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O custo do sweatshop como prática de comércio desleal

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27/04/2014 às 12:22
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O desenvolvimento econômico de um país só poderá ser considerado legítimo quando não for construído sobre o desrespeito dos direitos trabalhistas e, principalmente, quando os frutos dele advindos não se limitarem apenas aos empreendedores.

Resumo: Em razão da globalização econômica e da disseminação do chamado liberalismo econômico, a liberdade de circulação dos meios de produção é praticamente infinita hodiernamente. A par dos benefícios trazidos por essa nova conjuntura mundial, surge a face deletéria de tal fenômeno: o chamado “sweatshop”, onde plantas industriais inteiras são desativadas e ativadas de acordo com o custo trabalhista de cada país, deixando atrás de si um rastro de desemprego e dilapidação da econômica global. O presente trabalho procura analisar os custos sociais e empresariais decorrentes dessa prática de comércio desleal e apontar possíveis caminhos de combate a ela.

Palavras-chave: Sweatshop – dumping social – desenvolvimento integral - OMC

ABSTRACT: Because of economic globalization and the spread of economic liberalism the freedom of movement of the means of production is practically endless nowadays. Along with the benefits brought by this new global environment, there is the face of such a deleterious phenomenon: the so-called "sweatshop" where whole plants are deactivated and activated according to the labor cost of each country, leaving behind a trail of unemployment and the local economy dilapidation. This paper analyzes the social and business costs arising from such unfair trade practice and identify possible ways to combat it.

Key-words: Sweatshop – Social dumping – Integral development – WTO

Sumário: Introdução. 1. Conceito de Sweatshop. 1.1. Sweatshop: modalidade de dumping social. 2. A ideia do desenvolvimento integral. 3. Combate ao sweatshop: ação integrada entre OMC e OIT. 3.1. O sistema de solução de controvérsias da OMC como instrumento para o desenvolvimento integral. Conclusão. Referências bibliográficas.


Introdução

Em razão da globalização econômica e da disseminação do chamado liberalismo econômico a liberdade de circulação dos meios de produção é praticamente infinita hodiernamente. A par dos benefícios trazidos por essa nova conjuntura mundial, surge a face deletéria de tal fenômeno: o chamado “sweatshop”, onde plantas industriais inteiras são desativadas e ativadas de acordo com o custo trabalhista de cada país, deixando atrás de si um rastro de desemprego e dilapidação da econômica global.

Durante o século XX, em especial após a Segunda Guerra Mundial, vieram a lume inovações tecnológicas que diminuíram as distâncias, permitindo a comunicação entre os mais diferentes pontos do mundo em frações de segundos. Também possibilitaram viagens entre dois hemisférios em questão de horas, gerando uma grande mobilidade de serviços e produtos. As fronteiras entre os Estados foram se enfraquecendo, as diferenças culturais sendo pasteurizadas. Esse fenômeno é chamado de globalização.

Mesmo não sendo um fato novo, sendo possível detectar sinais primevos desde os tempos do Império Romano até as Grandes Navegações e seu Mercantilismo, com o advento da internet a globalização ganhou fôlego ainda maior, atingindo níveis nunca vistos (ou sequer imaginados).

Ao mesmo tempo em que a globalização aproximou os povos, tornando possível a apreensão de novas culturas, com o enriquecimento a isso inerente, e viabilizou a disseminação de inovações tecnológicas e de informações em velocidade ímpar, trouxe também aspectos negativos.

O presente trabalho pretende discutir um problema propagado por todo o globo, mas que, no entanto, não recebe a atenção que lhe é devida. Trata-se do chamado dumping social, onde, em linhas gerais, um produtor oferece seus produtos a um preço mais baixo que seus concorrentes por produzi-los em países que desrespeitam os direitos humanos mais fundamentais. É o lucro viabilizado pelo aviltamento das condições dos trabalhadores.

Isso se mostra cada vez mais comum e fácil de ser aperfeiçoado, dada a grande facilidade de movimentação de serviços e mercadorias gerada pela globalização e por inovações tecnológicas.

Some-se a isso o predomínio do modelo econômico neoliberal, segundo o qual os mercados devem se autoregular, com a menor intervenção estatal possível. A competição entre os agentes econômicos aumentou de forma assustadora, chegando mesmo ao descontrole.

O papel do Estado - nação, segundo muitos pensadores, restou esvaziado, havendo quem dissesse haver verdadeira transferência da soberania estatal para as empresas multinacionais, que seriam as atuais detentoras do poder.

Ainda que se discorde dos entendimentos acima, uma coisa é inegável: para atingir níveis cada vez maiores de produção e lucratividade, muitas empresas enveredaram por caminhos inadequados, muitas vezes sem a devida observância a normas de diversos ramos do Direito. As chamadas “práticas comerciais desleais”, entre as quais se inclui o dumping social, reguladas e coibidas principalmente pela Organização Mundial do Comércio (OMC), não se restringem ao mercado, às questões de concorrência, por exemplo.

Muitas vezes, como já salientado, há o desrespeito a normas gerais, importantíssimas para a sobrevivência humana, como regras de preservação do meio ambiente, com emissão de poluentes em níveis alarmantes, devastação de florestas inteiras, contaminação de águas, entre muitos outros casos. Além disso, ocorre também o desprezo aos padrões mínimos da dignidade humana, com imposição de jornadas de trabalho exaustivas, remuneração ínfima, que não garante ao menos a subsistência do trabalhador e de sua família, a adoção de mão-de-obra infantil e escrava.

Como restará demonstrado, em todos os casos apontados há patente desrespeito aos Direitos Humanos, rol de garantias mínimas erigidas a valores fundamentais a serem tutelados e observados por todos, principalmente após os horrores da Segunda Guerra Mundial. É consternador, pois, verificar que em pleno Século XXI ainda são impingidos aos seres humanos sofrimentos imensuráveis.

Para fomentar o debate acerca desse tema, nos propomos, dentro dos singelos limites do presente trabalho, coligir os pontos primordiais à correta compreensão do que seja o dumping, e, mais especificamente, o dumping social, assim como sua estreita relação com o Direito Internacional do Trabalho, visto que o desrespeito aos direitos trabalhistas é uma das formas mais flagrantes dessa prática comercial desleal.

Em um primeiro momento, serão traçados os conceitos de Sweatshop e dumping social, a fim de que se possa delimitar adequadamente o tema. Em seguida, procuraremos demonstrar que o aviltamento do trabalhador, em suas mais diversas formas, caracteriza prática comercial desleal e como tal deve ser coibida, assim como deve ser encarado como desrespeito aos Direitos Humanos.

Posteriormente, passará a ser esquadrinhada a ideia do desenvolvimento integral, o qual, segundo a Organização dos Estados Americanos, corresponde a um conjunto de políticas que trabalham em prol do desenvolvimento sustentável nos países desenvolvidos e subdesenvolvidos.

Ao final, estudaremos possíveis formas de coibir essa situação e os problemas por ela gerados, a fim de que sejam respeitados os Direitos Humanos e também o direito à livre concorrência, analisando precipuamente os benefícios de uma ação conjunta entre a Organização Mundial do Comércio e a Organização Internacional do Trabalho.

Por se tratar de um estudo descritivo e exploratório, será realizado com base na pesquisa bibliográfica e histórica, utilizando por vezes do método dedutivo e outras o indutivo, principalmente nas críticas e reflexões acerca dos textos normativos.


1.Conceito de Sweatshop

Em um mundo com o mercado desregulamentado como o atual, os países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento fazem o possível para atrair investimentos estrangeiros e mantê-los. Em nome dessa competitividade, concedem benefícios fiscais astronômicos e são mesmo capazes de flexibilizar e sacrificar os direitos trabalhistas duramente conquistados.

Os únicos agentes que realmente lucram com essa prática são as empresas multinacionais, que transportam os seus meios de produção para os países que apresentarem os menores custos e as maiores benesses, não importando o rastro de desrespeito aos direitos humanos que deixam no caminho. No exato instante em que os países decidem a adotar medidas protetivas ao trabalhadores, essas mesmas empresas transferem-se para outro local, onde o custo seja menor. E assim sucessivamente.

Esse reiterado desrespeito aos direitos trabalhistas levam a uma prática deletéria, denominada de sweatshop. “As características de sweatshop são assim definidas: jornada de trabalho de dez a doze horas, com horas extraordinárias forçadas; trabalho desenvolvido em condições inseguras e desumanas (inclusive exposição a produtos químicos); punição pelas falhas mais insignificantes; alojamentos trancados; média salarial inferior ao necessário para a sobrevivência; exigência excessiva de horas extraordinárias sem remuneração; sistemático assédio moral e / ou sexual dos trabalhadores pelos empregadores; e / ou a impossibilidade de os empregados se organizarem. Frequentemente o trabalho é realizado em locais trancados, em que guardas armados encontram-se nos portões, evitando a entrada ou saída durante as horas de trabalho. Muito embora muitas crianças trabalhem de seis dias a uma semana em fábricas, normalmente trabalham em unidades subcontratadas ou à domicílio; os adultos, por sua vez, tendem a trabalhar nas fábricas de produção em larga escala. (...).”1

Atualmente, esses países que compactuam com o sistemático desrespeito aos direitos dos trabalhadores deixam de ser vistos como vítimas e passam a ser encarados como vilões, como ameaças ao livre comércio.O presente quadro foi brilhantemente retratado por Antônio Galvão Peres: “...se adotou um modelo em que há certa liberdade de mercados, mas insignificante liberdade individual. As relações de trabalho flertam com o liberalismo típico do início da Revolução Industrial, mas, paradoxalmente, isto ocorre sob o manto do Estado, que intervém a favor da produção, segundo a lógica do dumping social”.2

1.1.Sweatshop: modalidade de dumping social

Dumping é uma prática comercial onde um produtor passa a vender os seus produtos a um preço muito abaixo do praticado usualmente no seu país de origem ou no país para onde está exportando, minando, com isso, a concorrência, conquistando a maior parte do mercado, quando não o seu monopólio. Em alguns casos, o produto pode ser vendido até mesmo a um preço abaixo do custo de sua produção. Posteriormente, quando já domina o mercado, o mesmo produtor passa a praticar preços mais altos, por vezes exorbitantes, conseguindo, assim, reverter o prejuízo que possa ter sofrido em um primeiro momento.

Seria, em termos simples, a prática de preços desleais, a fim de causar danos à concorrência, ocorrendo apenas em relações comerciais internacionais. Não é possível tal prática entre empresas de um mesmo país. Ainda que sua aplicação, e conseqüente tolhimento, sejam razoavelmente recentes, remontando ao início do século XX, já no século XVI tinha-se notícia que industriais ingleses reclamavam da entrada de papel a preços lesivos à incipiente indústria nacional de celulose.3 As primeiras regulamentações antidumping ocorreram nos Estados Unidos, aonde o primeiro estatuto antidumping estadunidense (Antidumping Act) veio a lume em 1916.

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Em um primeiro momento, as medidas antidumping eram consideradas formas de exacerbadas de protecionismo, inviabilizando o livre comércio entre as nações. Ocorre que, com o tempo, verificou-se que o dano maior era causado justamente por essa prática comercial danosa à indústria nacional e considerada desleal. Ao praticar preços muito abaixo dos comumente exercidos, o produtor prejudica o país no qual a medida é implementada, afastando investimentos e gerando anacronismos no mercado, com a incorreta distribuição de riquezas. Os preços artificialmente reduzidos são ainda mais prejudiciais aos países em desenvolvimento, onde os meios de produção ainda engatinham e não têm fôlego sequer para a concorrência internacional justa, quanto mais para a injusta ou desleal.

Os danos são muitos, sendo certo que a prática do dumping pode devastar uma indústria em poucos meses, principalmente no ramo da alta tecnologia, onde a demanda por novidades é muito grande e a concorrência imensa, sendo certo que o desenvolvimento de novos produtos e tecnologias demanda um aporte de recursos e um lapso temporal que nem todas as unidades produtivas são capazes de suportar.

Com a onda de abertura dos mercados ocorrida nas décadas de 1980 e 1990, gerada, em grande parte, pela redemocratização da América Latina e pelo fim da União Soviética, a incidência de dumping aumentou. Segundo explica Guilherme Johannpeter, “...dumping é bastante propenso a ocorrer quando a empresa é a única, ou uma das únicas vendedoras daquele produto no seu mercado doméstico, sendo ainda protegida por barreiras naturais ou artificiais de comércio.[...] É interessante ressaltar que esta prática de dumping é somente possível em relação a uma empresa com seu mercado doméstico protegido ou usufruindo situação de monopólio, e não por discriminação internacional de preços. Neste caso extremo, o comportamento indesejável dos fatores econômicos encontra-se no alto preço do mercado interno, e não na exportação abaixo do valor normal”.4

Esse quadro costuma imperar em economias mais fechadas, com grande proteção à indústria nacional. Ao constatar referidas distorções, é necessário levar em consideração o caso concreto, o tamanho do país em questão, o seu grau de desenvolvimento e o real aporte de sua economia. Sendo um país em vias de desenvolvimento, com indústria ainda incipiente, medidas protetivas são requeridas e não necessariamente constituem práticas comerciais desleais. Por outro lado, sendo uma economia desenvolvida, com seu potencial industrial altamente evoluído, a situação será diferente.

A aferição do dumping se dá através da comparação de dois elementos: o preço de exportação do produto para o país importador e o preço de produto similar no mercado de origem ou de exportação, sendo este considerado como “valor normal”.5 Com base nesses dados, será fixada a margem de dumping, isto é, a discrepância entre o valor normal e o preço de exportação. Essa é uma etapa deveras importante, pois eventual medida antidumping terá seu limite máximo fixado pela margem de dumping, É necessária, ainda, a comprovação de dano à indústria nacional, que seja causado pela importação dos produtos objetos de preços desleais.

Uma das medidas antidumping mais disseminada é a de cunho tarifário, como, por exemplo, o aumento do imposto de importação, a fim de barrar a entrada de produtos estrangeiros e, ao mesmo tempo, forçar o aumento do preço praticado com o incremento da carga fiscal. Também é possível a fixação de cotas máximas de importação, objetivando reduzir a quantidade de produto importado.

Além do dumping normalmente praticado, acima delineado, há tipos secundários, por assim dizer, mas nem por isso menos lesivos, entre os quais podemos citar:

- Dumping estrutural: quando há excesso de oferta de um produto no mercado interno, sendo tal excedente exportado por um preço por vezes diminuto. Decorre da própria estrutura do mercado analisado, quando o estoque do produto é muito grande e a demanda insuficiente;

- Dumping ambiental: também denominado dumping ecológico, ocorre quando o preço convidativo é viabilizado pela não-conservação ou mesmo destruição do meio ambiente, com o uso de produtos não-recicláveis, sem a preocupação de utilizar energias “limpas” e diferentes meios de evitar a poluição, entre outros. Comumente se dá em países cuja legislação é permissiva, sem um regramento eficiente para coibir a devastação ambiental;

- Dumping tecnológico (ou produtivo): países desenvolvidos, detentores das mais modernas tecnologias, utilizam essa vantagem para diminuir a mão-de-obra utilizada e otimizar o processo de fabricação, diminuindo, assim, o preço de custo;

- Dumping social: aqui a vantagem é obtida pela falta de regulamentação adequada das garantias trabalhistas ou pelo desrespeito a elas, quando existentes. Dá-se, geralmente, em países pouco desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento, que em função da economia mais pobre possui excedente de mão-de-obra, via de regra mal-remunerada. Nesses casos, ainda que haja uma legislação trabalhista eficiente, capaz de consagrar direitos trabalhistas mínimos, como no caso do Brasil, a população se submete a trabalhar em condições precárias, dada a dificuldade em encontrar um posto de trabalho.

Conforme procuraremos demonstrar no decorrer do presente trabalho, os direitos trabalhistas são, em última análise, direitos humanos, uma vez que viabilizam o alcance a outros direitos essenciais à subsistência humana, como moradia, alimentação, entre outros. Diante disso, urge que esses direitos sejam observados e garantidos.

Nos países desenvolvidos, onde as garantias laborais são mais numerosas e respeitadas, é flagrante o aumento do desemprego da população. Em parte porque as empresas, supostamente para diminuir os custos operacionais, deslocam-se para países mais pobres, onde o rol das citadas garantias é menor, quando não inexistente. Por outro lado, a imigração de pessoas oriundas de países em desenvolvimento aumenta a concorrência por postos de trabalho nos países ricos, sendo que os imigrantes sujeitam-se a trabalhar por salários menores, durante jornadas maiores e em condições aviltantes.


2.A ideia do desenvolvimento integral

Interessante como pequenas diferenças terminológicas guardam em si tamanhas diferenças conceituais. Em uma primeira e rápida leitura pode-se ter a impressão de serem as expressões “direito ao desenvolvimento” e “direito do desenvolvimento” sinônimas. No entanto, ao se analisar detidamente, percebe-se que são termos distintos, ainda que complementares.

Explica Vladmir Oliveira da Silveira 6 que o direito ao desenvolvimento é o direito que cada indivíduo possui de atingir a plenitude em todos os planos de sua vida, tendo respeitados e garantidos seus Direitos Humanos fundamentais. Abarca a ideia de integração e concreção da dignidade da pessoa humana, atuando na qualidade de cobertura ético-jurídica dos distintos Direitos Humanos.

O direito do desenvolvimento, por sua vez, é titularizado pelos Estados, correspondendo às normas jurídicas cujo escopo é garantir as conquistas existentes e reconhecidas oriundas dos Direitos Humanos. Constitui um direito oponível à comunidade internacional, que deverá respeitar e possibilitar que esse direito dos países seja concretizado.

Impende ressaltar que o objetivo do direito do desenvolvimento é estabelecer padrões de vida para uma determinada sociedade, já que ele é composto por regras que versam sobre políticas econômicas sociais e culturais, implicando mudanças no arcabouço da ordem jurídica, tanto nacional como internacionalmente.

Mário Bunge, citado por Vladmir Oliveira da Silveira, aponta que o desenvolvimento aqui abordado apresenta pelo menos cinco concepções: a social, a econômica, a política, a cultural e a integral. 7

A concepção social será fundadora de todas as demais, já que para se superar o desenvolvimento deve-se adotar uma concepção correta da sociedade. Esta seria sintetizada por pontos parciais do biologismo, da economicidade, do politiquismo e culturalismo.

Diz-se que a concepção econômica, por seu turno, identifica o desenvolvimento com o crescimento econômico, o que se costuma corresponder à industrialização. Importante se ter em mente que esta pode ser uma concepção perigosa, já que muitas vezes em prol do desenvolvimento econômico se impõe sacrifícios a direitos individuais, civis, culturais e até políticos.

A concepção política, por sua vez, reside na expansão da liberdade, no efetivo aumento e progressiva afirmação dos Direitos Humanos e políticos. Impõe que o Estado, para ser desenvolvido, não deve ser mínimo ou total, mas sim o necessário, o apto a entregar aos indivíduos e aos entes econômicos as prestações requeridas para que o desenvolvimento seja atingido em diferentes âmbitos.

Já a concepção cultural iguala os seres humanos em relação ao desenvolvimento da cultura e a difusão da educação, garantido a todos os aspectos culturais e educativos.

Ainda que essas concepções isoladamente sejam importantes, não são suficientes para se apreender o conceito de desenvolvimento. O desenvolvimento autêntico e necessário deve ser integral, pois ele é o corolário, a culminação das quatro concepções anteriormente apresentadas.

A concepção integral de desenvolvimento será atingida com a efetivação nos dois planos aqui expostos: no individual, com o direito ao desenvolvimento, e no coletivo, com o direito do desenvolvimento. Entendemos que o direito internacional do trabalho é o meio hábil para se materializar o direito ao desenvolvimento, por ser por meio do trabalho que o indivíduo concretiza suas potencialidades e encontra seu lugar no seio da sociedade.

O direito internacional econômico, por outro lado, apresenta-se como o recurso ideal para concretizar o direito do desenvolvimento, por este estar intimamente ligado ao comércio internacional. Com isso, poder-se-á posicionar os países menos desenvolvidos receptores dos auxílios da comunidade internacional para responder as condições impostas pelos doadores, apontando as obrigações internacionais de Direitos Humanos assumidos pelos países desenvolvidos para o gozo dos direitos resistindo à imposição de um modelo político ou econômico determinado.

Os Direitos Humanos foram divididos metodologicamente em diferentes gerações ou ondas. Tal divisão gera controvérsias, mas a discussão de tal polêmica escapa aos estreitos limites do presente trabalho. Para o fim a qual nos propomos, importa saber que o Direito do Trabalho, estando consagrado no rol dos Direitos Sociais, estaria incluído nos chamados Direitos Humanos de segunda geração.

Conforme ensina Francisco Rezek, “Esse direito tem a ver basicamente com as condições do trabalho, com a retribuição do trabalho humano, com o ajuste a esse tipo de relação – que se presume desigual – de diversos princípios gerais do Direito, como o da isonomia”. E continua: “os de segunda geração são (...) os que têm a ver com o direito ao trabalho, à igual remuneração por igual trabalho, às condições de associação sindical, à liberdade sindical, ao repouso, à proibição de formas de trabalho não condizentes com a dignidade humana ou com as condições especiais de certas categorias de pessoas”.8

O Direito Internacional do Trabalho possui inegável importância na tutela dos direitos e garantias destinados aos trabalhadores, em geral a parte mais frágil em uma relação jurídica da qual retiram os meios para sua subsistência. Essa importância é, inclusive, histórica. Tal ramo da ciência jurídica foi consagrado no plano internacional pela criação da Organização Internacional do Trabalho que, juntamente com o Direito Humanitário e com a extinta Liga das Nações, contribuiu para o processo de internacionalização dos Direitos Humanos.9

A OIT é o verdadeiro marco de nascimento e consagração do Direito do Trabalho. É interessante notar que antes de sua criação as normas trabalhistas eram poucas, esparsas e tímidas. Foram as suas convenções que inspiraram e nortearam a criação e a consolidação de leis protetivas ao obreiro em grande número de países. Curioso também é que o Direito do Trabalho, além de ter nascido internacional, também nasceu constitucional. As primeiras normas nacionais a consagrarem relevante rol de direitos trabalhistas foram a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919.

Hoje vivemos uma espécie de globalização também dos Direitos Humanos, aí incluído o Direito do Trabalho. É o que muitos chamam de Direitos Humanos Universais, isto é, parte integrante do jus cogens internacional10, reconhecidos como válidos e aplicados pela maioria dos povos. Isso é bastante perceptível no ramo trabalhista, onde muitos países adotam os critérios mínimos de proteção apontados pela OIT como sustentáculos para a incipiente – quando não inexistente – legislação interna. Importante ressaltar, assim, que ainda que o Direito Internacional do Trabalho seja aplicável a todos os países, desempenha papel preponderante nos países em desenvolvimento. 11

A garantia dos Direitos Sociais aos trabalhadores é fundamental, não podendo ser dissociada da proteção dos obreiros como seres humanos. “O trabalhador tem duas classes de direitos humanos: os direitos trabalhistas específicos (...) e os demais direitos do cidadão, inespecíficos, não específicos do trabalhador, mas que ele conserva, como cidadão, na relação de trabalho.

“Claro, o exercício desses direitos – liberdade de expressão, direito à intimidade, dignidade da pessoa humana, direito à saúde – pode ser modelado, adaptado a uma relação de subordinação na relação de dependência, na relação de pertinência a uma organização produtiva, mas existe”. 12

Eis a real dimensão da necessidade da consagração dos direitos trabalhistas na esfera dos Direitos Humanos. Insta que o trabalhador seja protegido também como cidadão que é, evitando que a energia por ele despendida seja tratada cinicamente como mera mercadoria. Não podemos esquecer que atrás da mão-de-obra contratada, que atrás do serviço prestado, existe um ser humano, titular de direitos indisponíveis, que por todos devem ser observados, inclusive pelos Estados.

Em um mundo de capitalismo internacional complexo, os trabalhadores têm que ser protegidos não só dos desmandos de empregadores, mas também do Estado, que na ânsia de atrair investimentos estrangeiros pode passar por cima das garantias trabalhistas, praticando o chamado dumping social.13

No chamado dumping social a vantagem comercial indevida é obtida pela falta de regulamentação adequada das garantias trabalhistas ou pelo desrespeito a elas, quando existentes. Dá-se, geralmente, em países pouco desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento, que em função da economia mais pobre possui excedente de mão-de-obra, via de regra mal-remunerada. Nesses casos, ainda que haja uma legislação trabalhista eficiente, capaz de consagrar direitos trabalhistas mínimos, como no caso do Brasil, a população se submete a trabalhar em condições precárias, dada a dificuldade em encontrar um posto de trabalho.

Nesse quadro, ganha imensa relevância a consagração dos princípios da dignidade da pessoa humana14, da segurança jurídica e a proibição do retrocesso social. Este último, além de ser cláusula pétrea do Brasil, é garantido pelo artigo 2.1 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

Não é possível vislumbrar a efetiva garantia e proteção dos direitos dos obreiros se os instrumentos que os consagram são vistos como diplomas legais de conteúdo programático. A Constituição e os Tratados Internacionais não são apenas normas enunciativas, mas sim as fontes supremas a serem observadas na interpretação e na aplicação do Direito do Trabalho. Não devem ser enunciados pairando no ar, com papel meramente abstrato. Devem desempenhar efetiva função balizadora.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ABREU, Fernanda Miranda. O custo do sweatshop como prática de comércio desleal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3952, 27 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27948. Acesso em: 29 mar. 2024.

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