Nomos e Thesis no pensamento de Hayek

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21/07/2014 às 10:49
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Como sequência da Nomos, ordem que é fruto da convenção em determinada sociedade, surge a Thesis, que significa uma ordem resultante de uma decisão deliberada.

Sumário: 1. Introdução – 2. Nomos – 3. Thesis – 4. Conclusão – 5. Referências Bibliográficas.

Resumo: Conhecido pensador do liberalismo econômico não deixa de tecer comentários sobre o direito em suas obras, especialmente, em Direito, Legislação e Liberdade. A partir dessas reflexões diferencia nomos e thesis, temática importante nas análises e compressões da Filosofia do Direito e da Teoria Geral do Direito que serão destrinchados neste trabalho.

Palavras-chaves: Nomos – Thesis – Direito – Ordenamento jurídico – Filosofia do Direito – Liberalismo Econômico – Teoria Geral do Direito.


1. INTRODUÇÃO

Friedrich August von Hayek[1], em 1974, recebeu o prêmio Nobel de Ciências Econômicas, mesma época em que publicou a obra Law, Legislation and Liberty (Direito, Legislação e Liberdade) na qual defende a ideia de crescimento natural, a evolução, a situação em que as práticas e os princípios adotados espontaneamente pelos membros da comunidade permitiram a vida em grupo e, em consequência, como um sistema socialmente organizado culminou na formação de uma ordem social.

O presente artigo trata especificamente da diferenciação estabelecida por Frederich August von Hayek como nomos (direito como salvaguarda da sociedade) e thesis (ordem resultante de decisão deliberada).

O artigo é importante para a percepção desses elementos que, de forma cíclica, reaparecem nos estudos de teoria geral do direito, de filosofia do direito e em matérias afins. Trata-se, portanto, de contribuição deste autor à pesquisa teórica do direito sobre a questão do nomos com viés ainda pouco explorado dentro da academia brasileira, mas tão atual nestes dias em que os debates jurídicos e políticos têm se polarizado em uma disputa pouco sadia entre esquerdistas e liberais que buscam, no final das contas, por elementos diferentes a mesma coisa: o crescimento da sociedade humana.


2. NOMOS

Hayek denominou por Nomos o que entendeu ser o Direito como salvaguarda da liberdade. Isto porque as sociedades que estavam sob o comando dos governos coletivistas tinham como único fim determinar a maneira de agir dos cidadãos e conduzi-los ao auxílio do governo para obter os seus subjetivos. Essas “ordens de comando” também eram denominadas de leis.

Quando trata de Nomos, Hayek destaca a função do juiz, o propósito do direito e a previsibilidade das decisões judiciais, que serão a seguir analisados.

O caráter distintivo das normas de conduta exigiu empenho dos juízes, o fortalecimento do ideal de liberdade se deu nas sociedades em que, por um longo período, prevaleceu a resolução de conflitos pelo juiz.

Este “direito” emanado das decisões judiciais (Nomos) possui um peculiar atributo, não encontrado nas legislações que diz respeito ao fato de que o juiz é “uma instituição de uma ordem espontânea”, uma vez que ele é chamado para resolver um conflito que não se originou em determinações sobre as ações dos indivíduos dentro das normas de conduta. O juiz sempre encontrará uma ordem desse tipo existindo como atributo de um processo continuo em que os indivíduos são capazes de realizar seus próprios planos porque tem condições de formar expectativas acerca das ações de seus semelhantes, expectativas que contam com grande probabilidade de se confirmarem[2].

Não se pode olvidar aqui uma contraposição à base do racionalismo construtivista ao mencionar que é necessário libertar-nos inteiramente da concepção errônea de que pode haver uma sociedade que se constitui e, num segundo momento, se outorga suas próprias leis[3].

Assim, só seria possível a união dos homens em sociedade se os indivíduos observarem certas normas em comum.

Após a análise do atributo peculiar do direito emanado das decisões judiciais e de se contrapor sobre o racionalismo construtivista, Hayek conclui seu pensamento ressaltando: a) toda a autoridade deriva do direito; b) nem toda a lei pode ser produto da legislação; c) o poder de legislar pressupõe o conhecimento de algumas normas comuns que, aliás, também podem limitar esse poder.

É preciso ressaltar, ainda, que ao se falar de nomos está-se diante de quaisquer normas observadas na prática e não somente aquelas aplicadas e criadas por uma organização.

Neste contexto, é papel do juiz decidir se as partes obedeceram às práticas nas quais se baseava a conduta cotidiana dos membros do grupo e é exatamente deste pensamento que surge a teoria indiscutível de que o costume é a forma mais antiga de expressão do direito. Maria Helena Diniz lembra que:

Com o decorrer dos tempos, a legislação passou a ser a fonte imediata do direito. Mas o costume ainda continua a ser elemento importante e, algumas vezes, até insubstituível pela lei, como lembra Georges Renard. Deveras, a lei, por mais extensa que seja em suas generalizações, por mais que se desdobre em artigos, parágrafos e incisos, nunca poderá conter toda a infinidade de relações emergentes da vida social que necessitam de uma garantia jurídica, devido à grande exuberância da realidade, tão variável de lugar para lugar, de povo para povo[4].

A necessidade de se recorrer ao juiz surge com a expectativa de que ele decida o caso de acordo com a expectativa da coletividade, de acordo com as chamadas regras de conduta justa (nomos), geradoras de uma espécie de ordem espontânea.

Outro aspecto das atribuições do juiz tem destaque, qual seja, a diferença da sua função e da função do líder de organização.

Enquanto o juiz desenvolve normas aplicáveis a qualquer pessoa, o líder de uma organização jamais poderia impor regras iguais a todos os membros do grupo, independente de suas funções.

Muito embora não haja distinção entre normas abstratas e normas gerais na obra Law, Legislation and Liberty, Norberto Bobbio estabelece, com clareza, essa diferença:

Ao invés de usar indiscriminadamente os termos “geral” e “abstrato”, julgamos oportuno chamar de “gerais” as normas que são universais em relação aos destinatários, e “abstratas” aquelas que são universais em relação à ação. Assim, aconselhamos falar em normas gerais quando nos encontramos frente a normas que se dirigem a uma classe de pessoas; e em normas abstratas quando nos encontramos frente a norma que regulam uma ação-tipo (ou uma classe de ações)[5].

Entende-se que nomos, refere-se, apenas, às normas gerais, ou seja, às normas que se dirigem a um conjunto de sujeitos indeterminados. Em primeiro lugar, o juiz deve proferir normas que preencham uma lacuna, ou melhor, que sirvam para o “aprimoramento da ordem de ações possibilitada pelas normas já existentes”[6].

Neste aspecto, ressalta-se que “muitos teóricos antigos do direito natural estiveram próximos de compreender esta relação entre as normas jurídicas e a ordem de ações a que elas servem”[7].

Em segundo lugar, o juiz deve verbalizar práticas em que há dúvida sobre o que o costume determina, inclusive no caso em que as partes litigantes atuaram em aparente boa-fé.

Conclui-se, portanto, que muito embora as normas de conduta justas sejam fruto da evolução espontânea, para o seu aperfeiçoamento, é indispensável a atuação dos juízes.

A importância da função da jurisprudência, como uma sequência coesa de decisões dos tribunais, culmina no aperfeiçoamento das normas. Dessa forma os juízes são chamados a aplicar as normas e emanar decisões – verbalizar – que decidam conflitos. Com isso há um importante papel de interpretação da norma, vivamente exposta nos ensinamentos de Miguel Reale:

A jurisprudência, muitas vezes, inova em matéria jurídica, estabelecendo normas que não se contêm estritamente na lei, mas resultam de uma construção obtida graças à conexão de dispositivos, até então considerados separadamente, ou, ao contrário, mediante a separação de preceitos por largo tempo unidos entre si. Nessas oportunidades, o juiz compõe, para o caso concreto, uma norma que vem completar o sistema objetivo do Direito. (...) A nosso ver, o juiz constitui norma para o caso concreto toda vez que há lacuna na lei, assim como nos casos em que lhe couber julgar por equidade[8].

Atribui-se assim papel de extrema importância à jurisdição, ou o “dizer o direito”, papel desempenhado pelos magistrados, tendo em vista inclusive a enorme gama de leis emitidas diariamente pelo Poder Legislativo e pela necessidade de adaptação da norma genérica a abstrata a casos específicos e concretos, que refletem em muitos casos o ambiente comum e as relações sociais correntes.

A função exercida pela jurisprudência pode revelar o direito, ou seja, as normas contidas numa lei e ainda preencher eventuais lacunas presentes no ordenamento jurídico vigente.

Afirma-se que, embora as normas jurídicas sejam necessárias para a preservação da ordem, o direito não tem um objetivo específico, mas inúmeros propósitos, que ninguém conhece. Com propriedade declara que:

No sentido comum da palavra propósito, o direito não é portanto um meio para a consecução de um propósito específico, mas simplesmente uma condição para a busca eficaz de muitos propósitos[9].

O propósito do direito, portanto, vai além de um único objetivo a ser alcançado, visa servir a ordem, de modo a produzir uma correspondência entre as ações de diferentes pessoas. O propósito do direito não se refere aos resultados concretos previsíveis de ações particulares, isto porque os conteúdos particulares são imprevisíveis e o objetivo do direito é a formação de uma ordem abstrata. Assim, Hayek conclui seu pensamento sobre o propósito do direito afirmando que:

Só quando se reconhece claramente que a ordem de ações é uma situação factual distinta das normas que contribuem para a sua formação é possível compreender que tal ordem abstrata pode ser o objetivo das normas de conduta. Compreender essa relação é, portanto, uma condição necessária para se compreender o direito[10].

Em contrapartida, o direito é frequentemente interpretado como instrumento de organização para a execução de propósitos específicos e não como instrumento de formação das normas de condutas; a consequência desta interpretação tem sido uma das principais causas da progressiva transformação da ordem espontânea de uma sociedade livre numa organização própria da ordem totalitária[11].

A compreensão da ordem global a que servem as normas de conduta justa foi inicialmente realizada pela ciência econômica, uma vez que visualizou as ordens abstratas espontâneas[12].

Por fim, importante destacar que Hayek cuida também da previsibilidade das decisões judiciais. Menciona que

“a ordem que o juiz deve manter não é, portanto, um estado de coisas específico, mas a regularidade de um processo que se funda na proteção de algumas expectativas dos indivíduos contra a interferência de outros. Competirá ao juiz decidir de uma maneira que corresponda em geral ao que as pessoas consideram justo, mas por vezes ele terá que decidir que o aparentemente justo pode não o ser, porque frustra expectativas legítimas. Nesse caso deverá deduzir suas conclusões não apenas de premissas claramente expressas, mas de uma espécie de ‘lógica situacional’ baseada nas exigências de uma ordem de ações vigente que é, ao mesmo tempo, o resultado não intencional e o fundamento lógico de todas aquelas normas que ele deve considerar firmadas”.[13] (grifo nosso.)

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Embora não mencione expressamente, o autor se refere à lógica procedimental do Direito que relaciona-o à manutenção do procedimento que legitima as decisões tomadas pelos tribunais. Desta forma e considerando o restante das afirmações do autor, é difícil a tarefa de encontrar o meio termo entre decisões livres e decisões condicionadas por procedimentos e por expectativas sociais cada vez mais complexas e mutáveis.

As decisões devem ser previsíveis para que o direito mantenha sua legitimidade, mas o próprio Hayek cita uma espécie de “lógica situacional” que acompanha o Direito e que, se não for utilizada cm parcimônia e bom-senso, pode conduzir o arcabouço jurídico de uma nação à ruina.


3. THESIS

Como sequência da Nomos, uma ordem fruto de convenção na sociedade, a legislação, surge a Thesis, uma ordem resultante de uma decisão deliberada. Ela é um reflexo do construtivismo legal, ou seja, da intenção deliberada na elaboração da legislação.

Se por um lado a Nomos diz respeito ao direito privado e seus desdobramentos, mas, fruto da evolução – ordem espontânea – a Thesis refere-se ao direito púbico fruto da vontade do homem, criação intencional de regramentos e que, num primeiro momento, serviu para elaborar normas específicas com vistas a um propósito colimando dirigir as ações estatais:

o que Frederich August von Hayek denomina aqui direito público se encaixa bem em Thesis, e o ele denomina direito privado será melhor interpretado como Nomos, objeto do mecanismo de eventual correção da legislação[14] (tradução livre).

Interessante notar que Hayek inicia esse tema com a ideia de que a legislação nasce, ou se origina, devido à necessidade de se estabelecer normas organizacionais. Assim, o Poder Legislativo ocupar-se-ia, de acordo com sua antiga concepção, em exercitar seu poder legiferante e produzir normas e não propriamente o Direito.

Conforme as lições de Michel Foucault, ao estabelecer que o poder não se detém, mas é exercido, o Poder Legislativo exerceria o poder em um “esquema dominação”[15] em que submeteria as instituições governamentais aos regulamentos por ele editados. Esse era na verdade o papel primário – e restrito – do Legislativo, controlar os atos governamentais por intermédio de determinações específicas e delimitações de seu campo de ação, limitando sua atuação.

Tal ordenação – Thesis – justifica-se pelo simples motivo de a figura do Governo ter sido criada possibilitando a vida em sociedade, principalmente quanto à segurança interna e externa de seus membros e à prestação de serviços; no entanto, ressalte-se que, para sua manutenção, exerce-se compulsoriamente a cobrança de tributos. Assim, por ser complexo, exige normatizações em diferentes áreas, de modo a obter seu funcionamento adequado e eficaz.

A tributação, em especial, foi algo que justificava, nos primórdios da sociedade organizada, a presença dos legislativos, uma vez que o soberano não poderia impor, unilateralmente, independentemente da opinião popular, uma exigência que lhe retirasse parte do patrimônio. Neste aspecto, José Joaquim Gomes Canotilho afirma que:

todas as clássicas funções do Parlamento – legislação, fiscalização do governo, aprovação dos impostos – se inseriam no complexo global dos postulados do liberalismo político, mas com evidentes incidências na constituição econômica[16]. (grifo nosso)

Desse modo, os legisladores apareciam em cena para dirigir o povo, indicando-lhe caminhos a trilhar. Diante disso, surgiria possível concordância do povo, gerada pelo poder de convencimento de um colegiado supostamente regido pelo bom-senso e que alegava visar o bem da sociedade. Oportuna a lembrança de Courtenay Ilbert, citado por Frederich August von Hayek em sua obra, ao mencionar que

o legislativo inglês foi originalmente construído com vistas a propósitos não legislativos, mas financeiros. Sua função primordial não era fazer leis, mas conceder verbas ao governo[17].

É necessário mencionar que a legislação (financeira) produzida visa não somente a arrecadação, ou seja, a maneira como os gastos governamentais serão suportados, como também, a determinação e autorização de como e por quem os recursos arrecadados serão utilizados.

Outrossim, apesar de não ter correlação direta, o pagamento de um imposto – tributo – e a contrapartida do governo à sociedade (ônus/benefício), deve-se lembrar que a arrecadação de recursos também é a força motriz para a prestação de serviços pelos órgãos estatais ao povo – o que denomina-se de “medidas” de política governamental.

Dentro do contexto da obra em análise, nota-se que Thesis ganha pouca importância, pois é fruto da intenção humana, e não resulta da evolução natural, fazendo-se menos compatível com princípios do liberalismo, tanto pregado em seus escritos.

Todavia, o direito criado pela legislação tem função relevante quando corrige as imperfeições nas normas e quando descobre – ou revela – as normas por intermédio da instrumentalização. Melhor dizendo, normas não expressas, mas existentes, podem ser aperfeiçoadas pela legislação, e normas patentes na sociedade, mas latentes quanto à positivação, são expressamente previstas em um determinado veículo introdutor. Além disso, as normas organizacionais devem ter um propósito específico com vistas a algumas finalidades. Também, são normas que definem uma estrutura hierárquica rígida de comando e estabelece deveres – além de direitos, é claro – e responsabilidades dos funcionários submetidos ao regime público.

Assim, percebe-se que há distinção entre o termo “lei” quando aplicado no contexto da nomos e no contexto da thesis.

Distinção análoga foi elaborada por José Joaquim Gomes Canotilho quando tratou da tipologia das regras relativamente às normas constitucionais organizatórias e normas constitucionais materiais:

Uma distinção, reconduzível à doutrina constitucionalista alemã da época de Weimar e com recepção na Itália, pretende separar as normas organizatórias das normas materiais: as primeiras regulam o estatuto da organização do Estado e a ordem de domínio (são normas de «ação» na terminologia italiana); as segundas referem-se aos limites e programas da ação estadual em relação aos cidadãos (são «normas de relação»)[18].

Assume-se a posição de que nos tempos modernos não há uma linha que delimite o que seja público/thesis e o que seja privado/nomos. Existe um movimento que tende a subordinar indivíduos de instituições privadas às determinações organizacionais – voltadas a propósitos com fins específicos e resultados esperados –, e noutro lado tem levado à isenção do cumprimento das normas gerais pelo Poder Legislativo. Um dos focos desses dois é permitir àqueles, que estão sob a luz do direito privado, buscar seus objetivos individuais – respeitando-se limites impostos para que se não impeça a consecução do interesse geral – e noutro lado, àqueles que estão sob a égide do direito público, devem, obrigatoriamente, servir ao interesse público.

Hayek vai além ao apontar que as determinações organizacionais que distribuem e limitam os poderes governamentais – Thesis, em regra – estão localizadas num patamar superior às demais e comumente fazem parte do chamado direito constitucional.

O constitucionalista português José Joaquim Gomes Canotilho parece lecionar na mesma esteira – quanto ao seu direito pátrio – e denomina tais normas de regras de procedimento, afirmando que

uma das técnicas de legiferação constitucional (de legislação constituinte) é a de estabelecer normas procedimentais apenas nos casos em que o procedimento é um elemento fundamental da formação da vontade política e do exercício das competências constitucionalmente consagradas. Assim, por ex., o procedimento eleitoral e o procedimento de funcionamento do Tribunal Constitucional foram remetidos para as leis ordinárias. Todavia, as normas definidoras dos princípios fundamentais relativas a estes procedimentos constam da constituição. Refiram- se, a título de exemplo, os arts. 116.° (direito eleitoral) e 277.° ss. (processo de fiscalização da constitucionalidade). Normas procedimentais de natureza especial são as normas respeitantes ao procedimento de revisão (arts. 284.° ss.)[19].

Essas constroem a superestrutura em que está fundamentada a sociedade formal – envolvendo, nesse caso, os elementos componentes da ordem social – amparada pelo direito lato sensu. Noutro lado, a constituição preserva o direito e garante sua aplicação. É também função dela limitar os domínios do Poder Legislativo.

Ao se mencionar o termo lei e estabelecer uma aliança com legislação, tem-se a impressão de que ambos dizem respeito à elaboração pelo corpo legislativo de normas de conduta justas – nomos.

Todavia, ensina que a palavra “legislação” não pode ser confundida com o termo “lei”, tampouco credita a incumbência do Poder Executivo de carregar sozinho o ônus de aplicação da legislação, como geradora das normas de conduta.

Na verdade, o Executivo cumpre decisões emanadas dos Tribunais que, por sua vez, executam os comandos extraídos das leis como se fosse uma instrução exarada pelo Poder Legislativo. Por outro lado, quando se trata de normas organizacionais, nesse caso, o Executivo é, sim, cumpridor dos comandos emitidos pelo Legislativo. Há, portanto, forte imbricação nas atividades dos poderes que os relaciona, os amalgama.

Há um paralelo traçado entre o direito e a norma de organização governamental, pois as casas legislativas têm se esmerado na produção deste tipo normativo.

Pretende-se demarcar a posição de que o Legislativo não nasce com funções exclusivamente legiferantes no que tange à edição de normas de conduta justa, mas também, tem a incumbência de fazer com que essas normas se apliquem geral e indistintamente a todos aqueles debaixo do manto daquele governo; tal Poder é, ainda, responsável pela emissão de determinações governamentais que disciplinam a conduta dos órgãos governamentais.

Ademais, o Legislativo, de acordo com a visão do autor, não deve operar na seara dos casos individuais – considerado, aqui, direito privado: nomos –, devendo elaborar normas gerais. É significativo o fato de tal Poder nascer como assembleia representativa, com o intuito de ser exclusivo na elaboração de leis gerais aplicadas a todos indistintamente e normas organizacionais que controlam o governo.

Existe uma clara valoração ao Poder Legislativo – e até mesmo uma elevação – relativamente à sua posição em comparação com o Executivo e com o Judiciário.

De acordo com o exposto acima, percebe-se que o Legislativo tem um papel fundamental, mas também limitado; porém, tal posição sofreu abalo já no século XIX, pois surgiram posições radicais, como a de Jeremy Bentham, que defende um Legislativo com poderes ilimitados, cujas normas emanadas deveriam, a todo custo, ser cumpridas, inclusive, pelo governante, sem questionamento, pois representaria a vontade do povo e visa, em um fim último, a felicidade de todos.

Tal posição foi refutada em todos os sentidos por Frederich August von Hayek que aponta para tal fato como a derrocada da democracia. Este Poder, segundo o autor, poderia reivindicar atribuições ilimitadas no que tange à regulamentação, tanto governamental como sobre o povo, ao emitir comandos denominados de lei aplicados sobre todos sem distinção. Defende a ideia de um Legislativo que emita normas de conduta gerais, mas que ele mesmo obedeça a outras normas de conduta emanadas por outro “Legislativo” – representativo e democrático – estabelecendo-se uma posição de subordinação. Assim,nos escalões inferiores do governo, temos de fato vários tipos de órgãos representativos regionais ou municipais que, em suas ações, estão assim sujeitos as normas gerais que não se podem alterar; e não há motivo para que isso não se aplique também aos mais elevados corpos representativos que dirigem o governo. Na verdade, só assim o ideal do governo sob a égide do direito se poderia realizar[20].

Contudo, não se pode olvidar que uma interferência como a sugerida pode significar uma intromissão na liberdade do Poder Legislativo em atuar, desvirtuando, em parte, o princípio representativo e sua capacidade de decisão autônoma. Parece afirmar que toda legislação criada deveria, obrigatoriamente, passar pelo crivo de um referendum popular o que não é possível na prática.

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Sobre o autor
Eduardo Tuma

Mestre em Direito do Estado pela PUC-SP e doutorando em Filosofia do Direito pela mesma instituição. Pós-graduado em Governo e Liderança pela Universidade de Harvard e especialista em Direito Tributário pela FMU, na qual leciona Teoria Geral do Estado no curso de bacharelado em Direito. Em 2012 foi eleito Vereador na cidade de São Paulo, é vice-presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Municipal e o parlamentar que mais apresentou e aprovou proposições na atual legislatura. Advogado em São Paulo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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