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Cavidades: conservação ou preservação?

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04/08/2014 às 12:22
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As cavidades terão tratamento jurídico distinto de acordo com seu grau de relevância, sendo as medidas preservacionistas restritas às cavidades de máxima relevância.

Resumo: O regime de proteção de cavidades e do patrimônio espeleológico possui uma série de ferramentas de comando e controle que foram revistas com a edição do Decreto Federal nº 6.640/08. Com a nova dinâmica de conservação desses bens, cabe uma releitura sobre os dispositivos legais vigentes, de modo que sua aplicação consiga realizar a conservação desses recursos através do licenciamento ambiental e das medidas de compensação. 

Palavras-chave: Cavidades. Conservação. Licenciamento Ambiental.

“Após isso, raciocinando a respeito do sol, concluiria que ele produz as estações e os anos, que governa todas as coisas que existem em lugar visível e que num certo sentido, também é a causa de tudo que ele e seus companheiros viam na caverna.”[1]

1.Introdução 2. Cavidades e Patrimônio Espeleológico – Conceitos e natureza jurídica 3. Cavidades – Regimes de proteção 4. Cavidades – Graus de Relevância 5. Metodologia de Relevância 6. Áreas de Influência de Cavidades 7. Licenciamento Ambiental 8. Compensação Espeleológica 9. Conclusão 10. Referências.


1.  Introdução

Ao final da primeira década do século XXI, o Brasil se apresenta no cenário mundial como representante dos países com forte crescimento econômico e grande desafios na efetivação do desenvolvimento sustentável.

A necessidade de conciliação entre desenvolvimento econômico e a equidade intergeracional dos recursos naturais traz à sociedade brasileira a oportunidade de promover o debate de questões e ideias para nosso futuro comum.

Dentro desse cenário, muitos debates têm sido motivados em torno principalmente de aproveitamentos hidrelétricos e minerários – atividades restringidas por sua rigidez locacional –, ante a existência de cavernas em diferentes tipos de rochas ou jazidas, sem a definição da relevância espeleológica, ou seu atestado de importância pelas autoridades competentes através de avaliações  sob os aspectos cultural, científico e natural, a fim de se determinar as ações de gestão adequadas a cada caso.

Em vista dessa percepção, é fundamental a evolução no debate para a adoção de critérios legais seguros para a gestão desse patrimônio espeleológico, que conciliem a preservação de seus atributos naturais e culturais com o desenvolvimento de atividades também de relevância para o país, nos termos do inciso VI do artigo 170[2], como é o caso do aproveitamento do potencial hidroelétrico ou do recurso mineral – bens da União, cuja exploração é de interesse nacional, consoante artigos 20, VIII a IX, e 176, § 1º da Constituição.

O presente artigo visa a avaliar o sistema normativo de proteção ambiental dos recursos naturais subterrâneos, nomeados de cavidades e patrimônio espeleológico, através da avaliação sistêmica do Decreto Federal nº 99.556/90 e normas complementares, com apoio de decisões recentes dos tribunais.

Iniciando o debate sobre o tema, destacamos que as preocupações que circundam o desenvolvimento de atividades econômicas em cavernas motivou a edição da Resolução CONAMA 05/87, que tratou do Programa Nacional de Proteção ao Patrimônio Espeleológico”, norma  que recomendou que o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) providenciasse a inclusão, no Código de Mineração, de disposição para que os “sítios arqueológicos”, os “depósitos fossilíferos” e as “cavernas” fossem regidos por legislação específica, que não foi publicada até a presente data.


2.  Cavidades e Patrimônio Espeleológico – Conceitos e natureza jurídica

A Resolução CONAMA nº 05/87[3] foi o primeiro ato normativo a apresentar a definição legal para o termo caverna como “toda e qualquer cavidade natural subterrânea penetrável pelo homem, incluindo seu ambiente, seu conteúdo mineral e hídrico, as comunidades animais e vegetais alí agregadas e o corpo rochoso onde se insere”, apresentando claramente a distinção entre sítios arqueológicos, depósitos fossilíferos e as cavernas[4].

Atualmente, a definição vigente sobre cavidades vem prevista no parágrafo único do artigo 1º do Decreto Federal nº 99.556/90, alterado pelo Decreto nº 6.640/08[5], que definiu que:

 “Entende-se por cavidade natural subterrânea todo e qualquer espaço subterrâneo acessível pelo ser humano, com ou sem abertura identificada, popularmente conhecido como caverna, gruta, lapa, toca, abismo, furna ou buraco, incluindo seu ambiente, conteúdo mineral e hídrico, a fauna e a flora ali encontrados e o corpo rochoso onde os mesmos se inserem, desde que tenham sido formados por processos naturais, independentemente de suas dimensões ou tipo de rocha encaixante.”

Já o patrimônio espeleológico foi conceituado pela Resolução CONAMA nº 347/04 como “o conjunto de elementos bióticos e abióticos, socioeconômicos e históricos-culturais, subterrâneos ou superficiais, representados pelas cavidades naturais subterrâneas ou a estas associadas[6]”.

As cavidades naturais subterrâneas foram incluídas no artigo 20, inciso X da Constituição Federal como patrimônio da União, em conjunto com os sítios arqueológicos e pré-históricos, que podem integrar o patrimônio espeleológico, mas que com este não se confundem. As cavidades são espaços onde se encontra o patrimônio espeleológico, sendo esse patrimônio o determinante à proteção desses espaços, conforme veremos mais adiante.

Podemos definir que as cavidades possuem natureza jurídica de recursos ambientais do subsolo[7], tratadas como microbens[8], de uso comum do povo, cuja utilização ficará disciplinada em regulamento próprio, de acordo com o grau de relevância das mesmas[9].

As cavidades, apesar de serem recursos ambientais regidos pelo caput do artigo 225 da Magna Carta, não se confundem com os espaços especialmente protegidos definidos no inciso III do §1º desse mesmo artigo, visto que esse dispositivo rege os espaços denominados  unidades de conservação, definidos pela Lei Federal nº 9.985/2000[10].

Além disso, o fato de as cavidades integrarem o patrimônio espeleológico não significa inclusão automática das grutas e cavernas no patrimônio cultural, visto que o valor puramente espeleológico não se insere entre aqueles relacionados no inciso V do art. 216 da Constituição capazes de elevar o bem dele portador à condição de bem cultural[11].

Sendo microbens ambientais de uso comum do povo, as cavidades se vinculam aos imóveis em que se localizam, resultando na responsabilidade partilhada entre proprietários e Poder Público na gestão desses bens[12]

Já o patrimônio espeleológico não se representa somente pelas cavidades em si, mas pelos componentes que a elas podem ser associados, como elementos físicos, bióticos e culturais, possuindo naturezas jurídicas distintas de acordo com cada tipo que compõe esse conjunto de bens.

Como cada elemento que compõe o patrimônio espeleológico possui uma natureza jurídica própria, sua titularidade e tratamento serão considerados de acordo com a função ecológica ou cultural que esse componente representa.

A título de exemplo, os elementos de fauna que compõem esse patrimônio são regidos pelo inciso VII do §1º do artigo 225 da Constituição Federal, ficando assegurada a proteção da função ecológica que esses animais exercem ao meio ambiente essencial à sadia qualidade de vida. De modo que, caso haja indivíduos da fauna que ponham em risco a saúde pública, não poderá o simples fato de os mesmos comporem o patrimônio espeleológico ou estarem localizados em cavidades assegurará a necessidade de preservação desses elementos[13].

Da mesma forma, os sítios arqueológicos ou práticas culturais que se associam a determinadas cavidades são regidos pelas regras constitucionais previstas pelo artigo 216 da Constituição, podendo, e até devendo, o Poder Público exercer os mecanismos de controle desse patrimônio previstos no §1º desse artigo[14], sempre em colaboração com a comunidade.

Assim, apesar da proximidade dos conceitos, cavidades e patrimônio espeleológico possuem naturezas distintas, não se confundindo e, por isso, não podem ter tratamento único por parte das autoridades ambientais e culturais[15].

Confirmando o entendimento apontado, destacamos o artigo 12 da Resolução CONAM 347/04 que determina:

“Art. 12. Na ocorrência de sítios arqueológicos e paleontológicos junto à cavidade natural subterrânea, o órgão ambiental licenciador comunicará aos órgãos competentes responsáveis pela gestão e proteção destes componentes.”


3.            Cavidades – Regimes de proteção

As cavidades possuem regime de uso e proteção próprio e, atualmente regido pelo Decreto Federal nº 99.556, de 1º de outubro de 1990, com redação atualizada pelo Decreto nº 6.640, de 7 de novembro de 2008.

O sistema de proteção do patrimônio espeleológico é autônomo dos demais regimes de proteção de ecossistemas[16], patrimônio cultural e biodiversidade, não havendo simetria ou sincronia com os mesmos, levando a uma difícil conciliação sobre a proteção desses espaços com a Política Nacional de Meio Ambiente.

A segregação e rigidez das premissas adotadas na proteção do patrimônio espeleológico apresentam características singulares de controle sobre as cavidades e suas áreas de influência, dificultando sua aplicabilidade dentro do sistema de licenciamento ambiental definido pelo inciso IV do §1º do art. 225 da Constituição Federal.

A proteção das cavidades se divide de acordo com o grau de relevância definido para cada cavidade: quanto mais relevante a cavidade, maior seu grau de proteção.

Ocorre que o Decreto nº 99.556/90 apenas definiu os atributos para classificação das cavidades de máxima relevância, deixando os demais atributos e sua metodologia para os graus de relevância a cargo de regulamentação por parte do Ministério do Meio Ambiente[17].

Justiça seja feita, pois o Decreto buscou limitar a discricionariedade para as demais formas de classificação de acordo com “seu grau de relevância em máximo, alto, médio ou baixo, determinado pela análise de atributos ecológicos, biológicos, geológicos, hidrológicos, paleontológicos, cênicos, histórico-culturais e socioeconômicos, avaliados sob enfoque regional e local.”[18]

Contudo, a Instrução Normativa MMA nº 2, de 20 de agosto de 2009, que define a metodologia para a classificação do grau de relevância das cavidades naturais subterrâneas, não foi desenhada respeitando a análise em conjunto de atributos definidos pelo caput do artigo 2º do Decreto 99.556/90, conforme veremos a seguir.

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Esse erro da Instrução Normativa se deve à própria arquitetura do Decreto nº 99.556/90 que, apesar de definir que há de se avaliar uma série de atributos para avaliação de cavidades, permite que haja apenas um atributo entre onze possibilidades para a determinação de cavidade de máxima relevância.

Conservar é uma premissa do desenvolvimento sustentável, em conjunto com a preservação de recursos ambientais[19], e o Decreto nº 99.556/90 trouxe o regramento para a conservação do patrimônio espeleológico, sendo o desejo de preservação ambiental louvável e premissa constitucional.

Contudo a preservação não se faz ampliando-se o bloqueio de uso dos recursos ambientais, mas definindo um sistema seguro e coerente para o uso racional desses recursos de acordo com a política nacional de meio ambiente e todos os seus instrumentos.

A preservação de cavidades é medida excepcional, visto que somente se restringe às cavidades de máxima relevância[20], podendo haver impactos irreversíveis em quaisquer outras cavidades em relevâncias abaixo de máxima[21].


4.            Cavidades – Graus de Relevância

O Decreto nº 99.556/90 criou um sistema de classificação em graus de relevância das cavidades de acordo com a análise de atributos ecológicos, biológicos, geológicos, hidrológicos, paleontológicos, cênicos, histórico-culturais e socioeconômicos, avaliados sob enfoque regional e local para cavidades sobre a mesma litologia.

Com base nessa análise as cavidades naturais subterrâneas são classificadas de acordo com seu grau de relevância em: máximo, alto, médio ou baixo.

A classificação das cavidades serve como instrumento técnico-legal para a avaliação dos impactos ambientais sobre esses recursos ambientais, não fazendo sentido a exigência da avaliação de relevância da cavidade por sua mera existência. Caso houvesse a necessidade de se classificar todas as cavidades existentes no Brasil, caberia ao Poder Público realizar ou exigir de que todos os proprietários de imóveis detentores de cavidades devessem realizar tais estudos.

Assim, como regramento sobre o sistema de avaliação de impactos ambientais, a classificação de cavidades deve se reger pelas regras do sistema de licenciamento ambiental e somente ser exigível às atividades passíveis de impactos ambientais significativos ao patrimônio espeleológico e suas áreas de influência.

As cavidades de máxima relevância são as únicas exclusivamente regradas pelo Decreto nº 99.556/90, que permite a classificação como de máxima relevância apresentando apenas um entre onze atributos existentes[22].

Apesar da lógica do Decreto prever uma avaliação integrada de atributos para definição da relevância da cavidade, as caracterizações definidas para as cavidades de máxima relevância são tão específicas (único, raro, notável, essencial), que o Poder Público determinou que basta apenas um atributo singular para que a cavidade e sua área de influência  sejam integralmente preservadas.  

A única exceção entre esses onze atributos de maximização de relevância é quanto às cavidades testemunho, que, ecologicamente, possuem características de cavidades de alta relevância, contudo, legalmente, ganham status de cavidades de máxima relevância com fins de compensação de outras cavidades suprimidas.

Discordamos quanto a esse critério adotado pelo Decreto, uma vez que o valor a ser preservado é o da realidade socioecológica do recurso ambiental, não havendo razão jurídica para o tratamento preservacionista de uma medida compensatória.

Outro critério de máxima relevância que merece uma reflexão mais aprofundada é o critério de destacada relevância religiosa sobre a cavidade, uma vez que o Estado brasileiro é laico e não existe autoridade pública com competência constitucional para esse tipo de classificação.

A classificação dos demais graus de relevância de cavidades é regida pela metodologia definida pela Instrução Normativa MMA nº 2, de 20 de agosto de 2009, seguindo os critérios de importância: acentuada, significativa ou baixa, de acordo com os enfoques local ou regional.

Apenas a título de esclarecimento, lembramos que considera-se por enfoque local “a unidade espacial que engloba a cavidade e sua área de influência e, por enfoque regional, a unidade espacial que engloba no mínimo um grupo ou formação geológica e suas relações com o ambiente no qual se insere”[23].

Assim, as cavidades de alta relevância são consideradas aquelas cuja importância de seus atributos seja considerada acentuada sob enfoque local e regional ou acentuada sob enfoque local e significativa sob enfoque regional.

Do mesmo modo, as cavidades de média relevância são aquelas cuja importância de seus atributos seja considerada acentuada sob enfoque local e baixa sob enfoque regional  ou significativa sob enfoque local e regional.

Já as cavidades com grau de relevância baixo são aquelas cuja importância de seus atributos seja considerada significativa sob enfoque local e baixa sob enfoque regional ou baixa sob enfoque local e regional.

Cabe destacar que as classificações de relevância não são permanentes, uma vez que, diante de fatos novos, comprovados por estudos técnico-científicos, a classificação de qualquer cavidade será passível de revisão, tanto para nível superior quanto inferior[24].

Apesar de estar previsto no Decreto nº 99.56/90 que é atribuição do ICMBio a reclassificação de cavidades, consideramos que essa atribuição se tornou ineficaz por duas razões:

A primeira em face da Lei Complementar nº 140/2011[25] que, ao definir a competência de somente um ente no âmbito do licenciamento ambiental, trouxe o preceito de que o órgão ambiental licenciador, ao definir a classificação da cavidade deverá ser o mesmo responsável pela reclassificação da mesma.

A segunda razão é mais simples e, nem por isso, menos importante, mas é a falta de previsão legal na Lei Federal nº 11.516, de 28 de agosto de 2007 e no Decreto Federal nº 7.515, de 8 de julho de 2011, que  regem as atribuições do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio.

A sistemática adotada pelo Decreto apresenta uma complexidade técnica de fácil compreensão, todavia, a metodologia elaborada através da Instrução Normativa MMA nº 2, de 20 de agosto de 2009 trouxe novos elementos que violam a própria ratio essendi do Decreto 99.556/90, conforme veremos a seguir.


5. Metodologia de Relevância

Em virtude da complexidade socioambiental dos elementos que compõem o patrimônio espeleológico, optou o Poder Executivo em delegar a metodologia de classificação de relevância de cavidades para norma infralegal, por ato normativo a ser definida pelo Ministério do Meio Ambiente, após as consultas ao IBAMA e a ICMBio[26].

Esse ato normativo foi veiculado por meio da Instrução Normativa MMA nº 2, de 20 de agosto de 2009, que apresentou uma metodologia única sobre a classificação de relevância das cavidades naturais, contudo, ignorando ao caráter conservacionista do Decreto nº 99.556/90, sendo a Instrução Normativa dotada de claro caráter preservacionista e precaucional sobre os recursos ambientais, chegando a contrariar alguns regramentos do próprio Decreto nº 99.556/90, viciando a própria legalidade de alguns elementos dessa Instrução Normativa.

A título de exemplo, destacamos o artigo 21 da Instrução Normativa define requisitos para a definição de cavidades testemunho, chegando ao ponto de, no seu §2º vedar o licenciamento “de atividades que lhes causem impactos irreversíveis”, sendo essa regra inteiramente alheia ao regramento de uma metodologia para a classificação do grau de relevância das cavidades naturais subterrâneas. 

Considerando a natureza constitucional do licenciamento ambiental[27], e a clara regra que suas definições e restrições somente se farão na forma da lei, esse dispositivo é de clara ilegalidade e sem o mínimo de fundamento legal para sua aplicação.

A preservação de cavidades testemunho possui natureza de medida compensatória sobre impactos ambientais significativos e irreversíveis sobre o patrimônio espeleológico, não se falando em imutabilidade da medida compensatória, mas sim da perenidade desse controle, não fazendo sentido o regramento que trate esse tipo de cavidade ambientalmente de alta relevância, mas legalmente como se fosse de relevância máxima. Por isso, as cavidades testemunho não devem ser tratadas como imutáveis em seus loci, mas passíveis de relocações ou mesmo de reclassificações quando constatados fatos novos que possam reclassificar as cavidades suprimidas que deram origem ao testemunho.

Não cabe à legislação ambiental criar presunções absolutas sobre recursos ambientais sem as devidas correspondências ecológicas, tornando imutável um espaço de recursos naturais sem a devida relevância ecológica em virtude de sua função.

Outro artigo de grande questionamento é o parágrafo único do artigo 19 da Instrução Normativa, uma vez que veda “impactos negativos irreversíveis em cavidades que apresentem ocorrência de táxons novos até que seja realizada a sua descrição científica formal.” Ocorre que os táxons novos não são critérios para definição das cavidades como de máxima relevância, mas sim para cavidades de alta relevância[28].

Ou seja, apesar da cavidade com táxons novos ser definido pelo Decreto e pela própria IN como de alta relevância, esse parágrafo único equiparou esse atributo ecológico como de máxima relevância, vedando qualquer impacto irreversível em cavidades até a descrição científica formal do táxon.

Ademais, a medida de preservação de táxons novos já está assegurada pelo próprio caput do artigo 19 ao exigir previamente ao impacto irreversível o “registro e armazenamento cartográfico e fotográfico, bem como de inventário e coleta de espeleotemas e elementos geológicos e biológicos”. 

Se fosse para haver essa possibilidade de equiparação a atributos de máxima relevância caberia essa previsão estar descrita no próprio Decreto nº 99.556/90, não podendo a IN se avocar de poderes de limitação de uso de cavidades não previstos no próprio Decreto.

Outra questão interessante sobre a IN é a definição, por seu artigo 17[29], de que a relevância ou religiosa de uma cavidade será objeto de avaliação pelo órgão competente, sem, ao menos definir que órgão seria esse. Sem entrar novamente no mérito da laicidade do Estado brasileiro, cabe aqui destacar que esse artigo se refere a atributos de máxima relevância, que já estão definidos no próprio Decreto nº 99.556/90, tornando-o desnecessário. 

Sem prejuízo aos exemplos já narrados, destacamos que a metodologia definida pela Instrução Normativa MMA nº 2, de 20 de agosto de 2009 possui critérios de extrema subjetividade e imprecisos, se tornando um desafio técnico conseguir adotar as devidas ponderações científicas sobre os atributos das cavidades sem se adotar uma premissa precaucional quanto à relevância da cavidades. A indefinição é tamanha que a IN teve de ser anexada de tabela com esclarecimento de conceitos (Anexo I) e de glossário próprio (Anexo II).

Visando avaliar a metodologia inicial, a própria Instrução Normativa previu a criação de comitê técnico consultivo[30], coordenado pelo Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas – CECAV para acompanhamento e avaliação da aplicação da mesma nos processos de licenciamento ambiental, com a finalidade de propor ao Ministério do Meio Ambiente o aprimoramento das regras técnicas previstas para a revisão da IN a ser feita no prazo máximo de dois anos contados da data de publicação da Instrução Normativa[31].

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Sobre o autor
Pedro Campany Ferraz

Advogado Especialista em Meio Ambiente e Regulatório. Mestre em Direito da Cidade pela UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professor Universitário de diversos cursos de pós-graduação.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERRAZ, Pedro Campany. Cavidades: conservação ou preservação?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4051, 4 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30576. Acesso em: 28 mar. 2024.

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