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A aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às relações entre clientes e instituições bancárias

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01/07/2002 às 00:00
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4.CONCEITO DE PRODUTO

Segundo o § 1º do art. 3º, produto é qualquer bem móvel ou imóvel, material ou imaterial. Num primeiro momento parece que o CDC se refere em seu significado mais amplo. Porém, faz-se imperioso salientar que o Código na verdade se reporta aos bens que possuem natureza patrimonial e são objeto de direito subjetivo.

Portanto fica claro que outros bens como o direito ao nome, estado civil, etc., não estão sob a tutela do CDC, porquanto não possuem apreciação econômica.

Em suma, para o CDC, produto é qualquer bem objeto da relação de consumo.

Quanto à divisão dos produtos em móveis ou imóveis, materiais ou imateriais, ensina Eduardo Gabriel Saad [10]: "São, portanto, empresas fornecedoras aquelas que têm por finalidade comprar e vender imóveis que são coisas que se não podem transportar sem destruição para outro lugar, compreendendo o solo, o que nele se incorpora permanentemente, os objetos usados na exploração industrial do imóvel, no seu aformoseamento, ou destinados a torná-los mais cômodo".

O art. Do Código Civil classifica os imóveis de duas maneiras, a) por sua natureza e b) por ficção legal.

Bens móveis são as coisas susceptíveis de movimento próprio ou de remoção por força alheia (art. 47 do CC). Definem-se como bens corpóreos, entre os quais se encontram os semoventes e os móveis em sentido estrito ou coisas inanimadas.

Dividem-se os bens móveis da seguinte forma: a) por sua natureza; b) por um ato de vontade e c) por imposição legal.

Continuando seus ensinamentos, Eduardo Gabriel Saad [11] escreve que "bem incorpóreo ou imaterial é aquele de caráter abstrato ou ideal ao qual a lei atribui valor econômico, como, por exemplo, a propriedade literária ou científica, o gozo de uma patente ou marca".

4.1. Produto de Natureza bancária

Antônio Carlos Efing, escreve que, "especificamente, quanto à conceituação de produto, no que diz respeito aos contratos bancários, a jurisprudência já se manifestou no seguintes termos: ‘o conceito de consumidor por vezes se amplia, no efeito das práticas comerciais e da proteção contratual, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas, determináveis ou não, expostas as práticas nele previstas. O CDC rege as operações bancárias, inclusive de mútuo ou de abertura de crédito, pois relações de consumo. O produto da empresa de banco é o dinheiro ou o crédito, bem juridicamente consumível, sendo, portanto, fornecedora; e consumidor o mutuário ou creditado. Sendo os juros o preço pago pelo consumidor, nula cláusula que preveja alteração unilateral do percentual prévia e expressamente ajustado pelos figurantes do negócio. Sendo a nulidade prevista no art. 51 do CDC da espécie pleno iure, viável o conhecimento e a decretação de ofício, a realizar-se tanto que evidenciando o vício (art. 146 do CC). É nula a cláusula que impõe representante para emitir ou avalizar notas promissórias (art. 51, VIII, do CDC). Objetivando a desconstituição de cláusulas, em homenagem ao princípio da congruência, deve a sentença ater-se ao pedido. Sentença parcialmente reformada (Ap. 193051216, Sétima Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado do Rio Grande do Sul, rel. Juiz Janyr Dall’ Agnol Júnior).’

Assim sendo, também através da conceituação de produto pode ser vislumbrada a relação de consumo entre os bancos fornecedores e sua clientela de consumidores".


5.CONCEITO DE SERVIÇO

Serviço, segundo o dicionário, é ato ou efeito de servir; desempenho de qualquer trabalho, emprego ou comissão.

Já o § 2º do art. 3º do CDC dispões que serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes de relações de caráter trabalhista.

Singelamente, José Cretela Júnior [12] esclarece que "serviço é a ação de servir", todavia o conceito de servir não se exaure neste aspecto singular.

Eduardo Gabriel Saad [13], conceitua serviço dizendo "é, enfim, uma atividade humana que, na ótica do CDC, exerce-se sem vínculo empregatício e, de conseguinte, com autonomia, mas sempre remunerada, pois o serviço gratuito escapa à regulamentação legal".

É importante frisar que o serviço hipoteticamente gratuito, que na verdade recebe uma remuneração indireta ou embutida em outros custos está submetido às normas de proteção estabelecidas pelo CDC.

Diz ainda o mesmo autor: "na esfera pública, há serviços que se incluem entre aqueles regulados por este código.

Merecem destaque os serviços prestados ao público e em obediência a uma tarifa.

Tais serviços (energia elétrica, água, esgoto, limpeza pública, operações portuárias, etc.) são prestados diretamente pelo poder público ou por intermédio de concessionários.

Despiciendo frisar que o imposto pago pelo contribuinte tem por finalidade financiar as atividades fundamentais do Estado. Essa relação jurídica contribuinte-poder público é estranha ao campo de incidência das disposições deste Código.

Entretanto, o mesmo não dizemos quando a taxa estiver subjacente a essa relação.

Para bem esclarecer nosso pensamento sobre esse ponto, começamos pelos conceito de taxa do Código Tributário Nacional:

"Art. 77 – As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelos distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.

Parágrafo único. A taxa não pode Ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a imposto, nem ser calculada em função do capital das empresas.

Pressupõe-se, portanto, que há um serviço à disposição do público onde e quando houver exigência de pagamento de taxa.

Por oportuno, realçamos que o artigo sob comento coloca, entre os fornecedores, as pessoas jurídicas de direito público interno.

Apontando na direção dessas observações, vemos o caso das contribuições previdenciárias. Uma corrente de opinião sustenta terem elas caráter tributário e outra nega-lhes esse caráter.

Quanto a nós, entendemos ser uma taxa o que o segurado-empregado paga ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.

De fato, devido a esse pagamento adquire ele o direito a certos benefícios e serviços. Estes são a contrapartida da contribuição. Desenha-se, assim, uma relação de consumo.

Como salientamos no que tange ao fornecedor de produtos ou de bens materiais, o prestador de serviços sujeito às disposições do CDC é aquele que tem como profissão o exercício de quaisquer atividades, entre elas, as de natureza bancária, de crédito e securitária.

O prestador de serviço, como espécie do gênero fornecedor, também pode ser pessoa física ou jurídica.

Ocioso dizer que a empresa, quando aparece como consumidor de serviços autônomos, deve Ter a cautela de escolher profissional ou sociedade de profissionais que estejam em condições de responder por eventuais vícios ou defeitos do serviço prestado. Em se tratando de pessoa física, no caso, verificar se ela exerce a atividade como profissional e que não é um diletante que, de quando em vez, desempenha tal função.

Estamos em que o Código só considera fornecedor quem exerce, profissionalmente, a atividade de prestador de serviços.

O exercício de uma profissão, em seu seio, a idéia de continuidade, de permanência. Assim visualizado o prestador de serviços, fica excluído do campo de incidência das normas do CDC aquele que exerce essa atividade com intermitência, esporadicamente".

Quanto ao Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, não obstante calar-se a lei a esse respeito, existe, efetivamente uma prestação de serviços tutelada pelo CDC.

5.1. Serviço de natureza bancária

O Código de Defesa do Consumidor, ao tratar do tema em questão (serviço), fala expressamente em atividade de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária.

Destarte, resta evidenciado, que as atividades desempenhadas pelas instituições financeiras, quando envolvido a prestação de qualquer serviço a seus clientes (por exemplo, cobrança de conta de energia elétrica, água, expedição de extratos, concessão de empréstimos e outros serviços), estão, indubitavelmente, reguladas pelo CDC.


6.POSIÇÀO DOMINANTE

Doutrina e jurisprudência têm de forma pacífica a caracterização dos bancos ou instituições financeiras como fornecedores, estando destarte, sob a incidência do CDC.

Nelson Nery Júnior [14] "leciona que os bancos são comerciantes de produtos, conforme dispõe o art. 119 do Código Comercial, bem como o § 1º do art. 2º da Lei das Sociedades Anônimas e prestadores de serviços, de forma que serão considerados fornecedores para o CDC".

Nesse sentido, os usuários e adquirentes de serviços e produtos bancários, pessoas físicas ou jurídicas, estão sob a tutela do CDC, quer seja enquanto consumidores definidos no art. 3º, § 2º, quer enquanto consumidores comparados, definidos de acordo com art. 29.

Assim como toda regra possui sua exceção, a atividade bancária, em determinadas circunstâncias relacionadas especificamente ao co-contratante, também pode fugir a regulamentação do CDC.

Nesta esteira, Cláudia Lima Marquês [15] escreve "já observamos que a característica maior do consumidor é ser o destinatário final do serviço, é utilizar o serviço para si próprio. Nesse sentido, é fácil caracterizar o consumidor como destinatário final de todos os contratos de depósito, de poupança, e de investimento que firmas com os bancos. A dificuldade está na caracterização do consumidor, nos contratos de empréstimo, onde há uma obrigação de dar, de fornecer o dinheiro, que é bem juridicamente consumível. Nestes casos, a pessoa é destinatária final fática, mas pode não ser a destinatária final econômica. Por exemplo, um advogado que contrata o empréstimo de certa quantia para reformar o seu escritório ou o agricultor, para semente para plantar.

Nestes dois casos, o advogado e o agricultor são destinatários fáticos, mas o produto é insumo para alguma outra atividade profissional. Logo não poderiam recorrer, em princípio, à tutela do CDC. Observamos, porém, que o sistema do CDC é um sistema aberto, que trabalha com a técnica de equiparação de pessoas à situação de consumidor quando se constatar o desequilíbrio contratual e a vulnerabilidade (técnica, jurídica ou fática) da pessoa que contrata com o fornecedor. Parte da doutrina e jurisprudência defende a aplicação do CDC a estes contratos interempresariais.

Nesse sentido, podemos concluir que os contratos entre bancos e os profissionais, nos quais os serviços prestados estejam, em última análise, canalizados para a atividade profissional destas pessoas físicas (profissionais liberais, comerciantes individuais) ou jurídicas (sociedades civis e comerciais), devem ser regidos pelo direito comum, direito comercial e leis específicas sobre o tema. Só excepcionalmente, por decisão do Judiciário, tendo em vista a vulnerabilidade do contratante e sua situação equiparável ao do consumidor stricto sensu, serão aplicadas as normas especiais do CDC a estes contratos entre dois profissionais".

Os contratos bancários, em sua maioria, são por excelência, contratos de adesão, onde se utiliza condições gerais de contrato. Tal característica serve como indício de vulnerabilidade, cabendo, pois, ao Judiciário confirmar no caso concreto, se onde há fumaça há fogo.

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Adalberto Pasqualotto [16] leciona que "entre os serviços de consumos o CDC inclui expressamente (§ 2º do art. 3º) os de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária. A oposição desses setores econômicos ao dispositivo é manifesta. Embora o dinheiro, em sim mesmo, não seja objeto de consumo, ao funcionar como elemento de troca, a moeda adquire a natureza de bem de consumo. As operações de crédito ao consumidor são negócios de consumo por conexão, compreendendo-se nessa classificação todos os meios de pagamento em que ocorre diferimento da prestação monetária, como cartões de crédito, cheques-presente, etc.".

Esclarece José Geraldo Brito Filomeno, [17] que os investidores no mercado mobiliário não são considerados consumidores como com relação às instituições ou empresas que propiciam tal tipo de investimentos. Isto porque a Lei 7.913/89, previu ações específicas de ressarcimento a investidores, prevendo ainda a Lei 6.024/74, medidas acautelatórias quando se tratar de liquidação extrajudicial de instituições de crédito".

Discordando desta conclusão, James Marins, [18] sustenta que "as corretoras de valores mobiliários estão também enquadradas no conceito geral de fornecedores de serviços, mesmo porque empresas dessa natureza são pessoas jurídicas que desenvolvem atividade consistente na prestação de serviços fornecida mediante remuneração, no mercado de consumo". Em complemento, continua o autor, "há de se considerar, todavia, que o mercado de valores mobiliários e seus similares, ainda que rigidamente controlado pelos órgãos competentes (como por exemplo a CVM – Comissão de Valores Mobiliários, BMF – Bolsa Mercantil de Futuros, a BOVESPA – Bolsa de Valores do Estado de São Paulo e até mesmo commodities, que controla s aplicações no mercado de ouro), e com legislação específica como as Leis 7.913/89 e 6.024/74, não está isento da possibilidade de causar danos a aplicadores/consumidores, que seguramente poderão se socorrer das normas de Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que complementam, onde compatíveis, a disciplina das leis acima mencionadas".

Finalizando sua argumentação sobre o tema in comento, Cláudia Lima Marquês leciona, "conclui-se esta exposição, reiterando a importância alcançada no muno de hoje pelos contratos bancários e contatos de crédito. A jurisprudência dominante é pela aplicação das normas do CDC a estes contratos, pois, em regra, estão presentes consumidores como outro pólo da relação contratual, atuando como destinatários finais dos serviços, utilizando os serviços para o proveito próprio, de seu grupo social ou familiar. As regras do CDC encontrarão aplicação, também, em caso de vulnerabilidade comprovada do contratante, quando o contrato bancário inserir-se em sua atividade profissional, seguindo assim a orientação da jurisprudência brasileira, que já dedicava atenção aos contratos bancários e às cláusulas abusivas nele inseridas".

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Sobre o autor
Leone Trida Sene

Advogado em Uberaba- MG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SENE, Leone Trida. A aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às relações entre clientes e instituições bancárias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 57, 1 jul. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2996. Acesso em: 29 mar. 2024.

Mais informações

Monografia apresentada como avaliação final do curso de Especialização em Direito Empresarial, promovido pela Universidade de Uberaba em convênio com a Escola Superior de Advocacia.

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