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O anteprojeto do novo Código Penal como eficaz instrumento de política pública

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18/09/2014 às 14:18
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O anteprojeto do Novo Código Penal mostra-se compatível com a realidade social e visa contribuir para o enxugamento de processos que assolam o Poder Judiciário, no entanto, ainda utiliza o encarceramento como tática para o combate à criminalidade.

RESUMO: Este artigo visa analisar como o anteprojeto do novo Código Penal (PLS 236/2012), em trâmite no Senado Federal, pode ser considerado adequado como política pública na área de segurança pública, ajustando a legislação punitiva à nova realidade social e contribuindo para solucionar o problema da segurança pública, sem agravar ainda mais o questão da superlotação no sistema penitenciário, garantindo ao detento condições dignas de cumprimento da pena e criando reais condições de sua reinserção na sociedade.

Palavras-chave: Política pública. Segurança pública. Código Penal. Sistema penitenciário.


INTRODUÇÃO

Uma das principais preocupações da sociedade atual é a questão da segurança pública, pois o crescente aumento dos índices de criminalidade, principalmente nos grandes centros urbanos, vem suscitando discussões no seio da sociedade, como a diminuição da maioridade penal e uma suposta fraqueza do ordenamento jurídico repressivo, que causaria uma sensação de impunidade, encorajando o delinquente a infringir a lei, criando um clima de insegurança.

Entretanto esta alegada fragilidade da lei penal pátria não é coadunada pelas estatísticas. Segundo dados da World Prison Brief[1], o Brasil possui a quarta maior taxa de encarceramento do planeta, com 288 presos a cada cem mil habitantes, estando apenas atrás dos Estados Unidos, China e Rússia.

Diante deste clamor popular comandado por parte da grande mídia, principalmente os programas policiais sensacionalistas que dominam as principais redes de TV nos finais de tarde, surgiram inúmeras iniciativas legislativas visando uma reforma da legislação repressiva. Destas, a que mais merece destaque é o PLS 236/2012[2], pois o mesmo já foi aprovado por todas as comissões do Senado, apenas aguardando sua inclusão na pauta do plenário.

Se aprovado, tal projeto revogará completamente o atual Código Penal, que vige desde o Estado Novo getulista, ou seja, uma legislação em total desconformidade com a sociedade moderna, mesmo se levarmos em consideração que a parte geral do Código foi totalmente reformada em 1984, pois aquela sociedade era totalmente distinta da atual.


1 – NOVAS TIPIFICAÇÕES PREVISTAS NO PLS 236/2012.

Ajustando-se às radicais mudanças ocorridas no mundo desde 1940, o projeto do novo Código Penal passou a prever diveras novas figuras típicas, justamente com o intuito de evitar a impunidade em diversas práticas que, embora nocivas, por falta de previsão legal e por respeito ao Princípio da Legalidade, não podiam ser objeto de persecução criminal.

Uma dessas lacunas solucionadas com o PLS 236/2012 foi a questão dos crimes cometidos pelos meios eletrônicos. Muito embora em 2012 tenha sido promulgada a Lei 12737, popularmente chamada de “Lei Carolina Dieckman”, tal legislação previa apenas três novos fatos típicos e não solucionavam o problema de lacuna legal existente.

Com o PLS 236/2012, tal problema deve ser solucionado, pois além de dedicar um Capítulo aos “Crimes Cibernéticos”[3], o anteprojeto ainda cria outras figuras típicas em outros Capítulos, conseguindo amoldar condutas criminosas clássicas praticadas pelos meios eletrônicos, como o artigo 164, que prevê o delito de “Danos aos dados informáticos”, ampliando a incidência do tradicional crime de dano, e o artigo 170, que prevê o crime de “Fraude informática”, este de grande incidência, pois irá conseguir tipificar as práticas de estelionato que são cometidas através do ambiente virtual.

Outro assunto que invariavelmente é pauta das discussões populares e na imprensa é a questão da violência nos estádios de futebol. O anteprojeto também dedicou um Capítulo chamado “Dos crimes contra eventos esportivos e culturais”.

Merecem destaque em relação a esta matéria o artigo 249, que prevê o crime de “Tumulto em evento esportivo”. O mais interessante deste artigo é o seu parágrafo 1º, inciso I, que impõem a mesma pena a quem pratique a violência em razão de evento esportivo num raio de cinco mil metros do local da realização do evento, mostrando que o legislador está atento às mudanças recentes no comportamento da sociedade, já que a grande maioria das brigas e confusões envolvendo torcedores ocorrem longe dos estádios, que atualmente estão muito bem policiados e vigiados, coibindo tal prática. A crítica ao artigo vai à sanção penal prevista, máximo de dois anos de prisão, o que na prática implica na lavratura de um Termo Circustanciado, o que pode não infligir o temor necessário para coibir a violência entre torcidas.

Assim, nos parece que a principal inovação e a que terá maior utilidade prática será o disposto no parágrafo 2º do mesmo artigo, que prevê a possibilidade do Juiz, cumulativamente à pena de prisão, proibir o acesso do condenado a qualquer arena esportiva ou até mesmo circular na proximidades pelo prazo de até 3 anos. Tal disposição é aplicada em diversos países, com destaque para a Inglaterra, que com remédio legal semelhante conseguiu controlar o hooliganismo que assolou os estádios do Reino Unido até o final dos anos 80. 

Outra inovação trazida pelo anteprojeto e que também vai ao encontro dos anseios da sociedade é o crime de “cambismo” previsto no artigo 252, ou seja, a prática de revender ingressos a preço superior ao de face, prática comum e que teve repercussão mundial durante a Copa do Mundo de 2014, onde funcionários do alto escalão da FIFA foram presos por prática idêntica.

Também mostrando compatibilidade com o ordenamento jurídico de um Estado Democrático de Direito está o artigo 271 do anteprojeto, que tipifica o abuso de autoridade. Neste caso, a um recrudescimento alto da sanção penal, que subiria de 10 dias a 6 meses de detenção, nos termos da Lei 4898/1965[4] para 2 anos a 5 anos de prisão, mostrando uma preocupação do legislador com as constantes queixas da sociedade quanto aos supostos abusos praticados por agentes públicos no exercício de suas funções.

Outra preocupação moderna da sociedade está ligada à violência no trânsito, principalmente em relação aos motoristas que dirigem sob efeito de álcool ou substância entorpecente. Assim, o anteprojeto revoga expressamente o capítulo do Código de Trânsito Brasileiro que prevê os crimes de trânsito, aplicando-se exclusivamente o disposto no anteprojeto, que extingue os crimes de lesão corporal culposa e homicídio culposo na direção de veículo automotor, aplicando-se a regra geral sempre que houver tais resultados materiais.

Em uma análise superficial, pode-se achar incompatível com o anseio popular tal reforma, já que as penas dos crimes de lesão corporal culposa e homicídio culposo previstos no anteprojeto são menores que os do CTB. Entretanto, a real inovação e que seria a forma de endurecer as punições aos motoristas que cometem crimes estão nos parágrafos 5º e 6º do artigo 121 que versam sobre a culpa gravíssima.

Nos termos do projeto de lei, verificar-se-á a culpa gravíssima quando o agente não quis o resultado morte, nem assumiu o risco de produzi-lo, mas agiu com excepcional temeridade. Nestes casos, a pena é muito mais severa, saltando do intervalo de um a quatro anos de prisão para os limites de quatro a oito anos de prisão.

Tal dispositivo é uma clara intenção do legislador de evitar deixar impune o motorista que comete um homicídio na direção de veículo, criando até mesmo uma novo grau de culpa, pois a “excepcional temeridade” prevista no anteprojeto não encontra previsão compatível no ordenamento vigente, que sanciona as condutas culposas, indepenedente do grau de culpabilidade do agente, da mesma forma.

Este novo grau de culpa ainda ajuda a solucionar o problema da dificuldade em caracterizar o dolo eventual nos crimes de trânsito em que o agente esteja embriagado, pois este exige que

embora o agente não queira diretamente praticar o delito, não se abstém de agir e, com isso, assume o risco de produzir o resultado que por ele já havia sido previsto e aceito. O autor entende ser extremamente provável que o resultado danoso ocorra, mas age de forma indiferente quanto a isso, assumindo o risco de sua produção[5].   

A diferença entre o dolo eventual e a culpa consciente é tênue, pois nesta o agente prevê que o resultado possa acontecer, mas acredita sinceramente que não ocorrerá[6], ou seja, a única diferença entre os institutos está na assunçãoo do risco por parte do agente, conjugado com sua percepção acerca da possibilidade do resultado danoso ocorrer, fatores de cunho psicológico, que estão somente no íntimo do autor, razão pela qual o dolo eventual nos crimes de trânsito são de difícil carcaterização, deixando uma sensação de impunidade.

O parágrafo 6º do artigo 121 do anteprojeto é definitivo ao mostrar a intenção do legislador em endurecer a penalidade ao motorista embriagado, ao equiparar, de forma objetiva, o fato do motorista estar sob influência de álcool ou substância de efeitos análogos ou ainda na disputa de corrida não autorizada à culpa gravíssima.


2 – O ANTEPROJETO E O CONTROLE DA POPULAÇÃO CARCERÁRIA.

2.1 - Inovações do anteprojeto que influenciam no controle da população carcerária

Um dos grandes desafios da segurança pública é tentar equacionar o problema da superlotação carcerária sem contudo manter ou ampliar o crime de impunidade reinante na sociedade.

O maior causador dos problemas carcerários é o grande número de presos provisoriamente. Segundo dados do DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional, órgão vinculado ao Ministério da Justiça[7], o total de presos no país perfaziam o total de 548.003 pessoa, sendo que destes, 195.036, ou seja, 35,59% da população carcerária do país é formada por pessoas que estão aguardando julgamento, sendo que ao final da persecução penal podem vir a serem absolvidos ou ter ocorrido a prescrição do seu crime, tendo passado até mesmo anos com sua liberdade de locomoção cerceada injustamente.

Agrava ainda mais o problema o fato de que o sistema penitenciário nacional encontra-se, segundo o DEPEN, com uma defasagem de 237.316 vagas, já que o sistema oferecia, em dezembro de 2012, 310.687 vagas. Ou seja, o legislado atual encontra-se diante de um dilema, pois a sociedade clama por um endurecimento do sistema penal, acreditando que a segregação do infrator seja a única medida capaz de resolver o problema da segurança pública, sendo que o atual sistema já encotra-se em defasagem de quase 50% de vagas.

Segundo o Juiz auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça, Erivaldo Ribeiro dos Santos, seriam necessários cerca de R$ 3 bilhões em investimentos no sistema penitenciário apenas para suprir a atual falta de vagas, sem contar eventual aumento visando o endurecimento do sistema penal[8].

Assim, a primeira medida visando o equilíbrio do sistema penitenciário está na correta aplicação da prisão provisória. O próprio STF, ao julgar um habeas corpus afirmou que

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A prisão preventiva em situações que vigorosamente não a justifiquem equivale a antecipação da pena, sanção a ser no futuro eventualmente imposta, a quem a mereça, mediante sentença transitada em julgado. A afronta ao princípio da presunção de não culpabilidade, contemplado no plano constitucional (artigo 5º, LVII da Constituição do Brasil), é, desde essa perspectiva, evidente. Antes do trânsito em julgado da sentença condenatória a regra é a liberdade; a prisão, a exceção. Aquela cede a esta em casos excepcionais. É necessária a demonstração de situações efetivas que justifiquem o sacrifício da liberdade individual em prol da viabilidade do processo.[9]

Impondo a prisão provisória da forma constitucionalmente prevista, ou seja, apenas em casos excepcionais, por volta de 1/3 da população carcerária poderia diminuir, sendo que boa parcela está detida cautelarmente por delitos cuja ofensa ao bem jurídico tutelado não justificaria sequer um encarceramento decorrente de sentença judicial condenatória transitada em julgado, qunto mais um cerceamento liminar da liberdade.

Assim, a doutrina desenvolveu o instituto do Princípio da Bagatela ou Insignificância, no qual algumas condutas, que por lesionarem o bem jurídico tutelado de forma ínfima, não deveriam sofrer reprimenda estatal, devendo os atos serem considerados até mesmo atípicos, ou seja, deixam de ser crimes.

Tal princípio foi abarcado pela Jurisprudência, que passou a aplicá-lo principlamente nos crimes de furto de coisas de pequeno valor. Atento às inovações jurisprudenciais, e vislumbrando tal princípio como um instrumento eficaz de controle da população carcerária, o legislador positivou tal princípio no parágrafo 1º do artigo 28, exigindo, para sua caracterização, a incidência de três condições cumulativas: a) A mínima ofensividade da conduta do agente; b) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e c) inexpressividade da lesão jurídica provocada, sendo que o reconhecimento da insignificância, de acordo com o anteprojeto, acarreta em atipicidade da conduta, ou seja, o fato não será considerado criminoso.

A previsão legal obviamente acarretaria uma diminuição da população carcerária, pois hoje o princípio, como construção doutrinária e jurisprudencial, não vincula o magistrado, sendo comum pessoas que, por terem furtado uma lata de óleo ou qualquer mercadoria de baixo valor de um supermercado, além de responderem ao processo penal aguardem o julgamento presas provisoriamente, contribuindo para o esgotamento do sistema penitenciário.

Assim, com a positivação da insignificância, sua aplicação passa a ser direito subjetivo do acusado, devendo o julgador aplicá-lo sempre que os requisitos estiverem presentes e, em se tratando de norma benéfica ao réu, deve retroagir para alcançar casos pretéritos, acarretando a libertação de milhares de pessoas presas, tanto provisória quanto definitivamente, bem como o encerramento de um grande acervo de processos criminais, contribuindo não só para a solução do problema carcerário como também para o desafogamento do Poder Judiciário.

Outro instituto previsto pelo anteprojeto do novo código penal e que pode ser considerado uma verdadeira inovação está previsto no artigo 105 e teve inspiração no direito norte-americano. Trata-se da “barganha”[10], possibilidade do Representante do Ministério Público e do defensor do acusado, após o recebimento da denúncia e antes da audiência de instrução e julgamento, realizarem um acordo.

O curioso é que, ao contrario do insituto norte-americano, a barganha do anteprojeto, muito embora diga que as partes atuem “no exercício autônomo da expressão de suas vontades”, limita esse acordo de vontades com algumas imposições.

A primeira é que o acordo deverá conter a confissão do réu, seja ela total ou parcial. A segunda e mais impactante é que obrigatoriamente o acordo deverá prever a imposição da pena mínima prevista no tipo penal em que estiver incurso o réu, independente da incidência de agravantes ou causas de aumento de pena, sendo proibida a fixação do regime fechado para início do cumprimento da pena e devendo, sempre que possível, a pena de prisão ser convertida em pena restritiva de direitos.

Ou seja, o instituto da barganha pode ser responsável, assim como o princípio da insignificância, pela diminuição da população carcerária e pela desobstruição da Justiça Criminal, pois milhares de processos seriam encerrados logo após terem início, sendo que os réus que realizassem os acordos, por não poderem iniciar o cumprimento da pena em regime fechado ficariam em liberdade ou em prisão domicilar, pois a falta de estabelecimentos compatíveis com os regimes semi-aberto e aberto são ainda mais preocupantes que as penitenciárias voltadas ao regime fechado e não é possível o condenado cumprir pena em regime mais rigoroso que o previsto.

Como o anteprojeto não prevê qualquer limitação sobre quais as infrações penais o acordo pode incidir, podemos afirmar que até mesmo crimes hediondos e/ou que causem grande clamor popular possam ser objeto de uma verdadeira barganha, gerando  grande insatisfação na sociedade, pois ao acusado será imposta a pena mínima, independente das circunstâncias, e ainda irá iniciar o cumprimento da sanção, no máximo, em regime semi-aberto.

Diante deste quadro, críticos do instituto não tardaram a aparecer, usando como principais argumentos que a barganha fere direitos fundamentais como a presunção de inocência e o devido processo legal, diminuindo a qualidade de atuação da Justiça repressiva e de todos os seus atores, pois tanto julgador quanto acusação e defesa, assoberbados de trabalho diante de um volume de processos praticamente invencível, podem forçar um acordo visando exclusivamente a diminuição do acervo, sem preocuparem-se realmente se o réu é culpado ou se a sanção penal a ele imposta é adequada ao delito praticado, e se ira retribuir corretamente o mal causado or sua conduta e ainda contribuir para sua reinserção na sociedade.

Assim,

A barganha põe fim à presunção de inocência e ao contraditório – duas conquistas históricas do Direito Penal – e incentiva o sistema a conspirar contra o réu: promotores, interessados em aumentar suas taxas de condenação, querem evitar uma possível derrota no julgamento; defensores públicos, sobrecarregados de casos, buscam uma solução rápida; e juízes, diante da inflação de processos à espera de resposta do Judiciário, querem reduzir a pilha de casos sobre a mesa. Resultado: apenas os réus mais ricos, com recursos para bancar advogados, resolvem apostar suas chances no Tribunal.[11]

Sem contar que a barganha contribui para um desbalanceamento das forças em um processo penal, uma vez que o órgão judicante não pode interferir no acordo celebrado, sendo que a homologação do mesmo é ato vinculado, desrespeitando o princípio do livre convencimento motivado do magistrado, que inclusive não poderá sequer apreciar as provas, pois um dos efeitos obrigatórios do acordo é a dispensa da dilação probatória, ou seja, a verdade real, objetivo maior da persecução penal, jamais poderá ser alcançada em razão de um acordo de vontades que muitas vezes não contará com a participação do maior interessado, o réu, ou tal acordo pode ser realizado até mesmo em detrimento deste, com o objetivo de desafogar a máquina administrativa ou satisfazer sentimento pessoal de qualquer dos envolvidos no processo-crime.

2.2 – Reformas previstas no PLS 236/2012 e seus efeitos no sistema prisional.

Além das inovações trazidas no ítem anterior, o anteprojeto do novo Código Penal também reforma diversos tipos penais, adequando-os à nova realidade social e também tentando satisfazer a equação impunidade x controle da população carcerária.

Até mesmos institutos tradicionais, como o crime de furto, sofrerão profundas modificações dentro do ordenamento jurídico caso o anteprojeto venha a ser realmente promulgado.

Segundo o relatório do DEPEN, dos 548 mil presos no Brasil, 77.873 respondem pelo crime de furto, seja ele na forma simples ou qualificada. Ou seja, 14,21% de todos os componentes do sistema penitenciário respondem tão somente por um delito, dentre as centenas de figuras típicas previstas na ordem legal pátria.

Cabe lembrar que o furto pode ser considerado um crime de menor gravidade, já que não implica em risco pessoal à vítima, uma vez que é cometido sem o emprego de violência ou grave ameça. Aliás, na grande maioria dos casos é praticado na ausência da vítima.

Diante destes fatores, o legislador optou, nos termos do inciso III do parágrafo 3º do artigo 155 do anteprojeto, em transformar o delito de furto em crime de ação penal condicionada, ou seja, a persecução penal só terá início caso a vítima manifeste expressamente seu desejo de ver o suspeito devidamente processado criminalmente.

Esta inovação mostra-se em sintonia com os costumes atuais, pois a experiência profissional nos mostra que em considerável quantidade dos casos, a vítima tão somente está interessada em recuperar seu petrimônio, muitas vezes não desejando que o autor do deito seja preso, inclusive não mostrando-se cooperativa com a Justiça criminal, principalmente nos casos de subtração de bens de pequeno valor, quando o princípio da insignificância pode ser aplicado.

Coadunando com o acima exposto, o legislador previu no inciso II do mesmo parágrafo, que até a prolação da sentença de 1º grau, o autor do crime tenha reparado integralmente o dano causado, e a vítima aceite, a punibilidade será extinta, mostrando que o crime de furto, por não apresentar riscos à integridade física da vítima, tem o condão exclusivamente patrimonial.

Mesmo o crime de roubo, que continuará a ser previsto no artigo 157, e que oferece risco pessoal à vítima, pois é realizado na presença dela e com o emprego de violência e/ou grave ameaça, muitas vezes utilizando-se arams de fogo, terá sua pena-base diminuída do intervalo de 4 a 10 anos de prisão previsto atualmente para o intervalo de 3 a 6 anos de prisão previsto no PLS 236/2012, o que demonstra que a intenção do legislador é o endurecimento do cumprimento de pena, através de sistema de progressão de regime e de cumprimento inicial de pena mais severos que o atual, tema que será tratado no próximo capítulo deste trabalho.

O PLS 236/2012 ainda tem importante inovação na questão do uso de entorpecentes. Erroneamente, após a edição da Lei 11.343/2006, que passou a regular o tráfico de entorpecentes, muitos passaram a ventilar a falsa ideia de que o porte de entorpecentes para consumo pessoal deixou se ser crime.

Tal assertiva mostra-se falsa, pois em leitura atenta do artigo 28 da citada Lei, já verifica-se, de plano, que o artigo está contido no Capítulo “Dos crimes e das penas”, e que o mesmo prevê que “quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:”.

Ou seja, com o advento da Lei de 2006 houve apenas uma despenalização do porte de entorpecentes para consumo pessoal, já que ao autor deste crime deixaria-se de impor cerceamento da liberdade, sendo imposta pena pena restritiva de direito.

Já o anteprojeto, em seu artigo 212 parágrafo 2º prevê textualmente que não haverá crime quando a pessoa porta ou até mesmo cultiva entorpecente para consumo pessoal. Importante se atentar que o próprio artigo, em seu parágrafo 4º, define, embora admitindo prova em contrário, que deve ser considerada para consumo próprio a quantidade suficiente para consumo médio de uma pessoa pelo período de cinco dias, sendo que portaria da autoridade de saúde, provavelmente a ANVISA, determinará qual deve ser tal quantidade.

Muito embora a reforma prevista em nada contribuirá para o controle da população carcerária, contribuirá para a melhoria da prestação jurisdicional, pois atualmente a pessoa que é flagrada portando entorpecentes para consumo próprio é conduzida até uma Delegacia de Polícia onde é lavrado um Termo Circunstanciado, sendo tal procedimento enviado ao Poder Judiciário que imporá as penas restritivas de direito que entender adequadas.

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Sobre o autor
Denis Cortiz da Silva

Delegado de Polícia no Estado de São Paulo. Mestrando em Direito Político e Econômico na Universidade Presbiteriana Mackenzie

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Denis Cortiz. O anteprojeto do novo Código Penal como eficaz instrumento de política pública . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4096, 18 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31877. Acesso em: 19 abr. 2024.

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