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Conflitos jurídicos da reprodução humana assistida.

Bioética e Biodireito

01/02/2002 às 01:00
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DA FALTA DE LEGISLAÇÃO

Antes de adentrarmos os conflitos jurídicos que envolvem as novas técnicas de reprodução humana assistida, vamos voltar nossos olhos para a total falta de legislação acerca de tão controvertido tema.

Atualmente, no Brasil, não temos nenhuma lei que ampara e regula a reprodução humana artificialmente assistida.

Portanto, a carência de legislação específica, o brocardo jurídico segundo o qual o que não é proibido é permitido e mais a evolução tecnológica que hoje integra o nosso cotidiano, fazem com que a reprodução humana artificial seja livremente praticada, explorada e consentida, sem que nenhum controle governamental se faça valer.

Diante de tal quadro é que estamos trazendo o presente tema, tão controvertido, para ser debatido neste 1º Encontro de Iniciação à Bioética, a fim de que tenhamos pelo menos um pouco de luz em nossas preocupações e dúvidas.


DAS NORMAS EXISTENTES

Para uma lei ser publicada no Brasil é necessário um trâmite burocrático tão grande que faz com que, ao nascer, já seja considerada velha e ultrapassada, pois as evoluções sociais e tecnológicas não acompanham a morosidade da feitura das leis.

Exemplo claro e atual é o nosso Novo Código Civil, que já nasce ultrapassado e carente de reformas, antes mesmo de ser publicado. Vários temas hoje presentes em nosso cotidiano sequer foram esclarecidos ou abarcados pelo Novo Código, tais como inseminação artificial, clonagem, eugenia, uniões homoafetivas e outros de relevante importância.

Atualmente, a única norma que possuímos acerca da reprodução humana assistida, vem do pioneirismo e celeridade do Conselho Federal de Medicina que, em 1992, através da Resolução 1.358, resolveu adotar normas éticas, como dispositivo deontológico, no que diz respeito à regulamentação e procedimentos a serem observados pelas clínicas e médicos que lidam com a reprodução humana assistida.

Seguindo o caminho traçado pela Resolução 1.358 do CFM, alguns legisladores propuseram tardiamente projetos de lei referentes à matéria (PL 3.638/93 do Dep. Luiz Moreira e PL 2855/97 do Dep. Confúcio Moura).

Quase a unanimidade de tais projetos segue fielmente as disposições constantes na Resolução 1.358, em nada inovando a respeito dos reflexos jurídicos e das conseqüências advindas do uso das técnicas artificiais de reprodução.

O projeto de Lei mais completo e abrangente, que dispõe sobre a matéria, é o de nº 90/99, de autoria do Senador Lúcio Alcântara e que ainda tramita burocraticamente no Congresso Nacional, junto à Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, com relatoria inicial de Roberto Requião e atualmente de Tião Viana.

Portanto, mesmo que as clínicas especializadas em reprodução humana assistida estejam atuando a todo o vapor, em face do volume de pessoas inférteis que anseiam por filhos, não existe nenhuma lei que as ampare ou que regule os seus procedimentos ou os reflexos jurídicos advindos de tais técnicas e a Resolução 1.358 do CFM somente serve para traçar os caminhos éticos a serem seguidos pelos médicos e clínicas, pois não possui força de lei.

Apenas para não sermos omissos, foi publicada, em 05 de janeiro de 1995, a Lei 8.974, também chamada de Lei de Biossegurança, que estabelece normas para o uso das técnicas de engenharia genética e que condena, como crime, em seu artigo 13, quaisquer manipulações de células germinativas humanas, justamente como precaução à clonagem e eugenia, e que levou o Conselho Nacional de Saúde a editar a Resolução 196/96, que dispõe sobre as normas e diretrizes regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos, a qual foi, posteriormente, complementada pela Resolução 303/00, do mesmo órgão, para incluir o tema especial da reprodução humana.

Portanto, ante a carência total de uma legislação específica e abrangente, o profissional da saúde tem de ter um exacerbado senso ético e profissional para que os seus procedimentos e técnicas não sejam alvos de lides judiciais.

Para auxiliar tais profissionais em suas condutas, iremos dissertar acerca das precauções e cuidados que eles devem pôr na relação médico-paciente para amenizar, pelo menos um pouco, suas preocupações éticas e legais.


DA RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE

Não só na reprodução humana assistida, mas acredito que em qualquer atividade médica, o profissional deve ter em mente os três referenciais básicos da bioética, ou seja :

A autonomia : que se inspira no respeito ao outro e na dignidade da pessoa humana, a qual será tratada como sujeito autônomo e livre na busca da melhor decisão para sua pessoa.

A beneficência e a não-maleficência : que, em conjunto, significam que o médico deve evitar provocar danos aos seus pacientes, maximizando os benefícios e minimizando os riscos possíveis, buscando sempre o seu bem-estar.

A justiça : que propõe a imparcialidade na distribuição dos riscos e dos benefícios, levando-se em conta as desigualdades entre as pessoas, sejam sociais, morais, físicas ou financeiras e, também, a dignidade da pessoa humana e a recusa total a qualquer tipo de violência, como bem enfatiza nosso Professor Amauri Carlos Ferreira[2].

Estabelecidos e seguidos tais referenciais, a relação médico-paciente, com certeza, evoluirá de maneira tranqüila e permitirá ao profissional conduzir os procedimentos de forma mais célere e confiável.

Na reprodução assistida, os cuidados da relação médico-paciente devem ser redobrados.

Primeiro, porque os pacientes que procuram as clínicas de reprodução humana estão psicologicamente abalados e sujeitos a qualquer tipo de procedimento médico, em face da vontade exacerbada em terem filhos, a qual não lhes permite avaliar, de maneira abrangente e refletida, os resultados que podem advir da(s) técnica(s) proposta(s).

Em segundo lugar, porque os reflexos jurídicos relativos à filiação ou, até mesmo, ao casamento ou união estável do casal podem não ser os desejados pelo pacientes que procuram tais clínicas.

Portanto, todo profissional que lida com a reprodução humana assistida deve se cercar de todos os cuidados médicos e legais para que os reflexos futuros estejam amparados e sejam aqueles esperados pelos participantes, tanto médicos quanto pacientes.


DOS ESCLARECIMENTOS PRÉVIOS

O profissional que lida com a reprodução humana assistida deve esclarecer seus pacientes de todos os riscos, procedimentos, custos e probabilidade de sucesso de cada uma das técnicas existentes.

Deve, também, alertá-los acerca dos direitos e obrigações que surgem com o nascimento da criança e das vinculações jurídicas a que estão sujeitos.

Para tanto, o profissional ou a clínica contratada devem firmar com o(s) paciente(s) um termo de consentimento esclarecido e informado, que tem como objeto servir de prova, a ambas as partes, de todos os esclarecimentos feitos antes da realização da técnica proposta e consentida.

Como meio de prova, portanto, o termo de consentimento esclarecido e informado deve conter, como sugestão, os seguintes tópicos :

- A técnica de inseminação artificial que será efetuada e seus necessários aspectos médicos e clínicos;

- Os resultados já obtidos na clínica em face da técnica escolhida pelo(s) paciente(s);

- O valor do tratamento, os custos relativos aos medicamentos que serão utilizados, bem como a forma de pagamento dos mesmos;

- O valor mensal a ser pago, em caso de conservação de gametas excedentes;

- A declaração consentida de que o filho nascido da técnica proposta será filho legítimo do casal ou da pessoa que recorreu à técnica artificial de reprodução, com todas as vinculações jurídicas e legais.

Além do mais, o termo de consentimento esclarecido e informado deve, necessariamente, ser diferente para cada tipo de usuário ou participante da técnica proposta, como, por exemplo, para os doadores, receptores e terceiros interessados, justamente para atender a cada uma das peculiaridades e particularidades dos envolvidos.

Deve, também, seguir os preceitos da Resolução 1.358/92 do CFM, ou seja :

- A utilização apenas por pessoas inférteis e com probabilidade de êxito;

- O anonimato do doador;

- A gratuidade da doação;

- A impossibilidade de selecionar sexo, exceto em casos de doenças ligadas ao sexo do filho que venha a nascer;

- O nº máximo de embriões a serem transferidos, ou seja, no máximo 04;

- A impossibilidade da redução embrionária;

- O prévio consentimento do marido ou do companheiro à técnica escolhida;

- A garantia da semelhança fenotípica e imunológica;

- O destino a ser dado aos embriões excedentes e criopreservados, em caso de divórcio, doenças graves ou falecimento;

- Que a doadora de útero pertença à família da doadora genética, em parentesco de até 2º grau.


DAS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS

No estágio atual da reprodução humana assistida temos várias hipóteses concretas que podem gerar várias celeumas jurídicas, como, por exemplo, a doação e venda de gametas, a criopreservação de embriões já concebidos que permitem inseminações múltiplas e até post mortem, a implantação do embrião em mãe substituta, entre várias outras hipóteses.

Em relação a tais celeumas, faremos algumas considerações :

a) DA FILIAÇÃO

Em relação à filiação devemos ter em mente que as novas técnicas artificiais de reprodução provocaram um desmoronamento completo nas bases, antes arraigadas, da filiação.

Nas inseminações artificiais é possível a fertilização homóloga, que é a feita com gametas do casal; a fertilização heteróloga, em que é utilizado só o óvulo ou o espermatozóide pertencente ao casal, e o óvulo ou espermatozóide de terceiros e a barriga de aluguel ou mãe de substituição que é a mulher utilizada como meio para gestar um embrião fertilizado com gametas de outras pessoas ou do próprio casal.

Mas, para definirmos o direito à filiação ou o dever da filiação, deveremos ter em mente que hoje a doutrina e a jurisprudência consagram, além da filiação biológica, a filiação afetiva, também chamada de socioafetiva.

O pai ou a mãe, pela atual orientação doutrinária, não se definem apenas pelos laços biológicos que os unem ao menor e sim pelo querer externado de ser pai ou mãe, de então assumir, independentemente do vínculo biológico, as responsabilidades e deveres em face da filiação, com a demonstração de afeto e de querer bem ao menor.

A falta de tais requisitos pode até mesmo acarretar aos pais biológicos a perda do pátrio poder e possibilitar que a criança seja adotada por quem realmente lhe dê afeto, carinho e condições dignas de sobrevivência.

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Partindo desta premissa, poderemos definir a filiação do nascituro concebido por técnicas reprodutivas artificiais, tanto pelo aspecto biológico quanto pelo aspecto socioafetivo, levando-se em consideração sempre o melhor interesse da criança.

Estando casado ou em união estável o casal que se submeteu às técnicas artificiais de reprodução, e se em conjunto externaram o seu consentimento informado acerca da inseminação, não resta dúvida de que, seja homóloga ou heteróloga, a filiação pertencerá ao casal que a consentiu; e será legítima, visto ser concebida na constância do casamento ou da união estável, descabendo qualquer contestação futura a seu respeito.

Se a mulher casada se submeter a uma fertilização com sêmem de doador (heteróloga) sem o consentimento do marido, a paternidade não poderá lhe ser imputada e constituirá até mesmo causa da dissolução do vínculo matrimonial e de ação negatória de paternidade cumulada com anulação do registro de nascimento, se houver sido feita enganadamente. Em tais casos, além da falta do querer ser pai, ou seja, da filiação socioafetiva, há a presença da fraude e da deliberada intenção de levar a erro.

No direito comparado, em face da nossa lacuna legislativa, podemos ver algumas legislações neste sentido :

- AUSTRÁLIA : O filho nascido pelas técnicas de RA será do casal que consentiu no procedimento.

- EUA : Há um consenso, entre 28 estados norte americanos, de que o casal que consentir nas técnicas de RA serão os pais do concebido.

- ESPANHA : Se houver consentimento do casal em relação às técnicas de RA, será impossível impugnar a filiação.

- FRANÇA : As técnicas de RA somente são permitidas em casais casados e o consentimento veda qualquer impugnação acerca da filiação.

- CANADÁ : Se houver fertilização heteróloga,será necessário o consentimento do marido, que não poderá impugnar a filiação.

b) DA MATERNIDADE

Em relação apenas à maternidade temos que o princípio segundo o qual a mãe é sempre certa (mater semper certa est) ficou literalmente abalado pelas novas técnicas de RA.

Antigamente a mãe era sempre certa porque era impossível fecundar o óvulo fora o útero materno ou transplantá-lo em outra pessoa, sendo certo que a mãe era aquela que estava gestando o nascituro.

Atualmente a certeza em relação à maternidade está abalada, tendo em vista que a mãe pode ser a que está gestando o filho, pode ser a que forneceu o óvulo para fecundação, ou pode ser a que recebeu o óvulo de uma terceira pessoa e que contratou a barriga de substituição para gestá-lo (mãe socioafetiva).

Em nosso ordenamento pátrio consagra-se a idéia de que a mãe é a que gestou e deu à luz.

Se a mãe doadora do óvulo for fecundada com sêmen de seu marido ou de terceiro, e ela mesma gestar o concebido, não restam dúvidas de que ela será declarada a mãe da criança, tendo em vista a coincidência dos atributos genético, socioafetivo e gestacional.

A questão de maior complexidade ocorre quando a "mãe gestante" for diferente da "mãe biológica" ou da "mãe socioafetiva".

Poderá, nestes casos, ocorrer o conflito negativo ou positivo da maternidade.

O conflito positivo ocorre quando várias mães reivindicam para si a maternidade da criança, e o conflito negativo ocorrerá quando nenhuma das mães assumir a maternidade da criança.

Diante dos conflitos apresentados, a solução que melhor se coaduna com a tendência doutrinária e legislativa mundial é a de se atribuir à mãe que gestou a criança a sua maternidade.

Esta solução poderá ser modificada se ficar evidente que a mãe gestante, por não ser mãe biológica, não tiver condições de cuidar da criança (psicológicas e sociais), entregando-se a criança à mãe que melhor atender aos seus interesses (biológica ou socioafetiva).

Atualmente, cresce na doutrina pátria um entendimento de que, nos casos em que haja inseminação artificial heteróloga, com o uso de mãe de substituição, a mãe biológica é a que merece a maternidade da criança. Nossa doutrina entende que a mãe de substituição é apenas a hospedeira daquele ser gerado sem a contribuição de suas células germinativas e que se engravidou apenas para ajudar na concepção do filho de outrem.

Outro ponto importante é levantado pelos adeptos da filiação afetiva. Eles pregam que, independentemente da origem biológica ou da gestação, a mãe será aquela que assumiu e levou adiante o sonho da maternidade ao recorrer até mesmo a estranhos para que sua vontade fosse satisfeita.

Em relação à substituição de útero, também chamada de barriga de aluguel, é certo que não há legislação que a regule ou que a proíba, sendo tal fato apenas tratado pela resolução 1358/92 do CFM.

Pelo ordenamento jurídico é vedado qualquer contrato que envolva bem indisponível, como é o caso da vida humana, sendo que os contratos de "locação" ou substituição de útero não têm eficácia jurídica; havendo lide, ficam sujeitos a decisões judiciais conflitantes.

A solução dos impasses relativos à disputa ou imposição da maternidade deve variar em cada caso concreto diante das peculiaridades levantadas; mas a tendência é a de que o julgador deve sempre ter em mente quem primeiro externou a vontade relativa à inseminação e, também, o melhor interesse da criança.

O direito comparado nos oferece as seguintes soluções :

FRANÇA, AUSTRÁLIA, ALEMANHA: Presume-se mãe quem deu à luz.

- INGLATERRA : Permite a barriga de aluguel, devendo a criança ser entregue a quem pretendeu o nascimento.

- CANADÁ, ALEMANHA, ESPANHA, AUSTRÁLIA : Veda-se a locação de útero.

- EUA: Presume-se mãe quem deu à luz; mas, se houve locação de útero, o casal contratante deverá adotar a criança logo após o nascimento.

c) DA PATERNIDADE

Na paternidade, o brocardo latino pelo qual o filho de mulher casada presume-se de seu marido, "pater is est, quem nuptiae demonstrat", também foi jogado por terra pelas novas técnicas reprodutivas.

Em face da omissão legislativa acerca da paternidade por técnicas de reprodução assistida, devemos dividi-la em paternidade homóloga e heteróloga.

Na inseminação homóloga descabem maiores análises jurídicas, tendo em vista que se concilia a filiação biológica com a filiação afetiva, ou seja, o pai será aquele que doou o espermatozóide para ser fecundado em sua esposa ou companheira.

Em relação à inseminação heteróloga devemos enfocar o tema sob três situações distintas :

1º) Se a técnica foi consentida dentro de um casamento ou união estável.

2º) Se a técnica não foi consentida dentro de um casamento ou união estável.

3º) Se a técnica foi realizada fora de casamento ou de união estável em mulheres solteiras, viúvas, separadas judicialmente ou divorciadas.

A primeira situação é a que oferece menos preocupação, pois já é consenso entre os doutrinadores e legislações estrangeiras que o homem, ao consentir na inseminação heteróloga de sua esposa ou companheira, assume a paternidade da criança e, em nenhum momento, poderá contestá-la.

Na segunda situação, a mulher, ao se fecundar com sêmen de terceiros, e com o desconhecimento de seu marido ou companheiro, comete um ato atentatório ao casamento (injúria grave, violação dos deveres do casamento, insuportabilidade da vida em comum, violação ao dever de lealdade, etc.). Já dissemos que, em tais hipóteses, o marido poderá contestar a paternidade do filho se já o houver registrado, tendo em vista que foi levado a erro ao registrá-la.

A terceira situação é aquela em que a mulher recorre a um banco de sêmen e se fertiliza com o intuito de formar uma família monoparental. Nesses casos não é possível atribuir-se ao doador qualquer vínculo de filiação. Ainda que não exista lei específica, por analogia usamos o instituto da adoção em relação à doação do sêmen. A criança somente será registrada em nome da mãe, mas poderá no futuro requerer o reconhecimento de seu vínculo genético de filiação biológica. Isto, porém, não acarreta ao doador quaisquer obrigações ou direitos relativos à criança, uma vez que, ao doar seu sêmen ele abdica voluntariamente de sua paternidade, da mesma forma que o faz quem entrega uma criança para adoção ou quem perde o poder-familiar.

No direito estrangeiro temos as seguintes soluções :

- INGLATERRA : O doador de esperma não tem qualquer direito ou dever em relação à criança, sendo-lhe preservado o anonimato.

- EUA, AUSTRÁLIA : O marido que consentir na inseminação será considerado o pai da criança.

- CANADÁ : Se a inseminação for heteróloga, o marido ou o companheiro somente será o pai se houver consentido.

- ALEMANHA : Na fertilização heteróloga é necessário o consentimento escrito, e por instrumento público, e o pai que consentir não poderá impugnar a filiação.

- ESPANHA : O consentimento vincula a filiação.

d) DO DIREITO SUCESSÓRIO

Não há dúvidas de que o filho de uma pessoa, nascido por meio de qualquer das técnicas de reprodução assistida, terá os mesmos direitos e deveres dos demais filhos dessa pessoa. Para que possa herdar, basta que tenha sido concebido ao tempo da abertura da sucessão, que venha a nascer com vida e que seja filho do de cujus.

Ocorre que uma questão vem à tona no direito sucessório, quando tratamos do embrião concebido e criopreservado.

Tenho que o embrião conservado fora do útero não é considerado nascituro. Sua condição jurídica é ainda indefinida e temerosa, embora merecedora de proteção.

Para receber bens por sucessão legítima, tal embrião deverá estar implantado no útero feminino, pois só assim terá capacidade sucessória para herdar os bens do falecido.

Portanto, se com a morte do de cujus o embrião, em cuja fertilização consentiu, já estiver implantado no útero feminino, não há dúvidas de que a filiação lhe será assegurada, bem como o direito à herança.

Quanto ao embrião fecundado, mas não implantado, poderemos definir-lhe duas conseqüências jurídicas :

A primeira é a de que nunca poderá herdar por sucessão legítima, por não estar inserido no conceito de nascituro e pelo fato de o direito não poder ficar à mercê da vontade da mãe em implantá-lo quando bem entender.

A segunda conseqüência será a da possibilidade de vir a herdar, desde que o de cujus assim disponha em seu testamento, por analogia ao conceito de prole eventual, e desde que indique quem será a mãe do beneficiário. Deve-se buscar, aí, a vontade expressa do testador em deferir-lhe a herança.

Quanto à inseminação post mortem, temos que atualmente ela se faz quando o sêmen ou o óvulo do de cujus é fertilizado após a sua morte. Nestes casos, por ter sido a concepção efetivada após a morte do de cujus, não há que se falar em direitos sucessórios a ele.

Há tendências doutrinárias admitindo que tanto o não concebido quanto o não nidado[3], possam ter direitos sucessórios e o reconhecimento de sua filiação, desde que a pessoa assim lhes assegure através de testamento.

O direito sucessório, portanto, decorre da filiação e, a partir da determinação do vínculo de paternidade, será resolvido. Destaca-se que o consentimento dado em vida é essencial para se determinarem os direitos do nascituro e para formação do vínculo de filiação.

Em relação à possibilidade da inseminação post mortem, a legislação estrangeira assim se manifesta :

- ALEMANHA, SUÉCIA : Veda-se a inseminação post mortem.

- FRANÇA : Veda-se inseminação post mortem e dispõe-se que o consentimento externado em vida perde o efeito.

- ESPANHA : Veda-se a inseminação post mortem, mas garante direitos ao nascituro quando houver declaração escrita por escritura pública ou testamento.

- INGLATERRA : Permite-se a inseminação post mortem, mas não garante direitos sucessórios, a não ser que haja documento expresso neste sentido.


NOTAS

1.Conforme Dicionário Enciclopédico de Teoria e de Sociologia do Direito, sob direção de André –Jean Arnaud, Rio de Janeiro, Ed. Renovar. 1999 : BIOÉTICA : É o ramo da filosofia moral que estuda as dimensões morais e sociais das técnicas resultantes do avanço do conhecimento nas ciências biológicas

BIODIREITO : É o ramo do Direito que trata da teoria, da legislação e da jurisprudência relativas às normas reguladoras da conduta humana face aos avanços da biologica, da biotecnologia e da medicina

2.FERREIRA, Amauri Carlos. Ensino Religioso nas Fronteiras da Ética, Petrópolis, Ed. Vozes, 2000.

3.Embrião concebido, mas ainda não implantado no útero materno.

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Sobre o autor
José Roberto Moreira Filho

advogado, especialista em Bioética, Direito e Aplicações pelo Instituto de Educação Continuada da PUC/MG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA FILHO, José Roberto. Conflitos jurídicos da reprodução humana assistida.: Bioética e Biodireito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2588. Acesso em: 29 mar. 2024.

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