  Proporcionalmente, esta massa de trabalhadores deficientes empregados é muito pequena, tanto quando são comparados com o numero total de pessoas deficientes como, pior ainda, quando consideramos o total de trabalhadores com carteira assinada no país [19].  Conhecidos os motivos listados acima, fica claro o porquê de tantas pessoas não conseguirem um emprego.

Infelizmente, se considerarmos unicamente os dispositivos legais existentes não estará garantida a colocação de pessoas com deficiência visual no mercado de trabalho.  Ainda existe muito preconceito em relação a este tipo de deficiência, além dos muitos tabus e de falsas premissas, os quais precisam ser eliminados [20].  Isto só acontecerá, de fato, se a sociedade mudar sua forma de ver e julgar os deficientes, aprendendo a conviver e a aceitar as pessoas com deficiência como iguais. Mesmo hoje, com toda a tecnologia e informação existentes, grande parte das pessoas parecem não se importar, nem querer saber ou se envolver quanto a esta desigualdade. Ainda hoje o diferente é visto com desconfiança e superioridade, o que certamente não ajuda a melhorar a situação.  Cada pessoa tem um jeito diferente de ser e de realizar suas atividades e não é por isto que devemos considera-las como alguém inferior.

Uma pessoa cega ou com baixa visão tem capacidade para realizar as mesmas atividades que alguém sem deficiência, bastando para isto que lhe sejam dadas condições adequadas de trabalho. Ajustar um computador, comprar uma impressora Braille, fazer memorandos com letra maior ou qualquer outra necessidade que aquela pessoa tenha, ou venha a ter, e precisa para cumprir a sua atividade, é plenamente justificada se aquela pessoa mostra-se disposta a fazer e dedicar-se ao trabalho. Certo é que alguns equipamentos ou programas são caros, mas a sociedade pode e deve criar maneiras de torna-los mais acessíveis e este assunto será detalhado no capitulo 3. Negar a um deficiente visual a chance de um trabalho somente porque as adaptações, o equipamento ou programa de que ele necessita para exercer seu trabalho de forma plena são dispendiosos, é uma discriminação com este trabalhador.  As empresas muitas vezes insistem em capacitação e destinam capital para compra de novos equipamentos para seus trabalhadores, e a compra do equipamento ou programa específico para o deficiente visual também deve ser encarado como uma forma de investimento no trabalhador.  Assim será possível a um deficiente visual trabalhar utilizando plenamente seu potencial, desenvolver suas capacidades e conseguir grandes realizações[21].

Um exemplo que contradiz várias das justificativas mencionadas pelas empresas para o não cumprimento da lei, e que merece citação, é o caso concreto, descrito pela autora Ivana Aparecida Grizzo Ragazzi em seu livro, de uma empresa que tem tido muito sucesso com a contratação de pessoas com deficiência para seus quadros funcionais.  Abaixo transcrevemos alguns trechos do estudo feito pela autora nesta empresa, a Serasa:

O Programa de Empregabilidade de Pessoas Portadoras de Deficiência foi implantado na Serasa no ano de 2001, com objetivo de propiciar qualificação profissional e, assim, com reais possibilidades efetivarem um emprego.  Seu Programa é desenvolvido dentro da empresa, pela gerencia Corporativa Social da Diretoria de Desenvolvimento Humano e Organizacional, que recruta e seleciona pessoas portadoras de deficiência, a fim de desenvolverem atividades profissionais, tendo em vista suas aptidões e potenciais [22].

Destaque-se que existe a elaboração de orçamento anual, para investimento no referido programa e, assim nos fica latente a intenção da empresa, em realmente investir para o desenvolvimento profissional das pessoas e, consequentemente, no crescimento econômico da empresa [23].

Para termos ideia que a empresa realmente acredita e aposta na produtividade das pessoas portadoras de deficiência, por exemplo, há softwares de voz para cegos, lupa eletrônica para aqueles que tenham baixa visão, disponibilidade de interprete de Libras (Linguagem Brasileira de Sinais) para as pessoas que tem deficiência auditiva, impressoras em braile, cão guia, etc. [24].

O reconhecimento do sucesso da empresa Serasa é tamanho que em 2003 firmou parceria com a ONU – Organização das Nações Unidas (por meio da Agencia UNV – United Nations Volunteers, órgão de voluntariado das Nações Unidas), a fim de ser implantado nas empresas que desejarem, ratificando, assim, a eficácia do programa [25].

Dessa maneira, um voluntário da UNV/ONU, preparado e capacitado pelo Programa de Empregabilidade, permanece seis meses onde deseja incorporar o programa criando uma turma de pessoas portadoras de deficiência, ocorrendo o mesmo com as empresas que desejarem fazer o mesmo [26].

Por algumas considerações trazidas neste tópico, podemos ter a certeza do compromisso da Serasa, que vai muito além do cumprimento legal de cotas, pois ante tudo que trouxemos até agora, é clara e notória sua posição e conscientização em termos de responsabilidade social, via empregabilidade, por meio da qual o mais importante é o ser humano, sua valorização, pois acreditamos que o trabalho é o veículo de socialização e inclusão social, que resgata a dignidade das pessoas portadoras de deficiência, muitas vezes, perdida e desprestigiada [27].

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Sobre a autora
Amanda Teixeira Silva Ferretti

Estudante de Direito do do Centro Universitário Jorge Amado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERRETTI, Amanda Teixeira Silva. O mercado de trabalho para os deficientes visuais nas empresas privadas a partir da Constituição de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3339, 22 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22468. Acesso em: 28 mar. 2024.

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