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A notificação ao credor como forma de exoneração da fiança sem limitação temporal:

novas considerações

01/07/2002 às 00:00
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O tema epigrafado foi por nós abordado em 19982, quando em pesquisa encontramos o comentário do inesquecível mestre Clovis Bevilaqua sobre emenda aditiva que introduziu o dispositivo 1500 (fiança por prazo indeterminado, analisada a hipótese de prorrogação presumida da locação não residencial, disciplinada no parágrafo único do artigo 56 da Lei de Locações) ao Anteprojeto do Código Civil vigente, de sua autoria.

O Projeto foi aprovado e instituído o Código Civil através da promulgação da Lei nº 3.071, de 1.1.16, vigorando a partir de 1.1.17, até que, em 1975, sob a supervisão do não menos ilustre professor Miguel Reale, aportou na Câmara o Anteprojeto que instituiu, após décadas de tramitação, o novo Código Civil, agora sob a égide da Lei nº 10.406, de 10.1.2002, com vacatio legis ânua, assim como sua antecessora.

Alertada a possibilidade de sua ocorrência no escrito alhures mencionado, estamos, agora, efetivamente diante da significativa alteração do atual artigo 1500, que no novo diploma legal recebeu o número 835 e redação eliminando o quimérico ato amigável e a necessidade de acionar o Poder Judiciário para obter sentença declarando a exoneração do fiador (fiança despida de dies ad quem), como nos mostra o julgado abaixo(1) :

"Ainda que haja cláusula de duração da responsabilidade do locador até a concreta entrega das chaves, pode ele exonerar-se da fiança por sua conveniência se o contrato que ela incidir se indeterminar no tempo; mas para isso não basta apenas notificar o credor: terá de se valer de ação declaratória".

Toca-nos, desde o vislumbre da "possibilidade" (mesmo ainda antes de sua entrada em vigor, por que já promulgado), a preocupação com a aplicação/interpretação da norma, porquanto sabedores de que afetada restará a segurança dos contratos dessa natureza, mormente locatícios, nos quais prepondera a adoção de tal modalidade de garantia.

A súmula 214 do Tribunal da Cidadania (não referida no artigo de 1998 por que posteriormente editada), atribuindo maior valia ao artigo 1483 do Código Civil em vigor (disposição repetida no artigo 819 da nova lei substantiva civil), interpretou restritivamente a fiança celebrada nos contratos de locação, afirmando a indispensabilidade da anuência, ou seja, manifestação volitiva expressa, dos fiadores no sentido de aceitarem a prorrogação (extensão) de sua responsabilidade no aditamento ao pacto locacional e consagrou, por assim, o entendimento de que a fiança não se estende até a devolução do imóvel ("entrega das chaves"), conforme reza o artigo 39 da Lei do Inquilinato, refutando a alegação de "assentimento tácito" no aditamento.

Noutros tempos, porém, proclamou o colendo Superior Tribunal de Justiça(2) :

"Contrato de Locação por tempo indeterminado. Fiança subsistente. Cláusula após a entrega das chaves.

"Ocorrendo a prorrogação da locação por prazo indeterminado (parágrafo 1º, art. 46 da Lei 8.245/91), a fiança subsiste, porque os fiadores se obrigaram até a entrega real e efetiva das chaves do prédio locado".

Mutatis mutandis, já decidiu o Tribunal de Alçada Civil de São Paulo(3) :

"FIANÇA – Locação – Renovação por tempo indeterminado – Responsabilidade solidária do fiador que permanece – Encargo que só desaparece com a entrega das chaves.

A responsabilidade solidária do fiador até a entrega das chaves se estende além do termo do contrato, vigente ele, depois, por tempo indeterminado, e não se restringe aos alugueres e encargos da locação, sem que, com isso, se dê interpretação extensiva à fiança".

Interessante ressaltar, que alguns julgadores entendem como "termo certo", acaso assim previsto no contrato, a real e efetiva entrega das chaves, com isso assemelhando o ato material, físico (havido entre locador e locatário) da entrega das chaves (simbolizando o imóvel) ao término do prazo da avença, acreditando que este critério temporal está visceralmente ligado ao cumprimento daquela formalidade, consistindo, tanto um como outro, na limitação da fiança. Ousamos divergir desse entendimento, calcados em razão quase franciscana de que essa espécie de garantia fidejussória é, e sempre foi, delimitada pelo tempo fixado no contrato que a estipula ou, se acessória, pela vigência do contrato principal, aqui enfocado o de locação.

A doutrina de Nagib Slaib Filho acentuou(4) :

"Nos termos do art. 39 da Lei do Inquilinato, ‘salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel’, o que significa que entender-se-á que o garantidor se obriga não só pelo tempo determinado da locação como pelo tempo indeterminado e, até mesmo, pelo tempo excedente de locação, em decorrência de decisão judicial, até o imóvel ser entregue, salvo se, na estipulação da garantia, houver sido ajustado que haverá determinada limitação temporal".

Importa notar, que com o advento do novo Código Civil, a disposição inserida no referido artigo (39) da Lei nº 8.245/91 perde verdadeiramente a aplicação, em razão da norma contida na vigente Lei de Introdução ao Código Civil – Dec-Lei nº 4.657/42 -, que diz que " a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior " (artigo 2º, § 1º), soi-disant ocorra, igualmente, com a Lei nº 4.591/64, no que tange ao condomínio.

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Consabido, que a alteração do modus operandi da exoneração restabeleceu a essência do instituto fiança, ou seja, garantiu a possibilidade de, ante a modificação no sentimento de confiança na pessoa do afiançado (intuitu personae), eficazmente liberar-se o fiador da garantia assumida sem prazo final, ou, ultrapassado este, convolada em obrigação perpétua, assumindo feição penal o benefício concedido. Optou o legislador "atual" (assim como pretendeu o saudoso Clovis) por uma dinâmica maior na movimentação do garantidor, até então fadado a enfrentar o penoso caminho judicial (contencioso) para eximir-se da obrigação, conferindo-lhe a notificação para tal fim.

Diante disso, preocupa-nos sobremaneira a interpretação do dispositivo 835 da Lei nº 10.406/02, concernente ao relevante papel que assume, na medida em que a cientificação da exoneração do fiador, exteriorizada ao credor por meio de notificação, há de ser inequívoca e de, concomitantemente (remessa de outra via ou fotocópia), impelir o devedor, no caso das relações ex locato, o locatário, a indicar, durante o prazo de sessenta dias em que o fiador exonerado responderá pelos efeitos da fiança prestada, novo fiador idôneo (ou substituição da modalidade de garantia), mantendo-se, desse modo, o status quo da reciprocidade obrigacional (bilateralidade, equilíbrio pactual), evitando-se, por outro, o desfazimento da locação em decorrência da prática de infração à lei (e quase sempre também convencional), qual seja a inobservância, pelo locatário, do disposto no artigo 40, IV, da Lei Inquilinária. O devedor, in casu o locatário, possui interesse em receber a notificação da exoneração do fiador, para providenciar, imediatamente, novo garante de sua obrigação, ilidindo a rescisão do contrato de locação e o conseqüente decreto desalijatório.

Por último, vale citar o ensinamento de João Carlos Pestana de Aguiar(5) :

" O contrato de fiança deve ser interpretado restritamente (fideijussio est strictissimi juris). Daí afirma Washington de Barros Monteiro que, dada para uma parte da dívida não se estende ao resto; outorgada para certa obrigação, não se amplia a outra; concedida exclusivamente para garantia do aluguel, não resguarda a obrigação proveniente do incêndio do prédio locado; estabelecida para pagamentos de aluguéis, não cobre valor dos móveis incluídos na locação. E igualmente não se estende de pessoa a pessoa, nem se prolonga além do tempo convencionado. Por outras palavras, consoante expressão de Casa Regis: non extenditur de rem ad rem, de persona ad persona, de tempore ad tempus. "

Avivada a questão com pinceladas por sobre seus pontos nucleares, reiteramos o intuito de suscitar na comunidade jurídica a indispensável reflexão que, esperamos, proporcione substancial redução de futuras controvérsias oriundas da interpretação e aplicação da modificação aqui enfocada. É preciso incutir e difundir a idéia de que dessa atividade perceptiva e conclusiva advirá o aprimoramento da legislação, consolidado e plenamente demonstrado pela jurisprudência.


NOTAS.

1.. LEX-JTA 146/291.

2.. REsp nº 67.601, rel. Min. Ademar Maciel.

3.. RT 736/274.

4.. Comentários à nova lei do inquilinato. 9ª ed., Forense, 1996, p. 254.

5.. Curso de Direito das Obrigações, Parte 2, p. 388.

COBRANÇA – LOCAÇÃO – CONTRATO POR PRAZO DETERMINADO – PRORROGAÇÃO – PRAZO INDETERMINADO – FIADOR – RESPONSABILIDADE ATÉ A ENTREGA DAS CHAVES – "Estando estipulado que os fiadores são solidariamente responsáveis pelo débito, até a efetiva entrega das chaves do imóvel e, omitindo-se os interessados em buscar sua exoneração por via consensual ou através de sentença, respondem os mesmos pelo inadimplemento do inquilino em cumprir as obrigações contratuais, mesmo em caso de prorrogação automática do pacto.". (TAMG – Ap 0289252-8 – (29088) – 1ª C.Cív. – Rel. Juiz Nepomuceno Silva – J. 14.12.1999)

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Sobre o autor
Linésio Laus Junior

advogado em Balneário Camboriú (SC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LAUS JUNIOR, Linésio. A notificação ao credor como forma de exoneração da fiança sem limitação temporal:: novas considerações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 57, 1 jul. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3013. Acesso em: 28 mar. 2024.

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