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O Defensor do Povo (Ombudsman)

19/01/1997 às 00:00
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No propósito de alargar as atribuições ministeriais e promover a cidadania, vamos encontrar no inciso II do art. 129, da CF, o encargo de Ombudsman ou Defensor do Povo, impondo ao Ministério Público o zelo pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, com a obrigação de promover as medidas necessárias a sua garantia.

Vê-se, que a Constituição não utilizou o termo ombudsman, convencionalmente chamado de Defensor do Povo. Todavia, a destinação ínsita no dispositivo constitucional acima, dá-lhe essa natureza, independentemente da denominação que receba. Em verdade, tecnicamente o texto constitucional é falho, pois nos incisos de um artigo pincela os atributos do ombudsman, mas no caput não o especifica.

Vale ressaltar, que no Brasil, a preocupação e o interesse em relação ao controle da Administração Pública deram azo a inúmeros debates doutrinários, que desembocaram na Assembléia Nacional Constituinte de 1987/1988, na proposta de criação da figura jurídica do Ombudsman.

A inspiração da proposta de criação da Defensoria do Povo teve como fontes imediatas os precedentes da Constituição espanhola de 1978 (que instituiu a figura de el defensor del pueblo, em seu art. 54) e da Constituição portuguesa de 1976, revista em 1982 (que acolheu o provedor de justiça, arts. 24 e 23, respectivamente).

Ocorre, porém, que, “nos trabalhos da Constituinte, (...) confiou ela na instituição do Ministério Público, já organizada em carreiras em todo o País: melhor seria carrear-lhe as funções e os instrumentos para que assumisse novos e relevantes encargos, totalmente compatíveis com sua própria destinação. Conferiu-lhe, pois, notável crescimento, especialmente quanto às suas funções. Embora sem tornar-lhe evidentemente privativa a defesa dos direitos nela assegurados, conferiu ao Ministério Público a tarefa do defensor do povo, ainda que desta expressão não se tenha valido (CR, art. 129, II) (grifei)” (Hugo Nigro Mazzilli, “Manual do Promotor de Justiça”, Ed. Saraiva, 2ª ed., 1991, p.113).

Não se reconhecia, à época, a necessidade de criação de novos organismos burocratizados do Estado para o mister de defensor do povo, cabendo naturalmente a função de ouvidor ou de defensor do povo ao próprio Ministério Público, já organizado em carreira em todo o País.

Com efeito, o parquet está devidamente estruturado para o exercício dessa atribuição, mormente através do atendimento ao público.

O instituto jurídico do ombudsman incorporado pelo Ministério Público (CF, art. 129, II), tem sua máxima função no controle, por assim dizer, dos diversos controles (parlamentar ou político, administrativo e judiciário), atinente aos três Poderes, sobretudo ao Poder Executivo (Administração Pública). Em miúdos, objetiva remediar lacunas e omissões, bem como, assegurar que os Poderes Públicos respeitem as regras assentadas e não se imiscuam nos direitos e liberdades públicas dos cidadãos.

A referência à expressão “Poderes Públicos”, no preceptivo constitucional (art. 129, II), foi utilizada para acentuar a existência dos órgãos Executivo, Legislativo e Judiciário (denominados “Poderes Constituídos”), visto que, o Poder, em seu aspecto substancial, é uno e indivisível.

Os três “poderes” realizam respectivamente controles específicos: 1- controle administrativo; 2- controle judiciário; 3- controle político. Estas espécies de controle, todavia, apresentam entre si separação excessivamente rígida e insuficiências.

O controle parlamentar da Administração, por sua natureza política, sempre deixa de penetrar em várias zonas cinzentas, não previstas pelos textos legais, bem como não penetra em situações concretas de omissividade ou negligência dos agentes públicos. O controle jurisdicional é também insuficiente, por sua natureza casual e individualizada, porquanto depende de provocação de parte interessada. O controle administrativo interno, por sua vez, exatamente por remanescer ao alvedrio de autoridades públicas da Administração ativa, é freqüentemente menosprezado, quando não solapado.

Em função, exatamente, da insuficiência dos diversos controles, fez-se necessário o surgimento de um órgão que se encarregasse do controle residual, buscando associar as vantagens das diversas espécies de controle.

Há situações em que não é cabível o exercício legal de qualquer espécie de controle, seja parlamentar, judicial ou administrativo, precisamente porque há casos concretos, de natureza discricionária, que refogem a qualquer dos tipos de controle interno ou externo: para tais casos concretos, o contrasteamento jurídico, somente pode ser realizado eficazmente por intermédio do Ombudsman.

O ouvidor do povo supre e supera a rigidez granítica, a limitação e as deficiências eventuais das outras espécies de controle.

Nessa relevantíssima função, entre outras providências, deve o Ministério Público empreender firme combate à violação da ordem social e dos direitos humanos, adotando, por exemplo, as seguintes providências, que também constituem meios de atuação:

1 — buscar seja dado real atendimento nos hospitais e postos de saúde;

2 — fiscalizar a existência de vagas nas escolas;

3 —cuidar das condições em que se encontram os presos;

4 — receber petições, notícias de irregularidades, reclamações ou representações de qualquer pessoa ou natureza, por desrespeito aos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual;

5 — instaurar e presidir sindicâncias e Inquéritos Civis Públicos para apuração dos fatos e postulações que lhes sejam apresentados, promovendo inspeções e auditorias em órgãos públicos, quando houver indício de prática de conduta delituosa, notadamente atos de improbidade, ou quando for conveniente à apuração dos fatos; neste mister, pode, ainda, requisitar meios materiais e servidores públicos, por prazo razoável, para o exercício de atividades técnicas ou especializadas;

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6 — promover diligências e requisitar informações e documentos de quaisquer dos Poderes, órgãos ou entidades, no âmbito estadual e municipal, bem como de concessionários ou permissionários de serviço público estadual ou municipal, e ainda entidades que exerçam função delegada do Estado ou Município, ou executem serviços de relevância pública, podendo os membros do parquet dirigir-se diretamente a qualquer autoridade;

7 — expedir notificações e requisitar o auxílio dos órgãos de Segurança Pública, para garantia do cumprimento de suas atribuições;

8 — promover seminários e campanhas de conscientização dos servidores públicos e da comunidade no sentido de que todos se engajem na fiscalização dos órgãos públicos e serviços de relevância pública, pugnando pelo respeito aos princípios de legalidade e moralidade administrativa;

9 — realizar audiências públicas com entidades da sociedade civil ou seus representantes legais;

10 — propor a adoção de medidas de caráter administrativo, visando ao aprimoramento e saneamento do serviço público;

11 — manter contatos com entidades e organismos que tenham por finalidade o combate a atos de corrupção e de improbidade administrativa, objetivando o estabelecimento de linhas de atuação conjunta e de mecanismos de apoio recíproco (cf. Res. n. 529, de 10.12.92, da PGJ-RJ).

12 — sugerir ao poder competente a edição de normas e a alteração da legislação em vigor, bem como a adoção de medidas propostas, destinadas à prevenção e controle da criminalidade, como, ainda, para adequá-las a eventuais direitos assegurados constitucionalmente (cf. art. 26, VII, da Lei nº 8.625/93 - LONMP).

Comensurando-se as colocações acima, fácil é concluir que o Direito vivo não é composto de normas, mas antes de realidades sociais normatizadas ou antes, é valor incorporado em regra, cada qual com sua própria identidade. E o Ministério Público como guardião da ordem jurídica e do regime democrático deve amoldar-se a tais balizamentos para incorporar verdadeiramente esse perfil de ombudsman que leh foi conferido pela Constituição Federal.

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Sobre o autor
João Gaspar Rodrigues

Promotor de Justiça. Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Cândido Mendes/RJ. Membro do Conselho Editorial da Revista Jurídica do Ministério Público do Amazonas. Autor dos livros: O Ministério Público e um novo modelo de Estado, Manaus:Valer, 1999; Tóxicos..., Campinas:Bookseller, 2001; O perfil moral e intelectual do juiz brasileiro, Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris, 2007; Segurança pública e comunidade: alternativas à crise, Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris, 2009; Ministério Público Resolutivo, Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris, 2012.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, João Gaspar. O Defensor do Povo (Ombudsman). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 5, 19 jan. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/280. Acesso em: 28 mar. 2024.

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Este texto é o quarto e último de uma série sobre o tema: O Ministério Público: princípios, atribuições eseu posicionamento no ordenamento jurídico brasileiro.

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