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Locação em shopping center e fiscalização sobre o faturamento do lojista:

um poder ou um direito do empreendedor

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27/10/2014 às 15:41
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A implantação de Shopping Centers modificou sensivelmente as relações comerciais. Ocorre que os contratos avençados são muito específicos, abarcando características próprias, como a fiscalização sobre o faturamento do lojista.

INTRODUÇÃO

Os contratos avençados nos Shopping Centers têm diversas particularidades que os diferenciam das demais modalidades contratuais, os tornam singulares e exigem atenção especial das partes contratantes.

Nesta esteira, o contrato de locação em Shopping Center apresenta a cláusula de fiscalização do faturamento bruto dos lojistas, que objetiva garantir a veracidade das informações que servirão de base para o cálculo do aluguel percentual do imóvel. É uma de suas principais características, e, também é polêmica, tendo em vista a maneira como será realizada tal fiscalização, ora mostrando-se como direito e ora como abuso de poder do empreendedor. Assim, o tema foi proposto, em virtude da atipicidade desses contratos.

Com o mercado dos Shopping Centers em expansão e o aumento do número de contratos sendo firmados, além da falta de legislação específica, é de grande valia o estudo deste contrato sob a ótica jurista, apresentando, ainda que superficialmente, suas principais particularidades.

Importante é a análise dos direitos tanto do empreendedor, como do lojista e também do administrador para que, na falta de diploma legal norteador, nenhuma das partes seja lesada e possa exercer suas atividades sem excessos.

Ao abordar essa temática, tanto o cientista jurídico, quanto os comerciantes e empreendedores poderão acessar informações pertinentes ao contrato de locação em Shopping Center, que permitirão conhecer e refletir sobre os limites legais do contrato e, principalmente, a legalidade da fiscalização do faturamento do lojista pelo empreendedor.

Deste modo, tanto o conceito Shopping Center quanto o instituto da locação foram abordados, para que, com base nessas informações, pudesse ser discutida a legalidade do empreendedor ao fiscalizar o faturamento bruto do lojista.

A pesquisa aqui apresentada teve como base a busca de informações, por método exploratório e para isto usou-se os procedimentos técnicos de pesquisas bibliográficas na leitura de livros e dados obtidos a partir de artigos científicos e periódicos, que possam atender ao objetivo proposto, inicialmente em bases de dados, como em Sibi da USP, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Superior Tribunal de Justiça, utilizando (individualmente ou combinadas) as seguintes palavras-chave: “Cláusula de Fiscalização”, “Contrato de Locação”, “Locação Comercial” e “Shopping Center”. Nestas buscas, identificou-se trabalhos direta ou indiretamente relacionados ao tema de pesquisa. A partir de uma avaliação inicial destes trabalhos foram selecionados aqueles que mais pareceram pertinentes, iniciando-se o trabalho de análise propriamente dito.

O trabalho divide-se em quatro capítulos, que procuram traçar, em linhas gerais, as principais características deste tipo de empreendimento, mostrando algumas peculiaridades das relações contratuais avençadas nesse ambiente.

O primeiro capítulo aborda o Shopping Center, conceituando-o e o ambientando no cenário brasileiro, com suas modalidades especificas, legislação aplicável e principais aspectos jurídicos.

 No segundo capítulo o assunto tratado é o contrato de locação, tanto pela ótica civilista, como pela visão empresarial.

O contrato de locação em Shopping Center é o tema do terceiro capítulo, que descreve apenas algumas de suas principais características.

O quarto capítulo trata propriamente da fiscalização do faturamento do lojista, discutindo o que é direito e poder e analisando sua legalidade.

Por fim identificamos, dentre várias particularidades da modalidade contratual, a importância e a legalidade da cláusula de fiscalização.


1. SHOPPING CENTER

A expressão Shopping Center, traduzida livremente, significa centro comercial ou centro de compras, e é exatamente esse o sentido dessa expressão na esfera jurídica brasileira.

1.1. Origem e evolução histórica

A origem do Shopping Center remonta às mais antigas épocas onde o comércio era feito nas ruas, em suas grandes feiras e bazares, onde se tinha grande variedade de mercadorias, espaços para a realização de negócios e atraiam toda a população.

Segundo Castello Branco et al (2013) o Shopping Center tem sua origem no fim do século XVIII, em Paris, a partir da ideia de um centro de compras que reunia artigos variados num mesmo local, com as chamadas Galeries, como a Galeries Lafayette.

No século XX, nos Estados Unidos, com a suburbanização das classes média e alta – processo de crescimento das cidades para fora de seus limites, surgiu o Shopping Center moderno, fora das áreas comerciais tradicionais nos centros de cada grande cidade. Santos (2011) afirma que o que alavancou esse segmento foram os fatores resultantes do crescimento urbano, tais como a necessidade de segurança, maior conforto e as condições climáticas.

Essa instituição modificou sensivelmente os métodos da atuação empresarial, pois, desde então, os consumidores são atraídos para esse tipo de comércio que lhes proporciona mais comodidade, e, por conseguinte, os empresários e empreendedores sentem a necessidade de se aprofundar no instituto, que apresenta regras específicas para assegurar o desenvolvimento do comércio.

Além da transformação do cenário empresarial, a construção de um Shopping Center também modifica e influencia os hábitos e costumes da população, que nele vislumbra todos os serviços e facilidades oferecidas e passa a frequentar mais este estabelecimento, impulsionando a economia local e empreendimentos imobiliários residenciais.

1.1.1. Shopping Center no Brasil

Conforme a Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce, 2014), o Shopping Iguatemi, em São Paulo, primeiro Shopping Center instalado no Brasil, teve sua inauguração em 1966. Foi o marco da chegada dos Shoppings ao Brasil, a partir daí o setor só cresceu, apresentando como motivos para tanto a conveniência, comodidade e segurança que as pessoas têm ao optarem por frequentar esse tipo de lugar.

De acordo com informações da referida associação “o Brasil já soma 501 Shopping Centers em funcionamento, são 13,145 milhões de m2 de ABL (área bruta locável). Outros 30 empreendimentos serão inaugurados até o final de 2014” (Abrasce, 2014)[1].

1.2. Conceito de Shopping Center

Apresentados como templos de consumo, os Shopping Centers não podem ser definidos apenas como edifícios com diversos estabelecimentos comerciais; possuem horário de funcionamento diferenciado, área para estacionar os veículos com segurança, variedade de lojas, lazer e cultura, tudo isso para proporcionar ao consumidor maior comodidade.

Juridicamente podemos conceituar o Shopping Center como “um conglomerado comercial de diferentes lojistas que se utilizam de espaços e/ou unidades por meio de contratos respectivos de locação [...]” (GUIMARÃES, 2010), um centro de compras onde as sociedades empresárias exercem suas atividades econômicas.

No mesmo sentido a Abrasce define Shopping Center como

Empreendimento constituído por um conjunto planejado de lojas, operando de forma integrada, sob administração única e centralizada; composto de lojas destinadas à exploração de ramos diversificados ou especializados de comércio e prestação de serviços; estejam os locatários lojistas sujeitos a normas contratuais padronizadas, além de ficar estabelecido nos contratos de locação da maioria das lojas cláusula prevendo aluguel variável de acordo com o faturamento mensal dos lojistas; possua lojas-âncora, ou características estruturais e mercadológicas especiais, que funcionem como força de atração e assegurem ao Shopping Center a permanente afluência e trânsito de consumidores essenciais ao bom desempenho do empreendimento; ofereça estacionamento compatível com a área de lojas e correspondente afluência de veículos ao Shopping Center; esteja sob o controle acionário e administrativo de pessoas ou grupos de comprovada idoneidade e reconhecida capacidade empresarial. (ABRASCE, 2014[2])

Assim, temos que o Shopping Center é um centro de compras organizado, administrado por seu empreendedor ou administração terceirizada, sempre no interesse do empreendedor, que reúne uma variedade de lojas, serviços e lazer, que proporcionam ao consumidor comodidade, conveniência e segurança.

1.2.2. Modalidades de Shopping Center

Moacyr (1997), em seu artigo “Shopping Centers: Atualidade Brasileira da Tendência Mundial”, nos traz as definições dos vários tipos de Shopping Centers e sua classificação com base na principal publicação internacional sobre o setor, a International Council of Shopping Center (ICSC), e no consenso de seus associados, a Abrasce: 

  • Vizinhança - reúne lojas de conveniência e tem como âncora o supermercado variando a sua área entre 3 mil a 15 mil m2;
  • Comunitário - venda de mercadorias em geral, com uma área entre 10mil a 35mil m2 ancorado em lojas de departamento ou de descontos, supermercados ou hipermercados;
  • Regional - mercadorias em geral, mas com cerca de 50% alugados a lojas satélites de vestuário, dispondo de uma área de 40 mil a 80 mil m2; pelo seu porte só é viável nas grandes cidades e para um público consumidor das classes A e B;
  • Especializado - composto por lojas especializadas/temáticas como modas, decoração, material esportivo, etc.; e geralmente sem lojas âncoras, com áreas que variam entre 8 mil e 25 mil m2, e onde as compras são geralmente planejadas e não por impulso do cliente; é direcionado para as classes A e B;
  • Outlet Center - constituídos por lojas de fábricas e off-price que oferecem preços mais baixos, pagam aluguéis menores e cujo custo de construção é mais reduzido devido às diferenças de acabamento, dispondo de áreas que variam de 5 mil a 40 mil m2, possuindo como âncoras grandes lojas de fábricas. Está dirigido principalmente para as classes B e C de cidades com população acima de 300 mil habitantes;
  • Power Center - reúne um conjunto de lojas âncoras normalmente constituídas por category killers, lojas de departamento ou de desconto ou off-price e com reduzido número de lojas satélites, ocupando áreas entre 8 mil a 25 mil m2;
  • Discount Center - composto normalmente por lojas que trabalham com grandes volumes de produtos vendidos a preços reduzidos com áreas entre 8 mil e 25 mil m2;
  • Festival Mall - comporta somente lojas dedicadas ao lazer, à cultura e restaurantes em áreas de 8 mil a 25 mil m2 e é dirigido às classes A e B nas grandes cidades. (MOACYR, 1997)

Santos (2011) ainda apresenta outras diferenças entre alguns destes tipos, tais como:

A) Outlet Center - A disponibilidade de transportes coletivos é extremamente importante para o sucesso desse tipo de empreendimento, pois eles são dirigidos para as classes B e C. Operam com margens de lucro e custos mais baixos e normalmente estão localizados em cidades com população acima de 300 mil habitantes.

B) Regional - Possui uma variedade de produtos muito maior que o Outlet Center e as atividades de lazer vem ganhando mais espaços. Estão voltado para as classes A e B e, devido ao seu porte, são viáveis nas grandes cidades.

C) Especializado - Diferente dos demais, pois a compra ocorre por planejamento e não por impulso. Atende a um segmento específico, como móveis, materiais de construção, têxteis e automotivos. Estão direcionados para as classes A e B.

D) Festival Mall - Têm muito espaço para se desenvolverem nas grandes cidades e estão dirigidos para classes A e B, visando o entretenimento. Embora os tipos comunitário e regional predominem, percebe-se certo crescimento de shopping centers temáticos, como automotivo, de centro têxtil e de decoração, entre outros, assim como de projetos de construção de festival mall.

1.3. Legislação brasileira

No que diz respeito à Legislação Brasileira, o Shopping Center não dispõe de um regime jurídico próprio, com normas específicas, tendo somente a Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991) como base e, subsidiariamente o Código Civil[3].

1.3.1. Aspectos jurídicos do Shopping Center

Na teia de relações ocorrida nos shoppings, temos as figuras do empreendedor (que constrói, organiza, planeja e desenvolve o Shopping Center), do lojista (aquele que explora o espaço comercial) e do administrador do shopping (que é contratado pelo empreendedor para administrar o empreendimento), sendo que, por vezes as figuras do empreendedor e do administrador se confundem, vez que o empreendedor exerce funções de administração. (MAMEDE, 2013 apud PEREIRA, 2008, p. 22)

Os lojistas se organizam em associações, denominadas associações de lojistas, com a finalidade de representação perante a Administração, de informar os próprios integrantes da associação acerca dos regulamentos internos, arrecadar recursos para fundos promocionais, entre outras funções (SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS EMPRESAS - SEBRAE, 2013).

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A constituição do Shopping Center inova as relações jurídicas, pois ele se apresenta como um centro comercial onde não há somente o interesse do lojista, mas também do próprio empreendedor que participa dos lucros (ALMEIDA 1999, p.166).

Os contratos celebrados neste ambiente possuem características que os diferenciam em vários aspectos dos outros contratos, como a inserção de cláusulas de fiscalização, pagamento de 13º aluguel, entre outros.

Ocorre que, como visto, o Shopping Center não possui regime jurídico próprio, e como consequência disso, muitas vezes, ocorre a auto regulamentação, o que traz a tona uma gama de peculiaridades, sendo considerado por parte dos doutrinadores como contratos atípicos.

Podemos destacar que o aspecto imobiliário referente a este empreendimento é regulado pela Lei do Inquilinato, porém, quanto ao aspecto logístico, aplicam-se as regras gerais do direito (PEREIRA, 2008, p. 25).

No plano específico da relação jurídica ocorrida no Shopping Center, embora possam surgir algumas divergências doutrinárias, o que acontece é um contrato de locação em Shopping Center, e, este é submetido à já referida Lei do Inquilinato (MAMEDE, 2013, p. 263).


2. O CONTRATO DE LOCAÇÃO

Segundo nos ensina Diniz (2013), os contratos são acordos de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, que se destinam a estabelecer a regulamentação dos interesses entre as partes, com a finalidade de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial.

Ainda, consoante Guimarães (2010), contrato é o acordo de vontades, ajuste, convênio, entre duas ou mais pessoas, sobre objeto lícito e possível, pelo qual se adquirem, se criam, se modificam, se conservam ou se extinguem direitos.

2.1. Conceito de locação

 Locação é definida como

o contrato pelo qual uma das partes, mediante remuneração paga pela outra, se compromete a fornecer-lhe, durante certo lapso de tempo, o uso e gozo de uma coisa infungível, a prestação de um serviço apreciável economicamente ou a execução de alguma obra determinada. (BEVILÁQUA, 1946 apud DINIZ, 2013, p. 341)

No mesmo sentido, locação é

contrato bilateral pelo qual uma das partes (locador) assume obrigação de, mediante remuneração entre elas convencionada e por tempo determinado ou não, conceder à outra (locatário) o uso e gozo de coisa infungível, ou prestar-lhe um serviço ou executar-lhe um trabalho. (GUIMARÃES, 2010, p. 428)

Finalmente, o legislador, no artigo 565 do Código Civil pontua que

“na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição”. (BRASIL. Lei nº 10.406, 10 de janeiro de 2002)

Desta maneira, podemos dizer que a locação é a relação jurídica entre locador e locatário, onde aquele cede ao locatário o uso e gozo do bem e este lhe remunera.

No que tange à locação de imóveis urbanos, na Lei do Inquilinato, temos previstas três modalidades de locação: locação residencial (artigos 46 e 47), locação para temporada (artigos 48, 49 e 50) e locação não residencial (artigos 51 ao 57).

A diferenciação que ocorre entre os tipos de locação ocorre pela destinação do uso do imóvel. Gildo dos Santos (informação verbal)[4], explica que locação residencial é aquela destinada à moradia e locação para temporada é a destinada à residência temporária do locatário, ao passo que locação não residencial, de um modo geral, abrange escolas, laboratórios, escritórios e, de modo especifico, trata da locação comercial, destinada a atividades de natureza econômica e atividade comercial.

2.2. Natureza jurídica do contrato de locação

Conforme ensina Barroso (2010), se depreende de nosso ordenamento jurídico podemos inferir que esta modalidade contratual tem natureza jurídica bilateral, ou seja, o contrato se dá mediante um acordo de vontade entre as partes; é oneroso e comutativo, pois a locação se dá mediante certa retribuição, sendo que esta é equivalente ao que foi locado; é um contrato típico e nominado, pois o legislador o incluiu no Código Civil, especificamente nos artigos 565 e seguintes, porém, embora se tenha tipicidade, em regra geral, não há solenidades impostas por lei; é consensual, pois não há necessidade da tradição para se aperfeiçoar e, além do mais, pode ser paritário ou por adesão, tendo ou não prazo determinado.

Na locação de comerciais, a natureza jurídica do contrato é tipicamente comercial, tem por objetivo realização das atividades comerciais.

2.3. Características do contrato de locação

Para que um contrato seja caracterizado como de locação, Gonçalves (2009, p. 287) pontua como fundamentais três elementos: objeto, preço e consentimento.

Por objeto, entendemos a coisa móvel ou imóvel infungível que será fator central do contrato. Importante ressaltar que na locação o objeto, via de regra, deve ser infungível, pois, caso não o fosse, o contrato firmado seria de mútuo.

O preço é a contraprestação, o valor acordado entre as partes, que seja compatível com o que foi alugado.

O consentimento é a aceitação do acordo pelas partes sobre o objeto alugado e o preço a ser praticado, lembrando que, caso o contrato seja por adesão, ou seja, não tendo as partes discutido cláusula a cláusula, não há o que se falar em vício de consentimento, vez que, mesmo apenas aderindo, a parte analisa o contrato e o aceita, se assim o desejar.

2.3.1. Características do contrato de locação comercial

O contrato de locação comercial é aquele destinado ao comércio, ao exercício da empresa, onde o objeto do contrato é ponto de negócio (local onde o empresário exerce sua atividade empresarial). Diverge do contrato de locação geral, pois não se trata apenas de locar um objeto ou espaço.

Antes de explorar o contrato de locação comercial, é importante conceituar alguns institutos do direito empresarial, como estabelecimento empresarial e ponto empresarial. (Grifo nosso)

Embora as expressões estabelecimento empresarial e ponto empresarial pareçam sinônimos, cada uma representa uma coisa diferente.

Define o Código Civil pátrio, em seu artigo 1.142 que se considera estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária. Assim, o estabelecimento empresarial deve ser entendido como um todo, um complexo de bens materiais e imateriais, que possibilite o exercício da empresa, sendo esta, a empresa, distinta do estabelecimento.

A empresa é constituída pelos bens que a compõem, sendo estes bens materiais (coisas) e imateriais (direitos). Mamede (2013) ensina que o estabelecimento define o aspecto estático da empresa e as atividades empresárias definem seu aspecto dinâmico.

Nas lições de Ramos (2010), o ponto comercial, local onde o empresário exerce suas atividades, é apenas um dos elementos que compõe o estabelecimento empresarial, porém é dos mais, senão o mais, relevante elemento do estabelecimento empresarial, gozando de proteção especial quando este é alugado.

Também nesse sentido, explica Almeida (2013) que o ponto comercial é considerado o local em que o comerciante ou empresário situa o seu estabelecimento, portanto é sumamente importante para o êxito dos negócios.

Ao ser negociado um ponto empresarial, os valores negociados levam em conta não só o somatório dos bens que compõem o estabelecimento, como também, a notoriedade da organização e sua capacidade para a produção de lucro (a esse fator damos o nome de aviamento), além da relação com o mercado consumidor.

Também são comumente confundidas e usadas como sinônimos as expressões freguês e cliente. Mamede (2013, p. 256) diferencia-os dizendo que “cliente é toda pessoa que compõe, constante ou eventualmente, potencial ou concretamente, o universo dos destinatários da atividade empresarial”, ao passo que “freguês é o consumidor que se define por uma posição geográfica”. Assim, o cliente tem uma relação pessoal, pois frequenta e consome no estabelecimento e o freguês pode vir a tornar-se cliente, pois passa no entorno do estabelecimento comercial. (MAMEDE, 2013, p. 257)

2.3.2. Ação Renovatória

A ação renovatória tem por escopo dar proteção jurídica ao empresário, que, diante do termo de um contrato de aluguel, correria o risco de ver-se obrigado a procurar outro ponto para seu estabelecimento, mesmo tendo bons resultados no local locado, perdendo a freguesia e clientela. É o que assegura o direito de inerência ao ponto comercial.

O direito de inerência ao ponto comercial é fundamental ao empresário, pois o estabelecimento é fator essencial para a obtenção de bons resultados. Ensina Negrão (2013) que, dependendo da titularidade do domínio do local onde se situa o estabelecimento, duas espécies de direito nascem: caso seja privado do uso de seu próprio imóvel, como nos casos de desapropriação por ato do Poder Público, há o direito à indenização; quando o empresário se estabelece em imóvel alheio, alugado, há a proteção jurídica que garante a ele o direito à renovação compulsória.

Tão importante é essa proteção que Fazzio Júnior (2008) complementa, dizendo que, às vezes, a perda do ponto comercial acarreta a perda do próprio empreendimento.

A proteção que se dá à locação comercial ocorre por meio da renovação compulsória do contrato, instrumentalizada pela ação renovatória, prevista no artigo 51 da Lei do Inquilinato, que permite que o empresário locatário permaneça no imóvel mesmo contra a vontade do locador, desde que, cumulativamente o contrato a renovar tenha sido celebrado por escrito e com prazo determinado, que o prazo mínimo do contrato a renovar ou a soma dos prazos ininterruptos dos contratos escritos seja de cinco anos e o locatário esteja explorando seu comércio, no mesmo ramo, pelo prazo mínimo e ininterrupto de três anos.

Por se tratar de uma disposição legal de ordem pública, não podem, locador e locatário, estipular a contrário senso, abrindo mão do direito à ação renovatória, nem pode ser isso objeto de restrição no contrato celebrado.

2.4. Formas de pagamento da locação

Determina o artigo 565 do Código Civil que na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição. Essa retribuição é o aluguel.

Em linhas gerais o pagamento da locação deve fixado em dinheiro, porém não há impedimentos quanto a outros ajustes, como, por exemplo, que o pagamento seja misto, ou seja, parte em dinheiro e parte em frutos, produtos, obras ou benfeitorias feitas pelo locatário. Ressalva Monteiro (1997, apud Gonçalves, p. 289) que se o pagamento for efetuado integralmente com frutos e produtos do imóvel, deixará de ser locação propriamente dita, passando a ser um contrato inominado.

O pagamento da locação é periódico, em virtude de tratar-se de contrato de execução prolongado ou sucessiva, sendo mais comumente estipulado semanal, quinzenal ou mensalmente, porém o pagamento em uma única parcela, à vista, é permitido.

Depreende-se do artigo 17 da Lei 8.245/97 que é livre a convenção do aluguel, vedada a sua estipulação em moeda estrangeira e a sua vinculação à variação cambial ou ao salário mínimo, no entanto, conforme cartilha informativa do Sebrae (2013), ainda hoje é comum o pagamento de “luvas”[5] de modo a garantir o negócio.

2.5. Função social do contrato de locação

A função social do contrato é premissa descrita no artigo 421 do Código Civil pátrio, o qual determina que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

O legislador ao incorporar tal disposição no Código Civil tomou como base a Constituição Federal de 1988, especificamente os incisos XXII e XXIII, do artigo 5º, os quais asseguram o direito à propriedade e determinam que esta cumprirá sua função social, desta maneira

“a realização da função social da propriedade somente se dará se igual princípio for estendido aos contratos, cuja conclusão e exercício não interessa somente às partes contratantes, mas a toda a coletividade”. (REALE, 2013)

Atender a função social de um contrato significa dizer que este não pode ter clausulas abusivas que causem danos à parte contrária ou a terceiros. Gagliano (2009, p.48) define a função social do contrato como “um princípio jurídico de conteúdo indeterminado, que se compreende na medida em que lhe reconhecemos o precípuo efeito de impor limites à liberdade de contratar, em prol do bem comum”. No mesmo sentido, Reale (2013) sustenta que não há razões para se afirmar que o contrato deve atender somente ao interesse das partes que o estipulam, pois este contrato exerce uma função social inerente ao poder negocial, assim, o contrato deve ser concluído em benefício dos contratantes sem conflito com o interesse público.

O contrato é instrumento de desenvolvimento social, ou seja, “sem o contrato, a economia e a sociedade se estagnariam por completo, fazendo com que retornássemos a estágios menos evoluídos da civilização humana” (GAGLIANO, 2009, p. 47)[6].

Assim, nos contratos de locação comercial fica claro que atender a função social significa proporcionar o desenvolvimento da sociedade por meio do comércio, trazendo benefícios tanto para sociedade quanto para o empresário, sendo ao empresário garantido o exercício da atividade empresarial.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LACERDA, Alice. Locação em shopping center e fiscalização sobre o faturamento do lojista:: um poder ou um direito do empreendedor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4135, 27 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30217. Acesso em: 28 mar. 2024.

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