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Prescrição intercorrente no direito tributário

22/09/2013 às 16:16
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A prescrição intercorrente poderá ser reconhecida de ofício pelo magistrado. Por ser disciplinada por norma processual, aplica-se imediatamente a todos os processos em andamento.

Após a edição da Lei nº 11.051, de 29 de dezembro de 2004, o atual parágrafo 4º do art. 40 da Lei de Execução Fiscal autoriza a decretação da prescrição intercorrente pelo Juiz, inclusive de ofício, porém com a condição de ser previamente ouvida a Fazenda Pública, permitido, outrossim, que esta possa alegar eventuais causas suspensivas ou interruptivas da prescrição.

Antes da inovação legislativa somente era possível a argüição da prescrição intercorrente pela parte interessada, ou seja, não era permitida a sua decretação de ofício pelo magistrado.

Tal situação modificou-se com a entrada em vigor da nova redação do parágrafo 4º do art. 40 da novel Lei de Execução Fiscal, ou seja, a inovação legislativa possibilitou ao magistrado o pronunciamento de ofício sobre a prescrição intercorrente no bojo da execução fiscal.

Vejamos o que estabelece a dicção do artigo 40, caput, §§ 2º e 4º, da Lei nº 6.830/80 após a inovação legislativa:

“Art. 40 - O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.

§ 1º -  omissis.

§ 2º - Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos.

§ 3º - omissis.

§ 4º Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.”

Nesta esteira, vale desde logo deixar consignado que o at. 40 da Lei nº 6.830/80 deve ser interpretado em harmonia com todo ordenamento jurídico, que não admite que a ação para cobrança do crédito tributário tenha prazo indefinido, de sorte que na hipótese de não ser localizado o devedor ou bens passíveis de penhora e havendo inércia por parte da Fazenda Pública por um período superior a 5 anos é possível que seja declarada a prescrição intercorrente. 

Por outro lado, vale esclarecer que também é lícito ao magistrado decretar a prescrição a favor da Fazenda Pública, mormente pelo fato de que o Juízo deve levar em consideração o postulado da indisponibilidade do interesse público.

De acordo com a inteligência do caput e o § 2º do artigo supra transcrito haverá o arquivamento das execuções fiscais quando, após um ano de suspensão do feito em decorrência de não terem sido encontrados o devedor ou seus bens penhoráveis não houver alteração fática ou jurídica capaz de modificar tal situação. Após essa decisão judicial de arquivamento da execução, dela contar-se-á o prazo da prescrição intercorrente, que é de cinco anos.

 Note-se, outrossim, que a alteração legislativa representa notória evolução no que se refere à prescrição de direitos patrimoniais, como é o caso da prescrição intercorrente nas execuções fiscais, posto que nossos tribunais, bem como a doutrina pátria, sempre manifestaram o entendimento de que a mesma não poderia ser reconhecida de ofício pelo magistrado, cabendo à parte interessada, sempre que lhe fosse conveniente, alegá-la. Vejamos, a propósito, o antigo posicionamento do  STJ sobre a matéria em análise:

“RECURSO ESPECIAL - EXECUÇÃO FISCAL - PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE – DECRETAÇÃO DE OFÍCIO - IMPOSSIBILIDADE - PRECEDENTES.

A jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que o despacho que ordena a citação não interrompe a prescrição, uma vez que somente a citação pessoal tem esse efeito, devendo prevalecer o disposto no artigo 174 do CTN sobre o artigo 8º, § 2º, da Lei 6.830/80.

Não se opera a prescrição intercorrente quando a credora não deu causa à paralisação do feito. Iterativos precedentes.

O executivo fiscal versa sobre direito de natureza patrimonial e, portanto, disponível, de modo que a prescrição não pode ser decretada ex officio, a teor do disposto nos artigos 166 do cc/ os 16, 128 e 219, § 5º, do CPC.

Recurso especial provido.” (RESP 661726/RS, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 28/02/2005)

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. EXECUÇÃO FISCAL. FEITO PARALISADO HÁ MAIS DE 5 ANOS. IMPOSSÍVEL DECRETAR-SE, DE OFÍCIO, A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE.

1. Agravo Regimental contra decisão que negou provimento ao agravo de instrumento ofertado pela parte agravante, por reconhecer caracterizada a prescrição intercorrente.

2. O nosso ordenamento jurídico material e formal não admite, em se tratando de direitos patrimoniais, a decretação, de ofício, da prescrição. 

3. Execução fiscal paralisada há mais de 5 (cinco) anos. Prescrição intercorrente que só pode ser declarada, se houver requerimento do devedor.

4. Aplicação à situação do art. 40, §§ 2º e 3º, da Lei nº 6.830/80.

5. Recurso provido. Na seqüência, dá-se provimento ao recurso especial.” (AgRg no AG 503946/PE, Rel. Min. José Delgado, DJ de 22/09/2003)

O artigo 166 do antigo Código Civil bem como o artigo 128 e 219, § 5º, do Código de Processo Civil constituíam o fundamento legal para a tese da impossibilidade de reconhecimento, de ofício, pelo juiz, de prescrição de direitos patrimoniais. Diga-se, por oportuno, que a regra estampada no art. 166 do Código Civil de 1916 não foi modificada pelo novo Código Civil, que em seu artigo 194 dispôs que “O juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecer a absolutamente incapaz”.

Tendo em vista o novo § 4º, acrescido ao artigo 40 da Lei nº 6.830/80 pela Lei nº 11.051/2004, atualmente é possível, repita-se, o reconhecimento de ofício pelo magistrado da prescrição de direito patrimonial quando transcorrido o prazo legal, não for encontrado o devedor ou localizados bens penhoráveis. Vale destacar, entretanto, que a referida norma ostenta um caráter de exceção. Desta feita, a interpretação a ser dada ao preceito normativo deve ser restritiva, não se estendendo seus efeitos a outras hipóteses de arquivamento da execução fiscal. 

Nesta esteira, uma das conseqüência do caráter excepcional do § 4º do artigo 40 da Lei nº 6.830/80 diz respeito ao termo a quo do prazo prescricional. Nesta esteira, o aludido preceito permite que a prescrição intercorrente seja reconhecida pelo juiz, de ofício, a contar da decisão que ordenar o arquivamento do feito. Dito em outros termos, enquanto não for proferida decisão judicial de arquivamento não se iniciará a fluência do prazo prescricional, já que a referida decisão é o marco temporal para início da contagem. Tal consequência decorre diretamente da interpretação restritiva que deve ser dada às normas de exceção, como é caso do atual § 4º em estudo. 

O § 4º em análise aplica-se, pois, tão-somente aos casos em que, no curso da execução fiscal, não for localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, sendo este o fundamento legal para a decisão judicial de arquivamento e posterior inicio de fluência do prazo prescricional..

 Ademais, o artigo 40, § 4º, da Lei nº 6.830/80 determina que o magistrado, antes de reconhecer a prescrição intercorrente, abra espaço para manifestação da Fazenda Pública. Desta feita, cabe ao Procurador, responsável pelo processo executivo, depois de intimado, caso não encontre qualquer causa suspensiva ou interruptiva da prescrição, assim informar ao juízo, sendo desnecessário providenciar qualquer diligência se o prazo prescricional já houver transcorrido. Competirá ao magistrado, então, decidir pela extinção, ou não, da ação de execução fiscal. Pode-se, portanto, constatar que a intimação da Fazenda Pública busca provocar o ente público a fim de que este possa aferir se existe ou não causa suspensiva ou interruptiva do prazo prescricional.

Vale deixar consignado, outrossim, que o reconhecimento da prescrição intercorrente somente será possível se houver inércia da Fazenda Pública. Desta feita, segundo o magistério de Humberto Teodoro Júnior:

 “Para admitir-se a prescrição intercorrente, no entanto, é necessário que a inércia processual se deva, por inteiro, à Fazenda Exeqüente. Se é o devedor ou se são as deficiências do serviço forense que acarretam a paralisação do feito, não se poderá pensar em prescrição do direito do Fisco.’ (Lei de Execução Fiscal, Humberto Theodoro Júnior, 2000, p. 145/146)”

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No caso de reconhecimento anterior à Lei 11.051/2004, que deu nova redação ao art. 40 da Lei de Execução Fiscal, a  doutrina entende que a anulação de tal decisão depende da demonstração de prejuízo pela Fazenda Pública. Dito em outros termos, se o juiz reconheceu a prescrição sem ouvir a Fazenda Pública, a anulação da sentença só deverá ocorrer se dentre as razões para o pedido de reforma estiver presente alguma causa suspensiva ou interruptiva da prescrição, posto que nestes casos restará demonstrado o efetivo prejuízo ao Ente Público.

No que se refere à natureza do § 4º em estudo já temos manifestação do STJ sobre a matéria. Com efeito, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, proferiu acórdão, em sede de recurso especial, no sentido da possibilidade de reconhecimento pelo magistrado, de ofício, da prescrição intercorrente, sendo necessário tão-somente ouvir a Fazenda Pública, de modo que esta possa levantar eventuais causas suspensivas ou interruptivas do prazo prescricional. Também ficou consignado que o novo § 4º constitui norma de natureza processual com aplicação imediata alcançando, desta feita, os processos em curso, senão vejamos:

“TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. DECRETAÇÃO DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE, A PARTIR DA LEI 11.051/2004.

1. A jurisprudência do STJ, no período anterior à Lei 11.051/2004, sempre foi no sentido de que a prescrição intercorrente em matéria tributária não podia ser declarada de ofício.

2. O atual parágrafo 4º do art. 40 da LEF (Lei 6.830/80), acrescentado pela Lei 11.051, de 30.12.2004 (art. 6º), viabiliza a decretação da prescrição intercorrente por iniciativa judicial, com a única condição de ser previamente ouvida a Fazenda Pública, permitindo-lhe argüir eventuais causas suspensivas ou interruptivas do prazo prescricional. Tratando-se de norma de natureza processual, tem aplicação imediata, alcançando inclusive os processos em curso.

3. Recurso especial a que se dá provimento, sem prejuízo da aplicação da legislação superveniente, quando cumprida a condição nela prevista.” (RESP 735220/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 16/05/2005)

De fato, o novo § 4º constitui norma de cunho processual, já que disciplina a forma pela qual a prescrição intercorrente poderá ser reconhecida pelo magistrado. Sendo assim, aplica-se a todos os processos em andamento, tendo em vista a regra da aplicação imediata das normas processuais. 

Nesta ordem de idéias, o objetivo da inovação em tela foi extinguir processos de execução fiscal que, nos casos de arquivamento por não ter sido localizado o devedor ou bens penhoráveis, poderiam ficar paralisados indefinidamente, evitando, assim, que se os feitos se prolonguem desnecessariamente. 

Ressalte-se que em virtude da aplicação imediata do § 4º do artigo 40 da Lei nº 6.830/80 aos processos em curso, uma vez reconhecida a prescrição intercorrente de ofício pelo juiz em feitos pendentes, após ouvida a Fazenda Pública, sem que o respectivo Procurador tenha encontrado qualquer causa suspensiva ou interruptiva do prazo prescricional, não haverá necessidade de interposição de recurso contra a decisão do magistrado. Aliás, é imperioso destacar que a interposição de recurso pelo Procurador, quando houver efetivamente ocorrido a prescrição intercorrente, poderá ocasionar prejuízo ao Ente Público, tendo em vista sua condenação em honorários advocatícios e, a depender do caso concreto, em litigância de má-fé. 

Situação diversa, obviamente, é aquela em que o Procurador, depois de intimado, informou ao juiz a respeito da existência de causa suspensiva ou interruptiva da prescrição e aquele, ainda assim, reconheceu, equivocadamente, de ofício ou após alegação da parte, o transcurso do prazo prescricional. Nestes casos, é necessária a interposição de recurso.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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AMORIN FILHO, Agnelo. Critério Científico para Distinguir a Prescrição da Decadência e para Identificar as Ações Imprescritíveis. Revista dos Tribunais nº 300, P 7-37, 1960.

BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 5ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1977.

BARROSO,  Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 3ª edição. Rio de Janeiro: Saraiva.1999.

CÂMARA LEAL, Antônio Luiz da. Da Prescrição e da Decadência. São Paulo: Livraria Acadêmica, 1959.

CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário.15 ed. São Paulo :Malheiros Editores: 2002.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

COSTA NEVES, José Carlos de Souza. Curso de Direito Tributário. Decadência e Prescrição. 7ª ed. São Paulo: 1998.

HABLE, José. A Extinção do Crédito Tributário por Decurso de Prazo. Brasília: Brasília Jurídica, 2004.

MACHADO. Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, 21 Ed. São Paulo:Malheiros, 2004.

PAULSEN, Leandro. Direito Tributário, 6ª edição, Ed. Livraria do Advogado/RS.

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Sobre a autora
Carla Cristina Rocha Guerra

Procuradora da Fazenda Nacional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUERRA, Carla Cristina Rocha. Prescrição intercorrente no direito tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3735, 22 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25368. Acesso em: 29 mar. 2024.

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