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A carência para a concessão do auxílio-doença.

Sobre a necessidade de seu implemento antes da data de início da incapacidade

13/03/2013 às 10:22
Leia nesta página:

Parece-nos correto exigir que o cumprimento do período de carência ocorra de forma integral antes da data de início da incapacidade.

Este pretende esclarecer que há uma relevante relação de ordem cronológica entre dois dos requisitos necessários ao deferimento do auxílio-doença: a incapacidade e a carência.

Antes, porém, de tratarmos da questão central, importante delinear os aspectos que caracterizam esse benefício previdenciário.

O auxílio-doença é benefício previdenciário destinado a cobrir o risco social de incapacidade temporária para o exercício do trabalho[1]. Os requisitos para sua concessão estão previstos no caput do art. 59, da Lei 8.213/91, que diz o seguinte:

Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.

Da leitura do dispositivo legal transcrito é possível identificar os três elementos que devem estar reunidos para que ocorra a concessão do auxílio-doença, quais: a) a qualidade de segurado; b) o cumprimento do período de carência[2]; e c) a incapacidade para o desempenho do trabalho.

A qualidade de segurado é adquirida por meio da filiação, que corresponde ao ato que institui a relação entre o indivíduo e a previdência social[3]. Para os trabalhadores empregados, que são regidos pela CLT, e para o trabalhadores avulsos, a filiação prescinde de ato formal, bastando, respectivamente, a assinatura do contrato de trabalho ou o registro no sindicato ou órgão gestor de mão-de-obra. Os demais segurados obrigatórios e os segurados facultativos devem comprovar seus dados pessoais e outros elementos relativos à sua condição perante à Previdência Social.

A Previdência Social define incapacidade como “a impossibilidade do desempenho das funções específicas de uma atividade (ou ocupação), em consequência de alterações morfopsicofisiológicas provocadas por doença ou acidente”.

Por último, encontramos o conceito de carência no art. 24 da Lei 8.213/91, que afirma tratar-se “número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício”.

Assim, constata a existência desses três elementos, via de regra, haverá direito à percepção do auxílio-doença. Em algumas hipóteses, entretanto, mesmo diante da reunião simultânea dos três requisitos referidos, não terá o indivíduo direito à concessão do benefício de auxílio-doença. Assim afirmamos tendo em vista que o legislador pátrio estabeleceu uma relevante relação cronológica entre os requisitos, de modo que, para a concessão do auxílio-doença, uns devem necessariamente surgir antes de outros.

A hipótese em que mais facilmente se observa a advertência feita no parágrafo anterior corresponde ao parágrafo único, do art. 59, da Lei de benefícios da Previdência Social, onde encontramos o seguinte texto normativo:

Não será devido auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão.

O dispositivo transcrito afasta o direito ao auxílio-doença quando o indivíduo adquire a condição de segurado da Previdência Social já portador da incapacidade para o trabalho. Em outras palavras, a requisito relativo à condição de segurado deve ser anterior ao requisito incapacidade para o trabalho.

É importante notar que o parágrafo único do art. 59 fala em doença ou lesão pré-existente (“já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício”), e não em incapacidade. A pré-existência da doença ou da lesão, todavia, não afasta o direito ao benefício, conforme consta na segunda parte do dispositivo: “salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão”. Em síntese, haverá direito ao auxílio-doença desde que a incapacidade se apresente após a aquisição da condição de segurado. Essa máxima reduz a regra e a exceção presentes no parágrafo reproduzido a apenas uma regra, de fácil assimilação.

Feitas essas considerações, a questão central deste artigo diz respeito à relação entre os requisitos “incapacidade” e “carência”. Deve o cumprimento da carência necessariamente ocorrer antes do início da incapacidade para o trabalho? Dizendo de outra maneira, o estado de incapacidade deve invariavelmente ser precedido do cumprimento integral do período de carência? Ou, alternativamente, o cumprimento da carência pode ocorrer mesmo após a instalação do quadro incapacitante?

Os que aceitam que o cumprimento da carência por ocorrer mesmo depois da data de início da incapacidade argumentam que a única vedação presente na Lei de Benefícios corresponde à impossibilidade de concessão de auxílio-doença em função de moléstia pré-existente. Assim, diante da falta de proibição legal expressa, poderia o segurado continuar recolhendo as contribuições previdenciárias mesmo estando incapaz para o trabalho e, no momento em que lograsse integralizar a carência necessária, ser-lhe-ia concedido o auxílio-doença.

A tese exposta acima foi abarcada na Apelação Cível n.º 2009.71.99.005129-4/RS, julgada pela Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em que o voto vencedor apregoa:

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Com efeito, da análise da documentação presente nos autos, em especial do documento de fl. 33, percebe-se que a Autarquia indeferiu o benefício porque considerou que a incapacidade da demandante era preexistente ao implemento da carência de 12 meses necessária para a concessão do auxílio-doença (DII fixada em 02-06-03, quando a demandante possuía apenas 09 contribuições).

Entretanto, a legislação veda que a incapacidade seja preexistente à filiação ao RGPS e não ao cumprimento do período de carência para a concessão do benefício por incapacidade (art. 59, parágrafo único da Lei n° 8.213/91).

Dessa forma, não havia impedimento para a concessão do auxílio-doença à autora na data do requerimento administrativo (06-08-04), uma vez que ela continuou a verter contribuições à Previdência Social, mesmo depois do início da incapacidade, vindo a cumprir com o período de carência. Por esse motivo, deve ser mantida a sentença, condenando-se o INSS ao pagamento das parcelas correspondentes ao benefício desde 06-08-04 até 03-09-08, quando, administrativamente, foi auxílio-doença, que havia sido implantado em razão da antecipação de tutela, convertido em aposentadoria por invalidez. [destaques não originais].

Fonte: D.E. de 10/11/2009

Os defensores da tese exposta acima apenas reconhecem uma relação cronológica relevante entre os requisitos “condição de segurado” e “incapacidade”.

Perfilhamos, todavia, o entendimento contrário. Cremos que a redação do caput do art. 59, da Lei 8.213, impõe a necessidade de cumprimento da carência antes de instalado o estado de incapacidade. É que o dispositivo legal citado diz o seguinte: “O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos”. A expressão “havendo cumprido” seguida por “ficar incapacitado” deixa claro que a incapacidade deve ser posterior ao integral cumprimento da carência. Não é lícito, portanto, que as contribuições recolhidas após a data de início da incapacidade sejam computadas para fins de carência.

A corrente de pensamento que ora defendemos foi encampada pela própria autarquia previdenciária, eis que o INSS, ao editar a Instrução Normativa n.º 45, de 06 de agosto de 2010, fez constar em seu art. 279, inciso II:

Art. 279. A análise do direito ao auxílio-doença, após parecer médico-pericial, deverá levar em consideração:

I - se a DID e a DII forem fixadas anteriormente à primeira contribuição, não caberá a concessão do benefício;

II - se a DID[4] for fixada anterior ou posteriormente à primeira contribuição e a DII[5] for fixada posteriormente à décima segunda contribuição, será devida a concessão do benefício, desde que atendidas as demais condições; e

III - se a DID for fixada anterior ou posteriormente à primeira contribuição e a DII for fixada anteriormente à décima segunda contribuição, não caberá a concessão do benefício, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 280.

Parágrafo único. Havendo a perda da qualidade de segurado e fixada a DII após ter cumprido um terço da carência exigida, caberá a concessão do benefício se, somadas às anteriores, totalizarem, no mínimo, a carência definida para o benefício, observado o disposto no art. 85.

O segundo inciso transcrito afirma a necessidade de que a data de início da incapacidade (DII) seja fixada após o recolhimento da décima segunda contribuição para que haja direito ao auxílio-doença.

Assim, diante dos argumentos expostos, parece-nos correto exigir que o cumprimento do período de carência ocorra de forma integral antes da data de início da incapacidade.


Notas

[1] CF/88, art. 201: A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;

[2] Exceção feita às hipóteses em que a carência é dispensada, nos termos do artigo 26, II, da Lei 8.213/91, assim redigido: Art. 26. Independe de carência a concessão das seguintes prestações: (...) II - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como nos casos de segurado que, após filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e do Trabalho e da Previdência Social a cada três anos, de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência, ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado;

[3] Cf. Art 20, caput, do Decreto nº 3.048/99.

[4] Data de início da doença

[5] Data de início da incapacidade

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Sobre o autor
Marcos Figueredo Marçal

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo - UFES. Procurador Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARÇAL, Marcos Figueredo. A carência para a concessão do auxílio-doença.: Sobre a necessidade de seu implemento antes da data de início da incapacidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3542, 13 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23942. Acesso em: 28 mar. 2024.

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