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Os direitos fundamentais e o direito à proteção judicial efetiva:

breves considerações

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14/02/2014 às 16:17
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O direito fundamental à proteção judicial efetiva, de previsão constitucional no art. 5º, XXXV, também sofre restrições, que podem decorrer de normas constitucionais, de entendimento doutrinário e jurisprudencial ou de normas infraconstitucionais.

A Constituição Federal preconiza os denominados direitos fundamentais[1], que, numa definição sintética, podem ser definidos como as prerrogativas, faculdades e instituições universais, históricas, inalienáveis, imprecritíveis, indisponíveis, irrenunciáveis, constitucionais, vinculativas dos poderes públicos e de aplicação imediata que constituem princípios básicos da ordem constitucional e concretizam o ordenamento jurídico em garantia de uma convivência livre, igual, digna e fraterna de todas as pessoas.

Com efeito, os direitos fundamentais se caraterizam pela: i) universalidade, na medida em que se destinam a todos os seres humanos ou, com relação a determinados direitos (p.e., os direitos fundamentais dos trabalhadores), a todos os seres humanos de um determinado grupo; ii) historicidade, visto que são o resultado de todo um processo histórico e somente ostentam sentido em um determinado contexto temporal, podendo, ainda, sofrer transformações, modificações e ampliações ao longo do tempo; iii) inalienabilidade e indisponibilidade, pois são instransferíveis, inegociáveis e indisponíveis, porque não se encontram no conteúdo econômico-patrimonial de seu titular; iv) imprescritibilidade, já que não se perdem com o tempo, podendo ser exercíveis e exercidos a qualquer tempo, sem a preocupação com eventual prescrição; v) irrenunciabilidade, porquanto, embora possam não ser exercidos, não podem ser objeto de renúncia; vi) constitucionalização, uma vez que são consagrados e positivados na própria Constituição e, portanto, ostentam hierarquia (supremacia[2]) constitucional, não podendo ser contrariados por nenhuma outra norma presente no ordenamento jurídico; vii) vinculatividade dos poderes públicos, pois, por serem de natureza constitucional, tornam-se parâmetros de organização, atuação e limitação dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, seja na função de administrar, legislar (Constituição Federal – CF, art. 60, § 4º[3]) ou julgar (CF, art, 5º, XXXV[4]); viii) aplicabilidade imediata, já que não dependem de intermediação legislativa para produzir efeitos (CF, art. 5º, § 1º[5]); ix) concorrência, uma vez que podem ser exercidos cumulativamente pelo mesmo titular; e x) proibição de retrocesso, porquanto, uma vez reconhecidos, os direitos fundamentais não podem ser abolidos, suprimidos ou enfraquecidos pela atuação legislativa posterior.

Ademais, os direitos fundamentais desempenham variadas funções na ordem jurídica e na sociedade. De fato, partindo da teoria dos quatro status (situações jurídicas) em que o indivíduo pode se encontrar em face do Estado, desenvolvida por Georg Jellinek[6], pode-se afirmar que os direitos fundamentais ostentam as seguintes funções: a) função de defesa ou de liberdade (direitos de defesa ou de liberdade), caracterizada por “impor ao Estado um dever de abstenção, um dever de não-interferência, de não-intromissão no espaço de autodeterminação do indivíduo”[7], limitando, com isso, a ação do Estado (competências negativas estatais), inclusive com relação à impossibilidade de eliminação de certas posições jurídicas asseguradas e de vedação ao exercício forçado dos direitos de defesa em espeque; b) função de prestação (direitos a prestações jurídicas e materiais), que exigem do Estado uma atuação positiva destinada a atenuar as desigualdades, garantindo, desse modo, as condições jurídicas (prestações jurídicas) e/ou materiais (prestações materiais) indispensáveis e favoráveis ao exercício efetivo e concreto das liberdades (libertação das necessidades) ventiladas na função anterior; c) função de proteção contra terceiros, significando que o Estado tem o dever de adotar medidas positivas e eficientes destinadas à proteção do exercício dos direitos fundamentais diante da atividade de terceiros que porventura venham a afetá-los; d) função de não discriminação, geradora da imposição ao Estado de tratamento igualitário (condições de igualdade) para com os seus cidadãos; e e) função de participação (direitos de participação), que guarda características mistas dos direitos de defesa e a prestação e orienta o Estado a garantir a participação dos cidadãos na formação da vontade política do País.

Impende registrar, ainda, que os direitos fundamentais ostentam duas dimensões que se complementam, a saber, a dimensão subjetiva e a dimensão objetiva. A primeira dimensão se refere às posições jurídicas individuais de proteção à pessoa, correspondendo, pois, à exigência de uma ação negativa ou positiva de outrem produtora de efeitos sobre certas relações jurídicas (direitos fundamentais como típicos direitos subtetivos). Já a segunda dimensão referida resulta no estabelecimento de princípios básicos da ordem constitucional, os quais estabelecem limites para o poder estatal e norte para a sua atuação (direitos fundamentais como elementos essenciais da ordem jurídica constitucional). E sobre esta dimensão objetiva, Paulo Bonavides[8] elenca várias inovações constitucionais dela decorrentes, tais como:

a) a irradiação e a propagação dos direitos fundamentais a toda a esfera do Direito Privado; (...) b) a elevação de tais direitos à categoria de princípios, de tal sorte que se convertem no mais importante polo de eficácia normativa da Constituição; c) a eficácia vinculante, cada vez mais enérgica e extensa, com respeito aos três Poderes, nomeadamente o Legislativo; d) a aplicabilidade direta e a eficácia imediata dos direitos fundamentais, com perda do caráter de normas programáticas; e) a dimensão axiológica, mediante a qual os direitos fundamentais aparecem como postulados sociais que exprimem uma determinada ordem de valores e ao mesmo passo servem de inspiração, impulso e diretriz para a legislação, a administraçao e a jurisdição; f) o desenvolvimento da eficácia inter privatos, ou seja, em relação a terceiros (...), com atuação no campo dos poderes sociais, fora, portanto, da órbita propriamente dita do Poder Público ou do Estado, dissolvendo, assim, a exclusividade do confronto subjetivo imediato entre o direito individual e a máquina estatal (...); g) a aquisição de um ‘duplo caráter’ (...), ou seja, os direitos fundamentais conservam a dimensão subjetiva (...) e recebem um aditivo, uma nova qualidade, um novo feitio, que é a dimensão objetiva, dotada de conteúdo valorativo-decisório, e de função protetora (...); h) a elaboração do conceito de concretização, de grau constitucional (...); i) o emprego do princípio da proporcionalidade vinculado à hermenêutica concretizante (...); e j) a introdução do conceito de pré-compreensão (...), sem o qual não há concretização.

Destaque-se, outrossim, que os direitos fundamentais, em razão de sua evolução, reconhecimento e afirmação históricos, classificam-se em: 1) direitos de primeira geração[9], que correspondem aos chamados direitos de liberdade, entendidos como os direitos civis e políticos, os quais garantem resistência e oposição perante o Estado; 2) direitos de segunda geração, que, atrelados ao princípio da igualdade (direitos de igualdade), compreendem os direitos sociais, econômicos e culturais, decorrendo daí a necessidade de uma atuação positiva do Estado; 3) direitos de terceira geração, que buscam a proteção da coletividade social (direitos de solidariedade ou fraternidade, pois transcendem a esfera individual) e englobam os direitos ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado, à segurança, à solidariedade universal, ao reconhecimento mútuo de direitos entre vários países, à comunicação, à autodeterminação dos povos e ao desenvolvimento; 4) direitos de quarta geração, que, frutos da globalização dos direitos fundamentais, equivalem aos direitos à democracia direta, globalizada e isenta de manipulações, à informação e ao pluralismo, bem como, segundo Dirley da Cunha Júnior[10], aos direitos contra a manipulação genética, à mudança de sexo e os relacionados à biotecnologia; e 5) direitos de quinta geração, que, na visão de Paulo Bonavides[11], corresponde ao “direito à paz como supremo direito da Humanidade”.

Finalmente, o § 2º do artigo 5º da Constituição Federal estabelece que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Gera-se, assim, no Brasil, um sistema aberto de direitos fundamentais, na medida em que há outros direitos fundamentais no ordanamento jurídico que não estão previstos no Título II (“Dos Direitos e Garantias Fundamentais”) da Constituição.

Feitas tais ponderações sobre os direitos fundamentais, passemos à análise do direito fundamental à ação (direito à proteção judicial efetiva ou direito à inafastabilidade da jurisdição), escolhido para ilustrar o presente trabalho.

 


O Direito Fundamental à Ação

A Constituição Federal reza que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, XXXV). Trata-se, pois, da consagração constitucional do direito, princípio ou garantia[12] de acesso ao Poder Judiciário (à justiça), da inafastabilidade da jurisdição ou da proteção judicial efetiva[13].

Em verdade, de acordo com Dirley da Cunha Júnior[14], “o direto de acesso à justiça conduz ao entendimento de que nada afastará a intervenção do Poder Judiciário quando houver lesão ou simples ameaça a direito”, pelo que o controle judicial “deve ser visto com maior amplitude para compreender todas aquelas situações nas quais houve uma lesão ou ameaça a direito de alguém”. Isso porque, segundo o professor Gilmar Ferreira Mendes[15], o referido preceito constitucional prevê a tutela judicial efetiva, garantidora da proteção judicial contra lesão ou ameaça a direito.

Sobre o direito fundamental à ação, que, na visão de José de Albuquerque Rocha[16], é “um reflexo do poder-dever do juiz de dar a referida prestação jurisdicional”, George Marmelstein Lima[17] pondera que ele:

(...) é a faculdade garantida constitucionalmente de deduzir uma pretensão em juízo e, em virtude dessa pretensão, receber uma resposta satisfatória (sentença de mérito) e justa, respeitando-se, no mais, os princípios constitucionais do processo (contraditório, ampla defesa, motivação dos atos decisórios, juiz natural, entre outros). A ação, portanto, além de representar-se como um elemento fundamental da ordem constitucional, de suma importância para a garantia dos demais preceitos normativos, é um verdadeiro direito subjetivo, exercido contra o Estado, mas que obriga igualmente o réu a comparecer em juízo (daí, dizer-se que a ação é igualmente um direito potestativo), quer se trate de um direito substancialmente fundado, quer se afirme um direito material na realidade inexistente.

Assim, como leciona Ada Pellegrini Grinover[18], “a ação apresenta-se como situação jurídica composta, ou seja, como o conjunto de poderes, faculdades e deveres do autor, do réu e do juiz, no processo”, razão pela qual o exercício do direito de defesa do réu é considerado uma manifestação do direito fundamental de ação.

Noutro giro, com relação à redação do dispositivo legal em tela, impõe esclarecer que o termo “lei” (“a lei não excluirá”) merece interpretação extensiva, de modo a abarcar decretos, portarias, medidas provisórias, leis complementares e emendas costitucionais que visem à exclusão de determinadas matérias da apreciação do Poder Judiciário. Outrossim, a aludida expressão também é destinada ao Poder Judiciário, que não pode, sob nenhum pretexto, deixar de julgar (proibição do non liquet).

Quanto à “lesão ou ameaça”, esta pode ser proveniente tanto do Poder Público quanto de organizações públicas e pessoas privadas, seja em razão de ação ou omissão das aludidas pessoas.

À demasia, ainda com referência à sua redação, a palavra “direito” no preceito em espeque (“lesão ou ameaça a direito”) deve ser entendida de modo ampliado, com vistas a compreender não somente a proteção judicial à lesão ou ameaça a direito, mas também a interesses legítimos, que, de acordo com George Marmelstein Lima[19], “são aqueles que, embora não constituam direitos subjetivos em sua clássica acepção, merecem a proteção estatal, como por exemplo, o direito ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado, direito este que não possui um titular determinado, pois tem no próprio gênero humano como um todo seu destinatário”.

No que se refere à sua titularidade, o direito fundamental à ação pode ser exercido tanto pelas pessoas naturais quanto pelas pessoas jurídicas, de direito privado ou de direito público (interno ou externo). Também, pode ser exercido por entidades que, embora não detenham personalidade jurídica, legalmente ostentam personalidade judiciária, como, por exemplo, a massa falida (representada pelo síndico), a herança jacente ou vacante (representada pelo seu curador) e o espólio (representado pelo inventariante), a teor do que verba o artigo 12 do Código de Processo Civil – CPC[20]. Por fim, o referido direito ainda pode ser exercido por meio da chamada substituição processual[21], autorizada pelo artigo 6º do CPC[22] e que tem como exemplo a previsão do art. 8º, III, da Carta Magna, segundo o qual “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais e administrativas”.

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Noutro giro, sobre o direito fundamental à ação, duas questões ainda merecem realce: o duplo grau de jurisdição e o juízo arbitral (arbitragem). Com relação à primeira questão, “o Supremo Tribunal Federal tem acentuado a não configuração de um direito ao duplo grau de jurisdição”, salvo “naqueles casos em que a Constituição expressamente assegura ou garante esse direito, como nas hipóteses em que outorga possibilidade de recurso ordinário ou apelação para instância imediatamente superior (102, II; 104, II; 108, II)”[23]. Já com referência à arbitragem (prevista na Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996), entendida como o “mecanismo extrajudicial de solução de controvérsias”, consoante o qual “as partes litigantes investem, por meio de uma convenção arbitral (cláusula compromissória[24]) e compromisso arbitral[25], uma ou mais pessoas[26] de poderes decisórios para resolver seus conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis”[27][28], o STF, no julgamento da SE nº 5.206-AgRg (Rel. Min. Nelson Jobim, in DJ de 30.04.2004), declarou a compatibilidade e, pois, consitucionalidade da Lei nº 9.307/96 com o inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal.

Urge averbar, também, que o princípio da proteção judicial efetiva, como acentuado por Kazuo Watanabe[29], “não se trata apenas de possibilitar o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, e sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa”. Assim, para a real concretude do direito fundamental à proteção efetiva, faz-se necessária a observância dos demais direitos e garantias constitucionais processuais, mormente os princípios da segurança jurídica (art. 5º, XXXVI[30]), da impossibilidade de haver juízo ou tribunal de exceção (art. 5º, XXXVII[31]), do julgamento pela autoridade competente (art. 5º, LIII[32]), do devido processo legal (art. 5º, LIV[33]), da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, LV[34]), da vedação à obtenção de provas por meios ilícitos (art. 5º, LVI[35]), da publicidade (arts. 5º, LX[36], e 93, IX[37]), da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII[38]) e da fundamentação das decisões judiciais (art. 93, IX).

Derradeiramente, saliente-se que o direito fundamental à ação, assim como os demais direitos fundamentais, não é absoluto, mas, ao revés, sofre conformações, limitações ou restrições destinadas a evitar a eventual colisão com outros direitos e valores constitucionais, consoante veremos no tópico seguinte.


Conformação e Limitações do Direito Fundamental de Acesso ao Judiciário

Em realidade, os direitos fundamentais também se caracterizam pela sua limitabilidade ou relatividade, segundo a qual não há direitos fundamentais absolutos, visto que são passíveis, em concreto, de restrições recíprocas destinadas à conciliação, concordância prática e harmonização com outros direitos fundamentais ou entre eles e outros bens constitucionalmente protegidos, de modo a evitar o sacrifício total e definitivo de algum desses valores constitucionais. Neste sentido, inclusive, o próprio STF já decidiu, conforme se observa do seguinte julgado:

Os direitos e garantias individuais não têm caráter absoluto. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estão sujeitas – e considerando o substrato ético que as informa – permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a poteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros.[39]

Sobre essa característica dos direitos fundamentais, Dirley da Cunha Júnior[40] registra que “a restrição de um direito fundamental só é possível in concreto, atendendo-se a regra da máxima observância e mínima restrição dos direitos fundamentais”. E prossegue o aludido autor acentuando que:

os direitos fundamentais, por si só, não podem sofrer qualquer ordem de limitação, seja pela via da interpretação, seja, sobretudo, pela atividade do legislador infraconstitucional, a não ser que a possibilidade de restrição seja admitida pela própria Constituição ou derive da necessidade de interação com outras disposições constitucionais, hipótese em que, ainda assim, a limitação jamais poderá atingir o núcleo essencial, isto é, o conteúdo mínimo desses direitos.

Trata-se, em verdade, dos chamados “limites dos limites”, na medida em que as restrições aos direitos fundamentais não são ilimitadas. De fato, consoante giza Gilmar Ferreira Mendes[41]:

Cogita-se aqui dos chamados limites imanentes ou ‘limites dos limites’ (...), que balizam a ação do legislador quando restringe direitos individuais. Esses limites, que decorrem da própria Constituição, referem-se tanto à necessidade de proteção de um núcleo essencial quanto à clareza, determinação, generalidade e proporcionalidade das restrições impostas.

Ainda sobre os limites dos direitos fundamentais, cumpre averbar que, como visto e ponderado pelo professor Gilmar Mendes, eles – os limites – devem guardar concordância com o princípio constitucional da proporcionalidade, em sua tríplice acepção, a saber: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Destarte, para que a limitação ao direito fundamental seja constitucional, deve ela ser: a) apta, útil e adequada para o atingimento do fim buscado (subprincípio da adequação/utilidade); b) o meio menos gravoso e menos sacrificante ao direito fundamental para a consecução do objetivo pretendido (subprincípio da necessidade/exigibilidade); e c) geradora de mais vantagens do que desvantagens (subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito).

Particularmente com relação ao direito fundamental à proteção judicial efetiva, de previsão constitucional no art. 5º, XXXV, este também sofre conformações, limitações ou restrições, que podem decorrer de normas constitucionais, de entendimento doutrinário e jurisprudencial ou de normas infraconstitucionais.

Quanto às limitações decorrentes de normas constitucionais, há a que diz respeito à Justiça Desportiva, prevista nos §§ 1º e 2º do art. 217 da Constituição Federal, segundo os quais “o Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei”, que “terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final”. Outra limitação que decorre do Texto Constitucional é a que prescreve que “não caberá ‘habeas corpus’ em relação a punições disciplinares” (Constituição Federal, art. 142, § 2º). Frise-se que, em razão da unidade da Constituição Federal, não há que se falar em inconstitucionalidade de nenhuma das limitações em espeque.

Além das referidas limitações constitucionais, a doutrina e a jurisprudência, em observância ao princípio da separação dos Poderes (que está consignado no art. 2º da Carta Política de 1988[42] e será debatido com maior profundidade no Capítulo 4 deste trabalho), elenca situações em que o Poder Judiciário não pode se aventurar na sua análise e prestar a tutela jurisdicional eventualmente pretendida. Exemplo disso é a impossibilidade de apreciação judicial do mérito (critérios de oportunidade e conveniência) do ato administrativo, o que não impede, contudo, o Poder Judiciário de analisar a observância, pelo aludido ato, dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, eficiência e publicidade (Constituição Federal, art. 37, caput[43]). Outra situação que escapa ao controle do Poder Judiciário é a dos atos “interna corporis”, que “são aquelas questões ou assuntos afetos às atribuições internas dos órgãos, normalmente consignados no regimento ou instrumento que façam as suas vezes, e que, por isso mesmo, são da exclusiva apreciação e deliberação da entidade, sendo vedado ao Judiciário substituir ou mesmo invalidar essa escolha política”[44], permitindo-se, entretanto, a apreciação judicial de eventuais inconstitucionalidades, ilegalidades e infringências a normas regimentais nos alegados atos “interna corporis”.

Por último, há as limitações ao direito fundamental à ação decorrentes de normas infraconstitucionais, as quais, quanto à sua constitucionalidade, devem sempre ser analisadas à luz do ventilado princípio da proporcionalidade. Exemplos delas são: i) a exigência de “segurança do juízo” para o exercício do direito de ação, que ocorre, por exemplo, na ação rescisória (depósito prévio; CPC, art. 488, II[45]), desde que se mostre adequada, necessária e proporcional (em sentido estrito) à inibição de ações rescisórias infundadas; ii) o prazo decadencial para a impetração de mandado de segurança (120 – cento e vinte – dias, nos termos do art. 23 da Lei nº 12.016, de 07 de agosto de 2009[46]; Súmula nº 632 do STF[47]) e outros prazos peremptórios, sejam prescricionais, decadenciais ou recursais, para o exercício do direito de ação e da prática de atos processuais, exigindo-se para tanto a plena compatibilidade com o princípio da proprocionalidade, que é atingida quando tais fórmulas de preclusão impedem a eternização de demandas e pleitos (segurança jurídica) e, ao mesmo tempo, não impossibilitam o titular do direito fundamental em debate de ter acesso ao Poder Judiciário; iii) a exigência do pagamento de taxas judiciárias (custas judiciais) para o acesso à justiça, desde que elas sejam proporcionais ao custo da atividade estatal a que se vinculam (nos termos da Súmula nº 667 do STF, “viola a garantia constitucional de acesso à jurisdição a taxa judiciária calculada sem limite sobre o valor da causa”) e não sejam excessivas a ponto de inviabilizar a obtenção da prestação jurisdicional[48], garantindo-se, ainda, aos hipossuficeintes os benefícios da justiça gratuita (Constituição Federal, art. 5º, LXXIV[49]); e iv) a exigência do preenchimento de determinadas condições para o exercício do direito de ação, condições estas que se resumem à legitimidade das partes, à possibilidade jurídica do pedido e ao interesse de agir, que, em função de sua relevância, serão objeto de futuro texto.

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Sobre o autor
Wendson Ribeiro

Procurador Federal. Graduado em Direito e pós-graduado em Direito Público pela Universidade de Brasília - UnB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Wendson. Os direitos fundamentais e o direito à proteção judicial efetiva:: breves considerações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3880, 14 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26707. Acesso em: 29 mar. 2024.

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