Artigo Destaque dos editores

O conflito axiológico entre os cânones constitucionais da livre iniciativa e da busca do pleno emprego

Exibindo página 3 de 5
Leia nesta página:

3 DO CONFLITO NORMATIVO

 

 

3.1 Fundamentos da Colisão Principiológica

Para se fazer uma correta intelecção de um texto normativo de complexidade tão elevada como a própria à nossa Constituição Federal é indispensável que se tenha em mente a conjuntura que determinou sua promulgação. Deveras, o hermeneuta deve considerar ser ela fruto de um momento político indubitavelmente conturbado, revelando em seu bojo manifestações e anseios de diferentes classes sociais - muitas vezes com interesses, aspirações e ideologias antagônicos entre si.

Destarte, considerando essa pluralidade política peculiar a um Estado Democrático de Direito como o nosso e, levando em conta sua inegável assunção no teor do texto de nossa Carta Magna, é natural que sejam identificadas tensões, inclusive, em seu conteúdo dispositivo.

Em certos casos, quando uma determinada regra – verbi gratia, uma lei – preceitua uma dada conduta como regular e outra dispõe como tendo a mesma conduta natureza ilícita, encontramos configurado o fenômeno da antinomia. Para tais casos, Norberto Bobbio aduz à existência de três critérios principais que tendem à sua solução; o critério cronológico (Lex posterior derogat priori) em que a lei posterior derroga a lei anterior, o critério hierárquico (Lex superior derogat inferiori) em que a lei superior derroga a lei inferior e o critério da especialidade (Lex expecialis derogat generali) em que a lei especial derroga a lei geral. A partir da análise desses critérios, uma lei terá validade na solução do caso concreto, enquanto que a outra será desconsiderada.

Todavia, ao se entrar no campo da interpretação de princípios constitucionais não há que se falar em ocorrência de antinomia, nos moldes acima descritos. Ou seja, não pode haver derrogação de um princípio constitucional em sua totalidade por outro. A mantença da carga de eficácia de um desses princípios em detrimento do esvaziamento total de validade de outro vai de encontro à sólida concepção de harmonia sistêmica do arcabouço jurídico.

Desse modo, não obstante o valor da teoria kelseniana da construção escalonada das normas jurídicas, bem como a provável maior importância de certos princípios constitucionais relativamente a outros em nossa Carta Política, no que concerne à análise dessa natureza de colisões principiológicas deve-se afastar prontamente a utilização dos critérios próprios à solução de antinomias previamente referidos. Sendo assim, é indicada a ponderação prática como meio de conformar a incidência parcial de um e outro princípio.

No mesmo sentido, assentando a pluralidade social plasmada em um texto constitucional e, asseverando a peculiaridade dos conflitos entre princípios constitucionais, assevera Canotilho (2008, p. 1182) que:

O fato de a constituição constituir um sistema aberto de princípios insinua já que podem existir fenômenos de tensão entre os vários princípios estruturantes ou entre os restantes princípios constitucionais gerais e especiais. Considerar a constituição como uma ordem ou sistema de ordenação totalmente fechado e harmonizante significaria esquecer, desde logo, que ela é, muitas vezes, o resultado de um compromisso entre vários actores sociais, transportadores de idéias, aspirações e interesses substancialmente diferenciados e até antagônicos ou contraditórios. O consenso fundamental quanto a princípios e normas positivo-constitucionalmente plasmados não pode apagar, como é óbvio, o pluralismo e antagonismo de idéias subjacentes ao pacto fundador.

A pretensão de validade absoluta de certos princípios com sacrifício de outros originaria a criação de princípios reciprocamente incompatíveis, com a conseqüente destruição da tendencial unidade axiológico-normativa da lei fundamental. Daí o reconhecimento de momentos de tensão ou antagonismo entre os vários princípios e a necessidade, atrás exposta, de aceitar que os princípios não obedecem , em caso de conflito, a uma <lógica do tudo ou nada>, antes podem ser objectos de ponderação e concordância prática, consoante o seu <peso> e as circunstância do caso.

Ainda, no escopo de estudar a natureza própria da tensão entre dois princípios constitucionais, convém diferenciarmos oposição de contradição, no que concerne ao fenômeno do conflito principiológico. Para tanto, filiamo-nos ao entendimento do jurista alemão Claus-Wilhelm Canaris, citado pelo brasileiro Juarez Freitas.

Mencionando as chamadas “quebras no sistema”, Canaris diferencia cabalmente meras oposições entre princípios constitucionais de contradições. Para ele, as oposições são naturais dentro de um sistema aberto onde estão plasmados, notadamente diferentes anseios jurídico-sociais. De modo que, não devem ser suprimidas tais oposições, haja vista que constituem a própria essência de uma ordem jurídica, ajustando entre si as cargas valorativas de seus princípios, buscando sempre uma via intermediária e harmonizadora das disposições constitucionais. Assim, tal tensão não restaria suprimida, mas superada e mantida no sistema, enquanto baliza.

Em contrapartida, enxerga Canaris, as contradições atinentes a princípios constitucionais como vis a um sistema aberto de princípios e regras, como o próprio a uma constituição democrática, devendo estas, acaso existentes, serem suprimidas. Assevera o jurista alemão que “(...) contradições de valores perturbam a adequação interior e a unidade da ordem jurídica e sua harmonia e que, por isso, devem basicamente ser evitadas ou eliminadas” (apud FREITAS, 1995, p.60).

Destarte, contradições devem ser sempre vistas como um desacordo interno ao sistema capazes de prejudicar a eficácia dispositiva de um texto constitucional. Nesta toada, acreditamos ser mais comum do que deveria a presença das referidas contradições principiológicas, mormente em casos de constituições erigidas em momentos de atroz ruptura com um dado modelo anterior.

Nesse sentido, destacamos o caso emblemático da nossa Constituição Federal de 1988 que, notadamente, teve a auspiciosa missão de romper com o ideário autoritário oriundo do Golpe de 1964 configurando, no nosso entendimento, empresa demasiado penosa para um texto jurídico.

Sendo assim, justamente no que tange à identificação de contradições em um texto constitucional, haja vista sua propriedade desarmonizadora, deslinda-se a tarefa de investigar se a coexistência entre os princípios da livre iniciativa e da busca do pleno emprego se dá nesses moldes vis.

3.2 Do Conflito Hierárquico-Formal

Nesse primeiro momento de análise da ocorrência de conflito normativo entre os princípios da livre iniciativa e da busca do pleno emprego, restringiremo-nos ao exame dos aspectos formais de configuração de um conflito principiológico. Assim, cumpre que investiguemos a curiosa situação da possibilidade de conflito hierárquico entre princípios de natureza constitucional.

Ora, no caso do cotejo de um princípio constitucional e um princípio infraconstitucional aparentemente conflitantes, simples seria admitir que aquele está hierarquicamente acima desse, portanto, ainda que se configurasse algum conflito, haveria uma resolução lógica e facilitada do mesmo. Todavia, mais penosa é a investigação da ocorrência de conflitos hierárquicos entre princípios, a priori, de mesma natureza, como aqueles ora em comento.

Situamos o princípio da livre iniciativa em nossa Constituição como um fundamento de nossa república (art. 1°) e também como fundamento da Ordem Econômica (art.170), constituindo, indubitavelmente, princípio constitucional expresso. Por outro lado, de igual sorte, a busca do pleno emprego, enquanto princípio geral da atividade econômica expresso (art.170) tem a mesma natureza constitucional. Destarte, permanece dificultosa a identificação de um conflito de natureza hierárquica entre ambos.

No escopo de dirimirmos a questão, buscamos a compreensão do chamado princípio da unidade da constituição. Tal princípio considera a idéia de uma unidade hierárquico-normativa, ou seja, todas as normas e princípios contidos em uma Constituição formal têm valor e dignidade iguais.

A partir de tal concepção, acreditamos nos distanciar significativamente da teoria da construção escalonada das normas jurídicas (Stufenbautheorie) de Hans Kelsen, que apregoa valores diferentes às normas e princípios constitucionais, em que pese que o famigerado jurista alemão não considerava normas os princípios. Ainda assim, aduzia que: “uma norma para ser válida é preciso que busque seu fundamento de validade em uma norma superior, e assim por diante, de tal forma que todas as normas cuja validade pode ser reconduzida a uma mesma norma fundamental formam um sistema de normas, uma ordem normativa” (KELSEN, 1995, p. 248.)

Nesse sentido, utilizando o princípio da unidade hierárquico-normativa da constituição como norte, Canotilho (2008, p. 1184) assevera:

A consideração da constituição como sistema aberto de regras e princípios deixa ainda um sentido útil ao princípio da unidade da constituição: o de unidade hierárquico-normativa. O princípio da unidade hierárquico-normativa significa que todas as normas contidas numa constituição formal têm igual dignidade (não há normas só formais, nem hierarquia de supra-infra-ordenação dentro da lei constitucional). (...) o princípio da unidade da constituição é uma exigência de <coerência narrativa> do sistema jurídico. O princípio da unidade, como princípio de decisão, dirige-se aos juízes e a todas as autoridades encarregadas de aplicar as regras e princípios jurídicos, no sentido de as <lerem> e <compreenderem>, na medida do possível, como se fossem obra de um só autor, exprimindo uma concepção correcta do direito e da justiça (Dworkin). Neste sentido, embora a constituição possa ser uma <unidade dividida> (P. Badura) dada a diferente configuração e significado material das suas normas, isso em nada altera a igualdade hierárquica de todas as suas regras e princípios quanto à sua validade, prevalência normativa e rigidez.

Contrariamente, seguindo ainda os ensinamentos do mestre alemão, concebia, entre nós, o saudoso Geraldo Ataliba apud George Marmelstein Lima que: “O sistema jurídico se estabelece mediante uma hierarquia segundo a qual algumas normas descansam em outras, as quais, por sua vez, repousam em princípios que,de seu lado, se assentam em outros princípios mais importantes. Dessa hierarquia decorre que os princípios maiores fixam as diretrizes gerais do sistema e subordinam os princípios menores.” (In A Hierarquia entre Princípios e a Colisão de Normas Constitucionais).

Decorreria, portanto, a unidade da constituição de uma necessidade, intrínseca ao sistema jurídico, de harmonização e conformação, mormente principiológica. Desse entendimento compartilhamos, pelo menos no que tange ao caráter hierárquico-formal das colisões principiológicas. Assim, posicionamo-nos tendo em vista também a impossibilidade de contemplar em uma constituição aberta formada por princípios e regras uma ordem hierárquica pré-existente que determine, independentemente do caso concreto que se apresente, a prevalência de um ou outro princípio constitucional.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Destarte, propugnamos pela inexistência de conflito de natureza hierárquica entre os princípios constitucionais da livre iniciativa e da busca do pleno emprego, haja vista que, conforme se pode inferir das linhas anteriores, fazem ambos parte desse complexo e, aparentemente, harmônico sistema aberto de princípios e regras que constitui o ideário de nossa Constituição Federal.

3.3 Do Conflito Axiológico-Material

Nesse ponto do trabalho, onde já nos é possível identificar os alicerces da construção teórica proposta, deve ser verticalizada a investigação de modo a podermos perscrutar no interior de nosso ordenamento jurídico aquelas tensões, no nosso sentir, mais nevrálgicas. Para tal empresa, mister que interpretemos de forma arguta e consciente as disposições de nossa Carta Magna. Nesse sentido, expomos o ensinamento de Eros Grau (1995, p. 142) acerca do papel do intérprete na ciência jurídica:

Em síntese: a interpretação do direito tem caráter constitutivo – não, pois, meramente declaratório – e consiste na produção, pelo intérprete, a partir de textos normativos e dos fatos atinentes a um determinado caso, de normas jurídicas a serem ponderadas para a solução desse caso, mediante a definição de uma norma de decisão. Interpretar / aplicar é dar concreção [=concretizar] ao direito. Nesse sentido, a interpretação / aplicação opera a inserção do direito na realidade; opera a mediação entre o caráter geral do texto normativo e sua aplicação particular; em outros termos, ainda: opera a sua inserção na vida. A interpretação / aplicação vai do universal ao particular, do transcendente ao contingente; opera a inserção das leis [=do direito] no mundo do ser [=mundo da vida]. Como ela se dá no quadro de uma situação determinada, expõe o enunciado semântico do texto no contexto histórico presente, não no contexto da redação do texto. Interpretar o direito é caminhar de um ponto a outro, do universal ao particular, conferindo a carga de contingencialidade que faltava para tornar plenamente contingencial o particular.

Deveras, entendemos que, no plano fático, ordinariamente e, não sem pesar, substituem-se os critérios hermenêuticos de interpretação normativa pelas convicções pessoais do intérprete. Ademais, considerando a multiplicidade de aplicadores do direito, temos como muito frágil a manutenção prática de um ideário constitucional tal como aquele pensado pelo legislador constituinte.

Nesse sentido, importante o ensinamento de Konrad Hesse sobre a impossibilidade da norma constitucional atuar de forma autônoma à realidade social onde está circunscrita. Assim, adicionar à Constituição Jurídica de um país – o texto constitucional – anseios e desejos de mudança consideravelmente apartados da natureza atual daquela sociedade, apenas faz com que careça de eficácia aquela Carta, dando espaço para a chamada Constituição Real – ordem cultural vigente. Nessa toada, cremos padecer nosso Texto Fundamental desse malfadado vício, ou seja, ser permeado por declarações e intenções, senão inaplicáveis, carecedoras de fundamentação para que possam ter qualquer eficácia real.

Desse modo, adentrando à discussão acerca do conflito entre os princípios em estudo, explicitamos que pelo teor de nossa constituição toda e qualquer ação estatal na seara econômica deve ser pautada pela conformação entre as chamadas ordem econômica e ordem social. Assim, a livre iniciativa deveria ser desenvolvida respeitando e em benefício da valorização do trabalho humano, da justiça social, da redução das desigualdades sociais, buscando a construção de uma sociedade justa, a erradicação da pobreza e a marginalização, além da busca do pleno emprego (art. 170, Constituição Federal).

Contudo, como realizar tais fins sociais colimados, mediante o exercício de práticas econômicas próprias a um regime capitalista de inclinação neoliberal como aquele que determina a natureza da livre iniciativa? Ainda, tendo em vista a falta de dispositivos práticos – não meramente declaratórios - capazes de frear seus desígnios econômicos desatentos às questões sociais, de que modo poder-se-ia inverter tal conjuntura?

Tal raciocínio pesaroso encontra guarida em dispositivos constitucionais que preconizam a manifesta prevalência da livre iniciativa sobre aqueles princípios ditos sociais, como o da busca do pleno emprego.

Tomemos como exemplo o art. 174 de nossa Constituição que preceitua o seguinte: “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.” (grifo nosso)

Ora, se no próprio bojo de nossa constituição, o Estado coloca-se meramente como agente indicativo para o setor privado, deslinda-se a dificuldade própria à imposição de limites sociais ao pleno desenvolvimento de uma nefasta economia de mercado regida pela livre iniciativa. Com a mesma preocupação, manifesta-se Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 791):

No passado ainda poderiam prosperar dúvidas quanto a isto; porém, com o advento da constituição de 1988 tornou-se enfaticamente explícito que nem mesmo o planejamento econômico feito pelo poder público para algum setor de atividade ou para o conjunto deles pode impor-se como obrigatório para o setor privado. (...) Em suma: a dicção categórica do artigo deixa explícito que, a título de planejar, o Estado não pode impor aos particulares nem mesmo o atendimento às diretrizes ou intenções pretendidas, mas apenas incentivar, atrair os particulares, mediante planejamento indicativo que se apresente como sedutor para condicionar a atuação da iniciativa privada.

Sendo assim, à possibilidade de imposição de limites sociais à livre iniciativa opõe-se relevante óbice; ainda, o que fazer quando dispositivos constitucionais de mesma hierarquia normativa da livre iniciativa, como o princípio da busca do pleno emprego, é aposto em nossa Lei Fundamental apartado de qualquer mecanismo regulatório ou determinador de eficácia prática ?

Outrossim, no parágrafo único do art. 170 de nossa constituição lê-se: “é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”

Poder-se-ia, da intelecção do dispositivo supracitado encontrar algum alento regulatório ao livre exercício da livre iniciativa. Contudo, segundo Celso de Mello, atual membro do Supremo Tribunal Federal (órgão guardião da Constituição), deve-se interpretar restritivamente tal colocação. Ou seja, não está aí excepcionada a regra da exacerbada liberdade de iniciativa na seara econômica, mas tão somente a prescindência de autorização para o referido exercício da liberdade, que poderá ser determinada por lei.

Outro importante fator a ser considerado na investigação da ocorrência de conflito entre os princípios ora estudados está propriamente no cotejo de suas cargas semânticas, vale dizer, em campo valorativo.

Cabe lembrar nesse momento um dos pilares indispensáveis para o desenvolvimento do modelo econômico capitalista - norteado pela livre iniciativa - qual seja, a existência do chamado por Karl Marx, exército de reserva. Ou seja, quis dizer o sociólogo alemão que para o sucesso do capitalismo é vital que haja desemprego; mão-de-obra ociosa que garanta a manutenção dos salários baixos e o controle dos níveis de inflação, além do consequente aumento na acumulação de capital.

Sendo assim, ainda que considerássemos que não ocorre aqui um desenvolvimento pleno de todos os cânones capitalistas, forçoso é admitir que o abordado exército de reserva constitui parte vital do mitigado capitalismo neoliberal hoje vigente. Nessa toada, em que termos poderia se dar a conciliação entre a livre iniciativa - que propugna acintosamente pela manutenção do paradigma capitalista - e a busca do pleno emprego que, assentamos alhures, está configurado em nossa Constituição, minimamente enquanto objetivo de proporcionar postos de trabalho bastantes a todos aqueles que estiverem aptos a desenvolver atividade laboral?

Outro sucedâneo lógico à assunção da livre iniciativa em nosso modelo constitucional, é a irrestrita liberdade de contratar na seara privada. Deveras, daí decorre também a liberdade de demitir, dispensar o trabalhador. Uma tal liberdade não se mostra, em absoluto, consentânea com o objetivo de se atingir um nível de pleno emprego. Ademais, em que pese existirem disposições normativas esparsas em nosso ordenamento jurídico - como aquelas que visam a desencorajar a demissão sem justa causa - entendemos serem ainda demasiado brandos tais preceitos normativos.

Ainda, reportando-nos ao modo como foi introduzido em nossa constituição o princípio da busca do pleno emprego, vale lembrar, enquanto princípio jurídico-constitucional de natureza impositiva, perquirimos ainda: como poderia tornar-se efetivo tal princípio considerando seu natural antagonismo relativamente a um princípio jurídico-político de natureza conformadora como o da livre iniciativa?

A essas indagações não vislumbramos respostas que desvirtuem nossa inferência atinente à configuração de conflito de ordem axiológica em nossa constituição Federal entre os princípios da livre iniciativa e da busca do pleno emprego.

Ademais, acentuamos que tal ocorrência diverge de outras colisões principiológicas ordinárias. De modo que, não cuidamos da análise de colisão principiológica quando da tentativa de concretização de normas infraconstitucionais cotejadas com um ou outro princípio constitucional. Antes, identificamos na estrutura interna de nossa Carta Política uma contradição entre os princípios da livre iniciativa e da busca do pleno emprego.

Aludimos, destarte, que a própria carga valorativa do princípio da livre iniciativa, nos moldes em que foi positivada, finda por inibir qualquer possibilidade de concreção do ideário atinente ao princípio da busca do pleno emprego.

Sendo assim, não obstante as diversas declarações de conteúdo social inseridas em nossa Constituição, entendemos que pela falta de mecanismos adequados lá previstos para arrefecer o teor de princípios econômicos como o da livre iniciativa, deflagra-se uma desarmonia normativa, em absoluto vil à consecução dos objetivos sociais lá plasmados legitimamente.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
William Daniel Silveira Pfarrius

Graduado em Direito pela FURG (Universidade Federal do Rio Grande) em 2010. Servidor Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PFARRIUS, William Daniel Silveira. O conflito axiológico entre os cânones constitucionais da livre iniciativa e da busca do pleno emprego. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3422, 13 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23000. Acesso em: 29 mar. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos