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A perda do prazo para a posse em concurso público e o princípio da razoabilidade

08/10/2014 às 10:22
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Se você perdeu o prazo para a posse, não se desespere. Saiba que o Poder Judiciário já julgou casos semelhantes ao seu e, com base no princípio da razoabilidade, vem determinando que a administração pública deva reabrir o prazo, convocando novamente o candidato para que se apresente à posse.

Não é incomum encontrarmos concurseiros aprovados e nomeados nos certames, mas que, por não tomarem conhecimento da nomeação, acabam perdendo o prazo para a posse no cargo público.

Três são os fatores que levam a essa circunstância.

O primeiro, de ordem legal, é prazo de 30 (trinta) dias, contados da nomeação, para que o candidato tome posse, previsto no Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União (Lei Federal n. 8.112/90), e, normalmente, reproduzido pelos estatutos estaduais e municipais.

O segundo refere-se às previsões editalícias, que, em regra, impõem à administração o dever de publicar o ato de provimento (nomeação) apenas no Diário Oficial ou, quando benevolentes, no Diário Oficial e na internet.

O terceiro é o entendimento, consolidado no âmbito dos Tribunais pátrios, de que a administração pública não está obrigada a preencher imediatamente os cargos disponibilizados no concurso, podendo fazê-lo, mesmo para os candidatos aprovados dentro do número de vagas, até o término do prazo do certame, que pode durar até 04 (quatro) anos, contando-se com a prorrogação.

Assim, na prática, o que normalmente ocorre é o seguinte: o candidato estuda muito, se prepara, é aprovado no concurso público, ou, pelo menos, classificado, mas não é imediatamente nomeado. Como não pode aguardar, de braços cruzados, a sua nomeação, que, como dito, pode demorar até 4 (quatro) anos, começa a se preparar para outros certames, voltando todas suas energias a nova empreitada de estudos.

É óbvio que esse candidato, mesmo ciente de sua aprovação, não conseguirá acompanhar diariamente, durante anos, as publicações em Diário Oficial realizadas pelo órgão ou entidade para o qual foi aprovado, especialmente porque, como é cediço, o ritmo de estudos do candidato a concurso público lhe impõe quase que dedicação exclusiva, quando não tem de conciliar com outras obrigações inafastáveis, como família, trabalho etc.

Até que, após alguns anos da aprovação, toma conhecimento de que foi nomeado para o cargo pretendido, já tendo, contudo, perdido o prazo para tomar posse. E agora, o que fazer?

Há alguns anos, poderia dizer a esse concurseiro que estudasse mais e se preparasse para o próximo certame, pois, com base em uma interpretação literal da norma, posicionava-se a jurisprudência pela impossibilidade de dilatação do prazo para a posse, considerando desidiosa a conduta do candidato que não acompanhou sua nomeação no Diário Oficial.

Felizmente, contudo, os Tribunais pátrios têm modificado o entendimento, realizando uma leitura desses casos sob a ótica do princípio da razoabilidade, para considerar inviável a exigência de que o candidato acompanhe diariamente os atos publicados pelo órgão ou entidade no Diário Oficial, mormente quando a nomeação ocorre anos após a aprovação.

Além do mais, tem se ampliado a compreensão do princípio da publicidade para considerar insuficiente a publicação mediante Diário Oficial e, até mesmo, por meio da internet, impondo à administração o dever de intimar pessoalmente o candidato do ato de sua nomeação.

[...] Caracteriza violação ao princípio da razoabilidade a convocação para determinada fase de concurso público, mediante publicação do chamamento em diário oficial e pela internet, quando passado considerável lapso temporal entre a homologação final do certame e a publicação da nomeação, uma vez que é inviável exigir que o candidato acompanhe, diariamente, durante longo lapso temporal, as publicações no Diário Oficial e na internet. 4. Mesmo não havendo previsão expressa no edital do certame de intimação pessoal do candidato acerca de sua nomeação, em observância aos princípios constitucionais da publicidade e da razoabilidade, a Administração Pública deveria, mormente em face do longo lapso temporal decorrido entre as fases do concurso (mais de 1ano e sete meses), comunicar pessoalmente a candidata acerca de sua nomeação. [...] (STJ - MS: 15450 DF 2010/0115933-5, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 24/10/2012, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 12/11/2012)

A nomeação em concurso público após considerável lapso temporal da homologação do resultado final, sem a notificação pessoal do interessado, viola o princípio da publicidade e da razoabilidade, não sendo suficiente a convocação para a fase posterior do certame por meio do Diário Oficial, conforme recente jurisprudência desta Corte. Súmula 83/STJ. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no AREsp: 345191 PI 2013/0151979-7, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 05/09/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/09/2013).

O Tribunal de Justiça da Bahia, malgrado possua precedente em sentido contrário, tem se inclinado no sentido de acompanhar o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, restituindo o prazo para que o candidato apresente-se para a posse:

A nomeação decorrente de Concurso Público e respectiva posse, objeto do mandamus, é da competência privativa do Governador do Estado. Afigura-se ilegal e arbitraria a convocação de candidatos habilitados em Concurso Público apenas mediante publicação em Diário Oficial, ante o longo decurso de tempo decorrido desde a aprovação. No caso concreto, ela não atingiu o seu objetivo e não atendeu aos princípios da publicidade e da razoabilidade. Demonstração de ofensa a direito líquido e certo merecedor do amparo através do writ para restituir o prazo para apresentação dos documentos e realização de exames médicos. (TJ-BA - MS: 00143139720138050000 BA 0014313-97.2013.8.05.0000, Relator: João Augusto Alves de Oliveira Pinto, Data de Julgamento: 22/01/2014, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 23/01/2014).

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O louvável entendimento jurisprudencial não premia o candidato omisso. Não é um salvo-conduto para que o candidato aprovado simplesmente esqueça-se do certame, ou, propositadamente, não tome posse, condicionando esse ato ao interesse do concurseiro.

Até porque, como dito, não se trata de uma regra, mas sim de uma interpretação principiológica, cuja conclusão, naturalmente, só ocorrerá se presente a razoabilidade no caso concreto.

No entanto, caso presente, essa solução apresenta-se verdadeiramente como uma luz para o candidato esforçado, que logrou êxito na aprovação, mas que por conta da insuficiência na publicação do ato de provimento, tomou conhecimento tardiamente de sua nomeação.

Portanto, se você perdeu o prazo para a posse, não se desespere. Saiba que o Poder Judiciário já julgou casos semelhantes ao seu e, com base no princípio da razoabilidade, vem determinando que a administração pública deva reabrir o prazo, convocando novamente o candidato para que se apresente à posse.

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Sobre o autor
Paulo Victor Souza Sena

Advogado com atuação nas áreas de Direito Administrativo, Constitucional e Eleitoral.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SENA, Paulo Victor Souza. A perda do prazo para a posse em concurso público e o princípio da razoabilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4116, 8 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32614. Acesso em: 28 mar. 2024.

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