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As práticas administrativas com relação ao direito à nomeação em concurso público

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03/10/2013 às 11:11
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Aos candidatos aprovados em concurso público, como forma de prestigio à meritocracia, em consonância ao princípio da eficiência, não é dado ficar a mercê da vontade administrativa de convocá-los ou não.

“O Tempo é uma oportunidade igual para todos. Todos os seres humanos têm exatamente a mesma quantidade de horas e minutos todos os dias. Os ricos não conseguem comprar mais horas. Cientistas não conseguem inventar novos minutos. E você não pode guardar tempo para utilizá-lo outro dia. Mesmo assim, o tempo é extremamente justo e generoso. Não importa quanto tempo se perdeu no passado, ainda temos um amanhã inteiro. O sucesso depende de usarmos com sabedoria — planejando e estabelecendo prioridades. O fato é que o tempo vale mais que dinheiro e ao se matar o tempo, estamos matando nossas chances de sucesso.”

Denis Waitley

Sumário: 1. INTRODUÇÃO. 2. CONCURSO PÚBLICO. 2.1 CONCEITO DE CONCURSO PÚBLICO. 2.2 ORIGENS DO CONCURSO PÚBLICO. 2.3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS CONCURSOS PÚBLICOS NAS CONSTITUIÇÕES.. 3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS AOS CONCURSOS PÚBLICOS. 3.1 PRINCÍPIO DA IGUALDADE. 3.2 PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO AO EDITAL. 3.6 PRINCÍPIO DA MORALIDADE. 3.7 PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE. 4 ANÁLISE DA EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL OCORRIDA NOS TRIBUNAIS SUPERIORES COM RELAÇÃO AO DO DIREITO A NOMEAÇÃO DE CANDIDATO APROVADO EM CONCURSO PÚBLICO.. 5. DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 5.1 APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO DENTRO DAS VAGAS DO EDITAL. 5.2 APROVAÇÃO FORA DAS VAGAS DO EDITAL. 5.3 HIPÓTESES EM QUE A MERA EXPECTATIVA SE CONVOLA EM DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. 6. DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 6.1 APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO DENTRO DAS VAGAS DO EDITAL. 6.2 HIPÓTESES EM QUE A MERA EXPECTATIVA SE CONVOLA EM DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. 7. CONCLUSÃO. 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho trata de questão de grande relevância social – o direito de nomeação aos candidatos aprovados em concurso público - pois diz respeito à garantia constitucional do amplo acesso aos cargos públicos a todos os cidadãos. Assim, é dever do Estado, na realização do certame, executá-lo observando o conteúdo publicizado e as regulamentações previstas para a realização do mesmo, zelando pela a observância das leis e princípios pertinentes, para que todos, indistintamente, concorram em um processo transparente e isonômico que cumpra a finalidade de selecionar o candidato mais habilitado.

Dessa forma, analisaremos o concurso público, sua conceituação, origens e evolução nas Constituições, sobretudo para que possamos identificar resquícios do que ocorre atualmente com a administração pública quando pretere candidatos em detrimento a outras formas de provimento não justificadas por lei, em prejuízo de milhares de candidatos que dedicam boa parte de seu lazer, convívio com familiares na preparação para concurso público.

Com a publicação dos editais de concursos públicos milhares de candidatos passam a dedicar horas de seu dia à preparação intelectual, abstendo-se do lazer, do convívio com seus familiares em busca de uma posição que lhes garanta uma vida mais confortável, seja pela questão financeira, seja pela estabilidade, acreditando na “promessa do Estado” (Princípio da Vinculação ao Edital).

Questiona-se até que ponto a Administração Pública pode frustrar a legítima expectativa dos candidatos sob o argumento de que não mais necessita de servidores ou de que não tem os recursos, especialmente quando incha seus quadros funcionais com pessoal contratado em caráter precário, sem a realização de concurso público e sem a observância das situações excepcionais que a lei autoriza, classificando verdadeira burla ao concurso público, justificada, muitas vezes, pela discricionariedade de seus atos e pela aplicação generalizada do entendimento da súmula 15 do STF, conforme explicitaremos adiante.

Partindo-se dessas premissas, passaremos a contextualizar a mudança de posicionamento dos tribunais superiores STJ e STF, para que possamos traçar os rumos que serão determinados por esses julgados com relação à expectativa de direito, ao direito subjetivo, à nomeação em concurso público, bem como os limites de liberdade que a Administração Pública tem em decidir se está ou não necessitando de mão-de-obra para o exercício das atribuições do cargo efetivo ou emprego público relacionado ao certame, sem que, com isso, fira de morte a promessa contida no Edital do certame.

Desse modo, não pretendemos esgotar o tema sobre todas as formas de burla ao concurso público, bem como analisar todos os casos em que a jurisprudência tem convolado ou não direito subjetivo aos candidatos, mas sim, definir segundo o entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, com a finalidade de obter critérios objetivos para aferir em que casos a mera expectativa convola-se em direito subjetivo à nomeação e posse dos candidatos aprovados em concurso público.

Assim, havendo nos casos em que não há uma solução legal para as situações de candidatos aprovados em concurso público e a Administração Pública entender que cabe a ela decidir sobre a oportunidade e conveniência das nomeações (podendo até mesmo não nomear) a questão passa a ser judicializada por candidatos insatisfeitos pela solução dada pela Administração Pública, visando efetivar o seu direito de nomeação. O tema, relativamente novo, ganha força a partir da vigência da CF/88, pela jurisprudência que vem se consolidando nos tribunais superiores (STJ e STF) e passa a nortear as decisões dos tribunais e juízos dos Estados.


2. CONCURSO PÚBLICO

A regra geral é o provimento de cargos e funções públicas mediante a aprovação em concurso público, cumpridas todas as exigências legais, ressalvando-se as exceções[1] previstas na Constituição Federal de 1988.

Ademais, imperiosa é a observância do regramento constante no art. 37, II, da Constituição da República/1988[2] conforme segue: “II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.”

A constituição dispõe taxativamente acerca das situações excepcionais que autorizam a contratação de seus agentes sem concurso público. São os casos dos tribunais superiores STF e STJ, pela Constituição Federal[3] (art. 101, parágrafo único e do art. 104, parágrafo único), e com os integrantes dos Tribunais dos Estados, estes com a modalidade de ingresso pelo quinto constitucional, composto de membros do Ministério Público e advogados (art. 94, CF) e, ainda, a investidura dos membros dos Tribunais de Contas, também pelo quinto constitucional (art. 73, §§ 1º e 2º, CF).

Da mesma forma, constam disciplinadas as ressalvas, nos incisos II e V, do art. 37 da Constituição da República à regra da contratação por meio de concurso público, como a contratação para cargo em comissão e função de confiança, levando-se em conta as peculiaridades e a natureza desses cargos e funções.

Há para o ingresso no serviço público obrigatoriedade da realização de concurso público, ressalvados os cargos em comissão e empregos com essa natureza, assim, nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello[4]:

“(...) o que a Lei Magna visou com os princípios da acessibilidade e do concurso público foi, de um lado, ensejar a todos iguais oportunidades de disputar cargos ou empregos na Administração direta, indireta ou fundacional. De outro lado, propôs a impedir tanto o ingresso sem concurso, ressalvadas as exceções previstas na Constituição, quanto obstar que o servidor habilitado por concurso para cargo ou emprego de determinada natureza viesse depois a ser agraciado com cargo ou emprego permanente de uma outra natureza.”

Ao longo dos anos, houve significativas mudanças nas formas de nomeação de agentes públicos pelo Estado. A partir da Constituição de 1988 o concurso público tornou-se uma via exclusiva de investidura em cargos ou emprego público, a ponto de o Supremo Tribunal Federal haver decidido que a maioria dos modos derivados de investidura (mudança de cargo, mediante procedimentos internos) não foi recepcionada pelo novo regime, estando, pois, proibida:

“(...) não mais restrita a exigência constitucional à primeira investidura em cargo público, tornou-se inviável toda a forma de provimento derivado do servidor público em cargo diverso do que detém, com a única ressalva da promoção, que pressupões cargo da mesma carreira; inadmissibilidade de enquadramento do servidor em cargo diverso daquele de que é titular, ainda quando fundado em desvio de função iniciado antes da constituição[5]” 

Para uma grande parcela da população, o serviço público tem sido o grande atrativo pela questão da estabilidade do emprego, pelos salários muito acima da média paga pela iniciativa privada, pelo regime diferenciado que algumas carreiras oferecem. Em busca de tais condições, grande parcela da população, sobretudo os jovens, lotam os bancos de cursinhos preparatórios a fim de obterem nomeação em cargo ou função pública.

Pertinente ao tema, citamos matéria publicada no Jornal do Senado[6]: acerca do crescimento das ofertas de emprego no serviço público e a grande demanda para ocupar essas vagas:

A busca por estabilidade e por um salário seguro tem atraído cada vez mais os brasileiros e aumentando a procura pelos concursos públicos. Segundo o Ministério do Planejamento, Orçamento e gestão, o governo federal autorizou nos últimos três anos a contratação de cerca de 60 mil novos servidores tendo em vista dois objetivos principais: recuperar a força de trabalho de vários órgãos e substituir funcionários terceirizados e temporários (...). ‘Todos os anos mais de quatro milhões de brasileiros disputam uma vaga em concursos de todas as esferas do governo.”

De outro lado, para a Administração Pública, que efetiva a promessa mediante um edital de concurso público e que tem o dever legal de garantir a realização do certame revestido pelas garantias constitucionais e legais, notadamente quanto aos princípios que envolvem essa forma de admissão no serviço público, possibilitando, assim, que os candidatos participem de um processo democrático e livre de ilegalidades e arbitrariedades, onde o critério seja realmente o mérito de cada candidato para que prevaleça do mais qualificado.

Dessa forma, o administrador público deve pautar-se pela boa fé em que deva reconhecer que se está diante de uma relação contratual de duas acepções: uma subjetiva e outra objetiva. A subjetiva em relação à intenção dos contratantes reflete-se no “sentimento pessoal de atuação conforme a ordem jurídica”[7]. A boa-fé objetiva quando o comportamento das partes respeita o esperado para uma determinada relação jurídica, pela proteção da confiança, conforme preleciona Hartmut Maurer[8]: “A proteção da confiança parte da perspectiva do cidadão. Ela exige a proteção da confiança do cidadão que contou, e dispôs em conformidade com isso, com a existência de determinadas regulações estatais e outras medidas estatais".

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Acerca das etapas que regem o certame referimos as palavras de Hélio Saul Mileski[9] que elucida as diversas etapas que se antecedem à publicação do edital. É preciso apurar, em processo administrativo devidamente instruído, o preenchimento dos seguintes requisitos materiais e formais:

“(a) a existência de vagas devidamente instituídas por lei; (b) a real necessidade de novos servidores para dar conta da demanda de serviços; (c) demonstrativo de estimativa de impacto orçamentário-financeiro no exercício em que iniciar a execução e nos dois seguintes (art. 16, I, da LRF); (d) demonstração da origem dos recursos para o custeio (art. 17, § 1°, da LRF); (e) comprovação de que a despesa a ser criada não afetará as metas de resultado fiscal previstas no Anexo de Metas Fiscais (art. 17, § 2°, da LRF), indicando a forma de compensação dos efeitos financeiros nos exercícios seguintes; (f) comprovação de compatibilidade com a LDO e de adequação orçamentário-financeira (dotação na LOA e disponibilidade financeira); (g) declaração do ordenador da despesa sobre adequação orçamentária e financeira à LOA (art. 16, I, LRF) e de compatibilidade com o PPA e da LDO (art. 16, II); (h) autorização específica na LDO (art. 169, § 1°, II, CF/88 e art. 118 da CE/SC); e (i) prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes (art. 169, § 1°, I, CF/88 e art. 118 da CE/SC).”

Assim, em se tratando de concurso público, há que se ter a devida dimensão acerca da relevância social do tema e da importância de manter-se todo o processo referente ao certame em linhas que se pautem pela legalidade e transparência, levando-se em conta aqueles que despendem muitas horas de seu tempo, obstinados a obter a tão sonhada aprovação em concurso público acreditando na promessa do Estado de que serão nomeados.

2.1 CONCEITO DE CONCURSO PÚBLICO

Nas palavras de Carvalho Filho[10] (2001: 472) a respeito da definição sobre o que seja concurso público, temos que nos fornece uma definição subjetiva deste instituto, vejamos:

“Concurso Público é o procedimento administrativo que tem por fim aferir as aptidões pessoais e selecionar os melhores candidatos ao provimento de cargos e funções públicas. Na aferição pessoal, o Estado verifica a capacidade intelectual, física e psíquica de interessados em ocupar funções públicas e no aspecto seletivo são escolhidos aqueles que ultrapassam as barreiras opostas no procedimento, obedecidas sempre à ordem de classificação. Cuida-se, na verdade, do mais idôneo meio de recrutamento de servidores públicos”.

Ainda, para o ilustre Hely Lopes Meirelles[11] o concurso público é um meio técnico de realização dos princípios da isonomia, moralidade e eficiência administrativa:

“concurso é o meio técnico posto à disposição da Administração pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, fixados de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, consoante determina o art. 37, II, da CF”.

Com o advento da Constituição Federal de 1988[12], passou a ser obrigatória a seleção de agentes públicos por meio do concurso público, objetivando-se selecionar os indivíduos mais capacitados para exercer determinada atividade nos Quadros da Administração Pública. Assim, preleciona Hely Lopes Meirelles[13]:

“(...) Pelo concurso afastam-se, pois, os ineptos e os apaniguados que costumam abarrotar as repartições, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos políticos que se alçam e se mantêm no pode leiloando cargos e empregos públicos.”

Pertinente ao tema, a título ilustrativo, conforme definição de Antônio de Oliveira Lima[14] acerca do concurso público[15] definição que vem a calhar uma vez que delimita sob dois prismas o tema concurso público apresentando sob o ponto de vista da administração pública com a observância de seus deveres legais e principiológicos e sob o ponto de vista dos administrados na medida em que usufruem dessas garantias e, assim,  concorrem em igualdade de condições com os demais candidatos.

“De fato, o concurso público, do ponto de vista da administração, constitui um meio de concretização dos princípios administrativos, principalmente os da moralidade[16], impessoalidade[17] e eficiência[18]. Já sob a ótica dos administrados, funciona como instrumento democrático de acesso aos cargos públicos, na medida em que proporciona igualdade de oportunidade a todos que preenchem os requisitos estabelecidos na lei e no edital para o provimento dos cargos necessários à Administração Pública. Realiza-se, sob esse ângulo, o princípio da isonomia.(...) Os princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa são igualmente concretizados através do concurso público. Do ponto de vista do servidor, o concurso púbico é instrumento de garantia de dignidade da pessoa humana, pois somente aos servidores contratados regularmente são assegurados os direitos sociais previstos na Constituição, tais como décimo terceiro salário, férias e aposentadoria, dentre outros. Por meio do concurso, a administração pública faz prevalecer os valores nos quais se fundam o estado democrático de direito. A igualdade de oportunidade de acesso ao serviço público proporcionada pelo concurso é uma realização concreta do princípio da isonomia. O concurso garante, ainda, a promoção da justiça, na medida em que seleciona os candidatos de acordo com a capacidade e o preparo de cada um.”

Dessa forma, temos que o concurso público é um processo pelo qual o Estado seleciona seus agentes, permitindo o acesso a cargos e empregos públicos de forma democrática e ampla, sendo um procedimento impessoal onde é assegurada igualdade de oportunidades a todos interessados em concorrer para exercer as atribuições oferecidas pelo Estado, a quem incumbirá identificar e selecionar os mais aptos mediante critérios objetivos.

2.2 ORIGENS DO CONCURSO PÚBLICO

Ao longo da história do Brasil, muitas foram as formas de seleção e nomeação de agentes públicos, na maioria, porém, adotado-se critérios pessoais, discricionários conforme se constata pelo que consta descrito em Comentários à Constituição Federal de 1988[19], o que demonstra é totalmente incompatível com o regramento legal vigente sobre tudo se visto sob o ponto de vista democrática e do livre acesso aos cargos públicos, pelo que se pode constatar: 

“A História registra pelo menos sete modos de provimento de cargo público: hereditariedade, venalidade, arrendamento, sorteio, eleição, nomeação direta e nomeação mediante concurso. Não há sociedade que, havendo politicamente organizado, não adotasse um desses caminhos para recrutar os que exerceriam as funções públicas. Cada qual com suas conveniências e inconveniências em função dos valores e vicissitudes socioeconômico-culturais prevalecentes em dado contexto histórico.”

Corroborando com os citados autores acima, na mesma linha ilustra Diógenes Gasparini[20], acerca da ocupação de cargos, empregos, funções e ofícios públicos foram admitidos por diversos meios. Conforme menciona:

“Na Antiguidade, o acesso às funções públicas já se efetivava por sorteio, compra e venda, herança, arrendamento, nomeação, eleição e concurso. Nessa esteira, o concurso, da forma como é concebido no Brasil, tem-se aperfeiçoado, sendo essa forma de acesso seguramente o mais indicado, necessitando tão somente ser aperfeiçoado e garantir a seriedade de quem o realiza.”

Seguindo esta mesma linha, José Cretella Júnior[21] que enumera várias dessas formas de provimento de cargos públicos, formas essas que permitiam fossem as escolhas baseadas pela discricionariedade e pessoalidade para que fosse recrutamento dos agentes públicos:

“(...) ainda na Antiguidade, a Administração Pública buscava encontrar processos eficientes para escolher os cidadãos que trabalhariam no serviço público. Dentre eles, estão: o sorteio, compra, venda, herança, arrendamento, nomeação, eleição e concurso.”

Pelo exposto, podemos extrair que muitas foram as formas em que se tentou selecionar pessoas para ocupar cargos e funções públicas, tais práticas se davam de acordo com a cultura da época, desde ao sorteio público até a compra e venda de cargos e funções e muitas outras formas pelas quais não se pode admitir em tempos atuais, tendo em vista que não coadunam com os princípios e regramentos constitucionais vigentes, e que, além de não garantirem ampla acessibilidade aos cargos e funções públicas, já demonstraram que não servem para selecionar candidato mais apto ao desempenho de atividade pública.

2.3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS CONCURSOS PÚBLICOS NAS CONSTITUIÇÕES.

Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello[22] “(...) durante o Brasil Império, período compreendido entre 1822 e 1889, o Imperador tinha o poder para delegar o desempenho de funções públicas (direta ou indireta). O exercício de cargos existia apenas sob a modalidade “em confiança”. Sendo assim, caberia apenas ao Imperador admitir ou exonerar funcionários públicos de acordo com sua conveniência.”

Segundo Bandeira de Mello[23], em 1889 foi instaurado o regime republicano, pela Proclamação da República. Dois anos depois, no governo de Marechal Deodoro da Fonseca foi promulgada a nova Carta Constitucional em que foi mantido o sistema ilimitado de contratação e exoneração de servidores públicos. Já em 1934, após a Revolução Constitucionalista que levou Getúlio Vargas a realizar o Golpe do Estado Novo, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil foi novamente promulgada. Seu artigo 170, 2°, estabelecia o processo imparcial para a nomeação de funcionários públicos. Neste momento surgiu o concurso público no ordenamento jurídico brasileiro e, em 1967, a sexta Constituição do Brasil, que fora elaborada por juristas “de confiança” do regime militar, validou a obrigatoriedade do concurso público para o ingresso em todos os cargos, exceto para os cargos em comissão (cargos de confiança) - norma mantida pela atual Constituição.

Sobre o mesmo tema, pertinente os ensinamentos de Fabrício Motta[24] acerca da evolução história dos processos de seleção de pessoas para ocuparem cargos e funções públicas da evolução dos processos de seleção de pessoas:

“Desde a Antiguidade a seleção de pessoas para prestar serviço ao Estado, na qualidade de empregados, foi constante preocupação das autoridades governamentais. Sempre se desejou encontrar um processo eficiente para essa escolha, pois é do bom resultado de qualquer procedimento dessa natureza e para essa finalidade que depende, em grande parte, o adequado desempenho da atividade administrativa. Esse cuidado resta evidenciado com os variados modos de escolha utilizados pela Administração Pública  ao longo do tempo (...)”

Conforme ensinamentos de José Cretella júnior[25] os mais conhecidos meios de seleção de pessoal administrativo que existiram, e alguns ainda perduram, iam desde o sorteio de cargos públicos até a compra e venda pelo Estado o seu legitimo dono, conforme se pode observar, pois não levavam em conta nenhum critério de capacidade ou aptidão para as funções:

“(...) eram as leis do acaso que prestigiavam este ou aquele interessado. Sorteava-se conforme a necessidade um ou vários nomes de pessoas que a tanto demonstravam interesse, dentre os escritos em uma espécie de tábua que os romanos chamavam  de sors, sortis. Eram duas as espécies: sorteio simples e sorteio condicionado. Simples era o sorteio que se aplicava indistintamente às pessoas que antes passavam  por um processo seletivo. Condicionado era o aplicado a pessoas que reuniam determinadas condições, apreciáveis dentre os que poderiam ser escolhidos para o preenchimento dos cargos públicos. (...)”

Segundo José Cretella júnior[26], havia também a prática da compra e venda de cargos públicos pelo Estado, que ocorria na Idade Média em que o Estado se considerava o dono dos cargos e com isso poderia vendê-los a quem pagasse mais. Outra forma de provimento de cargos era a sucessão causa mortis em que o herdeiro varão mais velho “herdava” o cargo ou função. Ambas as formas estavam fadadas ao insucesso, pois tanto pela compra e venda como pela sucessão nem sempre os ocupantes eram pessoas habilitadas ou tinham vocação para desempenhar as funções, com isso o trabalho exercido por eles deixava a desejar seja em eficiência, seja propriamente na habilitação intelectual exigida para as funções, em prejuízo daqueles que usufruíam dos sérvios, o que contribuiu muito para a extinção de tais modalidades.

A compra e venda dos cargos públicos de natureza administrativa ocorreu na Idade Média a partir de Carlos VII de França, chegando-se a criar, no reinado de Francisco I, o Escritório de vendas, organismo público destinado à realização dessas transações tendo os cargos públicos por objeto. Por dito processo, o Estado, que era o dono do cargo público administrativo, vendia-o para o particular interessado em ser seu empregado. (...) Na Idade Média também se experimentou o processo de ingresso no serviço público pela sucessão hereditária. O cargo Público transmitia-se por sucessão causa mortis ao herdeiro varão mais velho. O insucesso do processo revelou-se desde logo, pois o herdeiro nem sempre estava à altura do antepassado(...). Com origem na Idade Média, o Estado também cedeu os cargos públicos a particulares por prazo determinado, mediante uma contrapartida pecuniária. Era o processo de ingresso no serviço público por arrendamento. Por ele o Estado auferia certa receita. Era muito semelhante ao sistema de compra e venda de cargos públicos. Naquele sistema vendia-se o cargo; neste alugava-se (...)”

Segundo Gilmar Ferreira Mendes, à época, Procurador da República, no artigo veiculado pela Revista de informação legislativa[27], temos que já no tempo  do Brasil Império já havia postulação constitucional quanto à acessibilidade dos cargos públicos, conferindo-se a todos os cidadãos “sem outras diferenças” ou “virtudes” tal acesso, conforme segue trecho da citação:

“O postulado da acessibilidade dos cargos públicos a todos os brasileiros constitui tradição do direito constitucional brasileiro. Já a Constituição do Império, de 1824, consagrava, no seu artigo 179, item XIV, fórmula segundo a qual ‘todo o cidadão pode ser admitido aos cargos públicos civis, políticos ou militares, sem outra diferença, que não seja a dos seus talentos e virtudes.”

Seguindo o raciocínio anterior conforme leciona Gilmar Mendes[28], após a constituição de 1891, foi instituída a livre acessibilidade dos cargos públicos a todos os brasileiros, sendo reiterada pela Carta constitucional de 1934 e regulamentando a questão dos requisitos para o ingresso:

“(...) da mesma forma, a constituição de 1891 proclamou a acessibilidade dos cargos públicos civis e militares a todos os brasileiros, ‘observadas as condições de capacidade especial que a lei estatuir’(art. 73). 2. A par de introduzir o título sobre os funcionários públicos (título VII), a Carta Magna de 1934 reiterou a orientação Consagrada, estabelecendo a acessibilidade aos cargos públicos a todos os brasileiros ‘sem distinção de sexo ou estado civil, observadas as condições que a lei estatuir’(art. 168) e fixado que a primeira investidura nos postos de carreira das repartições administrativas e nos demais que a lei determinar, efetuar-se-á depois o exame de sanidade e concurso de provas ou títulos’ (art. 170, §2º)(...)”.

Dando continuidade ao tema, Gilmar Mendes[29] teceu, ainda, comentários às demais cartas constitucionais a partir do ano de 1937, o que de fato nos remete a evolução da história dos concursos públicos nos constituições brasileiras até o estágio em que se encontra atualmente, com suas regulamentações, exigências, e princípios basilares:

“A carta de 1937 também continha disposição segundo a qual a primeira investidura nos cargos de carreira havia de se fazer mediante concurso de provas ou títulos (art. 156, alínea b). O constituinte de 1946 disciplinou a matéria no título VII, assegurando acessibilidade dos cargos públicos a todos os brasileiros (art. 184) e estabelecendo que ‘a primeira investidura em cargo de carreira e em outros que a lei determinar efetuar-se-á mediante concurso’ (art. 186). 3. Não se pode negar que a doutrina pátria já considerava que os preceitos constantes do Título VIII, da Constituição de 1946, constituíam uma efetiva garantia constitucional, entendendo que os seus ditames obrigavam tanto ao Poder Público Federal Quanto aos Estados e Municípios.(...).”

O mesmo autor refere que a partir da Constituição Federal de 1967 passou-se a exigir a prévia aprovação em concurso público aos nacionais, sendo de provas ou provas e títulos. Temos que, deste momento em diante começava a consolidar efetivamente a cultura do amplo acesso aos cargos públicos, pelo qual se selecionava os candidatos melhor habilitados, ou seja, o concurso público como instrumento da meritocracia, conforme ilustra Gilmar F. Mendes[30]:

“Diversamente a Constituição Federal de 1967 não se limitou a assegurar a acessibilidade dos cargos públicos aos nacionais. Exigiu-se a prévia aprovação em concursos públicos aos nacionais. Exigiu-se a prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvados os cargos em comissão, declarados em lei, de livre nomeação e exoneração (art. 95, §§1º e 2º). O constituinte de 1969 atenuou a exigência da carta de 1967, estabelecendo que a primeira investidura em cargo dependeria de aprovação prévia em concurso público, salvo os casos indicados em lei (art.97, §1º). (...) Concluindo-se: ‘(...) a constituição de 1967 traduz um significativo marco na concretização do princípio da acessibilidade dos cargos públicos aos nacionais. Mesmo a alteração introduzida pela Emenda nº 1 de 1969, não se mostrou suficiente para atenuar a força normativa do preceito constitucional. E a interpretação consagrada pelo Supremo Tribunal, que impõe âmbito material restrito à cláusula ‘salvo os casos indicados em lei’ vem contribuindo, de forma decisiva, na implantação do merit system no serviço Público Brasileiro.(...)”

Assim, percebemos que o espírito histórico da necessidade do concurso Público para provimento de cargos e funções públicas teve suas raízes históricas desde 1824, “evoluindo” nas constituições que se seguiram fruto da necessidade de ampliar o acesso aos cargos e funções públicas e de reação contra a hereditariedade e venalidade dos cargos públicos, visando um melhor desempenho das funções públicas, por aqueles sem outra distinção, que não fossem as virtudes e talentos.

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Sobre o autor
Roberto Fonseca Dalbem

Bacharel em Direito Funcionário Público

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DALBEM, Roberto Fonseca. As práticas administrativas com relação ao direito à nomeação em concurso público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3746, 3 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25455. Acesso em: 28 mar. 2024.

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