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A adoção internacional no ordenamento jurídico brasileiro

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A adoção deve ser analisada primariamente como um ato nobre, humanitário, deixando ao segundo plano as exigências exacerbadas instituídas pela lei.

1.Introdução

A família incontestavelmente compreende um dos principais baluartes da sociedade moderna. Nas palavras de Washington de Barros Monteiro, “todo homem, ao nascer, torna-se membro integrante de uma entidade natural e social, o organismo familiar”1. Destarte, verifica-se a enorme relevância do estudo das instituições familiares, assim como do seu regramento perante a ordem jurídica nacional.

É cediço na Doutrina e Jurisprudência Pátria que existe uma diversidade de institutos familiares. Dessa forma, a “hegemonia” do casamento como figura familiar nuclear já não existe perante o ordenamento brasileiro. A própria Constituição Federal de 1988 assevera no seu artigo 226 as entidades que merecem especial proteção, dentre as quais, observa-se o casamento, a união estável e a chamada família monoparental.

Ademais, é possível enquadrar outras figuras dentre os institutos de Direito Familiar, originados como consequência direta das rápidas mudanças sociais. Assim, é possível averiguar a formação da família primordialmente pautada em preceitos de afinidade, chamadas comumente pela doutrina de famílias sócio-afetivas. Dentre estas, por exemplo, figura a família anaparental, a qual possui como basilar o elemento afetividade, que se caracteriza pela inexistência da figura dos pais, ou seja, constitui-se basicamente pela convivência entre parentes do vínculo da colateralidade ou pessoas – mesmo que não parentes e sem conotação sexual - dentro de uma mesma estruturação com identidade de propósitos, que é o animus de constituir família2.

Igualmente, ainda em termos constitucionais, mister é apontar umas das principais inovações da Carta de Outubro de 1988 para a sociedade brasileira, qual seja, o tratamento absolutamente isonômico entre filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção. Tal preceito é consagrado no artigo 227, § 6º da Lei maior, rompendo-se assim o paradigma estatuído pela codificação civil anterior (em especial o Código Civil de 1916), que estabelecia distinções entre filhos legítimos e “ilegítimos”. Outra inovação foi a instauração de um tratamento diferenciado à adoção (em especial, pelo disposto no artigo 227, § 5º da Constituição).

Esta última instituição deixou de ser olhada com reservas e prevenções, perdendo o condão de unicamente constituir forma de transmissão de nome e patrimônio em famílias mais abastadas. Sob a égide da Carta Política Brasileira de 1988, a adoção passou a atribuir ao adotando a condição de filho, sem qualquer diferença com filhos naturais (ou consanguíneos). Passou a adoção a constituir papel de inegável importância, formando um dos institutos de maior caráter humanitário e filantrópico.

Existindo como uma entidade norteada pelo princípio do melhor interesse da criança, a adoção internacional é permitida pelo Direito Brasileiro, através do Estatuto da Criança e do Adolescente, além do Decreto 3.087, que ratificou a “Convenção Relativa à Proteção e Cooperação Internacional em Matéria de Adoção Internacional” aprovada em Haia, em 29 de maio de 1993.

O presente trabalho busca analisar os requisitos e o procedimento adequado para a efetivação da Adoção Internacional realizada segundo a legislação do Brasil. Urge salientar que a adoção por pessoa estrangeira, residente ou domiciliada fora do país, ainda gera controvérsias perante a doutrina jurídica pátria. Destarte, outro objetivo será a análise dos pontos polêmicos acerca da matéria, que inexoravelmente deve sempre ser pautada em aspecto moral, espiritual, afetivos e social para com as crianças e adolescentes a serem adotados3.

Por fim, relembre-se que a Adoção é tema de direito de família, sendo assim, constitui um dos ramos do direito mais voltados para o aspecto humano, pois cuida da relação pessoal de cada indivíduo na seara que lhe é mais íntima, os sentimentos. Dessa forma, tanto os interesses afetivos dos adotandos quanto adotantes devem ser levados em consideração.


2.Algumas Considerações acerca da Adoção

Durante a evolução da comunidade mundial através dos anos observou-se uma crescente necessidade humana de acolher no convívio interno indivíduos estranhos ao seio familiar. Dessa forma, concebe-se que a Adoção surge primeiramente como uma medida de garantia à continuidade da Família, principalmente no caso de pessoas que não tinham filhos consanguíneos4.

Séculos atrás, mesmo em codificações mais antigas, como o código de Hamurabi, já havia notícia da utilização da Adoção entre os povos. Posteriormente, o Direito Romano destacou-se, pois disciplinou e ordenou sistematicamente o instituto. À exemplo, no antigo ordenamento romano verificava-se duas formas de adoção: a adoptio e ad rogatio. A primeira, sumariamente, significava a adoção de pessoa plenamente capaz, muita vezes, até mesmo um “pai de família”, o pater família. Já a Ad rogatio, sendo uma forma mais antiga, exigia formas mais burocráticas para a concessão da adoção, devendo ser formalizadas pelos pontífices. Em suma, a Ad rogação representava um ato de Direito Público, em que o magistrado atuava diretamente.

Importa salientar que as disposições do Instituto da Adoção criadas pelos romanos serviram de base para a colocação da entidade em diversas codificações civis mais modernas. O próprio Código Civil de 1916 disciplinou a adoção baseando-se nos princípios romanos, como instituição destinada a proporcionar a perpetuação da família, dando aos casais estéreis oportunidade de terem filhos.

O que se observa na realidade, pelo Código Beviláqua, é um tratamento da adoção mais voltada ou até mesmo, mais preocupada com o fato dos pais não poderem conceber filhos naturalmente. Tanto é assim que, durante muitas décadas, a adoção era vista com muitas restrições e na maioria das vezes constituía ato que deveria ocorrer apenas em situações excepcionais (quase sempre no caso de pessoas estéreis ou com idade avançada e que não pudessem procriar pelos meios naturais).

Ademais, durante a vigência do Código Civil de 1916, ocorriam corriqueiras situações de discriminação entre filhos adotados e filhos naturais (já que aqueles não eram considerados totalmente integrados no âmbito familiar). Outro ponto discriminante era a legitimidade sucessória, concedida apenas aos chamados “filhos legítimos” (situação que apenas se modificou com o advento da Constituição da República de 1988).

Em decorrência das alterações sociais, a entidade da adoção sofreu mudanças, passando a desempenhar papel de inegável importância, transformando-se numa instituição altamente humanitária e buscando, sobretudo, garantir a integração de menores a novos lares. Sob essa perspectiva, em 1957, entra em vigor a lei 3.133, que trouxe como principal inovação a permissão de adoção por pessoas de 30 anos de idade, tivessem ou não prole natural. Mudou-se o enfoque: “O legislador não teve em mente remediar a esterilidade, mas sim facilitar as adoções, possibilitando que um maior número de pessoas, sendo adotado, experimentasse melhoria em sua condição moral e material5”.

Observa-se que, sem sombra de dúvidas, os dois principais panoramas para o atual tratamento da Adoção encontram-se estatuídos pela Constituição Federal de 1988 e, em seguida, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069 de 1990). A Carta Constitucional, como já mencionado, no art. 227, § 6º, proclama que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”

Pelo dispositivo constitucional destacado, retira-se um dos princípios nucleares do Direito de Família contemporâneo. Assim, o princípio da Igualdade de Filiação, ou o também chamado, Princípio da Vedação de Discriminação entre os filhos consegue de sobremaneira alavancar o e, de certa forma, revolucionar o tratamento da figura da Adoção no Brasil.

Indiscutivelmente, o filho adotado, partir de então, integra plenamente o seio familiar, havendo uma “dissolução” dos laços de parentesco entre a pessoa adotada e sua antiga família.

O ECA (ou Estatuto da Criança e do Adolescente) traz em seu bojo, como novidade à época, a possibilidade de adoção sempre plena aos menores de 18 anos ( o que atualmente é a regra, mesmo para adoção de pessoas maiores). Recentemente, a lei 12.010, do ano de 2009 (chamada de Lei Nacional da Adoção) instituiu algumas alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente. O próprio Código Civil (atual, Código Civil de 2002), foi alterado pela referida lei 12.010/09, passando a reger exclusivamente a adoção dos maiores de 18 anos (art.1.619). Importa destacar que o Estatuto da Criança e do Adolescente é utilizado como legislação supletiva, no que concerne ao regramento da adoção de capazes, além de reger o procedimento de adoção de menores.


3.Procedimento e Requisitos Gerais para Adoção

Pelos referidos diplomas legais, em regra, qualquer pessoa possui legitimidade para adotar outro indivíduo. A lei 12.010/09 estabeleceu a idade mínima de 18 anos para ser adotante, como um reflexo da necessidade da capacidade civil plena para o ato da adoção.

Inicialmente, a pessoa interessada em adotar necessita passar por uma etapa de Habilitação. Tal fase compreende um procedimento administrativo que se inicia com a inscrição do interessado em adotar, sendo posteriormente submetido ao período de preparação psicossocial e jurídica, cuja orientação será ministrada pela equipe vinculada ao juízo da infância e juventude6.

O futuro adotante necessariamente, por meio de petição, precisa preencher alguns requisitos. A Peça Exordial, necessariamente, precisa identificar os dados familiares do requerente, além de apresentar qualificação completa, com os devidos documentos. Ademais, há a necessidade de anexação de cópias de certidão de nascimento, de casamento, ou certidões de União Estável.

Considerando que, indiscutivelmente o magistrado e o poder público, em geral, devem velar pelo melhor interesse da criança e do adolescente, o Requerente da Adoção precisa instruir sua petição com comprovantes de Renda, de Residência, além de atestados de sanidade física e mental, bem como os antecedentes criminais (ou cíveis).

O Ministério Público deverá se manifestar acerca do pedido de habilitação pra a adoção, com o fim de elaborar quesitos necessários ao estudo psicossocial do futuro adotante, bem como requerer audiência para oitiva do requerente e testemunhas e documentos que refutar necessários.

O pretendente deverá participar de programa oferecido pela justiça, com apoio técnico dos responsáveis pela execução da política municipal de convivência familiar. Tal programa, além de preparar psicologicamente o interessado, dará ênfase na orientação e estimulação para a adoção: inter-racial, de crianças “maiores” (expressão da lei que se refere aos que não possuem tenra idade) e adolescentes, do menor portador de deficiência, do que possui necessidades específicas de saúde ou, ainda, do grupo de irmãos.

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É imprescindível que durante o período de preparação, haja o contato do pretendente com crianças e adolescentes sob acolhimento familiar ou institucional, para serem adotados. Tal procedimento busca a formação de vínculo afetivo entre o requerente e pessoas menores, visando um maior preparo e conscientização para a futura paternidade ou maternidade.

Após a etapa da Habilitação e havendo o deferimento judicial do pedido o interessado será inscrito no cadastro próprio de interessados à adoção (de acordo com o artigo 50, do ECA). É de se lembrar que pelo Estatuto da Criança e Adolescente, o requerente, já habilitado para adoção, deverá aguardar sua convocação, que observará a ordem cronológica da habilitação, bem como a disponibilidade de crianças e adolescentes à adoção.

Em alguns situações, dispõe o artigo 50, § 13 do ECA, o juiz poderá abster-se de observar a ordem cronológica das habilitações, em respeito ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, deferindo-se a adoção em prol de pessoa domiciliada no Brasil e que não esteja previamente habilitada.

Segundo o mencionado dispositivo do Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 50, § 13. Somente poderá ser deferida adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente nos termos desta Lei quando:

I - se tratar de pedido de adoção unilateral;

II - for formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade;

III - oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou 238 desta Lei.”

Destarte, verifica-se, principalmente no inciso II do supracitado dispositivo, que a Adoção, no que couber, deve sempre observar e garantir melhores benefícios aos menores. O referido inciso busca evitar futuros traumas para a criança ou adolescente que provisoriamente já se encontra sob a tutela ou guarda de algum parente. Ademais, nesse sentido cumpre destacar o contido no artigo 39, §1º da lei 8.069: “a adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei”.

Nesse ensejo, observa-se um esforço do legislador em tentar ao máximo assegurar a manutenção do incapaz no seio da família natural. Assim, conclui-se que a dispensa de prévia habilitação do parente que deseja adotar pessoa que já sob sua tutela ou guarda demonstra uma compatibilização do artigo 50, § 13º com o artigo 39, §1ºdo ECA.

Ademais, cumpre registrar que a Lei Brasileira veda a algumas pessoas a adoção. Primeiramente, reitere-se o princípio do melhor interesse para a criança e adolescente, o que, por si só, já se mostra como uma espécie de limitador para a legitimação a adoção. Dessa forma, é inviável a adoção realizada por pessoa menor de 18 anos, ou que, de qualquer outra forma não tenha a plena capacidade para os atos da vida civil.

Outrossim, questões éticas, religiosas e também biológicas vedam a adoção em algumas situações. A título de exemplo, o artigo 44 do ECA prevê que não estão legitimados a adotar seus pupilos e curatelados os tutores e curadores enquanto não prestarem “contas de sua administração” e saldarem o alcance, se houver. Este dispositivo nitidamente procura coibir a apropriação indevida de patrimônio da pessoa do adotando por parte do seu representante legal (seja um curador ou mesmo um tutor) através da adoção.

Verifica-se também que a adoção por quem já é pai ou mãe mostra-se como um ato jurídico impossível e sem objeto, posto que um dos efeitos da adoção é justamente a extinção do poder familiar original, o que não ocorreria caso um indivíduo requerente já fosse o pai do adotando.

Outra situação, entretanto ocorre se um dos genitores não houver reconhecido a paternidade (ou maternidade) do filho, tendo em vista que o instituto da adoção possui diferenças em relação ao reconhecimento da paternidade. Dessa forma, a melhor doutrina reconhece a possibilidade do filho se negar a aceitar a adoção e pleitear o reconhecimento judicial da paternidade (o que obviamente só poderia ocorrer se o filho já fosse maior ou se fosse devidamente assistido ou representado).7

Uma série de outras restrições são verificadas perante o ordenamento brasileiro, como por exemplo, a necessidade de diferença mínima de 16 anos entre a pessoa do adotante e a do adotando. Tal requisito procura adequar-se a natureza de ficto iuris da filiação constituída pela Adoção. Em outras palavras, a figura da adoção procura recriar com a maior completude possível a relação entre pais e filhos, sendo assim, é mister que haja um mínimo de respeito do filho perante a figura paterna e materna. A diferença de 16 anos busca também evitar a situação esdrúxula da adoção por uma pessoa mais nova que o adotando (por óbvio, a filiação advinda dos laços naturais não permite tal situação, dessa forma, a adoção também não deve conceber-se dessa maneira).

Para finalizar esse breve relato dos requisitos para a adoção é imperioso que se aponte duas outras restrições: a adoção entre cônjuges ( o que por critérios morais é vedado no ordenamento brasileiro), além da necessidade do consentimento do adotando, quando este for maior ou contar com idade superior a 12 anos de idade (nos moldes do artigo 28, § 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente).

Numa tentativa de sistematizar o procedimento para a adoção, a lei 12.010 acabou por colocar o ECA como protagonista na disciplina da adoção, seja a adoção de crianças e adolescentes, seja a de maiores de idade. Ambas as espécies de procedimento adotivo precisam de provimento judicial, em virtude nas alterações no Código Civil (em destaque a nova redação do artigo 1.619). Ademais, a competência para apreciar pedido de adoção de menores é das Varas da Infância e da Juventude, enquanto que a adoção do maior de 18 anos capaz ocorre perante a Vara de Família.

É fundamental, que, apesar nas normas regulamentares e legislação aplicável, o princípio do melhor interesse aos jovens deva sempre nortear a atuação dos magistrados perante procedimentos de adoção; à exemplo, colaciona-se a seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça do Brasil e posteriormente o julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

GUARDA DE FILHO. Prevalência do interesse da criança. - Criança com oito anos idade, que vive desde os primeiros meses de vida sob a guarda do pai e na companhia da avó paterna, que lhe oferecem boas condições materiais e afetivas, com estudo social favorável à conservação dessa situação. - Ação de guarda definitiva promovida pelo pai julgada procedente na sentença e na apelação, com reforma em grau de embargos infringentes. - Recurso especial conhecido e provido para restabelecer o acórdão proferido na apelação. (STJ , Relator: Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Data de Julgamento: 04/02/2003, T4 - QUARTA TURMA)

APELAÇÃO CÍVEL - ADOÇÃO - DESCUMPRIMENTO DOS DEVERES PREVISTOS NO ARTIGO 22 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - GENITORA - USO REITERADO DE BEBIDAS ALCÓOLICAS - DIVERSOS ESTUDOS PSICOSSOCIAIS REALIZADOS - CRIANÇA QUE JÁ SE ENCONTRA PLENAMENTE ADAPTADA AO CASAL ADOTANDO - REGULARIZAÇÃO DE UMA SITUAÇÃO DE FATO - DEFERIMENTO DO PEDIDO. Se as circunstâncias fáticas denotam que a genitora do menor apresenta comportamento instável, preponderando o uso contumaz de bebidas alcoólicas e o desinteresse em relação à situação vivenciada pelo infante, somado ao vínculo de afetividade formado com a família substituta, impõe-se a confirmação da decisão que destituiu o pátrio poder da genitora e deferiu a adoção pelo casal apelado, tendo em vista o ,superior interesse da criança. (TJ-MG , Relator: ARMANDO FREIRE, Data de Julgamento: 17/03/2009)


4. Princípios da Adoção Internacional

A Adoção em sua modalidade Internacional ganhou ares de popularidade, principalmente no período posterior à Segunda Guerra Mundial. Fatores como a cobertura midiática acerca de condições precárias de menores em diversas localidades do globo, além da crescente complementação que a normatização da adoção vem recebendo, contribuíram para o aumento gradual do número de crianças adotadas internacionalmente.

Organizações influentes, como o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNIFEC) contribuíram para o atual regramento do instituto adotivo no âmbito internacional. Em razão disso, normas universais, consagradas como verdadeiros princípios, atuam para garantir maior segurança e transparência ao procedimento adotivo. Entretanto, é preciso que se tenha em mente que tais normas principiológicas não devem servir como óbice à própria efetivação do instituto.

Primeiramente, o princípio basilar (em qualquer espécie de processo adotivo) a ser observado é o famigerado Princípio do Melhor Interesse para a Criança e Adolescente. Tal norma é salutar, tendo em mente que a razão de ser da instituição adotiva é a garantia de bens essenciais à vida, educação, moradia, saúde e dignidade dos menores.

Consigne-se que, tal princípio, por diversas vezes acaba sendo esquecido no bojo dos burocráticos processos adotivos. A rigidez da legislação aplicável, ademais, também acaba por sobrepujar o princípio do melhor benefício para crianças e adolescentes.

Outrossim, outro princípio, que, diante de controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais, acaba por suprimir o próprio princípio do melhor interesse dos menores é o conhecido Princípio da Subsidiariedade da Adoção Internacional. Tal norma prevê que a adoção internacional é prevista apenas quando não há disponível nenhuma família substituta ou outro ambiente de cuidado no país de origem da criança.

Observa-se que, o princípio da subsidiariedade (ou excepcionalidade) é a maior barreira para que casais (ou pessoa individualmente considerada) consiga adotar um filho em outro país, que não o seu. A burocracia dos trâmites necessários à adoção nacional, por si só, já é uma grande “muralha”; aliando tais dificuldades à excepcionalidade da adoção internacional, fica quase impossível que uma criança, mesmo em situações precárias, consiga um pai ou mãe estrangeiros (ou residente em país diverso do seu).

No Brasil, por exemplo, os tribunais pátrios já consagram há anos o caráter subsidiário da Adoção de Criança Nacional por pessoas não residentes no País. À exemplo, observa-se o julgado do Superior Tribunal de Justiça:

ADOÇÃO INTERNACIONAL. Cadastro central de adotantes. Necessidade de sua consulta. Questão de fato não impugnada. - A adoção por estrangeiros é medida excepcional que, além dos cuidados próprios que merece, deve ser deferida somente depois de esgotados os meios para a adoção por brasileiros. Existindo no Estado de São Paulo o Cadastro Central de Adotantes, impõe-se ao Juiz consultá-lo antes de deferir a adoção internacional. - Situação de fato da criança, que persiste há mais de dois anos, a recomendar a manutenção do statu quo. - Recurso não conhecido, por esta última razão. (STJ - REsp: 196406 SP 1998/0087704-5, Relator: Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Data de Julgamento: 08/03/1999, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 11.10.1999 p. 74 LEXSTJ vol. 126 p. 194 REVJMG vol. 150 p. 454 RSTJ vol. 129 p. 335)

Tal precedente virou um marco na jurisprudência brasileira, servindo de parâmetro para diversos julgados do mesmo Tribunal Superior, como o REsp 202295 SP, e também julgados de outros tribunais brasileiros.

Ademais, o Princípio da Subsidiariedade da Adoção Internacional comporta outros princípios, como o Princípio da Nacionalidade e da Prioridade à manutenção da Criança no ambiente da família natural. Como se vê, são normas que acabam relativizando (e comprometendo) a regra de garantia da melhor condição à criança e adolescente. Além disso, o princípio da Nacionalidade, ao prever que se deva dar prioridade a colocação de menor no seio familiar residente no próprio país de origem da criança ou adolescente possui ainda um cunho xenofóbico.

Apesar de ser clara a intenção de se obstar práticas como sequestro, tráfico, maus tratos e escravidão de menores, o Princípio da Excepcionalidade (e seus subprincípios) acabam por dificultar desnecessariamente a Adoção Internacional.

Por fim, cumpre salientar que princípios constitucionais (assentados na Carta Política Brasileira), como a dignidade da pessoa humana, isonomia, proporcionalidade, direito à vida e liberdade entre os povos de diversas nações, também devem atuar para instruir a criação de normas pertinentes à adoção internacional, além de nortearem o procedimento e as decisões judiciais relacionadas ao tema.

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Sobre o autor
Lucas Alves de Morais Ferreira

Procurador da Fazenda Nacional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Lucas Alves Morais. A adoção internacional no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3950, 25 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27820. Acesso em: 28 mar. 2024.

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