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Ambiguidade no edital: qual a interpretação deve ser adotada, a pró ou contra o candidato?

26/08/2013 às 07:25
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Toda vez que for constatada uma ambiguidade e o comando do edital possuir duas interpretações possíveis, a presunção, em regra, deverá recair contra a Administração Pública, prevalecendo a interpretação mais favorável ao candidato.

Caros amigos, que o Edital é conhecido como a lei dos concursos todos nós já sabemos e esse argumento é utilizado tanto por candidatos prejudicados quanto pela Administração quando quer persistir em um erro já cometido quando da elaboração de tal norma.

Isso porque, pelo “princípio da vinculação ao instrumento convocatório” ou “princípio da vinculação ao edital”, todos os atos que regem o Concurso Público devem ser observadospelos candidatos que desejam participar do certame e pela Administração, que terá sua atuação vinculada às regras ali contidas.

Ocorre que acima da “Lei dos Concursos” está a Lei Maior, a nossa Carta Magna, que deve ser observada em qualquer circunstância. Portanto, todo e qualquer Edital está obrigatoriamente submetido ao crivo legal e constitucional, não podendo dispor de forma contrária a este.

Analisando os últimos concursos e os que se encontram em andamento, é fácil constatar que os editais são grandes, complexos, exaustivos e confusos em sua maioria. Porém, uma vez dispostos a participar do certame, fundamental é a leitura de suas normas, bem como a interpretação e, o mais importante: aceitar as regras do jogo para só então entrar na batalha.

Até aí tudo bem!

 O problema ocorre quando a Administração falha ao elaborar as normas do certame e se contradiz, ditando regras confusas ou ambíguas que acabam por prejudicar os participantes por uma falha do próprio órgão público, que deve pautar suas ações na mais estrita previsibilidade e acaba por muitas vezes “infringindo as regras do jogo”.

Nesses casos, o candidato prejudicado por uma falha da Administração não pode simplesmente aceitar calado e seguir em frente, aguardando a sua próxima chance. Uma vez qualificado e ciente de que está dentro dos parâmetros estabelecidos pelo Edital, necessário se faz buscar a intervenção do Judiciário para que o erro cometido pelo órgão público possa ser sanado.

Não há que se falar aqui em “mérito administrativo” ou “intervenção do judiciário na discricionariedade administrativa” ou ainda “substituição da banca examinadora”.

Essa ideia já está ultrapassada e o entendimento sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça é o de que caberá sim a intervenção do Poder Judiciário nos atos que regem os concursos, principalmente quando se tratar da observância dos princípios da legalidade e vinculação ao edital.

Na ausência do efetivo cumprimento das regras do certame cabe ao Poder Judiciário intervir para que as mesmas sejam cumpridas pela Administração.

 Nesse sentido:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. MAGISTRATURA. QUESTÃO DISCURSIVA. CONTEÚDO NÃO PREVISTO NO EDITAL DE ABERTURA DO CERTAME. ANULAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA VINCULAÇÃO AO EDITAL. 1 - A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem entendido ser possível a intervenção do Poder Judiciário nos atos que regem os concursos públicos, principalmente em relação à observância dos princípios da legalidade e da vinculação ao edital. 2 - In casu, não se trata de revisão dos critérios estabelecidos pela banca examinadora, mas, sim, de dar ao edital do certame interpretação que assegure o cumprimento das regras nele estabelecidas e em relação às quais estavam vinculados tanto a Administração quanto os candidatos. 3 - Não se desconhece que o exercício do cargo de Juiz de Direito exige conhecimento aprofundado sobre os mais variados ramos da ciência jurídica. Essa premissa, contudo, não tem o condão de afastar os já referidos princípios da legalidade e da vinculação ao edital, não se mostrando razoável que candidatos tenham que expor conhecimentos de temas que não foram prévia e expressamente exigidos no respectivo edital da abertura. 4 - Recurso provido. (RMS 28854 / AC, Rel. Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, J. 09/06/2009.) (grifei)

Em se tratando do caso específico da ambiguidade, o controle judicial é perfeitamente aplicável, pois, ao estabelecer norma ambígua a Administração Pública não foi clara e objetiva como deve ser e agiu de forma avessa aos princípios da legalidade, segurança jurídica, moralidade, proteção à confiança, etc.

Dessa forma, toda vez que for constatada uma ambiguidade e o comando do edital possuir duas interpretações possíveis, a presunção, em regra, deverá recair contra a Administração Pública, prevalecendo a interpretação mais favorável ao candidato.

.Esse é o entendimento sedimentado e aplicado em diversos Tribunais Pátrios, veja-se:

ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. APELAÇÃO. CONCURSO DE DEFENSOR PÚBLICO DA UNIÃO. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA EDITALÍCIA. AMBIGUIDADE. EXISTÊNCIA. ADOÇÃO DA INTERPRETAÇÃO MAIS FAVORÁVEL AO CANDIDATO. POSSIBILIDADE. APELAÇÃO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. - Hipótese na qual se questiona a interpretação dada pela Administração Pública do item 13.4.4 do edital nº 14 do 3º Concurso Público para Ingresso na 2ª Categoria da Carreira de Defensor Público da União, in verbis: "Será eliminado do concurso o candidato que obtiver menos de 30% dos pontos em qualquer um dos grupos da prova oral e menos de 50% dos pontos no conjunto dos grupos da prova oral". - Ao definir os critérios definidores da norma editalícia, a Administração Pública, conquanto fundada em juízo de conveniência e oportunidade, deverá fazê-lo de forma clara e objetiva, de forma a não permitir a ocorrência de duas interpretações constitucionalmente possíveis, tudo isso em observância aos princípios da legalidade, segurança jurídica, publicidade e vinculação ao instrumento convocatório. - No ordenamento jurídico pátrio, em havendo dúvida objetiva, a presunção, de regra, recai contra a Administração Pública, a exemplo dos princípios in dubio pro reo, in dubio contram fisco, in dubio pro societate. Daí segue que, em havendo duasinterpretações constitucionalmente admissíveis, deverá prevalecer aquela que beneficia o particular. - Apelação não provida. (AC 200882010010138, Desembargador Federal José Baptista de Almeida Filho, TRF5 - Quarta Turma, 26/10/2009.) (grifei)

Agravo Regimental. CONCURSO PÚBLICO. VINCULAÇÃO AO EDITAL. PROVA DE TÍTULOS. EDITAL PASSÍVEL DE DUPLA INTEPRETAÇÃO. DIREITO DO CANDIDATO. 1. O edital do concurso é instrumento formal que regula o certame e deve ser respeitado em todas as suas regras, não podendo ser desconsiderado, sob pena de invalidação de todo o processo administrativo, especialmente se o candidato não impugnou previamente qualquer item do edital, por força do princípio da vinculação ao instrumento convocatório e isonomia (AG 2006.01.00.040726-6, Rel. Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida, 5ª Turma, DJ 17/05/07). 2. Sendo o edital passível de dupla interpretação, deve ser interpretado em favor do candidato que, portador do título de mestre em Logística, com histórico escolar constante de disciplinas diretamente relacionadas ao conteúdo programático do edital, com participação e experiência em grupos de pesquisa relacionados à área de atuação tem direito de tomar posse no cargo. 3. Agravo Regimental improvido. (TRF-1 - AGAMS: 17775 DF 0017775-33.2009.4.01.3400, Relator: Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida, Data de Julgamento: 09/03/2011, Quinta Turma, Data de Publicação: e-DJF1 p.284 de 25/03/2011) (grifei)

AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. EXIGÊNCIA DE DIPLOMA NO MOMENTO DA CONVOCAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS. EDITAL CONTRADITÓRIO. PERMISSIVO DE COMPROVAÇÃO DA ESCOLARIDADE NO ATO DA POSSE. INTERPRETAÇÃO DO EDITAL EM FAVOR DO CANDIDATO. APLICAÇÃO DA SÚMULA N.º 266 DO STJ. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. RESERVA DE VAGA ATÉ O JULGAMENTO DO MÉRITO. POSSIBILIDADE. I. Edital de concurso que permite a comprovação da escolaridade no ato da posse e em cláusula diversa exige o diploma no momento da apresentação dos documentos para a preparação dos atos de nomeação afigura-se contraditório e está em desacordo com a Súmula n.º 266 do STJ. II. Entende-se, na espécie, que a interpretação do edital deve ser em favor do candidato, em atenção ao princípio da razoabilidade. III. A reserva de vaga até a solução da controvérsia, por outro turno, tem por fim apenas resguardar a eficácia do provimento final, não tendo o condão de determinar a imediata nomeação e posse do candidato, porquanto a questão de mérito do mandamus será apreciada pelo órgão colegiado em momento oportuno. VI. Agravo regimental conhecido e parcialmente provido. (TJ-MA - AGR: 360322010 MA, Relator: JAIME FERREIRA DE ARAÚJO. Data de Julgamento: 04/02/2011)

Por isso, toda vez que houver ambiguidade, esta poderá ser sanada pelo Poder Judiciário, pois cabe a Administração estabelecer as regras de forma clara e concisa, para que não pairem dúvidas, devendo os responsáveis pela elaboração de editais agir de maneira mais objetiva, de forma a não suscitar dúvidas aos concorrentes.

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Sobre o autor
Alessandro Dantas

advogado especializado em concursos públicos, autor de obras jurídicas sobre o tema, conferencista do Congresso Brasileiro de Concurso Público, instrutor de concursos públicos da ERX, consultor da ANDACON – Associação Nacional de Defesa e Apoio ao Concurseiro, fonte de entrevista dos principais jornais do Brasil quando a matéria é concursos públicos, colaborador da revista Negócios Públicos, onde escreve mensalmente sobre o tema e da GOVERNET. Palestrante e professor da LFG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DANTAS, Alessandro. Ambiguidade no edital: qual a interpretação deve ser adotada, a pró ou contra o candidato?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3708, 26 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25098. Acesso em: 28 mar. 2024.

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