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Um caso de competência da Justiça Federal para julgar crimes contra o mercado de capitais

19/04/2015 às 12:23
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Quando se trata de crimes introduzidos pela Lei 10.303/2001, há evidente interesse da CVM, uma vez que ela tem o poder de regulamentação e de policia sobre o mercado, detendo os instrumentos de apuração.

O Ministério Público Federal decidiu denunciar o empresário Eike Batista pelos delitos de  manipulação de mercado e de uso de informação privilegiada(insider trading) em relação aos resultados dos campos de petróleo que a petroleira OGX(atual OGPar, em recuperação judicial) operava na Bacia de Campos. As manobras teriam resultado na venda de ações da petroleira, alterando artificiosamente  o comportamento da Bolsa de Valores em 2012, segundo se relata na peça de acusação.

Fala-se ainda que a estratégia de defesa será questionar a competência da Justiça Federal para instruir e julgar a ação penal ajuizada.

Com o devido respeito ouso discordar da tese da defesa.

Os ilícitos contra o mercado de capitais possuem caráter pluri estadual ou transnacional e, sem dúvida, flagrante interesse da Comissão de Valores Mobiliários, autarquia federal, que foi criada pela Lei 6.385/76 com o objetivo de supervisionar, disciplinar e promover o desenvolvimento do mercado de capitais. Na matéria, há a abordagem de Rodrigo de Grandis(Duas palavras sobre o crime de “ insider trading”: a competência da Justiça Federal para o processo e o julgamento e a sua consideração como antecedente do delito de  “lavagem” de dinheiro):

“ Em síntese, os crimes contra o mercado de capitais, em especial o delito de insider trading(artigo 27 – D da Lei nº 6.385/1976), violam direta e frontalmente os serviços de fiscalização e de regulamentação, bem como o notório interesse da autarquia federal Comissão de Valores Mobiliários(CVM) em estabelecer um mercado de valores mobiliários hígido, saudável, íntegro e eficiente, de modo a ensejar a incidência da competência da Justiça Federal prevista no artigo 109, IV, da Constituição Federal.”

Quando se trata de crimes introduzidos pela Lei 10.303/2001, há evidente interesse da CVM, uma vez que ela tem o poder de regulamentação e de policia sobre o mercado, detendo os instrumentos de apuração dos indícios relativos aos referidos crimes. A competência para essas hipóteses será federal, a teor do artigo 109, VI, da Constituição.

A par disso, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Conflito de Competência 82.961/SP, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJe de 22 de junho de 2009, quando concluiu que a Lei 6.385/76 não prevê a competência da Justiça Federal, mas é indiscutível que, caso a conduta possa gerar ao sistema financeiro nacional, na medida em que põe em risco a confiabilidade dos aplicadores no mercado financeiro, a manutenção do equilíbrio dessas relações, bem como a higidez de todo o sistema, existe o interesse direto da União a gerar a competência da Justiça Comum Federal para instruir e julgar o feito.

Observe-se a gravidade dos crimes discutidos na denúncia.

Segundo se noticia, o suposto caso de manipulação de mercado é apontado pelo Ministério Público na ocasião em que o acusado teria simulado a injeção de US$ 1  bilhão em uma de suas empresas por meio de compra de ações da OGX. O Parquet considera que ele tentou alterar de forma artificial o funcionamento da bolsa de valores.

A outra acusação aponta que o empresário teria chegado a lucrar mais de $260 milhões com a venda de ações da OGX por meio de informações privilegiadas que não foram divulgadas no mercado.

Por sua vez, o grupo EBX negou que o empresário se valeu de “informações privilegiadas”, assinalando que, nesse caso, teria ele vendido toda sua participação na OGX, segundo se lê do site da Revista Época.

 O insider trading é uma das práticas mais perniciosas do mercado e consiste na negociação de valores mobiliários baseada no conhecimento de informações relevantes que ainda não são de conhecimento público, com o objetivo de auferir lucro ou vantagem de mercado. Desde 2001, tal prática é considerada crime, diante da redação que se dá à Lei 10.303/01, que alterou a Lei 6.385/76.

Se o mercado de valores mobiliários é um instrumento essencial para o crescimento econômico brasileiro e sua eficiência depende além de normas adequadas e de bom funcionamento de instituições, as práticas chamadas de não equitativas devem ser censuradas, pois além de causar danos a investidores, causam impacto suficientemente hábil a afetar a credibilidade e a harmonia do próprio mercado e a economia do pais, que sofre inegáveis prejuízos.

O agente age antes da divulgação da informação privilegiada que é toda aquela que não tornada pública, sendo precisa e dizendo respeito a qualquer emitente ou a valores mobiliários ou outros instrumentos financeiros, seriam idôneas, se lhe fosse dada publicidade, para influenciar de maneira sensível o preço no mercado. A informação privilegiada sobre determinada companhia para negociar com valores mobiliários por ela emitidos é uma situação de manifesta vantagem em relação aos demais investidores não detentores da informação(insider trading). Trata-se do aproveitamento de informações reservadas sobre a sociedade emissora de títulos, em detrimento dos demais acionistas, que as ignoram, como disse Luiz Gastão Paes de Barros Leâes(Mercado de capitais e insider trading, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1982, pág. 139). O comportamento desleal dos insiders ofende não só os direitos dos demais investidores, que ficam desprotegidos perante os grandes acionistas e demais detentores de informações privilegiadas, como ainda ao mercado, de forma a destruir a confiança e a lisura das relações, que constituem a base do sistema.

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O objetivo fundamental da repressão ao insider trading é possibilitar o desenvolvimento equilibrado do país e o atendimento do interesse da coletividade, fundamentais para o sistema financeiro nacional e ao atendimento aos princípios da ordem econômica, a teor do artigo 170 da Constituição Federal.

O sujeito ativo do crime é operador no mercado de valores mobiliários, hipótese em que se considera um crime próprio.

Podem cometê-lo uma autoridade, que sob dever de sigilo, não pode divulgar fatos sigilosos, como é o caso de ter informações sobre futuras medidas que serão tomadas na intervenção no domínio econômico.

Ainda será o caso do particular que se beneficia de sua posição privilegiada na empresa, com seu poder de voto, para utilizar informações sobre fatos relevantes antes que estes sejam divulgados no mercado.

Trata-se de crime formal, de perigo concreto, permanente,  em que é possível a tentativa se a informação esteja sendo passada por escrito e se extravie.

Pode acontecer nas negociações a chamada manipulação do mercado.

Tem-se o tipo penal disposto no artigo 27 – C da Lei 10.303/2001:

Art. 27-C. Realizar operações simuladas ou executar outras manobras fraudulentas, com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários em bolsa de valores, de mercadorias e de futuros, no mercado de balcão ou no mercado de balcão organizado, com o fim de obter vantagem indevida ou lucro, para si ou para outrem, ou causar dano a terceiros.

Pena – reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.

O crime envolve a conduta de criar condições artificiais de demanda e ou oferta desses títulos, objetivando tornar os preços irreais. Assim estaria minada a confiança dos investidores no mercado, pois são criados novos riscos além daqueles normais do mercado a gerar ineficiência. Desta forma  o agente, através de manipulações do mercado, simula um risco elevado para determinada ação, acarretando a desvalorização desta, de forma a inibir investidores que seriam  atraídos para comprar uma ação de alto risco, sendo que poderiam comprar  uma outra com menor risco, reduzindo, de forma artificial, a demanda, pois quanto menor esta, menor será o preço. O agente assim, com a manipulação, poderia comprar estes papeis a preços muito baixos e revendê-los, logo após, a preços mais altos após estar normalizado o mercado. Essa conduta traria prejuízos ao mercado. Ainda poderia acontecer tal crime ocorre quando algumas pessoas realizam uma série de operações seguidas de compra e venda que vão crescendo de modo a criar uma ilusão de que o valor  das ações seria muito maior do que realmente valeriam, trazendo prejuízos a investidores de boa-fé, que comprarem essas ações supervalorizadas. Cria-se uma situação artificiosa, em estado de fraude, onde se busca valorizar ações que detém para vê-los negociados a altos preços, quando, na verdade, não ostentam tal valor. Buscam desvalorizar ações que pretendem, para adquiri-las, por ninharias, para, logo em seguida, revendê-las pelo valor que efetivamente possuem obtendo assim o lucro fácil, em prejuízo e até quebra de empresas envolvidas.

Além disso foi solicitado o arresto de bens do patrimônio do acusado em até R$1,5 bilhão. Trata-se de medida cautelar real.

As medidas cautelares reais  visam assegurar direitos do ofendido, lesados pelo crime. São medidas que se destinam a prevenir o dano ou prejuízo que poderiam advir com a demora da solução definitiva da causa ou litígio.

São conhecidas pela doutrina tradicional como medidas assecuratórias, de natureza preventiva, já que se destinam a evitar o dano que a morosidade do processo possa causar.

Assim visam a assegurar a futura condenação penal do acusado, atingindo bens que estão na sua posse ou de terceiro. 

A adoção de uma dessas medidas cautelares reais no processo penal não prejudica semelhante iniciativa no juízo civil.

O arresto é medida cautelar que recai sobre qualquer bem que garanta o pagamento dívida.

O desiderato do arresto é transformar-se em penhora, medida executiva própria da execução por quantia certa contra devedor solvente.

O Código de Processo Penal prevê duas hipóteses de arresto:

  1. o arresto que pode ser decretado logo de início sobre o imóvel, sendo substituído, em quinze dias, pela hipoteca legal(artigo 136 do Código de Processo Penal);
  2. o arresto que incidirá sobre móveis, suscetíveis de penhora, que deverão ser vendidos em leilão após o trânsito em julgado da sentença(artigo 137 do CPP).

O depósito e a administração dos bens arrestados ficarão sujeitos ao regime do processo civil, como se vê no artigo 621 do anteprojeto do CPP.

Será, sem dúvida, uma longa batalha jurídica cujos resultados são importantes para o regular funcionamento do mercado de ações que é  um dos pilares do estado capitalista que a Constituição nos impõe.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Um caso de competência da Justiça Federal para julgar crimes contra o mercado de capitais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4309, 19 abr. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32560. Acesso em: 19 mar. 2024.

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